30 motivos para odiar Benjamin Lacerda escrita por Huntress


Capítulo 23
7 de julho (quarta-feira) – 23º Defeito


Notas iniciais do capítulo

Acalmem-se, abaixem as tochas e foices, não precisam me caçar.

Eu sei, eu sei, bati meu recorde, mas não foi proposital. Não só minha escola estava distribuindo trabalhos por ser começo de trimestre, como eu tive um problema com bloqueio criativo. 30MPOBL já está completo, mas, quando fui revisar esse capítulo, não acreditei que tinha escrito algo assim e tive que apagar tudo, porque não sei de onde tirei o que estava aqui, por isso mesmo, o rumo da história terá que ser levemente alterado e isso vai me custar uns dias. Por isso, já aviso que esse capítulo não é um dos melhores, mas prometo tentar melhorá-lo.

Peço desculpas também por não ter conseguido responder nenhum comentário. Até começaria, mas eram muitos e sabia que seria injusto responder poucos, por isso, enquanto leem, vou respondendo cada um com o mesmo carinho que vocês os escreveram. Não estava nem entrando durante a semana, acessei uma vez para responder MPs e logo voltei para minha rotina maluca. Ah, sim, outra coisa que me fez postar atrasado foi esse computador, que decidiu reiniciar para fazer atualização sem avisar e o arquivo de AutoRecuperação só salvou uns três parágrafos, o que me desanimou.

Mas, por todo carinho, venho agradecer a Sweet black nights, paísdasmaravilhas, Ems, Giulianna Valadares, Damma Queen, MayPotter, Capricu, karolayne, Adrielle Sanche, Analu12, Ashkynn, tefynha, linderaleitora, Sweet A, Coffee, Avalon, SadGirl, Jade anne, Arabella Cobain, Izzy, Blue Moon Rising, Giovanna, QUEEN, Amanda, Little Queen Bee, Leitora Voraz, Tatá Ribeiro, Myrea Soares, Chiquinha e Brenda. ♥

Boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/689833/chapter/23

7 de julho (quarta-feira) – 23º Defeito

Hoje era o último dia na praia, então todos supostamente estariam animados para aproveitar. Porém, eu já sou uma exceção e, pelo o que pude entender, Daniel e Benjamin também seriam, porque não conseguiram se resolver. Mas isso não me diz respeito, especialmente porque tudo o que eu mais queria era evitar as únicas pessoas que realmente conversavam comigo já que eu beijei um e quase repeti a mesma coisa com o outro.

Sabe aquela frase sobre o tempo fazer bem? Então, como toda regra, há uma exceção. Depois de acordar de madrugada e não conseguir voltar a dormir ou me animar a ponto de levantar, fiquei naquele estado de semiconsciência que parece ativar seu cérebro e o faz repassar todas as coisas horríveis, vergonhosas e tristes que você já passou. Não só isso, te inspira a imaginar cenários diferentes.

E, no meu caso, ajudou a sentir raiva.

Pensei no que teria acontecido se eu tivesse inventado estar passando mal e decidisse ficar em casa; se eu não tivesse deixado Daniel sair correndo; se eu não tivesse ido atrás de Benjamin; se eu não tivesse deixado chegar àquele ponto; pensei em vários “se”, mas nenhum deles parecia me ajudar a lidar, só fazia meu peito se contorcer de culpa sempre que lembrava de Mariana. Pela primeira vez, o pedido dela fez sentido na minha cabeça.

Mas você sabe, Diário, que eu nunca pensei em arruinar o namoro de Benjamin. Posso não ser a fã número um da Mariana e sentir ciúme boa parte do dia, mas, se eu não soubesse que meu vizinho estava feliz, eu tinha uma boa chance de acabar com tudo mostrando aquela mensagem da loira. Era isso que eu repassava tentando acabar com aquele peso quase insuportável em meu estômago, mas não ajudava muito.

Porém, a culpa não é minha. Isso alivia um pouco as coisas, afinal, a iniciativa partiu dele. E, por piorar toda minha situação, atrapalhar meu sono e minha vida, eu odiei Benjamin naquele momento. Amor e ódio são separados por uma linha tênue, certo? Pode acontecer de se estar apaixonado e mudar, não é? Foi o que aconteceu ali, pelo menos. Benjamin Lacerda foi alvo da minha fúria até o sol raiar.

Quando Renata bateu na porta para me acordar, apesar eu já estar desperta há um bom tempo, respondi dizendo que não dormi bem e que não iria para a praia. Mesmo desconfortável por me deixar sozinha, confirmou que eu poderia ficar se mantivesse meu celular ligado. Fiquei um tempo pensando em todo meu drama adolescente até ouvir a batida distante de uma porta e sentir quando a casa foi envolvida em um silêncio.

Desci um tanto receosa e olhei ao redor para conferir que estava mesmo sozinha, já que certas pessoas eu não estava pronta para encarar. Por um momento, meu cérebro automaticamente pensou em achar Daniel, mas também não sabia o que falaria para ele. Não é como se, por causa de um mísero jogo, nós fôssemos assumir um compromisso ou algo do tipo, especialmente porque havia outra garota que ainda mexia com ele.

Tomei o resto do café morno acompanhado de uma torrada com geleia enquanto ficava assistindo filmes na televisão e jogando partidas solitárias de truco para passar o tempo, sem nenhuma esperança para o dia melhorar. Porém, logo após tirar um sete de copas, senti meu celular vibrar e logo vi uma mensagem de Bia.

Bia: Bom dia, flor do dia! Bernardo fica um saco quando ‘tá de ressaca e eu preciso sair daqui. Que tal eu te mostrar a cidade?

Troquei de roupa e calcei meu tênis, pegando meu celular em seguida e respondendo a ruiva, dizendo com sinceridade que aquilo era tudo que eu precisava. Deixei um bilhete na mesa da sala, avisando que iria sair e que estava com telefone, e segui para a casa dela, onde marcou de me esperar. Quando cheguei, Bia estava deitada na mureta ouvindo música, mas logo se levantou para vir me abraçar.

— E aí? O que virou aquele barraco de ontem? – ela perguntou assim que me soltou.

— O quê?

— Aquela briga entre seus amigos.

— Ah... – exclamei. – Não sei, não falei com eles ainda.

Fiquei calada e encarei o chão por um momento. Segundos depois, ao olhar para Bia, pude ver a ruiva de cenho franzido, encarando-me com uma preocupação estampada no rosto. Em seguida, colocou a mão em eu ombro e me parou.

— Desculpa, ok? – ela pediu. – Se soubesse que ia sobrar para o seu lado, não tinha forçado.

Dei um sorriso fraco como resposta  e a deixei me guiar até o ponto de ônibus mais próximo. Não sabia se realmente queria aquele pedido de desculpas, especialmente porque uma parte minha gostara da oportunidade com Daniel, mas decidi não discutir isso. Bia não precisava saber sobre minhas desilusões amorosas ou sobre o desastre que era meu psicológico naquele momento. Ela pagou o cobrador e nós nos sentamos ao fundo, com a ruiva logo começando a falar sobre tudo que podia: sua rotina, contando como era sua escola e sobre suas brigas mais do que frequentes com seu irmão, seus amigos, as pessoas que não gostava e até sobre comida.

Nossa primeira parada foi em uma rua do centro repleta de flores das mais variadas cores e com lojas que imitavam as construções de outro século. Uma grande quantidade de pessoas passava por ali e ia em direção a um grande círculo onde uma banda tocava Johnny B. Goode. Bia, porém, não foi até lá e me puxou para um café com livraria interna, onde você poderia ler enquanto bebia algo, e me mostrou seus livros favoritos, além de pagar um café para mim.

Depois, Bia me levou para um parque, no qual caminha toda semana, e nós demos uma volta pelo lago. Ainda me levou para o The Square da cidade, um daqueles shoppings abertos, e entrou em uma cabine fotográfica, arrastando-me junto. Tiramos algumas fotos, revelando-as e levando conosco. Em seguida, consegui convencê-la a ouvir um pouco da música e logo fomos caminhar no píer, parando em um restaurante por lá quando ficamos com fome.

— Então, o que está achando? – perguntou depois de mastigar uma batata frita.

— Na verdade, estou gostando mais do que esperava – respondi, honestamente. – A cidade é linda e está sendo muito divertido, principalmente se comparado com o que eu previa.

— Por quê?

— Porque eu não sou muito próxima de algumas pessoas que vieram e eu acreditava que ficaria afastada, de canto – disse e ela assentiu silenciosamente, calando-se por um tempo porque não sabia o que dizer.

— Ah... Bom... Hoje o parque de diversões vai abrir para o período de férias. Quer ir? – sugeriu e eu considerei sua proposta.

— Por que não, certo? – indaguei sorrindo e ela comemorou.

— Esse é o espírito, Liv – comentou e fizemos um “toca aqui”.

Depois de pagarmos pela comida, começamos então a caminhar próximas ao mar, pulando ondas e conversando. Quando o sol já começava a se pôr, enquanto andava pela praia com uma animada Bia gritando enquanto tentava entrar na água gelada, meu celular vibrou no bolso e eu atendi direto.

— Alô? – falei enquanto sinalizava com a mão para que Bia fizesse silêncio.

Onde você está? — reconheci a voz alarmada de meu vizinho e engoli em seco.

Com a Bia – respondi.

— Quem é Bia, Lívia? – indagou e eu revirei os olhos.

Uma garota que conheci ontem. Ela está me mostrando a cidade – expliquei. – Relaxa, Benjamin, não estou em perigo.

Quando você volta? — perguntou.

— Provavelmente de noite, não sei. Bia vai me levar ao parque de diversões. Abre às 18h – expliquei. – Acho que vou ficar até umas-

Eu te encontro lá — falou e desligou em seguida. Bufei e revirei os olhos, enviando uma mensagem para ele.

Eu: Isso não foi um convite, Benjamin.

Cabeça de Estrume: Eu sei. Vejo você às 18h.

Bufei. Se fosse em outro cenário, teria rido de meu vizinho, mas não queria encontrá-lo. Guardei então o celular e voltei a caminhar com Bia, conversando até dar o horário de abertura do parque, que era no fim do píer. Quando chegamos, os portões já estavam abertos e uma grande quantidade de pessoas já estava entrando. Ficamos na fila por um tempo para comprar os ingressos e logo voltamos para outras, a fim de ir em algum brinquedo.

O corredor principal era formado por barracas, tanto de comida quanto de jogos. A maioria de pessoas ali era formada por casais que queriam conseguir um urso de pelúcia ou dividir um algodão-doce. Rindo, passamos e fomos para a fila da montanha-russa, de longe a melhor atração. Havia também uma enorme roda-gigante e uma Casa de Sustos.

— Quando você vai embora, Liv? – Bia perguntou enquanto a fila avançava um pouco.

— Amanhã. Bem cedo – ela se virou, surpresa.

— O quê? Por quê? Por favor, não – Bia começou a implorar e dar pulinhos, fazendo-me rir. – Vai, Liv, você está sendo a melhor companhia nessas minhas férias tediosas.

— Eu não posso ficar. Não depende de mim – falei, dando de ombros, e Bia fez biquinho, mas desistiu de falar do assunto porque chegou a nossa vez. Sentamo-nos na terceira fileira e pouco depois o carrinho começou a subir. Enquanto eu fechava os olhos e apertava a barra de segurança, Bia gritava e levantava os braços, obrigando-me a fazer o mesmo depois de um tempo.

Assim que saímos, enquanto Bia me provocava dizendo que eu era medrosa, prendi o olhar em um garoto apoiado nas grades da entrada do brinquedo. Daniel me encarava e eu senti um aperto na barriga que me forçou a desviar o olhar enquanto caminhava em sua direção.

— Ei, Bia, certo? – o loiro perguntou para a ruiva assim que nos aproximamos. – Se importa de eu roubar sua amiga por um momento?

Bia, como qualquer garota normal, demorou um tempo a processar que aquele garoto dirigia a palavra a ela. Balançou a cabeça, confirmando, e recebi um sorriso encorajador antes de seguir o loiro para onde quer que ele estivesse indo. Fiquei calada o tempo todo, imaginando os diversos rumos da conversa e me preparando psicologicamente para todos.

Daniel então parou atrás do corredor de barracas, em uma parte nem tão cheia. Quando ergui o rosto, prendi o olhar no seu e pude reparar que, pela primeira vez, o loiro estava triste. Sem o semblante de calma, com olhos castanhos agitados e pesados, além de um sorriso forçado na boca.

— Lívia... – Daniel começou, mas logo bufou e balançou a cabeça, olhando para a cima como se buscasse o que falar. No meu interior, porém, eu já lidava com o não tão bom rumo que aquilo tomaria. – Eu... Caramba. A gente precisa conversar.

Com um nó na garganta, assenti.

— O que aconteceu ontem, eu... – tentou de novo e suspirou. – Liv, não vou negar e dizer que não tem uma parte minha que gosta de você.

E ali vinha a palavra que anulava tudo.

— Mas... – continuou ele. – É mais complicado do que parece. Acontece que o Ben...

E aí eu não aguentei, Diário. Eu ri, sem humor.

— Daniel, você não pode estar falando sério! – falei. – Você está mesmo usando meu vizinho para escapar disso aqui?

Ele franziu o cenho.

— Não, Liv, não é isso – o loiro disse e suspirou. – Mas Benjamin tem tudo a ver com isso e eu sei que a amizade de vocês é-

— Daniel, para – mandei, gesticulando exageradamente. – Para de tentar preservar qualquer que seja a minha relação atual com Benjamin, porque a pessoa que deveria estar fazendo isso nem aqui está.

— Eu sei que as coisas entre vocês dois não estão boas – ele explicou. – E que não cabe a mim resolver, mas sei que vão se acertar, porque-

— Por quê? Porque sempre é assim, né? – indaguei, irritada. – Pois saiba que não era para ser assim. Todas as nossas discussões sempre terminam com eu dando o braço a torcer, com a Lívia aceitando e ignorando tudo. E eu estou cansada. Não preciso disso com você também.

— Lívia... Eu sinto muito, de verdade – comentou Daniel. – Benjamin é meu melhor amigo desde os quatro anos e não posso perder isso. Eu realmente gosto de você, mas... – ele me encarou, triste. – Não posso fazer esse tipo de escolha, especialmente porque estaria te roubando do Ben e...

— Roubando? E eu lá sou uma propriedade dele?

— Não, Lívia – Daniel respondeu. – Só estou dizendo que você é muito importante para ele.

Eu ri.

— E aí está, de novo – comentei. – Você tentando defender Benjamin enquanto ele nem pensa em fazer isso por si mesmo.

Daniel então se calou, abaixando o olhar e desviando do meu. O segundo pedido de desculpas que recebia no dia e que não era bem-vindo, além de provocar um aperto em meu peito que me fazia querer loucamente me jogar no chão como uma criança manhosa e chorar até conseguir o que queria. Sem saber o que fazer, dei as costas ao loiro, torcendo para que tudo não passasse de um pesadelo e que amanhã eu e Daniel já estaríamos nos provocando novamente.

— Lívia, você já perguntou para Benjamin como era a vida dele?

Escutei a pergunta do loiro e me virei. Daniel estava sério e me analisava um tanto apreensivo. Encarei-o com uma sobrancelha erguida, que dizia algo como “é óbvio que sim” e pude vê-lo revirar os olhos.

— Não, não estou falando de como vai a vida dele – ele explicou. – Quis dizer se já parou para perguntar como era a vida dele antes de começarem a conversar.

Franzi o cenho, tentando lembrar, mas não adiantou. A única coisa que comentou sobre esse período foi sobre as matérias que aprendeu e sobre Daniel e Lucas, aqueles que conhecia antes do colegial. Lembrando que devia uma resposta para Daniel, balancei negativamente a cabeça.

— Pois eu sei como era – ele comentou. – Presenciei todas as fases de Benjamin: desde aquela focada apenas em estudar até aquela na qual ele só falava de academia.

“No fundamental II, Benjamin era muito diferente. Não vou dizer que era outra pessoa, porque sei que ele continua sendo o mesmo, mas ele era, acredite ou não, muito tímido. Interagia comigo, com Lucas e com um ou dois garotos. Passou o nono ano inteiro só se preocupando com uma amostra de ciências porque dizia que aquilo rendia créditos para a faculdade e durante o tempo livre fazia trabalhos extras de literatura para conseguir pontos.

Porém, quando entramos no colegial, logo na primeira semana, Benjamin disse que queria participar do projeto do Monteiro, nosso professor de Educação Física. Quando perguntei o que era, Benjamin disse que ele queria formar um time de futebol americano. Eu ri, é claro, porque Benjamin não era o maior fã de esportes, mas continuei incentivando, dizendo até que faria os testes com ele, mas não levei muito a sério.

Ele, pelo contrário, só conseguia falar disso. Entrou para uma academia, treinava passes no fim de semana com o pai, e estudava estratégia. O que levou a isso, ninguém sabe, mas Benjamin é determinado e nada o faria desistir daquilo. E quando chegou o dia dos testes, Benjamin foi muito bem. Muito mesmo. Mas já tinham selecionado e ele acabou ficando como reserva. Ben não reclamou, estava muito feliz na verdade, e logo começou a tentar equilibrar todos os seus projetos e o time de futebol americano, que só o fez treinar cada vez mais.

E Benjamin ficou muito bom, muito mesmo. E, quando chegou o momento de substituir o quarterback acidentado, ninguém acreditava que ele podia ser só um reserva. Acabaram ganhando só por causa dele e, a partir daí, tudo mudou. Todos na escola o paravam para conversar, cumprimentavam, flertavam... Benjamin se tornou um destaque no colégio.

Usando sua influência no time, conseguiu me arranjar um novo teste, me tornei um reserva e nós jogávamos à tarde todo dia, porque Benjamin adorava os treinos. O problema surgiu quando ele acabou deixando muitas coisas de lado e a só focar nisso: Ben perdeu dois amigos pelo caminho, já que achavam que ele estava mudado, Lucas e Benjamin discutiam quase todo dia e as notas dele começaram a cair nas matérias que não gostava.

Fora as festas. Benjamin não parava em casa e aquilo também começou a pesar. Passava a noite nas festas e acabava se atrasando para as aulas e os treinos, os quais compensava ficando sempre até mais tarde, parando quando já era hora de ir para outra festa. E ele parecia não cansar. Durante uns meses, Lucas mal olhou na cara dele e eu, admito, quase fiz o mesmo, mas ainda o encontrava nos treinos, o que mantinha nossa amizade. E isso seguiu por um tempo.

Benjamin era educado, simpático, inteligente e bom em esportes, o que fez com que o valorizavam muito mais – e ele gostava disso. Adorava quando lhe pediam ajuda em matérias, que ensinasse passos, enfim, adorava interagir e, apesar dos problemas e do cansaço, Ben parecia feliz.

Então, um dia, ele chega com um assunto diferente. Desde que se mudara, não havia comentado nada sobre sua nova casa, só reforçava o quanto sentia falta do seu antigo condomínio, então, quando comentou que tinha conhecido sua vizinha, fiquei curioso como qualquer um ficaria, mas não achava que ia virar alguma coisa.

Porém, três dias depois, Benjamin parou o treino para perguntar que horas acabava. O time inteiro pareceu querer perguntar se estava tudo bem, já que aquilo nunca acontecia, mas apenas respondeu que lá para às quatro todo mundo já estaria indo embora. Quando deu o horário, Benjamin já estava dentro do carro esperando sua carona para casa. E isso se repetiu nos próximos dias. Decidi questioná-lo e Ben respondeu: Tinha marcado de jogar videogame com sua vizinha.

E isso voltou a acontecer. Benjamin começou então a ter horário certo para treino, às vezes deixava de sair porque tinha que ensinar química para a tão falada Lívia e contava como odiava sempre perder no videogame para sua vizinha. E mesmo com tudo isso, ela parece não perceber como isso foi importante para ele.”

Por um momento, eu não abri a boca. Uma parte minha queria falar que, de novo, Daniel estava defendendo meu vizinho apesar de não dever fazer isso. A outra, porém, havia gostado de saber essa versão da história, porque não conseguia imaginar isso.

— Co-como assim? – perguntei.

Daniel suspirou.

— Lívia, às vezes parece que você realmente não conhece o Ben – o loiro comentou. – Pela primeira vez em um bom tempo, ele tinha conquistado alguma coisa sem depender de outra para conseguir. Você não precisou saber que seu vizinho era Benjamin Lacerda, o quarterback do time da escola dele ou das notas e popularidade dele no colégio para conversar com ele. Você é um dos troféus mais importantes da vida dele. Melhor, sua amizade é. 

Engoli em seco.

— Então você pode imaginar como ele se sentiu quando viu que seu melhor amigo parecia estar se aproximando tanto de você a ponto de colocar isso em risco – Daniel continuou.

— E por que ele mesmo não veio falar isso?

— Porque quando Ben se sente ameaçado, ele se fecha – o loiro explicou. – Benjamin não soube, nem sabe, lidar com isso e só consegue demonstrar qualquer coisa quando explode – ele então riu e apontou para o rosto. – E aqui está a prova.

— Mas...

— Lívia, eu não vou parar de conversar com você ou ignorá-la para sempre – Daniel interrompeu. – Eu só acho que... provoquei muito Ben esses dias e... Preciso deixá-lo saber que não estou tentando afastar vocês mais do que já afastei.

Suspirei pesadamente, enfrentando aquele misto de emoções novamente. Uma parte minha não queria ser tratada como um troféu, mas a outra sabia que isso era metafórico e que Daniel estava apenas defendendo um ponto, porém, não entendi a problema em ser amiga dele, já que nada impediria de ser de Benjamin também.

Entretanto, assim que olhei para Daniel, com os olhos castanhos tristes, logo soube o que viria a seguir: Lívia daria o braço a torcer e deixaria seu lado bondoso dominar novamente, pois não queria que a amizade de Daniel e Benjamin estivesse em risco como a dela e de seu vizinho. Foquei então no loiro e caminhei ele, envolvendo-o em um abraço, ao qual ele retribuiu logo em seguida. Escutei-o soltar um suspiro e sussurrar um fraco “desculpa”, que eu preferi ignorar, apertando-o mais forte.

— E, não sei se muda alguma coisa – comentou. –, mas você é uma beijadora fenomenal.

Não aguentei e ri em seguida. Dessa vez, de forma sincera e sem sarcasmo algum.

— É, você não é tão mal também.

Daniel me encarou, incrédulo.

— Não sou tão mal?

Ri e comecei a caminhar, ignorando os comentários narcisistas de Daniel, que continuava se elogiando e dizendo que não aceitava aquele comentário de maneira alguma. Quando voltei para a entrada da montanha-russa, encontrei uma Bia impaciente, que logo começou a acenar e a correr na minha direção.

— Vou deixar vocês sozinhas – Daniel falou. – Depois a gente se fala.

— Achei que ele tinha te matado e sumido com seu corpo pelo tempo que demoraram – a ruiva reclamou. – Está tudo bem?

Tudo? Não, mas está melhor.

Assenti com a cabeça.

— Ótimo, que tal comprarmos um algodão-doce?

Rindo de Bia, que parecia ter um buraco impreenchível no estômago, deixei que me levasse até a barraca. Enquanto ela o devorava praticamente sozinha, sugeriu de irmos na roda-gigante, que, apesar de monótona, pelo menos nos ocuparia. Quando já estávamos bem perto da nossa vez, escuto alguém chamar meu nome e, quando vi, Benjamin estava se aproximando.

Assim que a fila começou a andar, apressei o passo e quase empurrei Bia para dentro do cubículo que nos levaria para o alto. Assim que fecharam a porta, sentei, aliviada, especialmente por saber que, não importava qual tivesse sido a conversa que tive com Daniel, seria muito pior com meu vizinho.

Quando saímos do brinquedo, pude vê-lo recostado em um poste, olhando-me de longe. Virei-me para Bia e pedi mais uns minutos, ao que ela fez uma careta de desagrado, mas cedeu. Engolindo em seco, caminhei até Benjamin, sem saber ao certo nem como me sentir. A história de Daniel havia me deixado feliz não só pelo ponto de vista inusitado, mas por explicar um pouco as coisas, o que me deixava mais leve. Porém, o assunto mais delicado não estava envolvido naquela conversa, então só me restava escutá-lo de meu vizinho.

Diferente de Daniel, assim que me aproximei, Benjamin não sorriu. Ele usava um suéter cinza escuro e estava de braços cruzados encarando o nada e batendo o pé, o rosto naquele tom estranho pelos machucados. O lado direito estava mais amarelado, mas o esquerdo tinha uma coloração mais escuro que o deixava parecendo como se estivesse com uma olheira. Meu vizinho estava nervoso, o que era um mal sinal, já que Benjamin fica muito agitado quando está ansioso.

Eu sei, praticamente todo mundo fica, mas ele fica mais. Meu vizinho bate o pé no chão, estala os dedos da mão e rói unhas ao mesmo tempo. Já presenciei isso quando ele tentou o ENEM pela primeira vez, mas sem ser para valer, quando ele achou que iria perder o campeonato ano passado e até na noite de Natal ano passado, mesmo sem motivo algum. Benjamin parece ter TDAH quando fica nervoso, porque não consegue focar em algo nem ficar parado.

— O que foi? – perguntei, focando sua blusa para não ter que encará-lo.

— Que tal a gente jogar um jogo?

Ergui o olhar.

— O quê?

— Um daqueles jogos de barraca.

— Para quê?

Ele deu de ombros.

— Pode ser divertido.

Eu sabia que aquilo era só uma forma de mascarar o que ele realmente queria comentar, já que Benjamin não ficaria ansioso por um simples jogo comigo. Sem alternativas diferentes para conseguir uma explicação, assenti e o segui, sendo que Benjamin logo começou a passar uma mão freneticamente pelo cabelo enquanto batucava na perna com a outra.

— O que vai jogar? – perguntei, atraindo sua atenção.

— Você escolhe – falou, colocando a mão no bolso e passando a outra no cabelo. Revirei os olhos. Como se eu não conhecesse essa jogada. Ignorei-o e avancei sozinha, procurando algo que me agradasse, mas que ele ainda assim tivesse um pouco de dificuldade. Pescaria, não. Basquete, não. Decidi ir na que estava sem fila, onde tinha três pirâmides feitas de garrafas e três bolas de tênis sobre a bancada. Apontei e Benjamin riu.

Meu vizinho se aproximou, pagou a mulher e logo segurou as bolinhas.

— Ah, Lívia, e desculpa por ontem.

Virei-me para ele.

— Desculpa pelo quê?

— Você sabe, aquilo no quarto – ele explicou, o rosto um tanto vermelho. – Eu tinha bebido um pouco, não sabia o que estava fazendo.

Benjamin então lançou a primeira bola e o som das garrafas caindo se igualou ao som do soco em meu estômago causado por suas palavras. Era o terceiro pedido de desculpas e fora o pior até então, como se todas as palavras de Daniel fossem anuladas. Meu vizinho lançou a segunda bolinha e eu soltei um fraco “Ah” como resposta, porque não teria coragem de voltar nesse assunto com ele. Afinal, sou realmente importante para Benjamin, por que ele não fala comigo?

Encarei-o enquanto ele mirava a terceira bola.

O que está acontecendo?

Benjamin lançou e derrubou a última pirâmide de latas.

— O que você disse? – perguntou.

— Hã?

— Você tinha perguntado o que aconteceu. Do que estava falando? 

Engoli em seco, levando também o nó em minha garganta, e me martirizei mentalmente por minhas emoções me fazerem perder o controle. Porém, não lhe dei uma resposta e apenas balancei negativamente a cabeça enquanto segurava minha vontade de chorar. Lívia Nogueira estava encarando uma criança manhosa nesses últimos dias e a culpa tinha nome, CPF e estava parada logo ao meu lado.

— Parabéns! – a mulher bateu palmas e pegou um grande urso bege com um círculo branco na barriga, entregando-o para Benjamin em seguida. – E você, não deixe esse aqui escapar – falou para mim e eu arregalei os olhos ao perceber o que ela quis dizer.

— Ah, não... – comecei. – Não! Eu e ele... Não, a gente não namora – expliquei, gesticulando muito.

— Ah, desculpe. Erro meu – comentou, um pouco envergonhada, mas eu sorri ainda assim.

Benjamin, com um sorriso fraco, estendeu o urso para mim, o qual peguei sem retribuir nada. Comecei a caminhar, dando-lhe as costas e fui em direção ao último lugar que vi Bia, escutando passos ao meu encalce, sinalizando que meu vizinho ainda estava perto. Quando a ruiva viu que me aproximava, abriu um sorriso, mas logo encarou meu vizinho, ficando rubra.

— Você deve ser a Bia – Benjamin falou, cumprimentando-a com um beijo na bochecha. A ruiva pareceu travar e assentiu com a cabeça.

— Benjamin, vou nas atrações com a Bia – avisei. – Depois encontro todo mundo.

Meu vizinho me encarou seriamente, o olhar mostrando que aquela reação o pegara de surpresa, mas não me importei. Bia acenou enquanto eu a puxava para longe, deixando Benjamin para trás sem um pingo de remorso. Enquanto a ruiva reforçava que meu melhor amigo era lindo e mais um monte de coisas, foquei na fila da Casa dos Sustos para me distrair. Lá, os filmes de terror que assisti foram extremamente úteis e consegui não tomar sustos – exceto ao ver uma garota vestida que nem a Kayako, aí o passeio perdeu a graça.

Chegou então o momento de Bia ir embora, já que Bernardo estava ligando para avisar que os pais estavam chegando. A ruiva me esmagou em um abraço, reforçando que era para eu mandar mensagem todo dia e levá-la para minha cidade quando possível. Esperei perde-la de vista na multidão para mandar uma mensagem para Daniel.

Eu: Estou indo para casa. A Bia já foi embora.

Segundos depois, meu celular vibra.

Daniel: Ok. Ligue se precisar de alguma coisa.

Antes que pudesse dar dois passos, outra mensagem chega.

Cabeça de Estrume: Por que não se junta à gente?

Ergui uma sobrancelha. Será que ele viu a conversa com Daniel?

Eu: Quero ir para casa.

Cabeça de Estrume: Aceita companhia?

Eu: Não. Quero ficar sozinha.

Cabeça de Estrume: Está tudo bem?

Eu: Não.

Cabeça de Estrume: Por quê? O que aconteceu? Quer que eu vá até aí e a gente conversa?

Eu: Não.

Cabeça de Estrume: Por quê?

Eu: Porque não acho que tenho um melhor amigo com quem possa falar.

Benjamin visualizou, escreveu alguma coisa, apagou e ficou offline em seguida. Respirei pesadamente e deixei o parque, seguindo direto para a casa, não sem antes passar uma última vez pela praia, arrastando o urso comigo sem ânimo algum e, novamente, repassando tudo de ruim, vergonhoso ou triste que aconteceu comigo.

Diário, você podia conversar, comentar tudo que eu escrevo. Eu gostaria. Nem Carol daria conselhos tão bons quanto você, afinal, só aqui está tudo que sinto e penso. Não só em relação a Benjamin, mas a Daniel também. Aquela tal de Vanessa deveria se sentir culpada todo dia por fazer o loiro se sentir assim. Talvez minha relação com Daniel seria outra agora, mas, em parte, fico feliz que continue na amizade. Se perdesse o loiro, ficaria mais triste do que o normal.

Subi e fui direto para o quarto, jogando o urso num canto qualquer e deitando na cama de barriga para cima e sentindo meus pulmões pesarem, como vinha acontecendo muito. Eu queria ter coragem de ir contar para Benjamin todas as perguntas que passavam pela minha cabeça e, ao mesmo tempo, comentar que tenho medo de perder meu melhor amigo, mas dessa parte falei, mandando uma mensagem um tanto agressiva, a qual ele nem respondeu.

Alguém então bateu em minha porta minutos depois.

— Lívia? – Benjamin chamou. – Está acordada?

Não respondi.

Escutei um suspiro pesado e pude ver por sua sombra no vão entre o chão e a porta que ele ficou parado ali por um tempo. Quando saiu, soltei o ar que prendi inconscientemente e passei as mãos pelo rosto, expressando meu cansaço.

Meu celular então vibra segundos depois.

Cabeça de Estrume: Lívia, ainda estou disposto a lutar com você contra o mundo, isso se me quiser na sua equipe. Por favor, nunca pense que não tem mais um melhor amigo.

Não respondi ou entrei na conversa. Apenas suspirei.

Eu realmente preciso de ajuda, Diário.

Lívia.

23º Defeito: Benjamin fica muito agitado quando nervoso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei. Vai melhorar, é só que fui pega de surpresa mesmo.

Obrigada pela compreensão ;)

Até o próximo ♥