Echo escrita por Crazy


Capítulo 2
2. Try to chase it crazy right out of my head




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Era primavera, em meados de junho, quando nos falamos pela primeira vez. Na metade de meu último ano no colegial e com 18 anos recém-completados, eu parecia conhecer todos da escola devido ao cargo de representante estudantil. Isto é, todos menos uma certa garota de longas madeixas escuras.

  Eu a admirava de longe, apenas. Louise nunca nem sequer me procurara para resolver algum problema; contraditório ao que eu via em outras meninas, ela nunca fazia escândalos ou chorava em frente aos outros para conseguir o que queria com um olhar sorumbático. Não. Ela era, de alguma forma, diferente, e aquilo me chamava atenção. O que até era cômico, uma vez que nunca nem havíamos trocado uma única palavra. Eu a via durante os intervalos somente, sempre em companhia das amigas ou de seu irmão arruaceiro, Castiel. Lá de vez em quando, porém, aparecia papeando com um garoto qualquer, o que – é claro- dava a ideia de que era muito popular com a parte masculina da instituição.

  Não que aquilo me incomodasse naquela época. Ok, ok! Talvez me incomodasse um pouco, mas eu nada podia fazer a respeito. Ela era apenas a garota bonita da turma vizinha, afinal, e eu não podia me dar ao luxo de gostar dela para além daquele ponto.  Com os exames de entrada para um curso de ensino superior, na verdade, coisas assim não podiam ocupar minha mente.

  Naquela tarde eu ficara no colégio por mais um tempo a fim de organizar a papelada. Nada muito corriqueiro, óbvio, mas eu sempre gostei de providenciar tudo com antecedência, e aquela vez não fora exceção. Fui à biblioteca, então, para matar tempo, o que coincidentemente fez com que eu a encontrasse.

  À primeira vista eu até estranhei.

  Louise estava sentada em um cantinho, o olhar lânguido passeando sobre as páginas amareladas de um livro bem antigo. Ela parecia não ter notado minha presença, o que, de uma forma que eu não sei explicar, me instigou a fazer uma aproximação. Como não havia mais ninguém no cômodo, me espreitei sobre as escrivaninhas e inclinei-me para verificar o título da obra, ao que abri um sorrisinho mínimo quando descobri que se tratava de Frankenstein, de Mary Shelley. “Além de bonita tem bom gosto em livros”, o pensamento me invadiu, e eu não pude deixar de me constranger com ele, virando a cabeça na direção oposta. Antes que eu pudesse me afastar, aquela voz doce preencheu a sala:

  “Posso ajudá-lo?”. Louise erguera a cabeça e me fitara com uma determinação tão intensa que seus olhos azuis pareciam ferver em contraste com a aura dourada do fim de tarde. Eu nunca a havia encarado de tão perto antes; seu rosto obtinha mais delicadeza do que eu era capaz de conceber, e as sardas em suas bochechas contrastavam bastante com sua pele clara e lisa.  Sem dúvidas, ela era perfeita.

  Eu não tive reação primordialmente, ao que me limitei a observá-la por alguns segundos. Louise teve de repetir a pergunta para que eu a captasse, e tive de me controlar para que minha voz não saísse em gaguejos na hora de respondê-la. Meu rosto parecia queimar de vergonha, o que fez com que eu, embora displicentemente, me questionasse o porquê daquela sensação.

  Para falar a verdade, acho que foi amor desde o princípio. Eu sempre a observara a alguns metros de distância, sempre a admirara pela autenticidade de sua personalidade e sempre me pegara sorrindo ao pensar nela. Era platônico, claro, mas, mesmo assim, era amor. 

  E eu estraguei tudo.

   Conversamos pela primeiríssima vez, portanto. Um diálogo curto e superficial, durante o qual eu lutei para não deixar que o nervosismo tomasse conta de mim toda vez que tinha de respondê-la. Já era um começo, porém. Tínhamos muito em comum, surpreendentemente; e quando Louise sorriu, um último resquício da luz solar banhando seu rosto, eu tive a certeza de que ela era feita para mim. Eu a amava, e renegar meus sentimentos seria um erro.    

  A partir de então, nós começamos a passar um tempo juntos, conversando durante os intervalos e nos encontrando ao final das aulas para discutir a respeito de livros e afins. Louise era uma garota deveras incrível, e eu me apaixonava mais e mais gradativamente. Ela sempre apoiara minhas decisões, sempre estivera disposta a me ajudar e sempre se dispusera a me ouvir quando problemas apareciam.

  Foi em meados de agosto que resolvi formalizar meu pedido para um encontro. Já estávamos bem próximos, e praticamente sabíamos tudo a respeito da vida um do outro. Eu estava nervoso, admito. Nervoso e apreensivo, para ser mais preciso; minhas mãos suavam e meu rosto parecia queimar sob o medo de ser rejeitado. E se eu não fosse o tipo dela? Pensar nessa possibilidade fazia com que meu coração pesasse, como se fosse um fardo em meu peito.

  “Louise, saia comigo!”.

   Mas ela abriu um sorriso doce e assentiu. O sentimento era recíproco, e eu mal pude conter a vontade de sair pelo colégio aos berros, alegre demais para me importar com a possível repreensão que levaria da diretora ou com os olhares feios que os professores me dariam. Ela havia aceitado, afinal, e eu me sentia o cara mais feliz do mundo. Tudo havia ocorrido como eu desejara, e foi ali mesmo, em uma sala pequena do segundo andar, que eu a puxei para mim e a beijei pela primeira vez. Eu me lembro de tudo: sua surpresa inicial gradativamente se transformando em serenidade, a maciez de seus lábios, o toque de suas mãos ao redor de meu pescoço.

  Sério. O quão burro eu fui?!           

  Louise era tudo, e namorá-la estava sendo uma experiência pura e inegavelmente satisfatória. Tudo a respeito dela, na verdade, me instigava. Me instiga. Sua risada, seu olhar preocupado, seu perfume adocicado. Até mesmo sua maneira de proferir meu nome a tornava a garota mais maravilhosa deste mundo. Ela sempre esteve ao meu lado, ajudando-me nos momentos difíceis, e eu não fui capaz nem de respeitá-la.  

  Por que eu...?!

  Nós nos agarrávamos toda vez que a oportunidade era concedida, e até já havíamos chegado à fase das preliminares. Mas quando estávamos prestes a partir para o ato em si, da forma física mesmo, Louise se retraía, alegando não estar preparada para aquilo. E eu compreendia, claro, mas, mesmo assim...

   O cargo de representante de turma começava a exigir muito de meu tempo, e, visando ao melhor rendimento das tarefas, a diretora resolveu intervir. Organizou uma reunião com os responsáveis e, no dia seguinte, apareceu no grêmio acompanhada de uma garota da minha sala de aula. “Nathaniel, essa é Melody, sua colega de classe. Ela passará a ajudá-lo com os deveres de um representante”.   

  Até aquele momento eu nunca prestara atenção em Melody. Com uma personalidade opaca, ela nunca se destacara em sala de aula e nem havia me incomodado com reclamaçõezinhas sem-nexo. Tê-la como minha ajudante, portanto, não faria muita diferença em minha integridade com Louise.

  Certo?

   Como o esperado, ela começou a frequentar a sala de representantes, tornando-se minha colega de trabalho. No início trocávamos somente algumas poucas palavras: em geral, informações sobre as ordens da diretoria e opiniões a respeito de métodos de ensino de tal professor. Com o tempo, porém, a convivência fez com que nos tornássemos mais próximos, estabelecendo uma espécie de vínculo afetivo. Melody não era má pessoa, afinal, e era bem íntegra e prestativa. Dizer que aquilo não me chamava atenção seria mentira.

  Idiota, Nathaniel. Você é um tremendo idiota!

    Tudo estava indo bem com Louise. Ela retraia-se como o costumeiro, mas sempre estava lá para me apoiar caso eu precisasse. Algumas vezes até aparecia no grêmio para ver se não podia ajudar em alguma coisa, o que involuntariamente fez com que uma aproximação com minha ajudante fosse feita. Em geral, ambas se davam muito bem; claro que existiam as certas divergências, tais quais os gostos musicais e a maneira de se vestir, mas nada de muita influência. Não eram melhores amigas, porém encontravam conforto o suficiente uma na outra para estabelecer certa cumplicidade.

   E eu estraguei tudo.

  Outubro chegara, e a pressão dos professores sobre nossa escolha de universidade não era pouca. Eu, de fato, sentia-me uma pilha de nervos; Louise também parecia mais distante, ao que mal encontrava tempo de falar comigo nos intervalos. Ela queria se graduar com mérito, afinal, e quase nunca abandonava a biblioteca, sempre preocupada com sua pontuação nos exames e seu rendimento em sala de aula. Rosa, sua melhor amiga, uma vez dissera que até a pegara cochilando sobre o material, tamanho esforço que fazia para seguir os parâmetros de aluna exemplar. É... A situação englobava problemas, e, para ser franco, servira como um tipo de alicerce para a catástrofe que se formava em nossa relação. Uma relação perfeita reduzida a frangalhos em um piscar de olhos.       

  Naquele dia eu estava meio grogue. Não havia dormido direito e executava todas as tarefas de uma forma mais mecânica; nem dava atenção ao discurso burocrático que a diretora bradava aos meus ouvidos, recluso a uma forte sonolência. Eu já estava cheio de tanta pressão, e o fato de Louise mal me dar atenção naqueles últimos dias só agravava tudo. Então, de repente, enquanto mexia com a papelada usual, meu dedo manifestou uma ardência pra lá de forte. Eu o havia cortado, e o odor pungente de sangue tomara conta da sala. Foi aí que Melody apareceu, oferecendo-se para me ajudar com o Band-Aid.

  Até aí não havia nada de errado. Ela me lançou um sorriso cordial e se ajoelhou para realizar o procedimento, gentil e prestativa como sempre. Desta vez, porém, tinha algo de estranho ali. Ela estava mais quieta, tensa e retraída, como se me escondesse algo. Vê-la daquele modo mexera comigo, de uma forma ou outra, o que me impulsionou a perguntar qual era o problema. E foi aí que cometi meu primeiro erro.

  “N- Nath, eu...”.

  Aquela tinha sido a primeira vez que eu percebera o quão bonita ela era. Seus cabelos caindo em uma cascata escura ao longo de seus ombros, sua expressão serena, seus lábios avermelhados se crispando em um biquinho adorável. Tudo nela pareceu me atrair instantaneamente, encaminhando-me para aquela palhaçada toda.

  Entrego-me à chibatada: naquela hora eu nem me lembrei de Louise. Éramos só eu, Melody e a iminente vontade que eu tive de tê-la para mim. Meu coração pareceu acelerar, e foi com essa gana por prazer que a puxei para mim, colando nossos lábios com uma força sobre-humana.

  Se eu sabia que estava errado? Lógico. Se eu me importava naquele momento? Nem um pouco.   


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Notas finais do capítulo

Aêêê! Nathaniel foi um idiota? Sim, claro ou com certeza, hein? (Risos). Calma, pessoal, as coisas ainda vão dar certo; eu juro! (Risos).

Obrigada a todos os que leram até aqui. Até o próximo capítulo!



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