30 motivos para odiar Benjamin Lacerda escrita por Huntress


Capítulo 22
06 de julho (terça-feira) – 22º Defeito


Notas iniciais do capítulo

O quê? Huntress trazendo capítulo à tarde? Pois é, milagres acontecem.

Então, dessa vez minha justificativa é plausível. Eu sou tipo o desastre em pessoa e tropeço em tudo. Mas, diferente daquelas meninas de fanfics que na metade da história já não caem mais porque acharam seu príncipe, eu errei a calçada e virei o pé mesmo. Tive que imobilizar isso aqui e perdi minha noite de revisão, então estou compensando e trazendo mais cedo.

O agradecimento especial dessa vez vai para a maravilhosa Leitora Voraz, que fez uma recomendação linda, que melhorou muito meu dia de prova ♥ Sério, sou só agradecimentos a você, porque aquilo lá não estava fácil e você me alegrou. Obrigada de coração ♥

Agradeço também a Carina Darlly, Sweet A, Damma Queen, tefynha, Mia, Giulianna Valadares, Izzy, Amanda, Jade anne, Ems, Giovanna, Karolayne, QUEEN, Arabella Cobain, Avalon, Adrielle Sanche, Myrea Soares, analu16, Brenda, paísdasmaravilhas, Ms White, Coffe, Mary Victorianna, Dorothy of Oz, Bellaisa, Tatá Ribeiro, Leitora Voraz, Kells styles e Adri Adriana pelos reviews ♥ Meninas, obrigada por tudo ♥

Sem mais delongas, apresento a vocês um dos meus capítulos favoritos, porque... Porque é ele que vai começar a reta final dos defeitos do Ben! Mas, calma, não fiquem tristes ainda. Apesar de já ser o 22º, temos muito pela frente!

Boa leitura ♥



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06 de julho (terça-feira) – 22º Defeito

A rotina da manhã foi a mesma. Acordei mais cedo do que todo mundo e esperei na sala enquanto assistia algum programa que passava na televisão para ocupar o tempo já que ninguém acordava. Quando todos levantaram, tomaram café da manhã e foram para a praia de novo.

Dessa vez, não perdi tempo e fui direto para a água, não querendo correr o risco de ser carregada novamente. Porém, uma parte minha já sabia que aquilo não iria acontecer, especialmente porque meu melhor amigo não olhara na minha cara em momento algum desde aquela cena em meu quarto.

Mas o que eu poderia fazer? Chamá-lo para sentar comigo e mostrar os defeitos enquanto ambos ríamos dos meus sentimentos? O que me sobrava era fazer piada dessa situação, porque não havia nada que pudesse tentar além de esperar que tudo se ajeitasse novamente. Porém, pelo visto, Benjamin estava levando isso a sério e parecia decidido a ignorar minha existência ali pelo tempo que achasse necessário.

Enquanto estavam todos no mar, eu conversando com Lucas e Daniel, vi quando Benjamin reparou em uma sequência de pranchas fincadas na areia e seguiu até lá para alugar alguma. Porém, pelo o que pude entender, as pranchas eram de um garoto já vermelho pelo sol, com cabelos em um tom de cobre puxado para o vermelho, mas que deixou meu vizinho usar.

Acabei me dispersando da conversa e fixei o olhar nele. Em certo ponto, o ruivo e Benjamin já haviam virado amigos e conversavam animadamente enquanto o garoto lhe dava algumas dicas sobre o surfe. Matheus, Lucas e Daniel, não querendo ficar de fora, seguiram para lá depois de um tempo e ficaram prestando atenção nas explicações do cara. Eu, por outro lado, fiquei boiando na água enquanto ia cada vez mais para o fundo, sem muito o que fazer além de esperar.

Fiquei um bom tempo só pensando mesmo, Diário. Aproveitei por um tempo esse silêncio que só conseguia na hora de dormir para novamente encarar aquele embrulho desagradável em meu estômago e me recriminando por não ter trancado a porta ou algo do tipo enquanto via os garotos tentarem aprender a surfar – e focava em um em particular.

Depois de uma boa meia hora fincando o pé na areia e quase me afogando quando era pega de surpresa por alguma onda, Benjamin e os garotos se aproximaram e deram a notícia que causou gritos de comemoração no trio de garotas: um tal de Bernardo, que supus ser o cara das pranchas, havia convidado todo mundo para a festa que daria hoje na casa dele. Suspirei fundo e Daniel me jogou água na cara ao ver minha careta.  

Por isso, assim que escutaram sobre encontrar pessoas em uma festa por ali, Mariana e suas amigas não pararam de falar sobre precisarem ir se arrumar. Eu até apoiaria a ideia, mas meu cabelo ia continuar a mesma bagunça e o vermelho em meu rosto pela falta de protetor solar não ia a lugar algum, então não adiantaria tentar nada. Mesmo assim, depois do almoço, as meninas pediram para ir para casa se arrumarem. Os garotos resmungaram, mas cederam, enquanto eu, com minha animação para tudo próxima de zero, não tive escolha a não ser ir junto.

Quando chegaram, elas saíram correndo para o segundo andar e monopolizaram o banheiro. Fiquei no andar de baixo, jogando Uno com os meninos enquanto aguardava as garotas tomarem banho, maquiarem-se e provarem vestidos. Uma vez ou outra alguma delas descia para pedir opinião e logo saía desesperada alguns segundos depois dizendo que estava horrível, apesar de estar justamente o contrário. Aquele acabou se tornando meu passatempo favorito.

Porém, logo me enjoei e decidi descer para a praia, avisando Lucas rapidamente e seguindo para a areia. O sol logo começaria a se pôr e uma brisa gostosa fazia meus cabelos balançarem. Fiquei ali, sentada por um tempo e de olhos fechados, apenas sentindo o vento agradável enquanto pensava em como lidar com meus sentimentos e com o tédio que passaria naquela festa.

— Está fugindo de nós? – um voz perguntou ao meu lado e eu abri os olhos.

Era Daniel.

— Não – respondi com um sorriso fraco. – Estou só pensando.

O loiro cerrou os olhos para mim, mas não perguntou nada e só se aproximou mais, ajeitando-se ao meu lado, encarando o mar comigo. Seus cabelos estavam engomados e a pele tinha um leve tom vermelho, porém, era de uma forma bonita. O problema era que olhá-lo apenas me lembrava de meu vizinho e fazia aquele aperto voltar em minha barriga. Afinal, fora ele quem Benjamin mencionara.

— Daniel? – chamei-o.

— Oi.

— Posso te perguntar uma coisa?

— Pode até duas – falou e eu sorri.

— O que eu falei para Benjamin naquela noite em que bebi?

Eu tive que questioná-lo sobre isso. Era ali que meu cérebro acreditava que a resposta estava, porque foi um ponto marcante nessa mudança de comportamento, eu sentia isso. A pergunta escapou e, apesar de uma parte minha recear o que o loiro ia falar, o que fazia meu peito apertar, a outra sentia alívio por diminuir esse peso de meus ombros e poder descobrir o que aconteceu.

Daniel virou o rosto para mim e me analisou. Soltou uma risada em seguida.

— Sinceridade? – indagou-me e eu assenti. – Você só disse que Benjamin era importante para você e que sentia falta dele, mas que via que ele está feliz com o namoro.

Nem preciso dizer que um canto em meu cérebro desconfiava, afinal, isso era muito básico. Mas, ao ver a feição de Daniel, eu soube que ele não estava mentindo, mesmo que, em parte, eu queria que ele o fizesse. Afinal, eu esperava algo grave que explicasse o que estava acontecendo e desencadeando tudo e nada daquilo não me ajudava a entender.

— E ele me odeia por causa disso? – perguntei retoricamente, tentando compreender.

Daniel soltou um “pff” com a boca.

— Benjamin? Te odiar? Não acho que isso seja possível – comentou o loiro. – Para falar a verdade, acho que uma parte dele te ama um pouco mais depois disso.

Dei um sorriso fraco e a aceleração em meu coração não durou dois segundos, pois eu não acreditava inteiramente naquilo. Como poderia de qualquer forma? Era só olhar para minha situação atual, com Benjamin mal olhando na minha cara e deixando cabisbaixa por não estar entendendo nada.

Vendo que aquele era o limite, acabei por me calar, já que não me levaria a lugar algum. A única outra pessoa que poderia me dar uma versão diferente e mais detalhada estava me evitando, o que não me animava o suficiente para tentar algo. Fiquei ali, com Daniel calado ao meu lado, até o sol já estar se escondendo no horizonte.

Assim que cheguei na casa, vi que os garotos finalmente tiraram as meninas do banheiro, o que me permitiria ir me arrumar. Tomei banho, sentindo até as gotas d’água que caíam do chuveiro machucarem meus ombros queimados, e decidi me vestir como faria se estivesse indo para uma casa na praia: rasteirinha, short jeans e uma blusa branca com detalhes em renda. Maquiei-me de leve, tentando esconder um pouco o tom de tomate maduro que se apoderava do meu rosto, e logo desci. Peguei minha bolsa e me sentei na mureta, esperando pelo resto do povo.

Aos poucos, eles foram aparecendo. Daniel estava com uma bermuda cinza e uma blusa com o símbolo do Hang Loose; Matheus usava uma vermelha e uma blusa preta com gola V; Lucas estava com o habitual boné virando para trás, uma blusa branca e uma calça bege; e Benjamin foi o último deles a descer, usando uma calça jeans surrada e uma blusa verde escura. Das meninas, Mariana foi a primeira a chegar. Usava um vestido floral de alcinha e uma sapatilha marrom. Gabriela apareceu de vestido azul curto tomara que caia e, logo depois, uma Sofia de blusa vermelha com um decote detalhado com pedras e um short escuro deu as caras, permitindo-nos finalmente ir.

Quando Benjamin viu que todos já estavam arrumados, sem prender muito o olhar em mim, saímos de casa. Fomos caminhando até o endereço que Bernardo passou para meu vizinho, um condomínio a algumas quadras da praia, com a entrada decorada com palmeiras e uma fonte branca. Nem com Daniel eu quis caminhar e apressei o passo para avançar sozinha pelo caminho. Já no condomínio, só tivemos que nos aproximar e ir para a casa com várias pessoas na entrada e com Arabella do Arctic Monkeys tocando bem alto.

Ela possuía dois andares e uma piscina grande e cheia de gente ao fundo. Suas paredes eram de madeira e as janelas eram grandes e cobertas por cortinas brancas e finas. Os móveis eram mais antigos, com exceção dos eletrodomésticos, e preenchidos por louças de porcelana. A decoração era agradável, com algumas redes de balanço presas e plaquetas antigas na cozinha.

O tal do Bernardo veio nos receber, cumprimentando os meninos como se já fossem grandes amigos e dizendo para nós, garotas, que éramos muito bem-vindas. Falou que podíamos ficar à vontade e e pediu que aproveitássemos a festa, engajando depois em uma conversa com os garotos. Bernardo tinha olhos claros e os cabelos em um tom avermelhado muito bonito que se assemelhava ao tom da sua pele naquele momento e parecia levemente alterado pela bebida, mas se mostrou simpático.

Sem o que fazer – e prometendo a mim mesma ficar longe de qualquer coisa com álcool –, decidi ir passear pela casa. Quando terminei de passar pelo andar dos quartos, fui até a cozinha e peguei um dos copos descartáveis limpos, enchendo-o de refrigerante. Meu vizinho, seus amigos e a namorada estavam fora do meu campo de visão e, em parte, eu agradecia. Sabia que momentos assim chegariam e foram surpreendentemente mais bem-vindos do que eu esperava.

Enquanto bebericava do refrigerante, passei o olhar pelo lugar e prendi minha atenção em uma garota. Ela estava em uma cadeira no canto da mesa com a cabeça enterrada entre os braços e com os cabelos avermelhados caindo sobre o rosto. Preocupada, pensando que ela podia ter desmaiado ou qualquer coisa do tipo, aproximei-me.

— Você está bem? – perguntei, mas ela não respondeu.

Engoli em seco, já temendo ter que sair correndo para pedir ajuda. Cutuquei-a então e ela ergueu a cabeça em seguida, assustando-me e me encarando com os olhos castanhos um tanto arregalados. Começou então a arrumar seu cabelo ruivo e curto, na altura dos ombros. Ela tinha um piercing no nariz de batata e uma tatuagem de pássaros voando no ombro.

— Estou, é só um pouco de tédio mesmo – comentou, já brincando e eu sorri. Estendeu-me a mão em seguida. – Bia.

— Lívia – apertei sua mão e arrastei uma cadeira para seu lado. – Se importa de eu ficar no tédio aqui com você?

Bia me analisou de cima a baixo por um momento com as sobrancelhas franzidas. Um segundo depois, sinalizou com as mãos que eu poderia sentar e eu o fiz.

— O que te traz aqui, Lívia? – indagou e bebericou um pouco de seu copo.

— Amigos... – comentei. – E outros nem tanto assim. E você?

— Meu irmão está dando a festa – respondeu, revirando os olhos.

— Você é irmã do Bernardo? – perguntei e ela riu, sarcástica.

— Vejo que já conheceu o perfeitinho da família – disse, cheia de escárnio. – Quero só ver a cara da Sra. Figueiredo quando descobrir que o filhinho dela está tendo um caso com o professor de surfe – resmungou para si mesma e então bufou. – Como eu queria que meus pais entrassem por aquela porta agora.

Franzi o cenho.

— Eles não sabem sobre a festa? – perguntei e ela assentiu com a cabeça. – Por que não conta então?

— Pelos 100 reais que meu irmão me deu – afirmou e eu ri. – Se tem uma coisa que Bernardo faz melhor do que mentir, é negociar.

Bia ficou quieta por um tempo enquanto bebia do seu copo e eu ria de sua fala. Calei-me sem saber o que fazer enquanto ela olhava ao redor. Acabou pousando o olhar em algo atrás de mim e eu, curiosa, estava indo me virar quando ela me segurou.

— Não se vire.

— Por quê? – questionei-a, estática, e ela abriu um enorme sorriso.

— Tem um garoto muito gato te olhando – ela avisou e eu ergui uma sobrancelha. Virei lentamente para trás, tentando achar o garoto e, ao ver de quem ela estava falando, senti uma curiosidade despertar em mim e ri enquanto revirava os olhos.

— Aquele é meu melhor amigo – falei e apontei descaradamente para Benjamin, que virou o rosto rapidamente e começou a conversar com Lucas.

Bia arregalou os olhos.

— Caramba! – deixou escapar. – Estou aberta a apresentações.

A partir daí começamos a conversar sobre vários assuntos. Bia me contou sobre sua tatuagem e o significado dela, falou sobre as brigas com o irmão e até comentou sobre o falso namoro do irmão com a melhor amiga. Quando pediu para que contasse sobre mim, disse que não havia muita coisa e só expliquei o motivo da viagem.

Pouco depois, Bia e eu começamos a andar, ela pedindo para que eu a apresentasse aos meus amigos e eu, rindo. Até tentei achá-los, mas Matheus, Lucas e Benjamin tinham sumido. O único que encontrei foi Daniel, perto do que seria a pista de dança improvisada, bebendo uma latinha de cerveja. Depois de Bia ficar vermelha como seu cabelo quando recebeu um sorriso dele, convidou-nos para ir com ela encontrar seus amigos.  

Assim que eu e ele assentimos quase ao mesmo tempo, ela nos puxou para o que seria uma sala de jogos. Possuía duas guitarras presas na parede, alguns pufes no chão, uma televisão com videogame e uma mesa de sinuca, na qual Bia se sentou, interrompendo a jogada de um garoto, e me convidou para sentar com ela. O resto do grupo se acomodou nos pufes e eu não lembro o nome de nenhum dos quatro amigos que Bia apresentou.

A porta estava aberta e dava para o lado da piscina, onde muitas pessoas dançavam e outras já pulavam na piscina. Uma loira de cabelo raspado na lateral ficou lançando pergunta atrás de pergunta para Daniel, claramente flertando e eu tinha vontade de lançar aquela bola de bilhar na cara dela para ver se ela percebia o quão atirada estava sendo.

Porém, fui interrompida quando Bia teve a maravilhosa ideia de jogarmos Verdade ou Desafio, a brincadeira que parecia me perseguir. Eu fingi gostar da ideia, mas não queria jogar isso.

É um trauma de infância, Diário. Eu sempre escolhia Verdade porque tinha muito medo dos desafios, mas meus amigos ficaram bravos por causa disso e me forçaram a cumprir um deles. Quando tinha nove ou dez anos, um garoto chamado João Marcos era o líder do grupo de meninos e, quando eu neguei o desafio, ele fez os garotos me arrastarem até a casa no fim da rua, conhecida por ser assombrada e da qual todas as crianças mantinham distância.

Eles me colocaram e seguraram a porta, sendo que eu já estava soluçando antes mesmo de chegarmos à entrada. A sala estava com os móveis cobertos por tecidos brancos e havia mofo e muitas teias de aranha. Eu fiquei batendo na porta por muito tempo enquanto ouvia barulhos que eu achava serem passos – mas que depois descobrir serem ratos e outros seres – e temia que alguém desceria as escadas de madeira com um facão ou serra elétrica e me mataria. Fiquei assim até uma das vizinhas ouvir meu choro e ligar para minha casa.

Claramente incomodada, mas recebendo um olhar incentivador de Daniel, decidi aceitar participar, com a condição de que não fizessem nada grave ou nojento que pudesse me traumatizar novamente. Quando perguntei à Bia se ela aceitava, a ruiva apenas deu de ombros.

O começo foi no mínimo interessante: uma das amigas de Bia a desafiou a pular na piscina de calcinha e sutiã – o que ela aceitou tranquilamente –; um dos meninos teve que misturar as sobras que tinham na geladeira, bater no liquidificador e beber; a garota de cabelos raspados na lateral teve que abaixar a calça de cinco meninos e ainda teve a cara de pau de perguntar se poderia ser a de Daniel. Felizmente, Bia respondeu que não.

E eu, é claro, não pedi desafio nenhuma vez.

Claro que eu não seria Lívia Nogueira se algo não fizesse isso mudar. Depois de mais umas três rodadas, enquanto tocava Dance, Dance do Fall Out Boy, a garrafa parou na Bia e no Daniel, que não tinha sido desafiado ainda, apenas desafiou. Ela ficou ponderando por um tempo, analisando o ambiente ao redor e pensando no que fazer, até que seus olhos pousaram em mim e um sorriso maléfico brotou em seu rosto.

Engoli em seco.

— Eu te desafio... – começou e deu uma pausa dramática. – A beijar a Lívia.

— O quê?! – eu e Daniel perguntamos juntos.

Não sei quem de nós estava mais surpreso – se a loira de cabelos raspados estivesse nessa comparação, provavelmente seria ela. Daniel arregalou os olhos e se virou para mim, que ainda estava tentando entender, repassando o que Bia havia dito. Virei-me para ela, que sorria maliciosamente e estava de braços cruzados esperando cumprirem o desafio.

— Bia... – comecei, mas ela me calou com a mão.

— Vamos, Daniel! – disse, batendo palmas.

Virei-me para o loiro, tentando pedir algum apoio, mas Daniel parecia estar concentrado demais em seus pensamentos, batendo o pé freneticamente. Engoliu em seco e, por um momento, acho que nós dois pensávamos na mesma coisa, ou melhor, pessoa: Benjamin. Claro que nossos motivos eram diferentes, mas ainda estava valendo.

Para minha surpresa, Daniel se colocou de pé e sorriu para mim.

Meu coração começou a pular que nem um louco e eu não sabia o que pensar. Meu cérebro processava o que estava acontecendo em uma velocidade sobre-humana enquanto eu mordia meu lábio com força, sem saber o que fazer. Eu queria ser beijada por ele? Quer dizer, Daniel tem se tornado muito próximo mesmo e vem sendo o garoto que eu esperava que Benjamin fosse, mas... Não pude deixar de olhar para a área da piscina, onde meu vizinho estaria.

Ele e sua namorada. Provavelmente se beijando.

Benjamin não falou comigo hoje, vem tendo surtos de descaso e ainda estava se saindo um péssimo melhor amigo, enquanto eu havia aceitado vir nessa viagem só por ele. Eu não devia nada a meu vizinho, certo? Claro que não. Muito menos Daniel. Aquele surto de vontade momentânea já começava a se apropriar de mim novamente, apesar de uma voz cada vez mais baixa continuar a repetir na minha cabeça que não era por ele que meu coração acelerava.

— É só um jogo, Lívia, calma – Bia falou no meu ouvido e aquilo pareceu ser a confirmação que meu cérebro esperava para parar de ter medo. Por isso mesmo, balancei a cabeça, confirmando, e me virei para Daniel, sorrindo de forma amigável.

É só um jogo, Lívia. Uma partida real dos milhares de jogos de efeito borboleta que você tem. Um Life Is Strange só seu. Fiquei repetindo isso como um mantra enquanto ele se aproximava, receoso, e se posicionava em frente a mim. Bia logo desceu da mesa e só fez com que aquela adrenalina percorresse meu corpo duas vezes mais rápida.

Daniel então, sem eu perceber, se aproximou e tocou levemente meus lábios por pouco mais de um segundo. Mal tive tempo de piscar ou de processar que aquilo aconteceu. A única coisa que evidenciava que aconteceu foi o arrepio que percorreu meu corpo.

Bia vaiou.

— Qual é, loiro! – reclamou, ainda com um sorriso. – Você consegue fazer melhor que isso!

Daniel cerrou os punhos e olhou nervosamente ao redor enquanto respirava fundo. Eu parecia uma ameba, parada e sem saber nem como piscar direito, tentando entender o que acontecia no meu interior. Como se soubesse que eu precisava de ajuda, Daniel se voltou para mim e sorriu, sua covinha aparecendo só para piorar minha situação.

— Só um jogo, certo, Liv?

Assenti inconscientemente, ainda sem acreditar no que eu estava fazendo. Quem me dissesse que eu terminaria o dia sentada numa mesa de sinuca prestes a ser beijada por Daniel seria chamado de louco e ainda seria muito zoado. Porque, afinal, eu não vi isso vindo.

Ele assentiu junto, convencendo a si mesmo. Colocou então uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha e olhou-me nos olhos antes de fechar os seus e aproximar seu rosto. Engolindo em seco uma última vez, fechei os meus também logo em seguida, sentindo Daniel segurar meu rosto entre suas mãos um tanto suadas pelo nervosismo. Eu, quase inconsciente, pousei minhas mãos em sua cintura.

Eu já podia sentir a respiração dele em meu rosto e senti meu coração na garganta, apesar de não saber o que era todo aquele alvoroço. Então, além de toda essa tensão, quando senti seus lábios tocarem os meus, meu coração ainda deu um pulo tão alto que pifou meu organismo por um momento.

Eu inclinei meu rosto para um lado e o loiro fez o mesmo para o outro. Daniel tinha um leve gosto de cerveja na boca (talvez eu não tenha ficado longe de tudo que tivesse álcool, mas não ligava) e movia-se com a calma habitual que já era marca registrada dele. Soltou então uma das mãos do meu rosto e inclinou meu queixo um pouco para cima, os dedos roçando levemente na minha pele.

Por um momento, era só aquilo que acontecia, com minha mente repetindo:

Eu estou beijando o Daniel.

E, ali, meu interior em torpor esqueceu que existia um mundo ao redor.

Só lembrou quando foi obrigado.

De repente, Daniel se afastou bruscamente de mim e eu abri os olhos, assustada e sem entender o que estava acontecendo. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, um garoto de cabelos escuros bagunçados já havia empurrado o loiro e lhe dado um soco do lado direito.

Daniel caiu no chão e, por um momento, a sala inteira ficou em silêncio. O único som foi a exclamação de surpresa que saiu da boca da maioria que observava a cena. Meu cérebro, agora bem devagar enquanto tentava se recuperar, apenas me fez encarar o loiro caído com o rosto escondido e um certo vizinho massageando a mão um tanto avermelhada.

Benjamin tremia pelo o que parecia raiva. Ele encarava Daniel com uma fúria contida e, quando virou para mim, havia certa mágoa e incredulidade estampadas nos olhos verdes intensos e claros. Meu vizinho parecia estar olhando para a minha alma, transportando o que quer que fosse que estivesse sentindo para a minha consciência. Engoli em seco enquanto pensava no que responder, mas não consegui desviar do olhar dele ou ele do meu.

O que provavelmente foi a causa de não ver o loiro se levantando.

Daniel apareceu na minha visão periférica com um ponto vermelho quase cortado abaixo dos olhos, mas eu estava entorpecida demais para pensar ou até mesmo piscar. Porém, sem que eu pudesse fazer nada de novo, o loiro se aproximou e deu um soco de esquerda no rosto de Benjamin.

Meu vizinho cambaleou, caindo sobre a mesa de sinuca bem ao meu lado. Escutei Bia gritando o nome do irmão enquanto algumas pessoas à minha frente filmavam a cena provavelmente divertida de se assistir e meu interior pareceu despertar. Coloquei-me de pé e virei para encarar meu vizinho que, assim que tirou a mão do rosto, me permitiu ver um líquido viscoso e escuro escorrendo de seu nariz.

Sangue.

Benjamin então se virou, já pronto para voar no pescoço de Daniel, mas algumas pessoas apareceram para ajudar e Bernardo, junto com três amigos, segurou meu vizinho, que ainda se esperneava tentando se soltar, o olhar preso em Daniel e expressando toda a raiva naquele tom escuro de seu verde intenso.  

— Você disse que não faria isso! – falou, ainda esperneando, e um pouco de sangue pingou em sua roupa. Daniel parecia em pânico, como se tivesse acabado de ver um fantasma, e encarou seriamente o amigo por um momento, mas baixou o olhar em seguida.

Benjamin ainda estava agitado e os garotos o arrastavam de lá. Virei-me para Daniel, querendo perguntar se estava tudo bem, mas ele já havia dado as costas e caminhava empurrando todo mundo. Aproximei-me então de Benjamin, que fechou o rosto ao me ver e evitou me olhar nos olhos.

— Podem soltar – avisei. – Eu vou levá-lo.

Os garotos me olharam com desconfiança, achando que eu estava louca por pedir que deixassem Benjamin Lacerda solto naquele estado, mas o fizeram mesmo assim. Fiz meu vizinho erguer a cabeça, mas ele afastou meu toque e começou a caminhar para um quarto que Bernardo apontou e disse que poderíamos usar até que Benjamin se acalmasse e eu tivesse limpado seu rosto.  

O quarto era de madeira também, com paredes cobertas por três grandes quadros de natureza morta, e dois abajures acesos nos criados-mudos. A cama de casal com lençóis claros logo fora ocupada por um emburrado Benjamin, que caminhou duro até lá e se jogou no colchão. Deixei-o sozinho por um momento e rapidamente corri para pegar a caixa de primeiros-socorros.

Quando a encontrei em um banheiro, subi novamente enquanto torcia para que meu vizinho ainda estivesse onde o deixei e pedi para que não tivesse que sair atrás dele. Assim que entrei no quarto, encontrei-o no mesmo lugar, com uma mão tentando estancar o sangue, e ainda ignorando minha existência, como vem fazendo desde a hora que acordou. Coloquei a caixa do seu lado e peguei um pedaço de papel, estendendo-o para ele, que recusou e virou o rosto. Revirei os olhos e me aproximei para colocar eu mesma o papel, mas ele se afastou ainda mais, inclinando-se.

— Benjamin, para de ser idiota, por favor – pedi, irritada, e ele revirou os olhos, indo ainda mais para longe. Tentei afastar sua mão de seu rosto, porém meu vizinho fez questão de mantê-la no mesmo lugar, mesmo não tendo sido necessário tanto esforço já que sou extremamente fraca se comparada a ele.

Bufando, desisti e fingi me afastar, dando poucos passos. Bruscamente, virei-me e subi na cama, posicionando-me e colocando-o entre minhas pernas, de forma a prendê-lo e me deixar cuidar dele. Porém, lembrando que eu fazia isso quando meu vizinho não tinha namorada – a única pessoa a ter permissão de fazer isso atualmente –, coloquei-me ao seu lado de joelhos, inclinando o corpo para que pudesse limpar.

Vai embora, Lívia— disse com a voz fanha, empurrando meus braços, mas eu os afastei. – Por que não vai lá ajudar o Daniel?

Benjamin sugeriu isso com o escárnio quase escorrendo de sua boca, seus olhos verdes naquele tom escuro, com o orgulho ferido, que ainda conseguiam ser lindos. Na verdade, mesmo com ambos os lados do rosto em um tom escurecido pelos socos recentes, Benjamin não conseguia ficar feio, apenas atraente de uma forma diferente.

Fui obrigada a rir.

— Você está sangrando Benjamin – comentei enquanto removia sua mão que tampava o nariz e colocava um papel, limpando o contorno completamente sujo. Ainda sem olhar para mim, o que fazia meus ombros pesarem, ele deixou e parou de se mexer. Em certo ponto, meu vizinho pousou uma das mãos em minha perna e eu estremeci por um momento, disfarçando em seguida.

— Além disso, Daniel sabe se virar – adicionei e Benjamin se virou, irritado, e cerrou os olhos.

— O que você quis dizer com isso, Lívia? – indagou, o mais desafiador que sua voz permitia. Ri disfarçadamente e ignorei sua fala.

 Eu queria poder destacar a verdade para ele, falando como Benjamin é dependente das pessoas que o cercam num nível bem absurdo, daqueles que você não imagina morando sozinho, sem alguém para cozinhar, limpar o quarto, lavar suas roupas ou simplesmente dizer bom dia. Porém, esse não é o ponto inicial. Não que esse defeito seja novidade para você, Diário, mas eu preciso destacá-lo: meu vizinho realmente gosta de saber que essas pessoas fazem coisas por ele, que lembram dele, que falam dele. Tudo porque Benjamin é egocêntrico e narcisista a esse ponto.

Esse é o defeito mais óbvio e, ainda assim, merece destaque. Benjamin gosta de ter a atenção, de que realcem como está bonito, de receber elogios e de se ver no espelho – sério, ele se arruma até em reflexo de poça na rua. Meu vizinho vive fazendo piadas narcisistas sobre sua aparência, algo notável, fora que ele sempre odiou minhas brincadeiras porque nunca concordo quando ele diz que está arrasando ou que eu gosto dele. Benjamin tem um ego grande demais, que ocupa um espaço cada vez maior, e tem uma quantidade de amor próprio excessiva a ponto de ser perigosa.

Está dizendo que eu preciso de cuidados?

— Não – respondi. – Estou dizendo que eu quero cuidar de você.

Comentei de forma tão natural, decidia a fazê-lo parar de ficar bravo comigo pelo menos por um tempo, que não percebi quão forte minhas palavras eram até Benjamin virar lentamente para mim e levantar a cabeça, olhando-me nos olhos e me intimidando com aquele verde intenso que ele não sabe ter um efeito tão grande sobre mim. Benjamin só ficou ali, me olhando nos olhos enquanto eu pousava a mão em seus ombros, tentando lembrar como se respira normalmente.

Isso até ele olhar para minha boca.

Diário, eu achei que meu coração ia explodir, que eu ia ficar roxa pela falta de ar, que o mundo ia parar de girar e que meu sangue ia parar de circular, tudo ao mesmo tempo. O frio na barriga conseguiu percorrer meu corpo todo e eu não conseguia me mexer mais, apenas continuei encarando os mesmos orbes verdes, que agora variavam dos meus olhos para a minha boca, que deveria estar quase sangrando do quanto eu mordia.

Por favor, não faça isso – pediu quase em um sussurro e subiu as mãos repousadas para meu rosto, passando levemente o dedo pelo meu lábio machucado, fazendo aquela área (e todo meu corpo em si) ficar dormente. Segurando meu rosto, Benjamin se aproximou e me olhou uma última vez antes de focar de novo na minha boca e fechar os olhos em seguida. Sentindo que não era mais eu em comando, meus olhos pesaram em seguida.  

E eu posso jurar que ele iria me beijar, Diário.

Se não fosse alguém abrindo a porta abruptamente.

Pulei da cama o mais rápido que pude e abaixei o olhar para evitar encontrar o de Benjamin, indo para o mais longe possível. Meu cérebro trabalhava muito tentando entender o que foi aquilo e as batidas do meu coração eram o único som em meus ouvidos, o que quase me fez esquecer de ver quem tinha entrado.

Daniel estava parado, estático, na porta, com uma mão ainda apoiada na maçaneta. Havia um ponto vermelho e inchado logo abaixo de seu olho direito, mas que não parecia atrapalhar o processamento de seu cérebro enquanto variava o olhar de mim para meu vizinho. Daniel então ergueu uma sobrancelha para Benjamin e se virou para mim.

— Lívia... – ele chamou e eu abaixei o rosto, sem saber como reagir depois do que aconteceu lá embaixo. Meu coração pulava de ansiedade e minhas bochechas estavam vermelhas não só pelo sol de hoje, além de haver um nó de desconforto em meu peito, que pesava minha respiração. – Posso ter uma palavra com meu amigo aqui?

Nem olhei para Benjamin quando Daniel falou isso e passei reto pelo loiro, o olhar ainda fitando o chão e a vergonha consumindo meus pensamentos. Assim que sai, a porta foi fechada atrás de mim e eu desci a escada, atônita, repassando tudo. Daniel me beijou. Benjamin o socou em seguida e, a parte mais inesperada, pareceu tentar fazer o mesmo que o amigo depois. Segui para a cozinha, enchendo meu copo de novo com refrigerante e bebi tudo em goles rápidos, como se a bebida gaseificada fosse me ajudar a processar tudo.

Caminhei então para a área da piscina. No meio do caminho, um agitado grupo passou, com uma desesperada Mariana entrando na casa e seguida pelo resto. Senti um aperto no peito que fazia aquela vontade de deitar e chorar aumentar, mas passei reto e segui para a loira de piercing que dançava ali.

— Bia? – chamei-a e ela se virou. – Se meus amigos vierem me procurar, avise que fui a pé para casa.

— Tem certeza? – perguntou e eu assenti. Ela ergueu uma sobrancelha, claramente curiosa. – Está tudo bem? – balancei a cabeça de novo. – Ok, mas me ligue caso algo aconteça.

A loira me passou seu número e eu liguei em seguida para ela ter o meu também e poder garantir que cheguei bem. Despedi-me rapidamente e saí da casa. A noite estava mais fria do que eu esperava e eu avancei pelas ruas tentando usar minha memória não tão boa e minha coragem para pedir informações para as poucas pessoas que passavam nas calçadas. Algumas partes do caminho estavam decoradas com correntes de flores e, quando passei por uma cafeteria, não resisti ao cheiro e comprei alguns doces.

Assim que localizei a casa ao longe, decidi não ir direto. Escolhi alongar o percurso e passar pela praia, molhando os pés enquanto caminhava próxima ao mar, chutando areia e comendo alguns doces. Infelizmente, nenhuma dose de açúcar me ajudaria a lidar com aquilo que estava acontecendo e a água não me faria esquecer o que houve naquela noite.

Não podia negar e dizer que não gosto de Daniel, especialmente por sua cada vez mais constante presença, mas é a reação de Benjamin que acaba bagunçando tudo, especialmente porque me ignorar parecia estar sendo seu passatempo favorito. Porém, tentando não criar qualquer resquício de esperança, forçava meu cérebro a formar teorias que não envolvessem possível ciúmes ou interesse em mim, já que isso acabaria com meu psicológico.

Vendo que caminhar ali só parecia piorar minha situação, segui então para a casa e abri a porta silenciosamente, escutando vozes vindas da sala e outras mais abafadas e distantes. Logo vi Lucas e Matheus no sofá, encarando-se apreensivos. Mandei uma mensagem para Bia, dizendo que estava bem, e avancei até a escada, decidida a tomar banho e achar alguma forma de me distrair.

— Lívia, se eu fosse você não subia agora – Lucas advertiu. – Benjamin tocou no assunto proibido de Daniel assim que subiu, o que vai fazer aquela discussão se estender por mais tempo.

Logo entendi que estavam falando de Vanessa.

— Afinal, o que aconteceu para os dois estarem brigando? – Matheus indagou, virando-se para mim e Lucas fez o mesmo. Sentindo meu rosto queimar de vergonha, dei de ombros, e segui para a área da piscina, querendo escapar daquele sufocamento.

Dei a volta pelo jardim e sentei na borda da piscina, colocando os pés dentro e brincando com a água. De onde estava, conseguia ver a pequena sacada de meu quarto e duas silhuetas no cômodo ao lado, de quem supus ser Benjamin e Daniel. Confesso que até tentei escutar alguma coisa, mas nenhum deles gritava. Acho que esperavam algo assim de mim e de seus amigos e decidiram manter o tom baixo.

Joguei meu corpo para trás e fechei os olhos, sentindo a grama pinicar meu braço enquanto um pesado suspiro escapava de minha boca. Isso tudo é pior do que os primeiros dias que comecei a sentir coisas estranhas perto de meu vizinho e supera meu nervosismo de quando descobri que ele estava namorando.

Só lembrar disso, um nó voltava à minha garganta. Benjamin tem namorada. Já é errado o suficiente eu gostar dele, mas meu vizinho ainda fazer uma brincadeira dessas era mais do que incorreto, parecia uma forma de me machucar. Afinal, só podia ser uma provocação sem graça dele, confundindo-me internamente mais do que nunca e fazendo uma bigorna parecer pesar em meu estômago.

Se havia uma coisa que eu deveria saber no momento que vi Benjamin, foi que ele era a perfeita imagem de problema. Problema não, ameaça. Ameaça ao meu pequeno mundo organizado, que visava compensar o borrão que é meu futuro, e que, de alguma forma, me atraía mais do que o recomendado. E não digo isso apenas por seu jeito de brincar ou falar, mas a ele em si.

Benjamin, apesar de sua áurea de adolescente irresponsável atrás de diversão, já tem todo seu futuro planejado, contrastando com sua imagem atual. Vai fazer medicina, não importa o que custe, e meu vizinho diz isso de uma forma tão apaixonada que parece impossível dizer não a ele. Benjamin encara as mudanças da vida não como vilãs, mas sim como desafios a serem superados, enquanto eu não sei para onde quero levar meu futuro, deixando esta ser a única coisa fora dos trilhos da minha vida.

Meu vizinho é o oposto e fez questão de mostrar isso para mim, tentando me fazer segui-lo. Benjamin não liga se foi planejado ou não, se é para agora ou depois, e usa sua determinação para qualquer coisa, aproveitando o hoje como se realmente não houvesse amanhã. E eu estaria mentindo se não dissesse que o admiro muito por isso e que espero poder ser assim algum dia. Benjamin me ajudou a viver mais e sou eternamente grata, mas me apaixonar por ele não estava nos planos.

O problema principal é que, mesmo se tivesse uma chance, não acho que mudaria meus sentimentos. E uma parte minha se odeia por isso. Afinal, lá estava eu, perdida em pensamentos nostálgicos, mais confusa do que nunca, sentindo uma imensa vontade de chorar e contar que gosto dele e, ao mesmo tempo, eu sabia só Benjamin era capaz de causar isso em mim e que eu provavelmente não sentiria aquilo com outra pessoa por um bom tempo.

Acabei ficando ali pelo o que pareceu uma hora, colocando uma música de fundo para me ajudar a esquecer. Bia me respondeu um tempo depois, convidando-me para conhecer a cidade com ela amanhã e eu respondi que adoraria, especialmente porque me ajudaria a espairecer. Quando já sentia meus dedos do pé enrugados, sentei-me e fiquei de pé em seguida, lembrando que, apesar de toda minha confusão, eu ainda tinha um diário no qual escrever.

Porém, ao erguer o olhar, pude ver um garoto apoiado no batente da janela do quarto ao lado do meu. Engoli em seco, encarando meu vizinho por um momento e sabendo que ele fazia o mesmo, e desviei o olhar em seguida, entrando em casa apesar de todo alvoroço em meu corpo, o que dificultava os comandos de meu cérebro. Mesmo tentando ser forte, eu sabia que, não importava as milhares de tentativas de me distrair, certo garoto teimaria em não sair de minha cabeça.

Lívia.

22º Defeito: Benjamin (obviamente) é egocêntrico e narcisista.


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Notas finais do capítulo

Olá para você que chegou até aqui ♥

Como sei que muita gente pula as notas iniciais por estar ansioso para ler, decidi comentar aqui algo que preciso urgentemente falar.

Por ser essa pessoa distraída que sou, esqueci de agradecer a alguns capítulos por termos passado os cem acompanhamentos, além dos mais de 250 comentários. Por isso, só queria reforçar com um enorme obrigada a todo mundo que para um momentinho da vida para ler a história da Lívia e do Benjamin, que recomenda para amigos e que deixa um comentário aí embaixo, porque vocês alegram muito meu dia e eu simplesmente adoro responder cada um e ter a quem agradecer nas notas iniciais.

Agora, sobre o capítulo... Não sei, estou realmente nervosa, especialmente porque sei que muita gente deve ter gostado dessa cena com o Daniel... Ou não. Mas tenho planos para o futuro de todo mundo nessa história e espero que dê certo e que vocês gostem.

Para quem leu até aqui, obrigada. E me deixem saber o que estão achando!

Até o próximo ♥

PS¹: Lívia e Benjamin estão travando uma competição de confusão de sentimentos entre si, não?

PS²: A história do Verdade ou Desafio é baseada em fatos reais mesmo (maldita casa 49 do meu antigo condomínio em SP! Ahsuahuahsuash). Nem lembro a história direito, mas falavam que um cara morreu lá na cama e um garoto ainda ficou lá dentro para assustar eu e as outras crianças que tiveram que entrar depois de aceitarem o desafio. Só adaptei mesmo, mas foi tenso para uma menina de onze anos KKKKKKKK