O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 52
A Troca


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Este é o começo de uma série de caps-chaves, que farão o desfecho da fanfic. Faltam poucos caps para o final, então preparem-se.



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            Os animais da Floresta ficaram inquietos. Com toda a razão, procuraram abrigo naquela manhã de neve fraca, mas insistente. Os passos que adentravam àquela floresta estavam longe de parecerem amigáveis. Doze homens, armados até os dentes, caminhavam pela colina, ridiculamente trôpegos na neve fofa. O vento também não ajudava, preenchendo o que deveria ser o silêncio daquela paisagem com seu assobio nefasto. Como se fosse um aviso.

            Ainda assim, estavam determinados a obedecer o seu patrão, Lev Sokolov. Poucos homens na Rússia que sabiam manejar uma arma recebiam um salário tão vultoso como eles, de modo eram bem pagos o bastante para obedece-lo quase cegamente.

            Um dos homens, munido de uma carabina, fez um sinal.

            -Ali, tome aquela posição. Você também. Temos uma vista privilegiada da colina.

            Eu também.

            O primeiro a tomar posição sucumbiu docemente. Como um baque, revirou seus olhos e caiu. Apenas o sangue abundante saindo de sua cabeça a manchar a neve denunciara sua morte. Como nada foi escutado, mais um homem caiu. Um tiro na garganta deixou escapar um som estrangulado, mas ainda assim inaudível naquela ventania. E assim, um a um foi caindo.

            -Dogra, tem algo aqui que...

            Ele não terminou de dizer, o que alertou o chefe do grupo. Aturdido, cercado apenas pelos altos pinheiros e pela neve implacável, o sujeito pensou que aquilo fosse obra de algum fantasma travesso das montanhas, ou uma das entidades defensoras da floresta a castigar aqueles que se atreviam a perturbá-la. Como bom católico, o líder caminhou para perto de seu soldado, segurando com devoção sua medalhinha.

            A última visão que tivera, antes de morrer, foi de um homem perigosamente acima de si, completamente vestido de branco, usando gorro e um grosso casaco, com a barba já coberta de gelo, bastante despretensioso munido de um rifle.

            Ele não pôde escutar as palavras “e nem foi tão difícil assim”, ditas por ele, pois a bala atravessou-lhe o crânio, matando-o instantaneamente.





§§§§§§§


Lev Sokolov olhava para o relógio. Faltava muito pouco para meio-dia, a hora do combinado. Seu sorriso era vitorioso. Tinha deixado a mata cheia de seus homens, que estava à espreita, munido de binóculos e fortemente armados, para agir caso fosse necessário. Grigori e Georgi já estavam prontos. Ele franziu o cenho. Um dos meninos, Grigori, trazia um nariz com sangue escorrendo. Fora pouco gentil enquanto era colocado no cabriolé. Esperava que Holmes não ficasse furioso por ele descumprido a lacuna “traga as crianças intactas”.

            -Ansioso para ver seu pai?

            -Mais ansioso para ver uma bala no seu rabo.

A princípio, Grigori ficou confuso com as palavras do cientista. Pai? Do que ele estava falando, afinal? Ele ouvira de um gaurda que Holmes estava ali para resgatá-lo. Então, porque Sokolov referiu-se ao detetive como “pai”? No entanto, a vontade de dar uma resposta grosseira prevaleceu. Georgi o observou, um tanto horrorizado. Decerto palavrões não estavam em seu vocabulário.

            -Que gentil. Tenho certeza de que os de sua laia irão adorar ver quão adorável criança terão. Adoraria ver a reação do rabino ao ver seu belo senso de humor.

            Um silêncio ficara no ar. Grigori e Georgi desejaram entender suas palavras, mas ficaram sem entender o que ele quis dizer com a menção de um rabino. Seria alguma piada que eles não entenderam?

            Sokolov riu, docemente.

            -Vocês não sabem?

            -Não sabemos o quê?

            Ele riu outra vez, o que só deixou Grigori mais irritado. Georgi tentava alertar seu amigo para não provocar o homem ainda mais, mas tudo era em vão.

            -Vocês são judeus.

            Os dois meninos pareceram horrorizados. Tinham aprendido a caçoar e zombar de judeus, e inclusive Grigori tinha um vasto repertório de piadas sobre judeus.

            -Não...

            -Estão com medo agora, meninos? Eu também teria, sabendo que irão cortar meu pinto... Que você vai ser um daqueles judeus fedorentos, usando aquele pires na cabeça, andando com um cachinho de menina no lugar de uma costeleta. O pai pode ser um católico, protestante, até mesmo ateu. Mas a mãe tem que ser judia, e é este exatamente o caso de vocês.

            Lágrimas escorriam dos olhos de Georgi.

            -Não é verdade... Eu não posso ser judeu...

            -Georgi, ele está te provocando. Pare. – tentava acalmar Grigori.

            Georgi parou de chorar, seriando-se. Não houve mais palavra durante o percurso. Até que, de repente, o cabriolé parou.

            -Chegamos, judeuzinhos. – ele disse, rindo, recebendo um olhar mortal dos dois. Quando as crianças deram as costas, o próprio Sokolov aplicou uma injeção no braço dos dois, e em segundos, ambos caíram, completamente inconscientes.


§§§§§§§


            -Mas onde está Sherlock Holmes, afinal? Ele não é o britânico? – disse Sokolov, arrastando pela neve os dois meninos, amordaçados e amarrados, pelos braços.

            -Sim. – disse Holmes, acompanhado de Esther. – Por isso cheguei nesse exato instante. Meio-dia em ponto agora.

            -Menos mal. Pensei que iria desonrar a Inglaterra chegando atrasado. – disse Sokolov, que puxou as duas crianças pelos ombros e as lançou bruscamente contra o chão. Holmes ficou preocupado ao vê-las inconscientes, e logo precisou conter Esther de correr para perto delas. Ao notar Esther ali, Sokolov decidiu deixar um comentário.

            -Oh, Mrs. Holmes... Parece que a senhora enganou não apenas a Morte, mas também a mim. A senhora está belíssima, como sempre. Gostei de seu novo corte de cabelo, muito embora eu acredite que a cor negra não lhe tenha favorecido. – disse, fazendo um aceno aparentemente cortês com seu chapéu.

            -Afaste-se das crianças. – pediu Holmes, furioso depois de ouvir aquele crápula chamar Esther de belíssima.

            -Claro que o farei, mas não sem antes deixar claro a minha contraproposta. – disse Sokolov, vitorioso.

—Contraproposta?! – questionou Esther, furiosa.

—Sua oferta de se manter em silêncio a respeito de minhas atividades “alternativas” aqui na Rússia pareceu-me a princípio ser boa, mas creio que seja insuficiente. Sabe, tive muitas despesas criando o seu judeuzinho... – disse Sokolov, dando um chute no inconsciente Georgi, deixando Esther horrorizada. – Sabia que ele sabe falar Inglês, Francês, Alemão e Russo? Duvido que qualquer criança de dez anos tenha tido igual educação...

            -Vá direto ao ponto, Sokolov! – ordenou Holmes.

            -Eu quero que você assine uma carta, confessando certas atividades ilegais na Rússia a serviço da sua Amada Inglaterra. Crimes estes que eu mesmo cometi, confesso, pelo Partido Bolchevique. Mas isso, é claro, seria você demonstrando o seu amor de pai. Já a sua esposa, para demonstrar todo o seu amor materno, deve me entregar o nome de todos os espiões britânicos em solo russo. Isto é, depois que eu confirmar se ela diz a verdade. Assim, vocês poderão deixar a Rússia levando a criança e...

            -Criança?! – interrompeu Esther, indignada. – Nós não vamos sair daqui com apenas uma delas!

            -Vocês não estão em condições de retrucar qualquer coisa. Esta floresta é cercada de homens que dariam a vida por mim. Vocês estão em menor número, portanto vocês farão conforme EU QUERO! – esbravejou Sokolov. – E eu só permitirei que levem uma das crianças.

            Holmes e Esther estavam horrorizados pela exigência de Sokolov.

            -Não temos como saber qual deles é o nosso filho!

            Sokolov começou a rir do desespero de Esther. Voltando-se para Holmes, o químico continuou.

            -Por que não usa seus fascinantes Poderes de Dedução, Mr. Sherlock Holmes? O senhor não é A Grande Mente da Europa? O homem capaz de deduzir a vida de uma pessoa por um mero olhar? Por que não deduz qual deles é o seu filho?

—O senhor é um monstro! – esbravejou Esther, irritada com a proposta de Sokolov. Holmes sentiu-se estremecer, incerto se devia ou não escutar Sokolov.

            -Eu posso até deixar que você se aproxime deles, se deseja ver mais de perto detalhes físicos, para ajudar em sua dedução. – sugeriu Sokolov.

            -Por que está fazendo isso? Poderia simplesmente nos fazer escolher uma das crianças. Por que quer que eu deduza qual delas é meu filho legítimo?

­            Sokolov parecia ofendido.

            -Deveriam agradecer por minha sugestão! Vocês terão a garantia de sair deste país com seu filho legítimo, sem correr riscos de levar não um órfão russo qualquer, mas um Ivanov, e possivelmente, o último Ivanov de sua linhagem, já que Olga Ivanov jamais teve filhos e nem tem mais idade pra isso. Levar um Ivanovizinho para casa seria algo horroroso. Nunca sabemos que tipo de monstro pode resultar de um Ivanov. Já pararam para pensar no que ele se tornará quando crescer, hein? Aposto que não. Pois é bom irem pensando. Assim, darão luz à razão e então concordarão comigo. E, é claro, não posso negar que o espetáculo de dedução do próprio filho será algo... Interessante de se ver.

            -Holmes... – pedia Esther, agarrando-se a Holmes, como se tentasse impedi-lo de aceitar o apelo de Sokolov. – Sherlock, por favor...

            Sem dizer qualquer palavra, Holmes se afastou de Esther e se aproximou dos dois meninos, que estavam deitados sobre a neve, inconscientes. Pondo-se de cócoras, o Detetive se aproximou das crianças, permanecendo em silêncio provocado por sua alta concentração. Holmes abriu os olhos das crianças, examinou dedos e orelhas. Após quase cinco minutos analisando os dois meninos, Sokolov perguntou-lhe.

            -Então?

            -Sherlock, não faça isto! Não escolha! – pedia Esther, sem receber resposta de seu marido. Mal ditas tais palavras, um tiro foi ecoado no horizonte, fazendo Sokolov soltar um palavrão qualquer.  Antes que o químico pudesse reagir e sacar sua arma, um tiro acertou sua mão e lançou seu revólver longe. Gritando de dor, Sokolov logo percebeu quem fizera tal coisa contra si.

            -Koba! – exclamou o químico, ao nota-lo se aproximar, com rifle na mão, usando um velho e pesado sobretudo com pele, além de usar uma Ushanka na cabeça.

            -Está doendo, Sokolov? Pois bem. Acredito que sua dor não se compara ao que o camarada Lenin sentiu, ao saber que você traiu nossa Causa, roubando de seus próprios camaradas!

            -Seu filho da puta...

            Lançando seu rifle ao chão e correndo como um touro indomável, Koba acertou em cheio um soco em Lev Sokolov.

            -Não xingue a minha mãe. Ouviu? Agora, seja homem e levanta. Levanta! – gritava Koba, enquanto um atordoado Sokolov tentava se levantar, após cuspir sangue, e também um dente. Ao notar um dente seu em meio ao sangue e neve do chão, Sokolov se levantou furioso.

            Lançando seu sobretudo, casaco e Ushanka em um canto, Koba arregaçou as mangas. Sokolov fez o mesmo.

            -Homens de verdade resolvem suas diferenças com os punhos. – disse Koba, pondo-se em guarda. Sokolov riu, deixando escapar um sorriso ensanguentado.

            -Isso não deveria se aplicar a aleijados. – disse Sokolov, tentando irritar Koba, referindo-se ás suas deficiências físicas.

            -Não pense que é capaz de me desestabilizar por isso. Escutei isso por toda a minha vida. E comentários como os seus não me fraquejam. Eu sou duro, inflexível, forte como aço forjado. E tenho certeza de que, cedo ou tarde, o mundo me conhecerá como eu sou. Como Stálin.

            Quando os dois começaram a se socar, Holmes cochichou para Esther.

—As crianças.

Isso fez Esther correr para perto das crianças. Holmes fez o mesmo, começando a carrega-las para longe dali. Ao nota-los ir embora, Sokolov esbravejou.

—Nós não terminamos! Assim que eu acabar com esse cretino, vocês...

Sokolov acabou recebendo um soco de Koba, que serviu para desequilibra-lo. Colocado sobre o chão, o que se seguiu foi um espancamento brutal de Koba, aplicado sobre Sokolov. Quando gotas de sangue começaram a espirrar, manchando todo o rosto de Koba, Esther sentiu que Sokolov já não era mais uma ameaça para ninguém deste mundo.

—Não há mais nada para se ver aqui. Vamos embora. – disse Holmes, calmamente conduzindo-a pelos braços.

            Correndo pela floresta, Holmes carregando Grigori, e Esther carregando Georgi, ambos ainda inconscientes. Logo o casal alcançou a charrete, a mesma que os conduziu até o local da negociação. Colocando com cuidado os dois meninos, e os protegendo com um cobertor que havia nela, Holmes conduziu o veículo de volta à cabana de Abraham. Ele só esperava que seu sogro estivesse bem, mas a poucos metros dali, ele o avistou se aproximar, com seu inseparável rifle.

—Como foi a caçada? – perguntou Holmes, enquanto o idoso subia na charrete, carregando um lobo morto nas costas.

—Vinte e três, no final. – disse o velho, com um cigarro na boca. – Mas acabei com todos. Ainda matei um lobo. Se quiser, farei um casaco de pele para você, minha filha, igual ao que estou usando.

—Hum... Eu iria adorar ter um casaco de pele feito por meu pai.

Abraham deixou escapar um sorriso.

—Eu me escondi e escutei parte da conversa. Como combinado, fiquei apenas alerta, mas pronto para agir se necessário. Aliás, minha filha, o que aquele sujeito disse é verdade? Você tem algum tipo de envolvimento com a Agência a ponto de saber a localização de todos os espiões britânicos aqui na Rússia?

Esther corou-se. O que seu pai pensaria, ao saber de sua profissão?

—Sim, pai. Eu... Sou uma espiã, assim como você.

—Assim como eu fui, você quis dizer. Bom... Confesso que não era isso o que eu esperava de minha própria filha, mas... Vejo que você trilhou seu próprio caminho, e que deve ser bem-sucedida nele, ao menos. Não é meu direito interferir em suas escolhas. Acho... Que é um pouco tarde demais para isto.

Esther percebeu seu tom triste e tentou acalmá-lo, mas Abe negou-se.

            -E aquele sujeito que apareceu? Quem era ele?

            -Um conhecido de São Petersburgo. Alguém que tinha pendências a tratar com Sokolov. Pela urgência que ele apareceu aqui, tenho certeza de que ele já sabia, ou até mesmo estava investigando Sokolov por conta própria. Deve ter me seguido, ao perceber que eu cheguei à mesma conclusão.

            -Pela surra que ele deu, é bem provável que o cérebro de Sokolov esteja espalhado por meia colina.

            -Sim, é provável. – disse Holmes. – Mas não posso negar uma coisa: a perda de Sokolov, de certa forma, é de entristecer. E antes que me julguem, vou me explicar: Sokolov estava prestes a fazer uma descoberta científica, eu tenho certeza.

            -Outro o fará, Mr. Holmes. Poderá demorar mais alguns anos, ou mesmo décadas, mas outro o fará. – alegou Abe. – Uma coisa que tenho certeza é que aquele sujeito vil e asqueroso não poderia escapar com vida apenas porque era “inteligente”.

—Mas uma coisa que me preocupa verdadeiramente são as outras crianças. Precisamos fazer alguma coisa. – disse Esther, intrometendo-se na conversa de ambos.

—Eu não sei o que fazer quanto a isto, Esther. Se simplesmente a soltarmos, o que serão delas? Deveríamos localizar suas famílias, no mínimo.

—O problema é que são todas órfãs. – disse Esther, com pesar.

—Não podemos resolver todos os problemas do mundo, Ahava. – disse Abraham, abraçando Esther.


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Notas finais do capítulo

Felizes com o desfecho das crianças?

Alguém aí já imaginava que o Koba era, na verdade, o famoso Stálin? Deixei algumas pistas, mas devo admitir que eram detalhes que nem todo mundo tem acesso. E sim, há várias evidências históricas de que o Stálin agia como agente duplo para a Okhrana - ao que tudo indica, ele se beneficiou disso para "alavancar" seu crescimento dentro da Revolução, delatando qualquer um que fosse uma ameaça.

Teremos mais no próximo cap! Até sábado!

Obs.: Stálin significa "Homem de Aço" em russo.



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