O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 26
Chamando Reforços II


Notas iniciais do capítulo

Agora que Holmes já recrutou Grigori em sua viagem à Rússia, falta mais uma pessoa... Quem será?

Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 21 de Junho de 1910.


            Havia uma mansão no bucólico bairro de Queen Park cujo piano era tocado o dia todo. Não havia uma só pessoa que não passasse por aquela rua que não ouvisse aquele belo som, brilhantemente executado. Alguns pedestres que passavam, mais sortudos, ainda conseguiam ouvir a voz da dona da casa, cantando algo em francês ou italiano. Apesar da beleza da voz e da melodia executada, poucos saberiam dizer quem morava ali, visto que a casa vivia mais vazia que ocupada.

            Aquela era para ser mais uma manhã como outra qualquer, se não fosse pelo repentino soar da campainha, interrompendo o treinamento de voz da pianista.

            -Maldição... – ela murmurava, se levantando do piano. – Será que Peter esqueceu alguma coisa?

            Ao abrir a porta, ela certamente encontrou a última pessoa que desejava ver, em toda sua existência.

            -Mr. Sherlock Holmes. – disse, escondendo rapidamente sua surpresa e adquirindo o tom costumeiro de empáfia.

            -Mrs. Irene Norton. – disse Holmes, cordialmente. – Folgo em ver que as últimas décadas foram generosas contigo.

            -Pena não dizer o mesmo de você, Mr. Holmes. – disse Irene Adler, com veneno na voz. – Mas convenhamos que não havia um bom ponto de partida para começar, não é mesmo? Beleza jamais foi seu cartão de visitas.

            Holmes ficou irritado com a provocação da “Mulher”, como ele costumava intitulá-la até seu casamento com Esther Katz. No entanto, o detetive não havia exagerado em seu elogio: ela não mudara muito desde o caso envolvendo o Rei da Boêmia. Mesmo sarcasmo, mesma empáfia, mesma ousadia...

            Ah, Esther... As coisas que faço por você...

            Irene abriu a porta, permitindo sua passagem. Sem cerimônia, Holmes retirou sua cartola, colocando-a no cabide próximo a porta.

            -A que devo a visita? – ela perguntou, mostrando uma fingida indiferença. – Espero que não seja para colocar o assunto dos últimos vinte anos em dia, porque dificilmente terei tempo para isto.

            -Negócios de suma importância. – ele disse. – Mas não se preocupe, serei breve e sucinto. Não quero atrapalhar sua prática de piano. Que, pelo visto, anda muito bem. Esta é alguma nova peça?

            -Sim. – disse Adler, com certo orgulho na voz. – Estou ensaiando para minha próxima turnê na Espanha. Estou com apresentações agendadas em Madrid, Barcelona...

            -Hum... – murmurou Holmes, enquanto analisava uma partitura. – Nunca ouvi falar dessa peça...

            -É de um compositor muito talentoso, chamado Richard Langdon. Aposto que ouvir isso do senhor, daqui a alguns anos, será uma vergonha, ainda mais depois dessa turnê que farei na Espanha.

            -Posso imaginar. – disse Holmes, com desdém. Decerto era mais um codinome de Adler. O detetive jamais pôde entender porquê Irene Adler não assumia a autoria de suas composições, que tinham lá sua beleza. Talvez porque o meio dos compositores ainda era fortemente masculino e ela já tinha polêmicas o bastante nas suas costas.

—Mas afinal, soube que estava com opções... Itália, Espanha e... Rússia...

            Irene Adler ficou claramente surpresa.

            Como diabos ele sabia disso?

            -Por quê escolheu a Espanha, Mrs. Norton?

            -Porque tinha o melhor cachê. Os italianos são um tanto escandalosos como plateia. A Rússia não me dá boas recordações.

            Holmes sorriu sutilmente. – Foi lá que quase arranjara um casamento com um nobre russo, não? Seria indiscrição de minha parte se eu perguntasse por quê não obtivera êxito nesta conquista em específico?

            Adler bufou. – Por que está interessado nisto? Já faz tanto tempo, antes mesmo do meu affair com o Rei da Boêmia... Consiste em algo importante pra você?   

            -Na verdade, pode-se dizer que sim. À medida que você terá de cancelar essa turnê na Espanha e ir para a Rússia comigo, eu preciso saber como andam seus relacionamentos por lá.

            Houve um silêncio perturbador na sala. Interrompido por uma risada feminina, vinda da própria Irene Adler.

            -Não sabia que o senhor era um bom piadista, Mr. Holmes. – disse a Mulher, dando leves palmas.

            -Não é uma piada, Mrs. Norton.

            -Por favor, me chame de Adler. Você sabe que Godfrey já morreu há mais de quinze anos, certamente.

            -Tive conhecimento. Uma queda de cavalo, na Filadélfia. Vocês estavam de férias naquele ano, não?

            Irene Adler percebeu que Holmes lhe lançara um olhar ameaçador.

            -O que está querendo insinuar, Mr. Holmes? Que eu matei Godfrey?

            -Sabe, Miss Adler... – disse Holmes, enquanto passava seus dedos finos pela cauda do piano. – Eu realmente não entendi como uma senhora de sua estirpe pôde se associar e se casar com um advogado corrupto e conhecido por sua agressividade como Godfrey Norton. Deveras a senhora se encontrava em uma situação delicada.

            Adler não parecia gostar do rumo da conversa.

            -Embora eu tivesse motivos para mata-lo, Mr. Holmes, eu jamais o assassinaria. Não ele sendo o pai de meu filho, Peter. Um filho nunca deve ser privado da presença de um dos pais, muito embora o canalha que fosse. O senhor entenderia o que estou dizendo se tivesse um filho, assim como eu.

            Holmes sentiu-se mortalmente atingido com as palavras de Afler, mas disfarçou sua própria dor vestindo outra vez sua máscara de indiferença.

            -Eu não tenciono seguir este caminho, Miss Adler. Apenas gosto de deixar claro ao meu oponente as cartas que disponho na mão. O fato é que pretendo pagar a diferença de cachê por sua escolha na Rússia, desde que você me ajude com uma investigação que farei na Rússia.

            -E qual, afinal, seria meu papel nesta investigação?

            -Eu não posso ir para a Rússia como Sherlock Holmes. Chamaria muita atenção a mim mesmo. Eu preciso ir disfarçado, muito bem disfarçado, e pensei em usar sua Companhia de Teatro como pretexto. Arrumarei uma identidade falsa e viajarei acompanhando vocês.

            -Minha equipe está fechada, Mr. Holmes.

            Holmes sorriu maliciosamente.

            -Não está, não. Porque eu procurei o russo que lhe fez a proposta e sei que vocês iriam apresentar uma peça onde é necessário um casal de cantores. Um tenor e um contralto.

            -Exatamente.

            -E eu sei que sua Companhia não possui um tenor no momento. Mr. Clay está com um problema grave na garganta...

            -Sim, está. Talvez jamais volte a cantar. – ela completou.

            -Pois bem. Minha idéia era viajar para a Rússia em sua Companhia de Teatro, substituindo Mr. Clay como tenor.

            Um silêncio drástico e estranho ficou sobre a sala.

            No entanto, Adler o quebrou com uma sonora gargalhada.

            -O senhor é um incrível piadista! – exclamava Adler, tentando segurar sua risada. No entanto, cada vez que olhava para o semblante chocado e ofendido de Holmes, a crise de risos se reiniciava.

            -A senhora está duvidando de minhas capacidades?

            Adler não conseguia conter o riso.

            -Não é questão de duvidar... – ela disse. – Mas é a mera constatação de fatos óbvios... Oh, meu Deus, acho que vou passar mal de tanto rir... – ela disse, já com o rosto vermelho de tanto rir.

            Sua risada, no entanto, foi interrompida por uma belíssima voz masculina, bastante afinada e grave, cantando uma das músicas de seu ensaio.

            Adler, que estava de olhos fechados enquanto ria, subitamente cessou com o riso e abriu seus olhos, reconhecendo a música que ouvia.

            Era Sherlock Holmes o dono da voz.

            Estática, Adler o observava cantar, quase paralisada de tão surpresa. Holmes segurava a partitura de uma de suas canções, cantando-a cm segurança e firmeza, quase como um profissional.

            Ao final, um silêncio encheu a sala. Adler sentiu uma leve vontade de aplaudi-lo, mas seu orgulho não permitiu.

            -O senhor é um tanto afinado. – limitou-se a dizer.

            Holmes ergueu uma de suas sobrancelhas.

            -“Tanto”?

            -Tudo bem, o senhor é afinado. Apenas precisa tomar maior cuidado com os vibratos, mas nada que algumas aulas de canto não resolvam. Embora eu tenha certeza de que o senhor já tenha tido.

            -Eu cantava no Coral do colégio. – minimizou Holmes.

            -Duvido que tenha sido apenas isso. Essa sua voz certamente é fruto de pelo menos alguns anos de dedicação à música, com um bom professor de canto, e não uma aula básica de colégio. Hm... – ironizou Adler. – Quem diria... Sherlock Holmes já esteve a circular no submundo artístico.

            Holmes a observou com desaprovação.

            -Antes que me tome como um afeminado por isso, aviso-te que não sou. – disse Holmes, irritado.

            -Jamais poderia toma-lo por completo. Afinal, eu ainda me lembro da olhada que destes em meu decote quando paguei-te aquele soberano. – disse Adler, rindo e deixando Holmes corado. – Mas afinal, o senhor ainda usa meu soberano. É algum objeto da sorte?

            -Um mero enfeite.

            -Para se lembrar de mim?

            -Não, para sempre ter uma moeda à mão se eu precisar de trocado.

            -Hunf. – bufou Irene. – Bom, então o senhor sempre tem moeda no bolso durante esses vinte anos... Ou talvez não queira se livrar dele. Mas então... – ponderou Adler. – No final das contas, o senhor está pedindo minha ajuda?

            O próprio Holmes, bufou, insatisfeito e ainda descrente, com as palavras que teria de dizer.

            -Sim, Miss Irene Adler. Eu estou pedindo sua ajuda.


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Notas finais do capítulo

Quando escrevi "Laços de Sangue", me dei conta de que Irene Adler jamais tinha dado as caras nas minhas fanfics, Achei um tanto injusto. Apesar de eu jamais ver os dois como casal, eu a considero uma personagem importante e que dá para render bons momentos com o detetive.

MOMENTO OPINIÃO
Eu sempre vi a Adler como alguém que sim, teve uma vida pra lá de errante e nada ortodoxa, desfrutando de luxo na companhia de homens ricos enquanto arrasava nos palcos. Mas acho que o golpe no Rei foi uma exceção. Não a vejo propriamente como uma golpista profissional, como mostra os filmes do Downey Jr. Acredito que ela sabia que o relacionamento dela com o Rei não tinha futuro algum e que quis usar a fotografia para se resguardar. Não a acho uma mulher do tipo "tolinha" a ponto de acreditar nas promessas de que um Rei iria se casar com ela, uma cantora de ópera. Eu também acho que ela deixou de ser "mulher predadora" depois do quase Escândalo, acredito que por temor de mais ameaças à sua vida caso se envolvesse com o homem errado. A possibilidade de Godfrey ter sido um marido violento e dele ter morrido anos atrás foi algo contado nos livros de Amy Thomas (recomendados, aliás) e que achei factível. Acho que há boas chances de ela ter voltado aos palcos, aproveitando-se da fama dos livros de Watson para ganhar ainda mais $$$$, mas também acredito que a hipótese dela ter se "acalmado" e se aposentado da vida artística para.., Cuidar de abelhas... é extremamente possível. E tudo graças a Amy Thomas.

Bom, esse é o tipo de Irene Adler que tenho na minha mente, rs.
Espero que tenham gostado da aparição dela. Obrigada por acompanharem e até sábado.

Lembrando que não haverá mais postagens às quartas. Agora, só nos finais de semana.



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