O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 6
Nomes Esquecidos


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, teremos a resolução do caso do menino Eric Reid.
Espero que estejam sentados, rs.
Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 23 de Abril de 1909.


            Quase dois dias desde a prisão equivocada de Eric Reid havia se passado. Watson estava em Baker Street, enquanto Sherlock Holmes estava embrenhado nas ruas de Londres. Desde a prisão do menino, o detetive não havia retornado para casa. Isso preocupava Watson, afinal Holmes não era mais um jovem repleto de saúde e vigor. Sua idade recomendava descanso, boa alimentação e cuidados, algo que o detetive não estaria providenciando nas ruas londrinas.

            De fato, como Holmes presumira, o disparo foi realizado do outro lado do Teatro, deixando Eric Reid isento de culpa pela morte do famoso industrial londrino. Naquela mesma noite, Holmes e o Inspetor White encontraram uma cápsula abandonada em um dos camarotes. Uma cápsula de grosso calibre, que era compatível com a bala encontrada na parede do camarote onde estava Macintosh.

            Watson percebeu que durante sua explicação, Holmes descartou a possibilidade apontada pelo inspetor de que a armado crime era um rifle. Sherlock Holmes parecia convicto de que um rifle comum seria capaz de alertar os presentes. Watson, que era militar, sabia da possibilidade, mas julgava que o som de ópera abafaria o som. “Não é um rifle comum”, repetira Holmes várias vezes, quase como um mantra. Para Holmes, as mortes foram causadas por um rifle de precisão muito silencioso, pois os disparos não foram percebidos por ninguém da plateia, ou provavelmente abafados pela opera.

            Para completar, Watson recebera naquela manhã um bilhete.


            Meu caro amigo,

 

Não tenho outro a recorrer senão você, para terminar minha mudança. Sinto que estou perto de terminar o caso, mas não posso também dar as costas para minhas obrigações pessoais. Você é a pessoa mais confiável que conheço para tal tarefa. Senão, a única.

Além de pedir que termine de guardar e empacotar meus pertences, peço também que procure o rifle de ar de Sebastian Moran. Na última vez em que eu o vi, ele estava em um baú, debaixo de minha cama. Localize-o para mim e dê-me notícias.

SH


            Mesmo um tanto hesitante por ter de mexer nas coisas de seu amigo, Watson não viu alternativa senão fazer conforme o detetive lhe pedira. Certamente, Sherlock Holmes não merecia correr o risco de ter suas coisas arremessadas pela janela pelo filho de Mrs. Hudson porque estava ocupado demais tentando provar a inocência de um menino de treze anos.

            E agora, lá estava ele, mexendo nos pertences pessoais de seu amigo.

            Enquanto esvaziava conteúdo de gavetas e armários, Watson torcia para não encontrar qualquer coisa que fizesse referência à Esther, ou a ambos, como casal. Aparentemente, Holmes tinha sido bondoso para consigo, guardando qualquer vestígio dela de suas vistas. Já havia uma boa quantidade de caixas, sinal de que a mudança já estava bem encaminhada quando Norah Reid bateu em sua porta apresentando o caso do jovem Eric Reid. Decerto Holmes mentira a si sobre o tal descanso. Mas, se tal descanso lhe poupou do dissabor de encontrar referências à intimidade de Esther e Holmes, Watson não poderia ser mais grato ao amigo pela pequena mentira.

            De repente, Watson ouviu a porta se bater. Provavelmente, Holmes estava de volta. Suas suspeitas se comprovaram, quando o médico abriu a porta.

            -Holmes? Está tudo bem?

            Watson notou o semblante pálido – mais que o normal – e também o olhar aterrorizado, quase mortificado do detetive, tal como se ele tivesse visto um fantasma diante de si. Abrindo a porta e dando passagem para retirá-lo da chuva persistente que caía sobre Londres, Watson analisou Holmes. Ele estava imundo, molhado de chuva, e usava roupas velhas e empoeiradas. Certamente, parte de algum disfarce.

            -Melhor descansar, meu caro. Tirar estas roupas molhadas, se alimentar...

            -Ainda não acabou, Watson. – disse Holmes, com o semblante pesado. – O assassino de Macintosh ainda está lá fora, à solta. Apenas voltei aqui porque preciso de sua ajuda, e também de um revólver.

            Watson paralisou-se.

            -Um revólver?

—Sim. – foi só o que disse o detetive.

—Não é melhor chamar a polícia, então?

            -Não desejo chamar a polícia neste caso. Já obtive evidências o bastante para incrimina-lo, posso entrega-las na Scotland Yard mais tarde. Tudo que preciso agora é estar às sós com ele e... Conversar. – disse Holmes, enquanto abandonava as roupas surradas sob o sofá e se vestia com seu terno costumeiro.

            -Quem te vê dizendo tal coisa, até dá a entender que você o conhece.

            Holmes nada disse, deixando um silêncio pesado no ar. Percebendo o humor nefasto do amigo, Watson preferiu permanecer em silêncio, seguindo o detetive até um automóvel de aluguel estacionado na porta.

            -Holmes, o que está havendo? – questionou finalmente Watson, após cerca de quinze minutos a ver o detetive apenas rodar o tambor de seu Colt, verificando a munição o tempo todo.

            -Encontrou o rifle de Sebastian Moran? – desconversou Holmes.

            -Não. Mas por que se lembrou deste rifle só agora? Ele tem alguma relação com a morte de...

            -Havia um toque diferente na morte de Macintosh, Watson. Se tivesse visto o estado do corpo dele, você não teria dúvidas de que já tinha visto aquela cena antes. Lembrei-me imediatamente da morte horrenda de Ronald Adair, você deve se lembrar do caso...

            -Sim. – disse Watson, lembrando-se do caso que deu origem ao conto “A Casa Vazia”. Sem dúvida, o velho rifle desaparecido de Sebastian Moran era a arma do crime contra Macintosh.

—Quando vi a bala que matou Macintosh, não tive dúvidas de que já tinha visto aquilo antes. Aquele tipo de bala, melhor dizendo. Um tipo de munição incomum, para uma arma incomum. Não é um tipo de bala que se encontra em uma loja de munições comum, meu caro Watson, não mesmo. Você precisa encontrar no mercado negro. Fazendo umas perguntas aqui e ali, descobri quem comprou munição para este tipo de arma recentemente.

—Mas será que não foi outro atirador? Uma outra pessoa, que porte um rifle semelhante?

Holmes negativou.

—Além de Moran, pouquíssimos atiradores tinham acesso a esse rifle. Todos estão mortos, e suas respectivas armas estão no Museu da Scotland Yard. Apenas a de Moran ficou comigo, lembra-se?

—Sim, eu me lembro. Lestrade se aposentou e decidiu entrega-la para você como uma espécie de souvenir. Honestamente, eu preferia a época em que você guardava soberanos e fotografias de mulher como souvenires.

—Eu deveria ter recusado. – disse o detetive, gélido, ignorando o comentário bem-humorado do doutor sobre Irene Adler.

—Holmes... – tentou consolar Watson, mas o cabriolé parou imediatamente.

—Southawk. – disse o médico, ao perceber que cruzaram a ponte e estavam em no humilde bairro de Sothawk. – Onde vamos?

—À humilde morada do assassino. Confira todas as suas balas, Watson. Pode ser que tudo se resolva sem darmos um tiro sequer, ou... Pode ser alguém acabe morto esta noite. Vamos evitar que seja eu ou você.



§§§§§


Andando pelo cortiço imundo, localizado perto do Tâmisa, Holmes bateu à porta de número 1, percebeu Watson. Ninguém atendeu, Holmes bateu novamente. Quando sua batida já se tornava violenta, Watson pensou em impedi-lo, mas logo os dois ouviram uma voz masculina.

—Já vai!

Engraçado, eu conheço essa voz...

Assim que a porta se abriu, Watson arregalou seus olhos. Muito tempo se passara sem vê-lo, mas os mesmos traços espertos e atentos estavam ali. O cabelo ruivo e curto, as sardas no rosto, as marcas de espinha...

—Wiggins?! – exclamou o médico, abismado.

Ao ver Holmes e Watson diante de si, o Irregular tentou fechar a porta com violência, mas Holmes antecipou seu movimento, empurrando o rapaz para dentro. Acuado, Wiggins correu para uma mesa, onde pousava um prato de comida. Notando que o menino estava portando uma faca de cozinha, com a clara intenção de se defender e agredi-los, Watson tentou sacar seu revólver, mas Holmes acabou por travar uma luta corporal com o jovem Irregular. Holmes tentou deter o braço do jovem, mas Wiggins mordeu seu ombro, fazendo o detetive larga-lo. O detetive quase recebeu uma facada, se não tivesse se esquivado e aplicado em Wiggins um bom soco em seu rosto, fazendo o rapaz cambalear, atordoado.

Watson assistia a toda a confusão horrorizado, tentando processar os últimos acontecimentos.

Então, Wiggins era o assassino! Fazia muito tempo que ele não tinha tido notícias do Irregular. Quanto tempo mesmo? Watson sequer sabia. Talvez um pouco tempo depois da partida de Esther. Mas nada mais natural. Os casos desapareceram, com toda a tentativa do detetive de dar atenção à Esther e salvar seu casamento, além do seu sucesso na Literatura a afugentar clientes. Logo os serviços dos Irregulares não foram mais necessários. Mas o que tinha acontecido para Wiggins tomar um rumo de vida tão errante?

Arfante, depois de lutar contra Wiggins, Holmes o confrontou.

—Então, após anos de associação para comigo, foi isto o que você se tornou, Wiggins? Um assassino de aluguel frio e imparcial?

—Não, Mr. Holmes. Eu não me tornei outra pessoa. Eu sempre roubei, sempre briguei, sempre soube aproveitar as vantagens que a vida me oferecia, e na falta delas, eu mesmo as criava a meu favor. Não entendo o porquê de seu desgosto, tendo em vista que uma vida nas ruas não torna ninguém santo. Pelo contrário.

—Você está certo. Ninguém que vive nas ruas está livre de precisar roubar um pedaço de pão ou uma maçã de algum comerciante, mas para crimes mais graves, como assassinatos, todos têm escolha.

—Escolha?! O senhor não me deu escolha, quando simplesmente deu as costas para mim! – esbravejou o rapaz, trêmulo de raiva. Holmes parecia mortalmente golpeado por suas palavras. Culpa e tristeza irradiavam de seus olhos, diante da cena improvável de ver seu mais leal soldado reduzido a um marginal.

—Você é melhor do que isso, rapaz! – esbravejou Holmes, descrente com o que estava ouvindo.

—Sou mesmo? Por que parece que não tive serventia a você nos últimos anos! Você me esqueceu, Mr. Holmes! Abandonou a mim, e aos outros Irregulares! Tudo para achar uma maldita criança que já deve estar morta!

Holmes ficou boquiaberto.

—Como sabe da criança?! – questionou Holmes, friamente. – Como?!

Wiggins riu, num tom quase psicopata.

—Envergonhado porque sei de seu segredinho, Mr. Holmes? Caso queira saber, eu soube disso recentemente. E não se preocupe, não contei a ninguém sobre sua “esposa”, ou sobre seu “filho”.

Watson notou que o menino segurava agora a faca pela ponta. Claramente não tinha mais a intenção de esfaqueá-lo, mas de arremessa-la contra Holmes. Sua observação estava certa, quando ele notou o braço de Wiggins se erguer. Dependendo da pontaria do menino, o golpe poderia ser crítico, ou mesmo fatal. Com extraordinária rapidez, Watson atirou contra Wiggins, fazendo Holmes se recolher.

—Watson! – exclamou Holmes, claramente aborrecido por ver Wiggins baleado no peito.

—Eu não tive escolha, Holmes! Ele iria arremessar a faca contra você.

Holmes se agachou. Ao se aproximar para verificar o pulso de Wiggins, ele ouviu um grunhido de dor vindo do rapaz.

—Wiggins? Você pode me ouvir?

O menino não respondeu, emitindo apenas grunhidos e mais grunhidos de dor. Claramente, estava agonizando, notou Watson.

—Ainda dá tempo de se redimir, Wiggins. Eu sei que você não agiu sozinho. Preciso que me dê o nome do mandante.

Silêncio.

—Vai... Pro... Inferno.

Fechando seus olhos, o menino caiu na escuridão da Morte.


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Notas finais do capítulo

Não, meu caro leitor, eu não estou matando todos os personagens canônicos de Arthur Conan Doyle, rsrs. Nem estou bancando a aprendiz de Uncle Martin, não. Mas tem mortes que precisam acontecer para o andamento da história, vocês entendem... É, a minha desculpa é bem esfarrapada.

Obrigada por acompanharem a história e deixem reviews!!!



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