Echo escrita por Crazy


Capítulo 3
3. Cause my echo, echo is the only voice coming back




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 Naquele primeiro momento, quando nos beijamos pela primeira vez, eu e Melody nos afastamos instantaneamente. O medo de sermos descobertos se sobrepusera a qualquer outro sentimento, fazendo com que não nos olhássemos pelo resto do dia. Eu tinha Louise, afinal, e, por mais que ela estivesse distante, eu tinha de respeitá-la.

  Eu tinha? Então, por que não a respeitei?!

  O caso foi que, depois daquele susto inicial, as coisas realmente desandaram. No dia seguinte, com certo receio, Melody havia confessado seus sentimentos a mim, e aquilo fora o suficiente para que eu perdesse a cabeça e agisse como um completo imbecil. “Eu te amo, Nath”. “Eu sempre gostei de você, Nath”. “Por favor, fique comigo, Nath”.

  Por que eu fiz isso? Se eu amava tanto a Louise, por que não a levei em consideração?

  A partir de então, começou a ser frequente. Qualquer mínima brecha parecia ser a oportunidade perfeita para nos agarrarmos; não nos importávamos com mais nada além da saciedade de nossos desejos reprimidos, deixando-nos ir para muito além dos beijos e abraços. Eu, de fato, me sentia um lixo. Meu caráter se esvaía junto de minha consciência, e minha integridade já havia se perdido há tempos também. Sabíamos que estávamos errados, que aquilo acabaria mal, mas nossa química parecia fluir tão bem que levar todos os alertas em consideração parecia besteira. Nós não seríamos descobertos, certo?     

  Louise parecia não desconfiar de absolutamente nada, e se desconfiava nunca nem sequer demonstrou. Embora distante por causa dos estudos, continuava a manifestar sua doçura habitual, esboçando um sorriso toda vez que nos encontrava. Àquela altura eu mal conseguia encará-la; impulsos violentos de vergonha me abatiam, e só de olhar para ela eu sentia as lágrimas se acumulando sob minhas pálpebras. Eu a amava, mas negar que sentia algo por Melody era impossível.

    Lixo, Nathaniel. Você é um completo lixo!

   Melody, em partes, também se sentia inquieta, e fazia questão de demonstrar isso toda vez que nos beijávamos, nos agarrávamos e transávamos. De alguma forma ou outra, ela sabia. Sabia o quanto eu amava Louise, o quanto eu me culpava pela quebra de fidelidade. E por que eu a queria, afinal? Porque minha namorada não saciava meu apetite sexual, sendo que essa opção era intrínseca a ela? Pelo fato de Louise não se sentir física e mentalmente preparada para isso?

  É... Pensando bem, eu fui um duplo idiota. Um idiota por trair Louise - sem nem sequer me importar com seus sentimentos – e mais idiota ainda por pensar que as relações com Melody supririam a falta que ela me fazia. Pensar nisso, durante mais uma “ficada” com Melody em mais uma tarde no colégio, fez com que meu coração fosse a mil, propagando uma série de sensações indesejadas, que mais pareciam me esmagar em um espetáculo de culpa. Eu não aguentava mais; o sentimento por Louise ainda era verdadeiro? O que eu sentia por Melody era real, ao menos?

  Conforme o tempo passava, a pressão dos professores se intensificava, e, tendo o professor de história como pai, Louise parecia ter se ausentado em definitivo da minha vida. Havia semanas que eu nem a encontrava, para ser franco, o que só fazia com que as atracações com minha colega de trabalho aumentassem. Por mais que minha cabeça reverberasse minha confusão sentimental, beijar Melody já era um hábito. A marca de nossa deslealdade, àquela altura, já se estendia por todo colégio: no grêmio, no laboratório de ciências, no vestiário, na escadaria. Por céus, nós tínhamos nos pegado até no clube de jardinagem!

  Nossa imprudência havia aumentado e, por consequência, Louise começara a dar os primeiros vestígios de desconfiança. Não. Louise, não. Os amigos dela, Rosalya e Alexy. Ambos, naquelas últimas semanas de aula, adotaram personalidades muito distintas das habituais; Alexy, preteritamente um cara alegre e descontraído, me lançava olhares excruciantes toda vez que nos encontrávamos no corredor. Rosalya, a miss simpatia, virava o rosto com um ar inegavelmente enojado quando eu a cumprimentava. Eles tinham ciência de tudo, e com certeza já davam certas dicas à melhor amiga.

  “Você passará o último dia de aula com a Lou?”. Aquela pergunta amargurada foi como um tiro certeiro em meu coração. Estávamos na última semana de aula, e os professores haviam permitido que nós, os terceiranistas, organizássemos um tipo de gincana. Rosalya instantaneamente me abordou, portanto, com aquele olhar inquisitivo. “Ou vai ficar no grêmio? Tem muita coisa interessante pra se fazer aqui, não é, Nathaniel?”.

  Naquele primeiro momento, tudo o que me ocorreu foi a vontade de trucidá-la. Eu fiquei quieto e ignorei sua pergunta, tentando parecer indiferente enquanto ela me fitava, mas o cinismo em seu tom de voz tinha me causado certo desconforto. Será que ela contaria? Será que ela já tinha contado? De qualquer modo, eu fiz pouco caso e lhe dei as costas. O que eu fazia no grêmio, afinal, não era da conta dela, e jamais seria.

  Certo?

  Não. Ela e Alexy só estavam tentando proteger a melhor amiga. Queriam salvá-la de um monstro em potencial; salvá-la de mim. Ambos não estavam errados, e em partes eu até lhes sou bem grato por isso. Grato por terem-na apoiado enquanto eu estava por aí, marcando todo o colégio com os rastros de minha infidelidade. Louise sempre fora a namorada ideal, a garota com a qual eu sempre sonhei, mas, mesmo assim, caí em tentação e a traí. E a traí com alguém em quem ela tinha confiança.

 Por quê, Nathaniel?! Por quê?!    

  Eu era o pior ser humano do mundo. Ainda sou o pior ser humano do mundo. As palavras de Rosalya ecoaram em minha mente até a chegada da gincana, onde – por tudo que era mais sagrado- eu jurara que a palhaçada acabaria. Euamava a Louise, e desistiria de Melody, portanto.

  Ou, ao menos, foi o que eu achei que faria.

  Tudo, inicialmente, fora às mil maravilhas. Cheguei ao colégio e logo fui a encontro de Lou. Diga-se de passagem, ela estava deveras graciosa com os cabelos presos a uma trança, e seu rosto parecia mais delicado sob a iluminação especial do pátio. Como o pretendido, eu fiquei a tarde toda ao seu lado, mesmo sob os olhares duros de Rosalya e Alexy; atentos, eles mais pareciam uma dupla de guarda-costas para cima da melhor amiga. Louise, entretanto, parecia bastante convicta de que tudo continuava igual e de que eu não a havia traído, ao que esboçava o típico sorriso meigo sem quaisquer sinais de desconfiança. Desta vez eu tinha certeza: não me submeteria àquele joguinho deles.

  Não? Era o que eu imaginava, ao menos, pois bastou o cair da noite para que todo o meu ímpeto fosse perdido. Eu me lembro até do horário. Eram 18h30 quando olhei no relógio pela última vez, quando a gincana estava cheia de pais e professores que confabulavam a respeito do ano letivo. Louise havia sumido entre a multidão em um piscar de olhos, e eu nada pude fazer senão tentar encontrá-la no meio de tantos rostos desconhecidos. Então alguém me puxou para o lado.

  As mãos de Melody já me eram tão familiares que eu nem precisei olhar em seu rosto para reconhecê-la. No início eu até tentei desviar, porém, ao ver seu estado, eu logo cedi. Ela me parecia triste, de alguma forma, e bem agoniada. Imobilizei-me e a fitei de cima a baixo; forçar-me a perguntar o que tinha acontecido era meio que uma obrigação minha, e o fiz quase que instantaneamente quando as lágrimas correram pelo seu rosto, sem restrição alguma. Eu a machucara tanto assim andando com Louise por aí?

  “Nath, e- eu...”.  

   Não aguentei. Fui fraco e cedi à pressão mais uma vez, beijando-a sem nem sequer me lembrar de Louise. Depois disso, lembro-me pura e unicamente de fragmentos: eu a puxando para o grêmio, eu a beijando fervorosamente, eu a despindo. Um otário, Nathaniel. É isso o que você foi. É isso o que você é!

  Foi quando a porta se abriu. O trinco se impulsionou para baixo e me revelou o que eu mais temia: postada bem rente ao batente, Louise me observava com o semblante inexpressivo, os sentimentos muito abalados para manifestar quaisquer emoções. Foi só então que eu parei; afastei-me de Melody e fitei minha namorada em um misto de arrependimento e desespero. “L- Louise, não é... N- não...”. As palavras pareciam um fardo em minha garganta. Retraíam-se em frases desconexas, que só contribuíam para meu desespero, e me davam a mais inédita sensação de derrota.Finalmente eu fora pego!    

  O tapa que ela me desferiu logo em seguida parece doer até hoje. Sonoro, ele ribombou um som agudo pela sala; segundos depois, um ardor descomunal se manifestou em minhas bochechas, e eu olhei para frente. Os olhos azuis de Louise, antes tão límpidos e brilhantes, estavam marejados. Lágrimas grossas lhe escorreram pelo rosto segundos depois, e, em seguida... Nada. Ela apenas me olhou uma última vez e saiu às pressas, sem nada a proferir. E eu, em contrapartida, fiquei lá, imóvel, sem reação alguma. Se eu pude correr atrás dela, então, por que eu...?!

  Mas já não era de grande importância. Eu fora descoberto, e não havia mais nada a fazer. Não falei mais com Melody, depois daquela noite, e tentei ligar para Lou por dias. Como o esperado, caixa postal. Ela havia me bloqueado, óbvio, e encontrá-la estava fora de cogitação. As aulas tinham acabado, afinal, e Castiel, seu irmão mais velho, com certeza me poria a correr se eu aparecesse em frente à casa dela. É... O mundo conspirava contra mim, mas esse era o preço a pagar. Eu havia sido um completo idiota, e Louise só estava retribuindo na mesma moeda. Era o que eu merecia.  

  Certo dia, meu celular tocou. Eu já nem prestava mais atenção ao ambiente ao meu redor, portanto nem lhe concedi muita atenção. O aparelhinho, entretanto, tocou por inúmeras vezes seguidas, até que eu me desse por vencido e fosse verificar o motivo para tanta algazarra. Eu já não podia nem sofrer em paz?!

  Quando vi o nome no ecrã, atendi de imediato.

  “Lou?! É você?”. Parecia mentira. Louise realmente ligara, acatando o meu desejo mesquinho de tê-la mais uma vez comigo? Eu mal pude acreditar, ao que inspirei e expirei o ar sucessivas vezes antes de criar coragem para fazer minha indagações, uma centelha de esperança presente em algum lugar de meu coração. Mas o que veio a seguir nem sequer chegou a sanar as dúvidas que eu tinha. Longe disso.   

  “Encontre-me no parque”. Isso foi tudo. Tudo o que tive antes de ouvi-la desligar, sem nenhum adicional. Nada de“Eu te perdoo, Nathaniel”, ou “Eu sinto sua falta, Nathaniel”, como eu tanto esperara ao confabular a respeito de nosso possível reatamento. Nada. Louise fora seca, direta e impassível. Muito diferente do que eu imaginara, para ser franco.

  O inverno castigava a cidade com sua nevasca gélida e inoportuna, e eu tive me enrolar em um cachecol bem mais grosso antes de sair de casa às pressas. Por mais que aquilo soasse impossível, que não fizesse sentido, eu não permitiria que Louise ficasse sem uma explicação desta vez. Seria sincero e imploraria para que me perdoasse, me aceitasse de volta. Eu a amava, afinal, e foi com o intuito de lhe dizer isso que saí para as ruas inóspitas da França, o coração batendo a mil. “É você quem eu quero, Louise!”.

  Avistei-a logo que cheguei ao parque. Sentada em um banquinho mais para o lado, olhos fixos aos próprios pés, lá estava ela. Apenas algumas semanas haviam se passado, mas, de alguma forma, Louise parecia diferente. Mais adulta, digamos, com uma seriedade extra no olhar e uma expressão fria em seu rosto de porcelana. Ela havia deixado de ser a garota meiga do ensino médio, e aquilo mexera comigo a um nível indescritível de apreensão. Isso me serviu de comprovante quando me aproximei e sorri e ela não me correspondeu.  Ao contrário do que eu imaginara, ficou parada sem mover um músculo do corpo, os olhos frios e calculistas me analisando de cima a baixo. Ela... Havia mudado tanto sem que eu ao mínimo percebesse?            

  “Estou voltando para a Inglaterra”.  Disse, e eu senti meu mundo praticamente desabar. Tudo ao redor se aquietou e, mesmo sob todas aquelas roupas, meu corpo pareceu congelar. Se ela partiria, então... “Só para avisá-lo de que está livre, finalmente. Faça o que bem entender!”.

 A partir daí, passei o resto dos dias meio que em um estado de putrefação, o que até me fez refletir, em partes. Se eu a tivesse respeitado, tivesse sido fiel desde o início, será que ela teria ficado? Teria passado o resto de seus dias ao meu lado, risonha e alegre, retribuindo minhas cantadas fora de moda e sorrindo para minhas investidas? Será que Rosalya e Alexy, em vez de tentar arruiná-la, teriam incentivado nossa relação? Fiquei assim por um bom tempo, até sentir minha cabeça explodir com a pressão aplicada nesses questionamentos. Era muito “e se” para minha mente processar, e eu já não estava mais a fim de ficar remoendo aquilo. Já não tinha mais coragem para enfrentá-los.

  A campainha tocou, então, me despertando dos devaneios. Pisquei e olhei ao redor, primeiramente confuso; eu não fazia ideia de que dia era, que horas eram, que lugar era aquele. Estava deveras acabado, na verdade, e minha fraqueza era tanta que quase não tive forças o suficiente para chegar até a porta. Quase, pois ela pareceu ressurgir ao girar a maçaneta e dar de cara com a garota, fazendo-me puxá-la para dentro em um impulso.

  Eu já não queria nem saber. Quando Melody entreabriu os lábios para contestar, eu apenas a ignorei, beijando-a em um misto de raiva e desespero. Prensei-a contra a parede e mal me contive quando a ouvi gemer involuntariamente, o rosto esboçando uma careta. Fora um sinal de desaprovação, lógico, mas eu já estava muito longe para atribuir alguma atenção àquilo. Louise não voltaria mesmo, então...

  Parei em um rompante ao senti-la se encolher sob mim. Fitei-a e me afastei. Ela não era Louise, nunca fora Louise e nem seria Louise. Ela era Melody, a garota pela qual eu me sentira atraído apenas, cujo corpo e ideais eu usara como um pretexto para ter o que Louise não podia me dar. Não. O que Louise não queria me dar por ainda não estar preparada. Eu havia sido desrespeitoso com ambas, e não fui corajoso o suficiente para rogar-lhes perdão.

“V- você... Não é ela”. Minha voz saiu embargada, e Melody me olhou por algum tempo antes de baixar o rosto, sucumbindo àquela afirmação. Senti as lágrimas se acumularem sob minhas pálpebras, então as liberei logo em seguida e encaixei meu rosto na dobra de seu pescoço; sua roupa havia se encharcado, com certeza. “V- você não é a Louise, Melody. M- me perdoe”.

  Ficamos assim por mais alguns minutos. Eu me sentia péssimo, e minha cabeça parecia pesar uns duzentos quilos. Eu tinha sido um idiota desde o início, e um tapa na cara era mais do que merecido. Melody, em contraposição, ficou parada, sem proferir uma palavra sequer enquanto mexia branda e tenuemente em meus cabelos, como se eu fosse uma criança assustada. Bem, de certo modo eu não deixava de ser.  E foi só quando ela fez com que eu erguesse meu rosto que percebi que sorria, como se nada de mais tivesse acontecido.

  “Eu entendo”. Disse, a voz inacreditavelmente inalterada. Seu olhar, entretanto, a contradizia, marejado com um resquício de lágrimas. Ela me deu um beijo na bochecha e, com um pouco de dificuldade, girou a maçaneta para abrir a porta. “Você a ama, Nath. Sempre amou, e está na hora de acabar com isso. Vá atrás dela”.

  Essas foram suas últimas palavras antes que eu a visualizasse sumir pelo corredor. Se eu podia acatar o conselho que ela havia me dado? Claro. Mas Melody não sabia do desprezo que Louise demonstrara em relação a mim. Se ela estava prestes a embarcar para a Inglaterra, isso queria dizer que ela não me olharia mais. E era bem provável que nem queria mais.  


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Notas finais do capítulo

E então, pessoas? Alguém aí com uma "vontadezinha básica" de estrangular o Nath? (Risos). Admitamos que, sim, ele foi um IDIOTA; mas pelo menos ele admite, né?

Até o próximo - e último- capítulo, gente! Será que as coisas se resolverão? (Risos).



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