O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 36
Recepção Bolchevique


Notas iniciais do capítulo

Olá,


Este será, provavelmente, o último cap publicado no meio da semana. Agora, a postagem voltará a ser apenas nos fins de semana.


Boa leitura!



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São Petersburgo estava um caos.

Boa parte das fábricas espalhadas pela cidade, independentemente da atividade, estavam paradas. Do lado de fora, multidões enfrentavam a polícia, usando enxadas, facões, picaretas e todo o tipo de objeto cortante como arma, por vezes fazendo a polícia recuar. Folhetos atirados de fachadas de prédios, com propaganda comunista, inundavam a cidade, dando ao chão de paralelepípedos um misto de cores creme e vermelho.

Pelas calçadas, feridos tentavam se recompor e outros tantos paravam suas lutas em prol de mortos conhecidos. O cenário era de pleno horror para Sherlock Holmes. Era certo que a Inglaterra vivia problemas com a desigualdade social, que greves também aconteciam em seu país, mas nada se comparava ao verdadeiro campo de batalha armado pelos manifestantes e policiais nas ruas e vielas de São Petersburgo. Em seu país, a polícia agredia com cassetetes e levava todos ao camburão para a delegacia onde seriam fichados e presos. Na Rússia, os manifestantes eram alvejados por tiros e abatidos como cães. Provavelmente não havia qualquer papelada sobre baixa de civis durante o serviço para os policiais preencherem mais tarde.

Os revolucionários e grevistas também agiam com violências. Pedras eram atiradas com grande eficiência em direção a cabeça dos policiais. Nem mesmo os capacetes os protegiam da boa mira dos manifestantes. Havia também armas de fogo entre alguns deles, mas a maioria estava desarmada ou com alguma arma improvisada, mas nem por isso menos mortal. Holmes chegou a observar um grupo de manifestantes surrando um policial com uma vassoura, até que o cabo se quebrasse. Os homens de Koba – Holmes percebeu que ele comandava um grupo pequeno, porém armado até os dentes – tentavam matar o maior número possível de policiais.

Holmes assistia a toda a guerra armada em plena luz do dia na rua se protegendo como podia. Vez ou outra uma bala quase lhe acertava. Koba, que o tempo todo perto dele, curiosamente gritava aos berros, chamando-o de “inglês estúpido” sempre que ele era quase atingido. Koba chegou a oferecer uma escopeta a Holmes, mas o detetive recusou, fazendo o revolucionário exclamar um palavrão qualquer.

—Okhrana! – gritou um manifestante, alertando Koba e Holmes. Até o momento, a força policial mais perigosa de São Petersburgo ainda não havia aparecido. Sem dúvida, o protesto e as baixas de policiais havia adquirido relevância o bastante para uma intervenção.

—Finalmente os bastardos covardes resolveram dar as caras. – disse o bolchevique, mais uma vez recarregando o seu revólver.

—O que está pretendendo, Koba? – disse Holmes, ao vê-lo fechar o tambor do revólver. – Matá-lo? Eu preciso de respostas dele!

Koba negativou, com seu semblante sisudo de sempre.

—Por mais que a idéia me seduza, eu mudei de idéia na noite passada, e graças à sua ajuda à nossa causa, iremos reconsiderar e deixar o bastardo vivo pra você. Nós pretendemos sequestra-lo, e só. Poderemos usar o grande mestre da Okhrana como moeda de troca, se necessário. Sabemos que o sujeito tem estima com a alta nobreza e que já esteve com o Czar pessoalmente. Mantê-lo vivo tem lá seu valor.

Embora as palavras de Koba fossem um alívio, algo lhe dizia que ele deveria ser mais precavido com o sujeito, que tinha sempre ares misteriosos e algo de imprevisível em suas maneiras grosseiras.

—Onde está a comitiva? – questionou Koba ao jovem rapaz bolchevique, que havia dado a notícia e estava esbaforido.

—A dois quarteirões. Há muitos corpos ali, então creio que desviarão para a Rua Principal.

—Ótimo. – disse Koba, verificando mais uma vez o seu revólver. – Alexei, junte um grupo pequeno. Só os de confiança.

O rapaz acenou, equipando-se com um mosquete bastante antiquado e berrando para outros rapazes. O clima era claramente agitado.

—Como pode ter tanta certeza de que Daniel Jenkins está nesta comitiva da Okhrana? – questionou Holmes, ainda preocupado.

—Sua determinação da residência de Jenkins não foi de todo inútil. Consegui “comprar” um espião lá dentro, dentre os empregados. Ele me avisou que Jenkins iria estar presente a uma reunião no Departamento de Segurança e passou para mim todas as três rotas possíveis que Jenkins poderia seguir em São Petersburgo. O protesto de hoje ajudou a obstruir duas delas, e graças a essa nossa ação, acabamos de obstruir a terceira. O problema é que ele já está se locomovendo pela cidade a esta altura e não restarão muitas alternativas, o que restringe nosso campo de atuação. – disse Koba, com maneiras de militar estrategista.

—Onde está Lev? – questionou Holmes. Havia um bom tempo que ele havia perdido o professor de vista.

—Parece que foi ver os feridos. Deixemos tal coisa para homens de verdade. Aquele sujeito só irá nos atrapalhar. Tome. – disse Koba, estendendo a Holmes um revólver enferrujado.

—Obrigado, mas creio que não será necessário.

Koba pareceu aborrecido. Era a segunda vez naquele dia que Holmes recusava uma arma.

—Você irá se encontrar com o segundo homem mais perigoso da Rússia desarmado? Não era mais fácil e mais barato cometer suicídio na Inglaterra?

Após um momento de hesitação, Holmes decidiu pegar o revólver. Notou que o tambor estava preenchido por quatro balas. O detetive só esperava que tudo terminasse com todas as balas no mesmo lugar.

—Quem, em sua opinião, é o homem mais perigoso da Rússia? – perguntou Holmes, curioso pela observação do bolchevique.

—Eu. – disse Koba, sem modéstia alguma, jogando em um canto o cigarro mastigado.


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—Tem certeza de que este lugar é... Ah, puta merda!

Dentro da carruagem, Daniel Jenkins se assustou. A carruagem que o levaria para a reunião no Departamento de Segurança acabou caindo em uma armadilha feita pelos manifestantes. Ele tinha decidido que o desvio da rota um roteiro complicado de se seguir, mas teve de acatar devido à falta de opções. Seria visto como um fraco se não abandonasse sua casa de verão para ir ao Departamento de Segurança lidar com a inesperada confusão de greves que tomava São Petersburgo. Era isto, ou ser ofendido pelo próprio Czar, e Jenkins jamais conseguiria viver com tal desonra.

Um a um, seus homens foram mortos. Havia atiradores nas sacadas de prédios, escondidos, e até mesmo nas ruas. Sentindo-se acuado, Jenkins decidiu abandonar o automóvel. Era melhor morrer lutando do que ser pego por aqueles imundos, pensava o oficial da Okhrana.

—Ele entrou naquele prédio abandonado! – gritou Koba, furioso ao ver que o oficial ainda teve tempo de matar dois de seus homens em uma breve troca de tiros. – Mr. Holmes, vá pelos fundos. Ele não terá por onde fugir.

—Como Koba sabe quem eu sou? – balbuciou Holmes, perdido. Apesar da abismação, não era tempo para se deixar levar pela surpresa. Jenkins poderia ter as respostas que ele precisava sobre Esther e a qualquer momento os bolcheviques poderiam estragar duo. De arma em punho, o detetive seguiu os conselhos de Koba e deu a volta na rua.

Preciso encontra-lo primeiro. Antes que ele acabe morto nesta confusão.

Quando prestes a entrar, Holmes ouviu uma explosão, seguida de gritos de horrores dos manifestantes. Ele não fazia idéia do que Jenkins fizera, mas causara grande estrago. Sabendo que precisava ser cauteloso, Holmes decidiu entrar pela janela, usando as sombras como camuflagem.

—Você irá pagar por isso, desgraçado! – Holmes percebera a voz de Koba, dita entre os feridos. Dentro do local, Holmes percebeu que a explosão fora resultado de gás, e que a frente do prédio havia desmoronado, tornando o local inacessível pela entrada da frente. Não tardaria até que Koba e os sobreviventes retornassem pela lateral, por isso Holmes sentiu que precisava se apressar.

Subindo as escadas do prédio abandonado, Holmes estava prestes a entrar em um cômodo quando entrou em luta corporal com o próprio Jenkins. Chegou a receber um soco, mas logo o detetive se reergueu e conseguiu se esquivar dos outros golpes do agente. Curiosamente, Holmes o notou bastante lento para alguém de seu porte, o que acabou por tornar a luta mais rápida em seu favor.

Jenkins terminou o combate pressionado contra a parede por Holmes. Tendo a mão do detetive contra seu pescoço, o oficial da Okhrana parecia surpreso.

—O que faz aqui, na porra do meu país, Sherlock Holmes? – disse Jenkins, surpreso.

—Por que está surpreso, Jenkins? Deveria saber muito bem porque eu estou aqui. Ou achou que eu não seria competente o bastante para saber que minha esposa estava te investigando?

—Investigando?! Do que está falando?!

—Não se faça de desentendido, Jenkins! Esther está aqui na Rússia, atrás de informações da criança que você tomou de nós dois há mais de dez anos atrás.

Jenkins deixava uma risada sufocada escapar.

—Eu jamais voltei a ver aquela mulher desde o dia em que a deixei sozinha no cativeiro. Você tem a minha palavra! Agora, por favor, me deixe escapar! Senão eu serei morto por esses selvagens imundos, e acredite de uma maneira extremamente dolorosa!

Holmes parecia insatisfeito.

—Se continuar mentindo para mim, eu mesmo vou ajuda-los nisso, pode ter certeza.

Jenkins parecia desesperado.

—Por favor, eu já disse! Eu não a vejo há mais de dez anos! O que mais quer saber, hein? Quer saber onde a criança está?

Holmes parecia inclinado a aceitar. Acabou por assentir, relaxando um pouco o pescoço de Jenkins, permitindo-o falar com mais conforto.

—Da última vez que tive notícias da criança, ela estava em Ecaterimburgo com...

Jenkins foi interrompido pelo som de um disparo, alto o bastante e para fazer Holmes recuar, procurando abrigo. O corpo inerte do oficial da Okhrana caiu sobre os seus pés. Tinha recebido um tiro na lateral da cabeça, que atravessara seu crânio e acertara a janela ao lado. Sem dúvida, trabalho de um atirador habilidoso, do outro lado da rua.

Holmes correu para a janela, que trazia a marca de entrada do projétil. Não havia mais ninguém por lá.

—Maldição! – exclamou o detetive, furioso. Seus olhos voltaram-se para Jenkins. Morto. Os olhos vidrados enquanto sangue escorria com intensidade de sua cabeça, sujando toda a sala.

Instantes depois, Holmes ouviu a porta se abrir. Eram os manifestantes, acompanhados de Koba. Todos ficaram surpresos ao se depararem com Jenkins, já morto e próximo ao detetive.

—O que houve aqui? – perguntou um deles. – Não era para deixarmos este sujeito vivo?

—Mr. Holmes, explique-se. – ordenou Koba, claramente irritado.

—O disparo veio daqui. Foi um atirador de elite. – disse Holmes, apontando para a janela estilhaçada pela bala. Isso não acalmou Koba.

—Droga! A morte desse sujeito não estava nos nossos planos! Vocês, homens, vasculhem a área. – ordenou Koba aos demais manifestantes presentes. – Fui bem claro com todos que Daniel Jenkins deveria sobreviver! Eu quero a cabeça do traidor que efetuou esse disparo!

—Sim senhor! – disseram, em uníssono, como soldados, antes de se retirarem dali, apressados.


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—Ao menos ele te disse o que desejava? – perguntou Koba, enquanto andava ao lado de Holmes pelas ruas tumultuadas de São Petersburgo. Já era noite alta, e os corpos de Daniel Jenkins e dos outros oficiais emboscados já tinha sido deixados á disposição da polícia. Ambos traziam o semblante cansado, desanimado pelos últimos acontecimentos.

—Não tanto. Mas creio que foi o bastante para elucidar algumas coisas. – disse o detetive, friamente. Koba parecia não entender.

—Vocês me usaram. – disse por fim o detetive, parando de andar e se virando para Koba. – Toda essa história de que queriam Jenkins vivo tanto como eu... Duvido que seja verdade. Vocês queriam a localização deles, para mata-lo. E eu ajudei muito bem.

—Que merda é essa? – questionou Koba, enfurecido. – Está me acusando de ser um mentiroso, Mr. Holmes? Um homem sem palavra?

—Você não cumpre com o que diz, para começar. Disse que Jenkins viveria, e no entanto, um de seus homens o matou na primeira oportunidade.

—Não ouse falar neste tom comigo, seu inglês de merda. – disse Koba, dedo em riste. – Eu só tolero você porque o camarada Lenin parece ter algum tipo de confiança cega em você. Só te ajudei porque foi um pedido de Lenin, do contrário eu preferiria que essa sua puta judia fosse encontrada em uma sarjeta ou coisa pior!

Descontrolado pela ofensa à Esther, Holmes desferiu um soco em Koba, em plena rua. Alguns presentes acabaram alarmados e se afastaram. Após o soco, Holmes sentiu sua mão levemente dolorida, como se tivesse dado soco em uma pedra. Apesar da deficiência física, Koba não deixou o soco barato e também socou o detetive. Logo os dois entraram em uma briga, repleta de socos e chutes, terminando com os dois rolando pateticamente no chão coberto de lama da neve. Holmes conseguiu levar a melhor sobre Koba e o deixou caído no chão, desferindo inúmeros socos no revolucionário. Apesar de ouvir apitos de polícia cada vez mais próximos, o detetive não se conteve. Estava cansado dos comentários preconceituosos que Esther recebia. Na verdade, ele estava cansado de estar na Rússia, de estar em um país onde ele não sabia nada e era incapaz de agir sem contar com terceiros. Nestas horas, ele sentia falta de sua terra-natal, do quão acostumado ao terreno britânico ele estava. Na Inglaterra, ele conhecia as Leis,  todos os becos e vielas de Londres, todos os tipos de solos, os principais redutos da criminalidade.

Em São Petersburgo, ele não conhecia nada.

Repentinamente, Holmes sentiu uma dor na área de trás na cabeça, e tudo ao seu redor se tornou negro como a noite.


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Notas finais do capítulo

Eu não sei quanto a vocês, mas sempre que o protagonista da história desmaia, coisa boa não vem, rs. Na minha fic não é diferente.
E Holmes sobreviveu a um protesto russo, e como se não bastasse, perdeu completamente a paciência e caiu no tapa com o Koba... Que dia agitado.

Até sábado!!



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