O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 25
Chamando Reforços I


Notas iniciais do capítulo

Olá,

Este cap será muito bom àqueles que gostam do Grigori. Finalmente teremos mais detalhes da vida dele. Será que correspondem às teorias de vocês?

Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 20 de Junho de 1910.

Residência dos Watson.


            Molly Watson olhou novamente para o relógio. Oito e meia da noite. Do relógio, que já anunciava que a noite já estava alta, a mulher voltou seus olhos para o tapete. Grigori, o moleque de rua que Mr. Holmes estava acolhendo, estava brincando com suas filhas Lucy e Eleanor, enquanto Watson lia um livro à beira da lareira, bastante relaxado. Mais uma vez, Mr. Holmes bateu à sua porta, deixando o menino aos cuidados de Watson porque precisava tratar de “assuntos pessoais”. E agora, minhas filhas, pensava Molly, minhas filhas, que possuem uma boa posição na sociedade londrina, estavam brincando com um moleque de rua russo! E Watson sequer parecia se incomodar com isso! Pelo contrário, achava bom que as meninas tivessem uma companhia diferente para brincar.

            -Meninas... – levantou-se Molly, abandonando seu bordado. – É hora de dormir.

            As meninas pareciam chateadas, mas como boas e educadas filhas britânicas, não protestaram. O menino Grigori, que ousou voltar seus olhos para Molly e receber um gélido olhar frio em resposta, procurou se concentrar em recolher os brinquedos, como se fosse a coisa mais interessante do mundo a se fazer naquele momento.

            -Podemos conversar na biblioteca por um minuto, Molly? – pediu John, claramente insatisfeito. Molly aceitou, enquanto observava as meninas subirem para os seus quartos.

            Quando a porta se fechou, deixando os Watson com um pouco de privacidade, Watson voltou-se para sua esposa, claramente decepcionado.

            -Pensei que já tivéssemos acordado a respeito da presença de Grigori em nossa casa... – começou o doutor, causando ainda mais indignação em sua esposa.

            -Acordado? Você sabe que eu não concordo em ver nossas filhas se misturando com aquele...

            Watson tornou-se sério.

            -Você não tem a mesma reação quando o vê brincando com Emily.

            -Emily não é minha filha.

            Watson parecia descrente.

            -Parece que agora você sequer se dá ao trabalho de disfarçar a sua antipatia por Emily. Está cada vez mais claro em seu olhar. E sinto que isto piorou desde que ela se encontrou com Rose...

            -Não ouse mencionar esta mulherzinha na minha frente, John! – esbravejou Molly, completamente irritada. John deu um passo mais próximo dela, mas Molly se recolheu. Claramente, queria distância.

            -Eu jamais escondi a existência de Emily de você. E ainda assim, você quis se casar comigo. Disse que iria acolher minha filha como se fosse sua. Mas a cada dia que se passa, eu vejo que você está longe de cumprir com o que me prometeu antes de nos casarmos.

            Molly tentava enxugar suas lágrimas.

            -Eu não consigo, John. Eu não consigo, e sinto muito. Sinto muito. Cada vez que olho para aquele menina, eu... Tudo que consigo ver é aquela vagabunda.

            Watson parecia entristecido.

            -Emily não tem culpa de qualquer coisa. Não merece sua hostilidade.

            -Ela jamais me aceitou como mãe. Isso também deveria estar claro para você.

            -Jamais aceitou, porque você sempre demonstrou a ela a sua antipatia. E foi esse seu ódio orgulhosamente exibido que a fez ir atrás de Rose Willians. Se você tivesse tratado Emily como uma filha de verdade, ela jamais teria interesse em descobrir sobre suas origens.

            Molly riu, com desprezo.

            -Se quer que essa hostilidade para com Emily tenha um fim, então faça como eu sugeri. Coloque-a em um colégio interno. Posso tolerar a convivência com ela durante algumas semanas de férias, mas todos os dias... Está sendo insuportável.

            Watson parecia resoluto. Após massagear seu pescoço, brevemente, o médico recorreu a uma garrafa de uísque, onde serviu-se de um copo. Depois que a bebida esquentou sua garganta, o doutor resolveu dar sua decisão.

            -Parece que não tenho escolha.

            Houve batidas à porta da biblioteca, fazendo os Watson se tomarem de surpresa. Provavelmente, era uma das meninas a importunar a respeito de algo, pensou Watson. Ao abri-la, entretanto, o doutor encontrou seu amigo, Sherlock Holmes.

            -Holmes! Que bom que chegou. – disse, com sinceridade.

            -Desculpe interrompe-los. Espero não ter atrapalhado nada. – disse o detetive, observando Molly enxugar suas lágrimas do limiar da porta.

            -De forma alguma, meu caro. Entre.

            Sherlock Holmes fez conforme Watson lhe pedira.

            -Presumo que tenha vindo até aqui para buscar Grigori. – disse Watson, apontando uma poltrona para Holmes se sentar, enquanto o mesmo se sentava em uma poltrona próxima de si.

            -De fato, mas não foi só para isto. Gostaria de pedir sua ajuda em um assunto que, creio eu, você tem mais conhecimento.

            Watson parecia surpreso.

            -Espero que não seja algo grave, que envolva a Medicina. Ou mesmo corpos, para perícia médica. – disse, com humor.

            Holmes negativou. – Estes tempos se foram, meu caro. O que venho te pedir é algo mais... Leve, que minhas solicitações do passado.

            Espero que ele não nos peça para cuidar de Grigori para sempre, pensou Molly.

            -Preciso que me dê boas referências de escolas privadas. Internatos.

            Watson ficou surpreso outra vez. – É curioso mencionar tal coisa, pois acabei de ter uma conversa com Molly, a respeito de minha decisão de... De colocar Emily em um internato.

            -Deveras?

            Watson notou que Holmes estava desgostoso com a notícia, mas preferiu não questionar o detetive sobre sua reação.

            -Penso que será o melhor para Emily. Um internato a deixará ocupada o bastante para não mais aprontar das suas. – interferiu Molly, impedindo Watson de se explicar. Holmes observava a tudo com interesse. Claro. Quem mais poderia ter tido essa idéia, senão Molly?

            -Mas meu caro Holmes, porquê precisa de um internato?

            O detetive aspirou fundo.

            -Você sabe, estarei partindo em breve para uma viagem longa e preciso deixar Grigori em algum lugar. Não quero incomodá-los, e não tenho mais ninguém com quem deixar. Não posso deixa-lo com meu irmão e nem... E nem em Sussex, sozinho. – disse Holmes, sabendo que não poderia voltar para Sussex com Grigori. Não enquanto a questão de Quebra-Ossos estivesse plenamente resolvida. Afinal, aquele bandido poderia escapar, como já fez outras vezes. – Por isso, quero coloca-lo em um internato.

O casal Watson ainda estava atônito com a decisão de Holmes.

—Meu caro Holmes, mas isto é...! – começou Watson, abobado com a decisão de seu melhor amigo. Molly demonstrava-se desgostosa, mas por outros motivos.

—Um completo absurdo! – completou Molly, revoltada. – Esse menino é um moleque de rua, Mr. Holmes! O senhor irá mesmo desperdiçar seu dinheiro com ele?

—Contenha-se, Molly! A decisão é totalmente dele! – disse Watson. – Não sei, meu caro amigo, se Grigori irá concordar em estudar em um colégio interno... Precisa saber que você não é parente dele, portanto, ele não precisa acatar sua decisão.

—Ele é um bom menino, Watson, e saberá compreender que isso será o melhor para ele. Só o que preciso é que me indique bons colégios. Graças aos contatos de Miss Hunter, ele poderá se matricular com boas referências.

—Ainda assim, Holmes... Ainda assim... Ele pode se rebelar...

—Watson, essa é a minha melhor opção. – disse Holmes, enquanto dava uma vagarosa baforada em seu cigarro. – Eu pretendo ir à Rússia, seguir essa bendita pista que pôs minha esposa naquele país de feras. Não quero deixar Grigori na rua, à mercê... Não quero repetir o mesmo erro que fiz com os Irregulares.

Watson suspirou, compreendendo.

—Você deveria ter visto o que aconteceu àquelas crianças, Watson. O ódio no olhar delas... Eu tenho certeza de que estariam dispostas a me matar naquela noite, caso tivessem a oportunidade em mãos.

—Santo Deus.

—Entende onde quero chegar? Estou no fim da vida, mas esse menino ainda tem um futuro exuberante pela frente, só precisa de ajuda. Ele é inteligente, forte...

—Um menino de rua, que o senhor sequer sabe quem são os pais, de onde veio... – murmurava Molly.

—Molly, por favor... – pedia seu marido.

—Ele pode ser um marginal! Pode também carregar alguma doença! Não, Watson, eu já tive o suficiente. Nunca me importei de receber o seu amigo, mas colocar um menino desses debaixo de nosso teto, com três meninas... Um menino daquela idade já está apto a tudo, e Mr. Holmes deveria saber disso melhor do que eu!

Holmes levantou-se, um tanto irritado.

—Mrs. Watson, Grigori não fez e nem fará mal algum a nenhuma de suas filhas, e peço singelas desculpas se nossa presença tem incomodado a senhora. Pois saiba que a casa de meu amigo tem se tornado, nos últimos tempos, uma das minhas últimas opções de preferência, graças às suas maneiras nada gentis e sua péssima hospitalidade. – ele disse.

Molly perdeu o controle.

—Como se atreve a me insultar em minha própria casa?! Por Deus, o senhor é insuportável! Por isso minha amiga Esther te abandonou!

—Molly, pare com isso! Pare! – disse Watson, constrangido enquanto tentava conter Molly.

—Ele precisa ouvir a verdade, John! Precisa! O Todo-Poderoso Mr. Sherlock Holmes, sentado em seu Trono de Justiça e Caráter, incapaz de sustentar um mísero casamento! – ela disse, em tom venenoso. – Se não fosse por ele, todas aquelas coisas horríveis não teriam acontecido a Esther, e ela agora não estaria em um país perigoso atrás de seu filho! Sim, porque o senhor sempre pareceu indisposto a admitir que tem um filho, e agora está acolhendo esse moleque imundo, enquanto minha melhor amiga está desaparecida, tentando consertar toda a merda que fizeram com ela por sua causa!

Holmes estava paralisado, e tentava se recompor. Apesar do tom agressivo de Molly, tudo que aquela mulher desiquilibrada dizia era verdade. E verdades como essa sempre eram duras de se escutar.

—Molly, chega! – pediu Watson, com mais energia.

—Ajudar esse menino é algum erro que pretende consertar? É algum buraco nessa sua consciência quase imaculada que pretende cobrir? Ou ele é algum bastardo que fizera na ausência de minha amiga?

Holmes estava com as bochechas coradas, de tanta raiva e também vergonha pela mera hipótese levantada pela mulher.

—Mrs. Watson, agora a senhora está ultrapassando todos os limites da decência! Watson, por favor, contenha melhor essa sua esposa, porque vejo que ela não sabe o que diz. E nunca mais repita isto! Nunca mais! – ele disse, gritando a última frase, se retirando do gabinete.

Holmes estava tão furioso que quase fizera Emily, que passava perto dali, cair. A menina tinha ido até o gabinete buscar um livro e percebeu que os adultos da casa estavam tendo uma conversa séria. Ouviu coisas sobre o futuro de Grigori, uma mulher chamada Esther, que volta e meia ela escutava o nome, mas que nunca soube quem era realmente, e por fim, a palavra “bastardo”...

Oh, meu Deus! Será que Grigori era um bastardo igual a ela?

—Grigori! – gritava Emily pelo pequeno jardim nos fundos da casa, surpreendendo o menino, que brincava com uma pequena bola.

—O que foi, garota? – Grigori não admitia isso, mas achava a pronúncia do nome “Emily” muito difícil, preferindo chamar a menina de qualquer coisa, para não se tornar chacota depois.

—Você é um bastardo.

—Quê?! – para Emily, o menino parecia não saber o significado da palavra.

—Sim, um bastardo... Você não sabe o que quer dizer, não é, seu burro?

O menino franziu a sobrancelha, confuso. Na verdade, ele conhecia a palavra “bastardo”. Fora um dos inúmeros palavrões que Mr. Taylor o ensinou. Mas, obviamente, ele preferiu não compartilhar desse conhecimento com ela. Por isso, se fez de desentendido.

—Tudo bem. – a menina respirou fundo, antes de começar sua explicação. – Eu quis dizer que você não é filho de quem você pensava que era.

—Que história é essa, garota?

—Minha mãe te chamou de bastardo e Mr. Holmes não gostou disso. Eles estavam discutindo sobre seu futuro, algo assim...

Os olhos de Grigori se arregalaram.

—Grigori... Eu acho que Mr. Holmes quer te colocar em um colégio interno, assim como querem fazer comigo. É o que os adultos fazem com os bastardos, afinal.

—Não... Não... – balbuciava o menino, ainda atônito.


ИИИИИИИИИИИИИИИИ


Holmes estava finalmente às sós com Watson, depois de todos os problemas com a esposa de seu amigo. Ele poderia compreender. As duas eram amigas, e Molly não se conformava com o abandono de Esther. Aliás, Molly sequer imaginava o verdadeiro ofício de Esther, acreditando que sua amiga simplesmente fugiu de casa – talvez até com outro homem. Holmes suspirou pesadamente, com cachimbo na boca. Ele não poderia culpa-la.

Watson observava seu amigo intensamente, depois da dura discussão entre sua esposa e seu melhor amigo. Estava agradecido por sua filha mais nova irromper em choro, forçando a mãe a abandonar aquele “campo de batalha” travado contra Holmes. Desde que o assunto Esther tinha reaparecido, Molly tratava Holmes com frieza, praticamente o aceitava em sua casa à contragosto. Entretanto sua longa amizade com Watson não poderia ser descartada.

O médico ainda parecia refletir, com algo a incomoda-lo. Observando seu amigo próximo à lareira, em pé, ele decidiu interrompe-lo.

—Holmes... Esse menino...

—Huh? – Holmes murmurou.

—Algo me diz que não me contou tudo.

Holmes virou-se para Watson, olhando-lhe nos olhos. Com as mãos apoiadas na lareira, ele parecia ponderar. Depois, suspirou.

—Desculpe perguntar, mas... Bem, eu lhe conheço há acredito que não seja de seu feitio ficar com uma criança, cuidar... Você está fazendo coisas com esse menino que eu jamais imaginei... Até mesmo ir para lojas comprar roupas! E agora, está querendo deixar o garoto em um colégio interno... Porquê?

Holmes sorriu brevemente, antes de continuar.

—Eu sabia que você iria perceber que há alguma coisa, meu amigo.

Watson sentiu seu coração apertado. Será que, finalmente, era o instinto paternal de Holmes aflorando? Será que algo dentro dele lhe alertava para a possibilidade de que o menino era mesmo seu filho? Watson também tinha as mesmas esperanças de Esther quanto ao paradeiro da criança. E era muita coincidência que Holmes estivesse afeiçoado à uma criança russa... Então...

—Grigori está sendo uma peça fundamental para encontrar Esther, meu caro Watson.

Watson mergulhou em sua poltrona, frustrado. Oh não. Quando será que a velha máquina realmente se aposentaria e daria lugar a um homem mais humano?

—Holmes, ele é só uma criança indefesa! E você está querendo lança-lo no meio de todo esse perigo?

Holmes riu, em zombaria.

—Grigori está muito longe de ser uma criança indefesa, meu caro. Ele espancou o filho de um dono de pub em Sussex, sobreviveu ao encontro de um matador de aluguel e de um mercenário, sem contar que também soube se defender muito bem de alguns moleques de rua de Londres, e tudo sozinho.

—Céus! – murmurou Watson. – Não posso imaginar Grigori a fazer tudo isso! Ele é só um garoto que mal tem dez anos! Pensei que o episódio do galpão incendiado fosse um fato isolado, uma mera sorte.

—A vida lhe ensinou a ser mais que isso, meu caro, e eu tenho certeza de que ele estará apto a me ajudar. Não batendo em pessoas, mas... Mas em ajudar-me a treinar o russo. Se eu realmente vou àquele país, preciso me disfarçar. O problema é que eu domino a língua, tal como Esther me ensinou, mas eu falo carregado de sotaque. Grigori está me ajudando a perde-lo. Quando eu estiver bom o bastante, irei para lá, e o deixarei em um colégio interno, como recompensa.

—Então, é isso o que ele é para você? Uma maldita “ferramenta”? – disse Watson, com rispidez na voz.

—Policie seu linguajar, Watson. Por Deus, meu caro, não compreendo o porquê de sua frustração. O que pensou, afinal? Que eu quero ser pai? Na minha idade? – Holmes deu uma leve risada. – Você ainda tem a mesma visão romântica da vida, meu caro Watson.

—Pois a ti falta um pouco disso, Holmes. – disse Watson, resignado. – E não caçoe das minhas esperanças de ver em ti um sentimento de afeto por alguém.

—Fala assim como se eu jamais tivesse.

—Sim, mas não soube aproveitar.

O assunto estava embarcando em rumos desagradáveis para Holmes, e foi com muito alívio que ele ouviu a porta ser batida.

—Papai? O senhor está aí? – era a voz de Emily.

—Sim, minha filha. Pode entrar.

Ao abrir a porta, a menina fez, educadamente, uma leve reverência aos dois cavalheiros, e caminhou diretamente para seu pai.

—Papai, é Grigori. Eu acho que ele irá fugir de novo.


ИИИИИИИИИИИИИИИИ



            Grigori reunia o pouco das roupas que tinha – na verdade, seus pertences de muito tempo – em uma sacola improvisada. Não era justo, afinal, sair de lá de mãos vazias, muito embora seu desejo fosse este. Mas apesar da raiva e do medo consumi-lo, ele sabia que precisava ser racional e que dificilmente conseguiria roupas daquela qualidade.

            Infelizmente, sua manobra dificultou as coisas para si mesmo, pois os fortes passos já ecoavam do corredor. Sem dúvida, era o Mr. Holmes.

            Holmes abriu a porta, encontrando o menino agachado ao chão, terminando de ensacar seus escassos pertences. Um tanto indignado com sua atitude impulsiva, Holmes colocou-se no limiar da porta, de braços cruzados. Um homem de seu tamanho recostado à porta certamente era um obstáculo considerável.

            Depois de feito, o menino virou-se para encontra-lo em tal posição nada gentil. Ele deu um bufo de descontentamento em ver que sua tentativa de sair dali era agora frustrada.

            -O que pensa que está fazendo? – exigiu Holmes, de braços cruzados, nada amigável.

            -Indo embora.

            -E posso saber porquê?

            O menino levantou-se, por final.

            -Não quero me tornar um prisioneiro.

            -Quem disse que você será um prisioneiro? Um colégio interno...

            Grigori interrompeu o que seria um longo discurso de Holmes a respeito dos benefícios de um bom estudo.

            -Pare com isso! Sabemos que quer se livrar de mim! Pois bem, pouparei o senhor de todo esse trabalho e irei embora!

            -É mesmo? E para onde você irá? – questionou Holmes, cruzando os braços.

            O menino emburrou o rosto, teimoso.

            -Qualquer lugar que não tenha grades. Qualquer lugar que eu seja livre.

            Holmes riu de sua ingenuidade.

            -Não há grades em colégios, Grigori.

            Mas para surpresa do detetive, o menino se aborreceu e começou a se alterar.

            -É o que vocês, adultos, sempre dizem! – ele gritou. – Foi o mesmo que me disseram...

            Holmes ergueu uma sobrancelha, curioso.

            -Disseram? – pediu.

            O menino rolou seus olhos, ainda contrariado, e depois de soltar um longo suspiro, sentou-se à cama, fitando timidamente seus pés.

            -Eu não só trabalhava naquela fábrica, Mr. Holmes. Eu morava lá. Vivia lá.

            Holmes assentiu com a cabeça. Já imaginava algo assim, mas a realidade ainda era algo duro de ouvir. O menino continuou.

            -Tudo que lhe contei sobre meus pais era... Mentira.  Sinto muito por ter mentido ao senhor.

            -Sem problemas. Contanto que me conte toda a verdade agora.

            O menino assentiu, timidamente. Seus olhos estavam marejados.

            -Meu pai não era bêbado. Aliás, eu me lembro de muito pouco dele. Eu vivia em uma fazenda na... Não sei. Era um lugar frio.

A Rússia por si só é um lugar frio, pensou Holmes. Grande informação.

—Eu tinha um pai, uma mãe e uma babá chamada Bea. E eu também tinha um irmão, chamado Georgi. Ele era meu irmão-gêmeo. Eu sequer sei o meu sobrenome, pois apenas me chamavam por Grigori. Eu tinha muitos brinquedos, comia mingau com leite e biscoitos... – Grigori deixou escapar lágrimas. – Até que...

            -Até que...? – pediu Holmes.

            -A nossa babá Bea, ela... Ela pediu que fôssemos brincar na floresta. Eu e Georgi. Não entendemos muito bem porque ela pediu isso, porque éramos proibidos de ir até a floresta nos fundos de nossa casa, mas obedecemos. Estávamos brincando de pique-esconde quando... Quando eu caí em um buraco. Acordei horas depois, quando já era noite. Gritei por minha mãe, pela Bea, por Georgi, mas ninguém apareceu. Fiquei dois dias preso, porque vi o sol nascer duas vezes, até um homem aparecer. Ele perguntou onde eu morava, e eu apontei o lugar. Ele ficou estranho de repente, e então... Ele me levou. Mas não para a casa. Ele me levou para uma fábrica de chapas de aço, que pertencia ao Mr. Adrienovitch. Um monstro.

            -Continue. – pediu Holmes, bastante penalizado.

            Encorajado, o menino continuou.

            -Eu dividia um quarto com vinte crianças. Dormíamos em beliches. Quero dizer, eu era um dos sortudos a ter uma cama beliche, porque nos últimos tempos os recém-chegados dormiam em esteiras. Eu cresci, Mr. Holmes, pensando que meus pais ainda estavam lá, em algum lugar, e que estavam me procurando. Por várias vezes, tentei fugir para reencontrá-los, mas sempre era recapturado e apanhava por isso. Até que Mr. Taylor, o engenheiro da fábrica, se simpatizou comigo e me ajudou a fugir. O resto você sabe. Depois que ele morreu, fiquei sem rumo, passando a viver na rua.

            Realmente, o resto eu sei. Sei que Adrenovitch foi morto de forma brutal. Holmes assentiu, tentando encorajá-lo. Por fim, decidiu se sentar ao lado do menino, na beira da cama.

            -Sabia que – pigarreou Holmes – eu já fugi de casa e vivi na rua?

            Os olhos azuis e curiosos de Grigori se arregalaram.

            -O senhor?

            Holmes riu, dando um ligeiro tapa no ombro de Grigori.

            -Sim, e em uma idade parecida com a sua. Tinha catorze anos na época. Só que ao contrário de você, eu não tinha uma vida difícil. Na verdade, eu diria que... Minha vida era fácil até demais. Mas eu me sentia sem rumo, e... Fui embora. Só que eu não invadi um trem, eu paguei pela passagem, e vim para cá, para Londres. Fiquei uns dois meses morando na rua. Não foi uma experiência das mais agradáveis, mas foi construtiva. Mudei muito desde então.

            -E o que aconteceu?

            -Eu fui encontrado por meu irmão mais velho, e então voltei para casa. Tomei uma surra de meu pai por isso, você deve imaginar. Mas nunca mais precisei fugir. Eu continuei meus estudos, e me preparei para ser dono de minha própria vida. Não era justo abandonar minhas oportunidades.

            -Se eu ainda as tivesse... – murmurou Grigori.

            -E o que estou oferecendo a você? Não é uma oportunidade?

            O menino parecia repensar.

            -Tudo bem. Muito embora eu ainda não entenda porquê quer me mandar para um internato.

            Holmes levantou-se do sofá. Tinha chegado a hora, afinal.

            -Eu estou indo para a Rússia.

            O menino arregalou os olhos.

            -Sim, eu ouvi o senhor comentar. Mas o que irá fazer lá?

            -Minha esposa está lá, e eu vou encontra-la. Por isso, estamos praticando russo. Não é mera prática, mas uma forma de me ajudar a disfarçar, enquanto eu estiver por lá. O tempo está correndo, menino. Eu preciso encontra-la. Ela pode estar em sérios perigos, ou mesmo... Morta. – disse Holmes, com medo da própria palavra.

            O menino parecia compreender a gravidade da situação.

            -Eu aceito, sir. Mas com uma condição.

            Holmes estava prestes a ficar aliviado, mas tornou-se sério outra vez.

            -O que é?

            -Eu vou com você.

            Holmes gargalhou. – Jamais.

            -Por quê não? – o menino emburrou-se. Decerto, estava aprendendo isso com Emily. – Eu posso te ajudar, como professor.

            -Não irei partir agora, mas só daqui a alguns meses. Tempo o bastante para perder o meu sotaque.

            -Li uma de suas histórias que contava a respeito de Wiggins e os Irregulares.

            Holmes incomodou-se com a menção de Wiggins. – Então?

            -Você disse que os meninos de rua formavam a melhor divisão policial de Londres. Eu posso me infiltrar entre os meninos de rua da Rússia e conseguir informações. Assim como eles faziam para o senhor.

            Holmes ficou surpreso com o argumento do menino. Um argumento perigoso, mas que poderia ter lá sua utilidade naquele país estranho.

            Não. Preciso pensar como um adulto. Não posso cometer erros do passado.

            -Não vou conseguir me concentrar na investigação tendo que tomar conta de você.

            -Você viu o que eu fiz com aqueles meninos de rua no beco. Eu sei me virar.

            -Porquê deseja ir tanto assim para a Rússia? Pensei que odiasse aquele país... – questionou Holmes.

            O menino parecia hesitante.

            -Eu quero que o senhor me ajude a localizar a minha família. Principalmente o meu irmão, Georgi.

            Holmes ficou atônito e ao mesmo tempo comovido com o pedido. Havia fundamento nele, no fim das contas. Grigori estava em um país estranho, distante de casa, quando seus pais estavam lá na Rússia, talvez à sua procura. Poderia haver uma mulher lá, na mesma situação em que Esther, triste e amargurada pelo repentino desaparecimento de seu filho.

            Não. Ele não tinha o direito de tomar Grigori para si.

            -Está bem. Eu vou te ajudar a encontra-los.

            -Obrigado, Mr. Holmes. – disse o menino, tentando enxugar uma lágrima que caía de si.

            Após uma longa pausa, Grigori voltou a falar.

—Mas ainda assim, eu não entendo. O senhor disse que precisa ir desde o submundo do crime até a alta sociedade, mas... Eu não conheço ninguém da alta sociedade russa.

            -Não se preocupe. – disse Holmes, com o semblante confiante. – Eu posso tratar disso.


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Notas finais do capítulo

Então, alguma idéia sobre quem pode ser essa pessoa da alta sociedade??

Dica: é alguém muito famoso... E que jamais deu as caras nas minhas fanfics...



Espero que tenham gostado do cap. Até sábado!



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