O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 5
Noite de Espetáculo




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Londres, Inglaterra. 21 de Abril de 1909.

Lyceum Theatre.


            Suor escorria pela testa de Eric.

            Afinal, havia chegado o grande dia. Ele estivera os últimos meses estudando os passos do insuportável Stanley Macintosh, ou “Mac”, como era chamado pela imprensa. Suas conexões com a Realeza, seu destrato aos trabalhadores. A morte de seu pai, Edmund Reid. Sem dúvida, o mundo seria um lugar melhor se esse homem estivesse morto.

            O plano tinha sido meticuloso e bem planejado. Mac costumava ir, pelo menos duas vezes por mês ao Teatro, sendo o Lyceum um de seus preferidos. Haveria naquela noite “O Fantasma da Ópera”, uma das peças preferidas do industrial. Eric sabia que o industrial costumava utilizar o local para encontros amorosos com suas amantes, algo que havia se tornado ainda mais frequente após a misteriosa morte de sua esposa. Seu recente casamento com uma nobre estrangeira chamada “Vera” – Eric não sabia bem o sobrenome da moça – não reprimira o instinto predador de Macintosh.

            Eric já sabia como faria. Se aproximaria do casal, munido de um revólver, e atiraria nos dois. Estivera praticando bem em porcos, num açougue em Whitechapel – que sua mãe não soubesse de suas fugas de casa pela madrugada – de modo que ele tinha confiança de que mataria os dois rapidamente. Na cabeça, local que costumava ser fatal.

            Colocando uma máscara em seu rosto, Eric suspirou fundo. Pensava em seu pai todos os dias. As noites que Eric passava deitado no sofá, sonolento, esperando seu pai chegar. As poucas vezes que ele o ensinara com lições, ou mesmo lia histórias sentado em sua cama, até que ele dormisse. Suas idas ao parque e à Igreja aos domingos. Mesmo sendo pequeno na época, Eric jamais se esqueceu de Reid, e sabia que onde quer que ele estivesse, seu pai estaria vingado.

            No entanto, quando o menino se preparou para pegar o revólver, notou que ela não estava em sua bolsa. Enquanto procurava pelo objeto, acabou sendo surpreendido por alguém.

            -Procurando por isso?

            Oh não, pensou Eric. Era o tal sujeito, que se proclamava Sherlock Holmes, tendo à mão nada menos que seu revólver. Eric já ouvira bochichos de pessoas a respeito de si, chamando-o de louco por seu problema de histeria, mas aquele sujeito ali era um caso a ser estudado.

            -Como ousa roubá-lo de mim?

            -Como ousa planejar um assassinato a sangue frio? – retrucou Holmes, fazendo o menino se envergonhar. No entanto, Eric voltou a si rapidamente.

            -Pessoas como Mac precisam ser mortas. Não há melhor forma de tornar o mundo um lugar melhor.

            -Talvez sim, talvez não. Mas saiba que matá-lo te tornaria semelhante a toda a horda de criminosos que seu pai lutou para pôr na cadeia.

            -Se este é o sacrifício que se faz necessário para fazer o bem à sociedade, então eu me lanço ao fogo.

            -Não seja tolo, rapaz. – retrucou Holmes, perdendo a paciência. – Abandone este seu discurso idealista e encare os fatos. Nós dois sabemos que você está aqui para vingar a morte de seu pai, e isto é tudo. Este homem poderia ser um santo, mas estaria sob a mira deste revólver de qualquer forma.

            Eric parecia reconsiderar. Mas voltou atrás, mais uma vez.

—A vingança me consome todos os dias, Mr. Holmes. Me sinto preso, dependente à ela. Só encontrarei paz quando retribuir tudo que este homem fez. Trazê-lo à Justiça, de alguma forma, porque sei que a Yard de meu pai é corrupta demais para colocar homens como ele atrás das grades. Não. Meu pai teria concordado comigo, se não tivesse sido morto por ele.

Quando Holmes percebeu, Eric retirou do bolso uma faca. Ao dar um passo diante do menino, Holmes ouviu uma séria ameaça.

—Não se aproxime de mim! – ele esbravejou, tendo sua voz parcialmente abafada pela cantoria do musical.

—Eric... Não cometa essa loucura... Você é jovem e...

—O que está havendo aqui?

De todas as pessoas a aparecerem por aquela porta, a última delas desejada por Holmes era Macintosh. E ninguém menos que ele estava ali, bem diante de Eric. Ao ver o industrial vivo, bem diante de si, Holmes notou que o menino hesitara, provavelmente por ser inexperiente em matar. Quando o industrial virou seus olhos para baixo, notando a faca nas mãos do menino, ele pensara em gritar, o que fez o menino se apavorar, mas ao mesmo tempo, tornar-se mais determinado a seguir com o plano. Mas Holmes foi mais rápido, puxando o menino para longe do industrial. Como reação, o menino acabou por esfaquear Holmes levemente no braço, mas o detetive não se acuou com isso. Entrando em combate corporal, Holmes não demorou a detê-lo, imobilizando-o no chão e forçando-o a deixar a faca cair no chão.

—Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui? – inquiriu Mac, ainda boquiaberto por perceber que sua vida acabara de ser salva.

—Tudo controlado, Mr. Macintosh. Sou segurança do Teatro. Pode sossegar que darei um jeito neste intrometido. – mentiu Holmes, fazendo Eric urrar de dor, ao apertar seu braço contras as costas.

—Ótimo. Por favor, livre-se deste estorvo o quanto antes. Agora, volte para dentro, Vera! Não há nada aqui que você deva ver. – disse o industrial à mulher, enquanto ambos voltavam aos seus camarotes.

 -O que você fez, Mr. Eric Reid, foi extremamente grave. Seu pai estaria decepcionado com você.

—Claro que sim... – disse Eric, ainda imobilizado. – Eu não o matei, afinal.

Holmes rolou os olhos.

—Eu vou te levar para um local mais reservado. Há algo que precisamos conversar.


§§§§§§§§§§§§§§


—Há algo que você precisa saber sobre a morte de seu pai.

O menino riu, mesmo em meio a dor.

—Mesmo? Eu já sei tudo que preciso, Mr. Holmes. Eu li seu diário. Muita coincidência, meu pai morrer um dia antes de dar início ao inquérito contra Mac. Mesmo você, que se diz ser o Grande Detetive, deve saber que isso seria coincidência demais.

—Eu não me titulo de coisa alguma, rapaz. Eu realmente sou Sherlock Holmes. Creio ter deixado isso bem claro agora. E quanto ao seu pai, saiba que éramos... Amigos.

Eu acho, pensou Holmes.

—Amigos? Sherlock Holmes não tem amigos. Não além do Dr. Watson.

—Sherlock Holmes têm e não têm muitas coisas que o grande público não sabe. Mas permita-me continuar. O fato é que Macintosh não foi o responsável pela morte de seu pai naquela noite. Como deve saber, havia um jornalista entre eles, não?

—Sim, um jornalista... Sensacionalista.

—Pois bem. Aquela mina era um local que seu pai costumava utilizar para guardar informações secretas. Segredos, para dizer a verdade...

—Meu pai não tinha segredos. Era um oficial honesto.

—Não tenho dúvidas disso, rapaz. Mas saiba que todo homem e mulher têm seus segredos. Mesmo os mais honestos, como seu pai. Inclusive... Eu.

O menino ficou em silêncio, expectante. Homes continuou.

—Seu pai possuía um segredo sobre mim. Um segredo muito valioso, nas mãos de qualquer jornalista daquela época, e principalmente, de meus inimigos. Seu pai, ele... Ele... Ele era uma das poucas pessoas que sabia de... Meu casamento.

O jovem Eric arregalou os olhos, empalidecendo-se.

—Espere, casamento?! O senhor é um homem casado?

—Sim, eu sou. E seu pai era o detentor destas informações. Eu me sentia despreocupado por isso, porque eu sabia que poderia confiar nele. Curioso, hoje vejo que confiava nele como poucos... – percebeu Holmes, num ar melancólico. – O fato é que meus inimigos descobriram essa informação e... Não hesitaram em bater à porta de seu pai.

O menino parecia mortificado.

—Então... Meu pai morreu por sua causa? Para impedir que um segredo seu caísse em fofoca?

Holmes assentiu, um tanto triste. Sabia que a história não era bem essa. Não era apenas o envolvimento da imprensa, mas também de um dos homens mais perigosos da Europa. Mas essa era uma história muito longa para contar.

—Sim.

—O senhor é desprezível! – disse Eric, com ódio no olhar.

Minha reputação pela sua, Reid. Nada mais justo, meu caro amigo.


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Do lado de fora, Watson, Holmes e Eric se aproximaram de Norah, que parecia bastante aflita. Ao ver seu filho desarrumado, mas vivo, Norah correu para abraça-lo, mas em seguida o esbofeteou e começou a soca-lo, em tal nível que foi preciso que Holmes se metesse entre os dois para evitar maiores agressões – e também a atenção da polícia, que caminhava próximo deles.

Holmes e Watson retornaram ao seu táxi. Tinha sido uma noite e tanta, e ambos estavam cansados. Quando prestes a ordenar que o automóvel de aluguel retornasse, Norah correu para alcança-los e impedi-los. Decerto queria falar mais alguma coisa.

—Gostaria de agradecê-lo por ter impedido que Eric cometesse uma loucura.

—Não há de quê, Mrs. Reid. Aliás, sugiro que a senhora dê um pouco mais de atenção a ele. Quem sabe uns dias de folga, ao lado de seu filho...

—Pensarei nisto. – disse Norah, numa resposta vaga.

Antes que o cabriolé partisse, um tumulto na entrada do Teatro chamou a atenção de Holmes e Watson. Muitas pessoas saíam da entrada, assustadas e chorando.

—Ali! Eu vi o homem saindo com um rapaz! Lá estão eles! Assassinos! – gritou um homem, apontando para o táxi.

—O que está havendo? – perguntou Watson, embasbacado ao ver o automóvel em que estavam ser repentinamente cercado por policiais.

—Parece que o assassinato de Macintosh aconteceu, Watson. Com ou sem Eric.


/////////////////////////////


            Graças à sua boa reputação na Scotland Yard, Holmes não foi só apenas retirado do rol de suspeitos, mas também pôde acompanhar os policiais para dentro do Teatro, para ajuda-los em sua busca pela verdade. No entanto, ele nada pôde fazer para impedir que Eric fosse levado para a delegacia, para “averiguações”. Por sorte, o menino não resistiu à prisão, parecendo circunspecto e ouvindo a tudo calado. Norah estava inconsolável, chorando sem parar e avisando a polícia de seus direitos de solicitar um advogado, com direito a citações de parágrafos e incisos das Leis Britânicas.

            Durante o caminho, o inspetor deixara Holmes a par do ocorrido.

            -Estava na plateia, assistindo ao espetáculo, quando ouvi o som dos disparos. Dois fortes disparos, que interromperam imediatamente a ópera, e que causou pânico a todos os presentes. Seguindo o instinto de minha profissão, procurei a direção, mas antes que pudesse acessar as escadas, um dos funcionários me alertou que havia dois baleados. Corri até o local que ele me alertou, desejando preservar a cena do crime, e então eu soube que os feridos haviam sido Macintosh e sua esposa. Macintosh morreu na hora, mas sua esposa ainda estava viva. Tinha sofrido apenas um ferimento de raspão no braço, pois de acordo com seu relato, Macintosh foi o primeiro a receber o tiro, o que a faz ficar alerta. Ela me contou que um menino de cerca de treze anos adentrou ao camarote e efetuou os disparos. Um dos funcionários disse ter visto um menino acompanhado de outro homem a sair rapidamente dali e então, segui para a rua, onde encontrei o senhor e o menino apontado pela testemunha.

            -Entendo. Mas afinal, onde está essa mulher?

            -Foi levada ao hospital. Estava em estado de choque, chegou até a desmaiar. É uma dama da sociedade, possui nervos fracos para tal coisa. Tomarei o depoimento dela amanhã, quando já estiver recuperada.

            Pela primeira vez diante da cena do crime, Holmes pôde ter uma idéia do ocorrido.

            Macintosh estava morto, baleado com um tiro na cabeça. Ainda sentado em sua poltrona de camarote, com vista para o palco, o homem jazia morto. Uma enorme poça de sangue já tinha se formado, e ainda havia gotas a cair pelo chão.

            -Pelo que vejo, o tiro foi dado na testa.

            -Sem dúvida.

            -Algo está errado, então. Não há qualquer possibilidade de ter sido Eric o autor do disparo.

            O inspetor parecia surpreso. Holmes continuou.

            -Analise bem o furo da bala, e perceberá que a marca de tiro na parte de trás da cabeça é a saída da bala, não a entrada. Aposto que a bala está presa em algum lugar por aqui. Para executar tal tiro, certeiro na testa de Macintosh, o autor do disparo deveria estar posicionado do outro lado do Teatro. – disse Holmes. – A posição de Macintosh não foi alterada? Ótimo. Ela revela que ele estava assistindo à ópera, sentado, quando recebeu o tiro de frente. Perceba como esta cadeira é próxima da borda da sacada. Não há qualquer condição de Eric, que estava nos fundos do camarote, ter se deparado de frente a Macintosh, como disse. A cadeira simplesmente é próxima demais da sacada.

            -Sir... – alertou um dos policiais. – Há um buraco de bala aqui.

            -Excelente. – disse Holmes. – Então, não há dúvidas de que Mr. Macintosh recebeu um tiro frontal. Diga-me o senhor, que é o gerente deste Teatro... – disse Holmes, voltando-se para outra pessoa presente ali. - ... O que há ali, do outro lado?

            -Mais camarotes, sir.

            -Devemos dar uma olhada ali, então.


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            -Isso é um ultraje!

            Quando Sherlock Holmes chegou à Delegacia de Westminster acompanhado do Inspetor White, a primeira coisa que ele pôde ouvir foram os berros destemperados de Norah Reid ecoando pelo recinto.

            -Que tipo de droga vocês aplicaram ao meu filho, para que ele dissesse tamanho... Absurdo!

            -Meu caro Holmes, é bom vê-lo de volta. – disse Watson, que acompanhou Norah Reid até a delegacia. – Já receitei um calmante à Mrs. Reid, mas ela se recusa a aceitar.

            -O que ela precisa não é remédio, mas Justiça. – disse Holmes, friamente.

            -Sem dúvida. A propósito, conseguiu alguma pista?

            -Sim. Acompanhe-me Watson, preciso colocar Mrs. Reid à par da situação.

Havia um homem distinto ao lado de Norah, que Holmes pôde concluir ser o tal advogado que ela tinha mencionado. Ele carregava uma pasta profissional e tinha o semblante sério, mais grave que o normal.

            -O senhor tem que fazer alguma coisa! – esbravejava Norah.

            -Infelizmente, encontro-me de mãos atadas. Ele confessou o assassinato e...

            -Espere, o que disse?! – interrompeu Holmes, sem qualquer cerimônia. Norah se virou para ele, com o semblante entristecido.

            -Oh, Mr. Holmes! Antes que Dr. Stephenson pudesse chegar, Eric confessou o assassinato ao delegado. Agora ele está em uma cela comum, cercado de marginais! – disse a mulher, sucumbindo ao choro. Após se afastar dos dois para chorar mais à vontade, o advogado se dirigiu a Holmes.

            -Presumo que o senhor é Sherlock Holmes, então.

            -De fato, Mr...

            -Robert Clark Stephenson. – disse o homem, trocando um aperto de mão. – Fui chamado por Mrs. Reid para agir em defesa do rapaz. O problema é que cheguei tarde demais, e creio que o caso está deveras complicado agora, que o rapaz confessou o assassinato. Receio não ter mais nada a fazer.

            -Não receie em vão, Mr. Stephenson. Encontrei evidências o bastante que provam contradições no depoimento de Mrs. Macintosh. Há também pistas sobre o verdadeiro assassino. Creio que isso é o bastante para anular essa confissão descabida de Eric.

            -Será mesmo? Pois tentei conversar com o rapaz, e ele parece bastante determinado em ser dado como o assassino de Macintosh.

            -Mas que absurdo! – disse Watson. – O senhor precisa convencê-lo do contrário.

            -Estou tentando, mas infelizmente sem sucesso. Mas creio que tudo será melhor para Eric se o verdadeiro assassino for encontrado.

            -É o que farei. Vocês têm a minha palavra. – decretou Holmes.



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Notas finais do capítulo

Sem dúvida, Eric é um rapaz desequilibrado e para completar, parece que não quer ser ajudado. Vamos ver se Holmes conseguirá salvá-lo de uma condenação injusta - apesar de ele parecer desejar isso, sabe-se lá porquê,

Aliás, alguém notou que a Norah está um tanto diferente?? Será a política??

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