O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 50
Entre Irmãos


Notas iniciais do capítulo

Olá,


O cap atrasou algumas horas porque, infelizmente, não estava com muita cabeça para editar ontem. Creio que o ocorrido com o Chapecoense abalou a muitos, mesmo aqueles que não entendem muito de futebol (eu), mas que ficam felizes em ver algo pequeno, surgido do praticamente nada, prosperar. Perdem-se não só vidas, mas também sonhos. É em tragédias assim que percebemos o quão frágil é a vida.

Bom, o cap de hoje está com algumas informações que creio que servirão para conectar algumas amarras. Como o próprio título sugere, teremos um reencontro daqueles. Nem preciso dizer entre quem, né?


Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688048/chapter/50

Montes Urais, Rússia. Setembro de 1910.

Fazenda de Ecaterimburgo.


Sentado sobre o chão, em uma cela úmida e fria, Grigori distraía sua mente tacando pedras na parede. O silêncio daquele local só era cortado por goteiras. Passando a mão levemente sobre seu joelho esquerdo, o menino sentiu dor através da calça. Decerto, estava ferido ali, mas não era tempo de ver isso.

O menino se culpava por estar naquela situação. Se não tivesse discutido com Holmes, ele não teria ido à pé até a estação ferroviária de Lyovikh para embarcar em um trem com direção à São Petersburgo. Quão tolo e desesperado ele fora. Sequer tinha o nome do orfanato onde seu irmão poderia estar, quando havia tantos orfanatos em São Petersburgo, mas impulsivo como era, Grigori decidiu ir atrás do irmão mesmo assim. Na estação, acabou sendo visto por um dos homens que estavam no trem e que quase sequestraram a ele e a Mr. Holmes. A percepção foi mútua, e logo o menino precisou correr dali. Não foi o bastante. Ainda que apresentasse alguma resistência, foi tola. Grigori era apenas um menino contra cerca de cinco homens. Apesar de ter levado uma surra, Grigori não ficou inconsciente. Percebeu que os sujeitos o levavam até uma fazenda em Ecaterimburgo. Algo lhe dizia que era a mesma fazenda que Holmes estava procurando, e isso só provocou mais medo em si.

—Burro! Burro! Eu sou muito burro! – disse o menino, choramingando.

Seu choramingo só cessou quando a porta se abriu pesadamente, e alguém foi lançado ali. Assustado, Grigori temeu que fosse Mr. Holmes, mas sua preocupação se dissipou quando ele notou que era uma criança.

—Você está bem? – perguntou Grigori, ajudando o menino loiro, de idade próxima a sua, a se levantar. Havia algo de extremamente familiar nele, percebeu o garoto, mas pensou que não havia sentido em questiona-lo sobre isso.

—Sim, estou. Oh, o seu joelho está sangrando. – disse o menino, apontando para a calça de Grigori, manchada de sangue.

—Já estive pior. Mas o que faz aqui? – disse Grigori, sentando-se a um canto, sendo acompanhado pelo outro menino.

—Eu tentei fugir e fui pego. E você? Eu jamais te vi por aqui...

—Eu não sou daqui. Na verdade, eu... Eu nem sei de onde sou. Meu nome é Grigori.

Grigori estendeu sua mão suja ao garoto, e os dois meninos trocaram um aperto de mão.

—Georgi.

—Georgi? Que coincidência, eu tenho um irmão chamado Georgi.

—Acho que é uma dupla coincidência, então. Porque eu também tenho um irmão chamado Grigori.

Um súbito silêncio ecoou entre os dois. Apesar de aquela cela ser pouco iluminada, os dois meninos começaram a analisar um ao outro. A sensação de familiaridade que ambos sentiam tornava-se mais intensa.

—Mesmo? – questionou Grigori.

—Mesmo. – respondeu Georgi, um tanto hesitante.

—Será que... Você é...

—Eu acho que... Que você é...

Quase simultaneamente, lágrimas escorreram dos olhos dos dois meninos.

—Grigori!

—Georgi!

Os dois se abraçaram, como se aquele abraço fosse o último ato de suas vidas.

—Você não faz idéia do quanto eu te busquei, Georgi. – dizia Grigori, enxugando as lágrimas, sentindo uma súbita vergonha por ser um menino e estar chorando daquela forma.

—Jamais pensei que te veria novamente. – confessou Georgi, chorando sem parar. Sem dúvida, Georgi não se importava em demonstrar seus sentimentos.

Os dois meninos riram levemente. Ainda mantinham o humor, apesar da situação nada agradável de estarem presos, sem comida e sem água, em uma sala escura e úmida. Fazia tanto frio naquela sala que Grigori sentia seus pés dormentes.


000000000000000000000



            -Como é possível, Esther?

            Holmes estava claramente abismado, e com razão. Em um piscar de olhos, toda a investigação a respeito do paradeiro de Jonathan Holmes se emaranhou, numa sensação similar a voltar à estaca zero, após tantos anos de busca. O semblante repleto de dúvida de Esther, cuja vida esteve submersa na busca pelo menino, não dava margem para outra conclusão: a identidade de Jonathan tinha se tornado uma incógnita. Incógnita na forma de duas crianças, de idade e grave semelhança física com o casal.

            Em suas andanças ao lado de Grigori, Holmes cansara de ouvir comentários que aturdissem ao menino como seu filho. Não era absurdo. O cabelo negro e liso, levemente ondulado nas pontas quando mais comprido era o maior motivo para tal conclusão. O menino não tinha olhos cinzentos, mas azuis como duas pedras de Topázio curiosas e espertas. Para não dizer de sua tenacidade e esperteza, especialmente para lidar com a adversidade.

Analisando melhor a questão, Georgi também tinha muito de Esther. Os cabelos loiros, quase brancos. Os olhos verdes, da moça e provavelmente da família Katz. Holmes conhecera Abraham e David, pai e irmão dela. Ambos eram loiros e tinham os olhos verdes. Portanto, ter um filho loiro como Esther era claramente possível. Além disso, havia a evidência de Esther ter confirmado que a criança nascera loira – não dizia muito, afinal o próprio Holmes nasceu loiro, até seu cabelo escurecer completamente na infância.

            -Eu não sei dos detalhes, Holmes. Depois que soube que Georgi tinha um irmão, eu arranjei uma brecha para voltar para São Petersburgo. Em três dias, fazendo a pergunta certa às pessoas certas, eu descobri tudo. Ao que parece, quando Daniel Jenkins veio para a Rússia trazendo Jonathan, ele pretendia deixar nosso filho com Natasha, uma das filhas do Duque Ivanov. Pelo que ouvi dizer, ela tinha dificuldades para engravidar. O problema é que, ao chegar à Rússia com a criança, Daniel Jenkins acabou descobrindo que Natasha finalmente realizou o desejo de ser mãe.

—Então, se ela conseguiu se tornar mãe, por que adotar o nosso filho? – perguntou Homes, ainda confuso.

—Isso estava obscuro para mim, até que eu decidi ir até o hospital onde Natasha deu à luz, e lá eu descobri que nasceram duas crianças, dois meninos, mas que um deles nasceu morto.

Holmes suspirou.

—Ela substituiu o gêmeo falecido. Com nosso filho.

—Sim. Provavelmente, quando viu Daniel Jenkins chegar com um bebê também menino, ela viu tal coisa estranha como um “sinal dos céus” e decidiu adotar nosso filho. Não tenho certeza se a intenção do Duque era transformar nosso menino em seu neto.

            -Duvido muito, Esther. E pra ser sincero, prefiro nem pensar nas reais intenções daquele sujeito para com o nosso filho.

            -Também concordo com você, Holmes. Tenho calafrios toda vez que penso no que aquele monstro pretendia fazer com a criança se ele... Enfim. Ela adotou Jonathan, e o registrou como irmão gêmeo de seu próprio filho. Confirmei isso em cartório: Grigori e Georgi Morozov. Pelos meus cálculos, Jonathan possui apenas alguns meses a mais do que o filho legítimo dos Morozov. Isso seria mais fácil de perceber quando as duas crianças eram bebês, mas agora, que possuem dez anos... Sequer dá para notar diferença de meses de idade entre eles.

            -Tem razão. Não dá mesmo.

Holmes estava terminando de colocar o terno, emprestado por Esther – ou melhor, Dasha. Suas roupas estavam molhadas e em frangalhos. Cuidadosamente, ele usara uma lâmina para se barbear. Holmes ainda se perguntava porque diabos Esther mantinha uma lâmina em seu banheiro. O fato de ela ter roupas masculinas também lhe deixava enciumado. Será que ela estava com alguém e ele não sabia?

            -Esther... Pode me responder uma pergunta?

            -Duas, dependendo da segunda. – disse, enquanto penteava seus cabelos tingidos.

            -Por que você tem uma lâmina de barbear em seu banheiro?

            A moça pareceu subitamente constrangida.

            -Com certeza, não é o que está pensando...

            -E no que eu estaria pensando? – virou-se Holmes, abandonando o espelho e caminhando até a sala, mesmo ainda tendo espuma em seu rosto.

            Bufando de raiva, Esther levantou rapidamente a aba de seu vestido, mostrando suas pernas. Para pasmo de Holmes, não havia mais um pelo sequer ali. Ao perceber isso, Holmes adotou uma postura abobada.

            -Por que você fez isso?

            -Higiene. Além de quê, é muito mais confortável e suave. Depilação é a última moda em Paris, precisa ver. As meninas por lá depilam as pernas, as axilas, e até mesmo... .

            -?! Céus, você está avançada demais para o meu gosto, deixando-se cair em modismos parisienses... Mas toda essa depilação está restrita apenas a meninas de Paris, não?

            Ao perceber que Esther voltara a pentear os cabelos, dando-lhe nenhuma atenção, e por final, mantendo um ar vitorioso e divertido, Holmes ficou em silêncio, e subitamente envergonhado em imaginar que...

            -Acho melhor você terminar de fazer a barba, Mr. Holmes. E aproveite também para passar água gelada em seu rosto depois. Quem sabe essa súbita vermelhidão em suas bochechas não passe. – ela disse, mantendo um mortal sorriso debochado em seus lábios. Irritado, Holmes voltou ao banheiro, obedecendo-a.

            -Bom, mas duvido que as meninas de Paris também estejam vestindo roupas masculinas...

            -Não se preocupe, Holmes. Eu não traí você. Estas roupas pertencem a um dos professores do colégio. Ele pediu que eu a costurasse, e eu fiz de bom grado. De qualquer modo, não seria traição, pois nosso casamento acabou...

            -Perante a Lei, você ainda é a minha esposa.

            Esther rolou os olhos.

            -Mais um problema das Leis Britânicas. Mas mesmo se quisesse me envolver com outro homem, creio que não arranjaria tempo, de tão ocupada que estive nos últimos tempos, tendo que me desdobrar para encontrar Jonathan enquanto você não parecia nem um pouco disposto em abandonar suas regalias em Baker Street para procurar por seu próprio filho. Talvez Jonathan fosse mais afortunado em receber sua atenção se não compartilhasse do mesmo sangue que você.

            -Pare de tripudiar. Eu não estou ajudando agora?

—Eu o conheço, Holmes. Você não está aqui por Jonathan. Está aqui por mim.

Holmes engoliu em seco.

—Estou aqui por vocês dois.

—Mentira. Aposto que foi a minha falta de notícias que o atraiu até aqui. Tenho certeza de que seu irmão Mycroft tentou abafar o quanto pôde meus problemas com a Agência, que o procurou quando meus rastros esfriaram. Do contrário, creio que ainda estaria esquentando suas pernas à beira da lareira enquanto Mrs. Hudson te serveria algum chá e então...

—Mrs. Hudson faleceu.

A notícia da morte da senhoria foi dado de modo muito mais frio que Holmes gostaria, mas era necessário. Esther sobressaltou-se de repente, abalada com a notícia.

—Por Adonai. – ela disse, com o semblante triste.

—Muita coisa aconteceu enquanto você esteve fora. Para começar, eu não...

            A campainha ressoou, silenciando-o. Esther fez um aceno para que Holmes se escondesse, e o detetive prontamente a obedeceu. Já devidamente aprontada, Esther foi conferir quem era.

            -Dasha, é bom ver que você está bem.

            -Thomas? – ela perguntou, surpresa pela pergunta. – Mas o que aconteceu?

            Escondido no quarto de Esther, Holmes percebeu que o tal Thomas adentrou à casa, chapéu a mão e preocupado. Ele deveria ter cerca de trinta anos de idade, e era relativamente bonito. Entretanto, pelo seu sotaque, mesmo falando em russo, parecia ser americano.

            -Encontraram Georgi.

            -O quê?! Encontraram Georgi?! Mas como?! – um súbito pânico tomou Esther.

            -Parece que Georgi estava fugindo pela tubulação de água e acabou sendo pego pelos guardas. Eles encontraram outro invasor, também. Identificaram o menino como Grigori. Parece que os dois meninos são irmãos, segundo uma conversa que o guarda ouviu entre os dois.

Esther sentiu um aperto na garganta.

—Está tudo bem, Dasha? Você parece pálida.

—Sim, está. É que... Puxa, Georgi é um bom menino.

—Eu te avisei, não devemos nos apegar a estas crianças. Elas adoecem repentinamente, morrem... Mas não se preocupe, em breve ele voltará a ter aulas com você. Ainda mais que Mr. Sokolov está cuidando dele pessoalmente. Duvido que um sujeito de sua estirpe seja capaz de fazer qualquer mal a uma criança, por mais insubordinada que ela seja.

            Esther arregalou seus olhos verdes. Até então, Lev Sokolov era apenas uma figura distante, que comandava o negócio à distância. Era a primeira vez que ele estava ali, e sua presença só trazia mais pânico à situação.

            -Mr. Sokolov? Eu não sabia que ele estava aqui...

            Holmes, que estava desgostoso em saber que Grigori e Georgi estavam em poder de Lev Sokolov, viu a oportunidade de virar o jogo. Seria seu derradeiro encontro com Sokolov, depois de descobrir todas as suas mentiras e armações, e inclusive sua tentativa de mata-lo no trem para Ecaterimburgo. Ele era um homem perigoso demais para ignorar.

            -Ninguém sabia, na verdade. Ele chegou ontem, repentinamente. Como te disse, é a primeira vez que ele vem visitar a instuição que fundou. Estamos muito felizes em recebe-lo. Estamos organizando até uma recepção em sua homenagem. Mas enfim, coisas estranhas têm acontecido nos últimos tempos que nem sei se Mr. Sokolov irá apreciar nosso gesto. Alexander foi checar a tubulação e acabou sendo ferido pelas costas, depois de encontrar um homem na água. E como se não bastasse, Mr. Sokolov conversou comigo e tem certeza de que...

            -De que...? – insistiu Esther, ao ver a hesitação em Thomas.

            -Eu sei que parece loucura, até porque eu sempre achei que esse homem fosse um personagem literário, mas... Mr. Sokolov garantiu que... Que Sherlock Holmes está aqui.

            Esther disfarçou, rindo.

            -Mas este homem não existe. É só um personagem da Inglaterra.

            -Ele jura que ele existe, só que ele é um velho aposentado.

            Holmes fechou sua mão. Sem dúvida, ele mostraria a Sokolov quem era o velho.

            -Enfim, não sabemos o que ele quer aqui, mas ele disse para tomarmos cuidado. Ele pode ser um homem perigoso. Por isso a minha preocupação com você, Dasha...

            O coração de Holmes pareceu parar naquele instante. Será que Esther tinha mentido para ele a respeito de outro homem em sua vida?

            -Thomas... Eu já disse a você...

—Oh sim. Perdoe-me. Sei que você ama outro homem.

            Ufa. Ao menos uma resposta adequada.

E muito promissora, na verdade.

            -Desculpe por insistir outra vez. Mas saiba que se você precisar de mim, eu estarei aqui.

            Em instantes, a porta se fechou, e Thomas não estava mais na sala. Holmes saiu de seu esconderijo, braços cruzados, a encarar Esther. Pelo seu semblante, notou o detetive, ela já sabia que ele escutara toda a conversa dela com o tal Thomas. Mas apesar de seu olhar resignado, ela tinha assuntos mais importantes a tratar.

            -Sokolov está com as crianças, Holmes! Precisamos fazer alguma coisa!

            -Sim, e faremos, mas não aqui. Não sou louco de participar de seu jogo em seu próprio território. Escolherei um neutro: a casa de seu pai, Abe. Lá é distante o bastante de tudo para termos uma conversa apropriada, longe de seus homens.

            -Sim, e quanto às crianças?

            -Ele não fará nada com elas enquanto nosso encontro não acontecer. Os dois são a única coisa que ele possui para barganhar qualquer coisa. Irei à Vila mais próxima e entrarei em contato com Koba por telegrama.

—Koba? Mas quem é Koba?

—Você não é a única que tem contatos com os comunistas agora, Esther. Koba é ligado a Lenin e à rede comunista da Rússia. Sokolov é um problema deles, não nosso. Também vou mandar um telegrama para Mycroft. Eu o contarei sobre seu pai, Abraham Katz. Tenho certeza de que ele fará algo para nos ajudar.

            -Sim, mas como fará para marcar este encontro com Sokolov?

            Holmes sorriu. – Recorrendo a uma velha tática de criança.


000000000000000000000



Thomas estava dando aulas a respeito de verbos irregulares, no idioma inglês. Ignorando o semblante frio daquela turma de pequenos prodígios, o professor dava sua aula despreocupado e em um ritmo monónoto. Escrevia um lado do quadro, depois apagava, e depois escrevia outra vez.

O sinal tocou. Religiosamente, as crianças fecharam seus cadernos e saíram da sala de aula, deixando Thomas sozinho. Enquanto o professor terminava de apagar o quadro, em uma sala já completamente vazia de alunos, sua ação foi logo interrompida pelo quebrar brusco da janela.

            Assustado, Thomas correu para trás da mesa, até finalmente perceber que o perigo passara, saindo dali para saber o que havia acontecido.

            Não era difícil concluir que alguém lançara uma pedra na janela de sua sala. A pedra estava amarrada com um barbante, e parecia trazer uma mensagem. Thomas desembrulhou a mensagem e a leu.

 

Mr. Lev Sokolov,


 

            De fato, eu estou aqui. E você sabe bem o que estou procurando. Tenho total consciência de que sou quase impotente para combater seus crimes na Rússia, por isso dou-te um aviso: apenas desejo as crianças. Entregue Grigori e Georgi, e eu sairei deste país fingindo que não vi coisa alguma. Nem seus planos secretos de criar uma superpílula, usando as crianças como cobaia, ou sobre o dinheiro que roubara de seus “camaradas” comunistas por todo este tempo.

            Por isso, faço-te uma oferta. Encontre-se comigo na Colina do Estreito do Rio Mautvz, no meio-dia de amanhã. Traga as crianças, vivas e intactas. Apareça sozinho, e me enfrente de homem para homem.

            Afinal, como disse, eu sou quase impotente. Da mesma forma que você, eu tenho amigos e gente poderosa ao meu lado. Posso fazer da sua vida um inferno, caso não atenda aos meus pedidos.

 


 

SH


000000000000000000000


Os dois irmãos não faziam a remota idéia de quanto tempo passaram conversando porque nenhum dos dois possuía relógio, pois Grigori tivera o seu afanado por um dos bandidos, mas a sensação era de que o tempo havia congelado. Não só pel fumaça que escapava de suas bocas a cada palavra dita, mas pelo tanto de conversa que fluía de ambos. Grigori fez questão de contar tudo que passou. Que naquele dia, o “fatídico” dia em que suas vidas mudaram, a babá Liz mandou que os dois meninos brincassem de pique-esconde no bosque da casa, algo que sempre foi proibido. Só agora o menino Grigori entendia o semblante preocupado em sua babá, e que aquela brincadeira nada mais era que uma tentativa de fazer com que os dois escapassem ilesos. Nenhum dos dois sabiam ao certo o que aconteceu à Liz, mas uma coisa era fato. Os pais deles estavam mortos.

—Eu quase não me lembro do nosso pai.

—Ele estava sempre viajando. Pelo menos, era isso que nossa babá Liz explicava.

—Nem nossa mãe tinha muito tempo para ficar conosco. Aliás, eu nem me lembro da voz dela.

—Eu também não lembro. – assentiu Grigori, incerto sobre o que pensar de sua mãe, que só agora ele entendia que dava mais atenção aos seus vestidos e festas do que a si.

Coube a Georgi mudar o rumo da conversa, comentando sobre o que os meninos andaram fazendo nos últimos tempos. O pobre garoto mal pôde dizer muito. Contou de sua passagem curta em um orfanato, onde precisou aprender a dividir o pouco que tinha com outras crianças, até que aconteceu o incêndio. Grigori estava curioso para saber como ele escapara, mas decidiu não insistir ao ver que este era um assunto doloroso demais ao seu irmão.

—Como é o mundo lá fora? – perguntou Georgi.

—Não é tão bonito quanto eu pensava. Em São Petersburgo...

—Vamos lá, Grigori. Eu sei que você não se limitou a São Petersburgo.

—Como sabe?– perguntou Grigori.

—O seu sotaque. Posso ver que não é mais tão russo.

Grigori sorriu. – Você está certo. Eu estive na Inglaterra por um tempo. Foi lá que eu conheci o Mr. Holmes. Tenho certeza de que você iria gostar dele.

—Mr. Holmes? Ele está por aqui?

—Sim. É um homem inglês, alto e com o cabelo grisalho. Aparenta ter uns 50 anos. Ele é um detetive muito famoso.

—Professora Dasha me contou uma vez sobre um detetive inglês chamado Sherlock Holmes. Será que é o mesmo homem? Oh, droga!

—O que foi?

—Eu acho que encontrei esse homem.

—Encontrou?! Como, Georgi?

—Sim, a descrição que você me deu confere com a dele. Mas ele não estava sozinho. Acho que o vi acompanhado de mais um idoso.

—Só pode ser o Mr. Abe! Eles estão bem?

—O mais velho, sim. Mas o outro, eu... Acho que não vai gostar de saber.

—Desembucha. – pediu Grigori, impaciente e preocupado.

—Eu o joguei no rio.

—Você o quê?! – revoltou-se o menino.

—Não tive culpa. – deu de ombros Georgi. – Ele estava me seguindo enquanto eu tentava fugir.

—Ele era o meu amigo! – reclamou Grigori.

—Desculpe-me pelo que fiz Grigori, eu realmente não sabia o quanto ele significava para você. E se quer saber, eu acho difícil alguém sobreviver àquela correnteza.

—Ele irá. – disse Grigori, com autoridade. – Você não o conhece, Georgi. Ele é muito forte e astuto. Nem a correnteza do rio Mautvz conseguiria superá-lo.

—Você parece admirá-lo.

—Sim, e eu ainda terei a oportunidade de dizer isto a ele pessoalmente. Quando sairmos daqui, eu...

O ferrolho da porta se mexeu, bruscamente. Alguém estava adentrando à sala. Para infelicidade dos dois meninos, era Lev Sokolov.

—Mr. Lev Sokolov? – questionou Grigori, sem entender. – Como veio parar aqui?

—Ele é o Diretor deste lugar, Grigori. Eu já o vi em uma pintura na Sala do Coordenador. – cochichou Georgi, deixando o menino Grigori revoltado.

—Bem vejo que estão colocando a conversa em dia. – disse o homem, com um olhar malévolo, agachado à altura dos dois. – O que está achando de sua nova acomodação, menino Grigori? Melhor que as de Mr. Holmes?

—Talvez melhor que as ruas de Londres. Mas não melhores que a de Mr. Holmes. – disse Grigori, com frieza, aparentando calma.

—Por que não me fala mais sobre ele? – perguntou Lev Sokolov, arrastando uma cadeira e sentando-se perto do menino. – O Grande Sherlock Holmes... Decerto Grigori já saiu a cacarejar para você a respeito de sua fama, não é, Georgi?

—Não. Eu sei quem ele é. – disse Georgi, com frieza.

—Sabe? Como sabe, se esse tipo de leitura não está em seu cronograma didático?

Naquele momento, Georgi se lembrou de um comentário ou outro de Dasha Pulovtz sobre o grande Sherlock Holmes e seus feitos que eram narrados em contos. Ele nunca entendeu a admiração de Dasha, ou porque ela lhe contava sobre essas coisas contidas apenas em livros. Livros que nenhuma criança daquele lugar poderia ler. Mas apesar de jamais ter lido qualquer livro sobre ele, Georgi decidiu exagerar.

—Eu li seus livros.

—Leu? – Lev parecia surpreso e descontente.

—Sim. Fiz algo útil e aprimorei meus conhecimentos de Literatura.

—Lendo romance policial sem o meu consentimento... Bom, não era isso que eu esperava de alguém que eu considerava como nosso aluno mais aplicado, Georgi. Agora, me desapontou. Mas irei relevar. Eu quero saber, Grigori, como Mr. Holmes chegou até aqui, em tão pouco tempo. Ele seguiu um rastro de quase dez anos, e duvido que tenha feito isto tão rápido. Alguém o ajudou, e eu quero saber quem foi.

Grigori engoliu em seco. Sabia que Holmes tinha chegado àquela pista por intermédio de Vlad Sokolov, seu próprio sobrinho, mas ao que parecia, Lev Sokolov não sabia do envolvimento dele. Não seria correto denunciá-lo, pois Grigori sabia que o jornalista, que reunia boas provas sobre ele, acabaria morto, fosse parente dele ou não.

—Eu não sei.

Sokolov suspirou.

—Eu poderia te torturar, fazê-lo me dizer tudo o que sabe, mas não farei isto, ao menos não agora. Pois bem, aviso que não preciso de sua confissão, garoto, porque em breve eu mesmo encontrarei Mr Holmes, e ele irá me contar quem andou ajudando-lhe a chegar ao meu projeto. Ele se arrependerá do dia em que ousou atravessar o meu caminho. – disse Sokolov, de modo ameaçador.

Quando a porta se fechou, Georgi voltou a falar.

—Espere, então ele está aqui atrás de mim, é isso?

—Ele está atrás da esposa, Georgi. Parece que a esposa dele estava buscando alguma coisa, não sei o quê exatamente, e as pistas dela levaram a esta Fazenda.

Georgi não parecia entender.

—Aqui só há crianças, e os poucos adultos que vivem aqui são capangas que vigiam a fazenda, ou professores que nos dão aulas, ou trabalham na enfermaria.

—A esposa dele deve ser uma das enfermeiras, ou professoras. Alguém que adentrou aqui, há menos de um ano.

—Mas quem...? Oh, por Deus! Professora Dasha! Só pode ser ela! – Georgi dizia, com os olhos arregalados. – Agora tudo faz sentido! Mas o que ela faz aqui? Será que ela quer derrubar Sokolov e acabar com a Fazenda?

—Acho que sim. – respondeu Grigori.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Um detalhe: adoro escrever sobre Grigori e Georgi. Principalmente em diálogos com os dois juntos. Vontade de apertar as bochechinhas deles. Não sei se vocês sentem isso.

E a Esther tá moderninha, né? hahahhaha

Espero que tenham gostado do cap, um pouco maior que os anteriores.

E repetindo, estamos chegando à reta final da fanfic. Faltam poucos caps, então fiquem ligados porque sábado tem mais "Reencontro" dessa vez com Esther e Abraham então preparem seus lenços para uma boa dose de emoções.

Obrigada por acompanharem e até sábado
#ForçaChape



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Grande Inverno da Rússia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.