O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 21
A Verdade Está Sobre a Mesa


Notas iniciais do capítulo

Olá,

Eis um cap pequeno, mas que tem tudo para ser elucidativo - ou não - a respeito das origens do Grigori e o porquê de sua vida atribulada.

Boa leitura!



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            Passava de duas horas da manhã na casa dos Watson, mas seus ocupantes ainda estavam todos acordados. Embora já fosse tecnicamente dia, aquela parecia ser uma noite interminável.

            Molly se esforçava em pôr as meninas pequenas para dormir. Percebendo as crianças assustadas, Molly não deixava de culpar sua enteada Emily pelo estado de apreensão das meninas. Emily, por sua vez, estava deitada em sua cama, tentando absorver os últimos acontecimentos. Tal como o pai, também tinha adquirido o hábito de escrever em um diário, e tinha passado para os papéis os últimos acontecimentos, numa maneira de clarificar suas idéias. Ainda era loucura imaginar toda a sorte de coisa que lhe ocorrera em apenas uma noite.

            Dois ocupantes, em especial, tornavam essa noite ainda mais longa. Grigori e Sherlock Holmes estavam no banheiro, porta trancada. Em meio a esponjas e espuma, o detetive parecia descontar sua decepção na pobre pele pálida de Grigori, já bastante avermelhada pelos esfregões de Holmes.

            -O banho não poderia ficar para amanhã, sir? – perguntou o menino, reclamando enquanto seu cabelo era ensaboado por Holmes.

            -Você está repleto de álcool, Grigori. Precisa de um banho de verdade.

—Mas não dizem que álcool limpa? Que externaliza?

—É “esteriliza”, e isso não significa que você esteja limpo. Fora que o cheiro de álcool está impregnando o ambiente a ponto de torna-lo insuportável. – corrigiu o detetive, tanto o vocabulário trôpego e não completamente fluente em Inglês de Grigori e suas noções equivocadas de menino a respeito das coisas ao seu redor.

—E por falar em verdade, - começou o detetive, após deixar a esponja em um lado na banheira – eu espero que você seja sincero comigo e me diga toda a verdade desta vez. O homem que te sequestrou... Você o conhecia?

            O menino assentiu.

            -Eu não sei o nome dele, mas sei que era o mesmo homem que me perseguiu no estábulo, em Sussex.

            Holmes suspirou firmemente. Sem dúvida, era Boehl.

            -Eu sei quem ele é. – limitou-se a dizer Holmes. – Mas confesso que não entendo o que um homem como ele poderia querer com você.

            Após alguns minutos em silêncio, o menino se rendeu.

            -Ele está atrás de mim desde a Rússia, sir. Sinto muito por ter mentido.

            Holmes estava furioso, mas ocultou sua raiva. Ele detestava se sentir enganado. E Grigori estava fazendo tal feito com considerável proeza.

            -Então, presumo que Quebra-Ossos foi contratado por ele para te matar. Sabia que três meninos inocentes morreram por sua causa?

            Holmes notou o semblante triste do menino. No entanto, o detetive continuou.

            -Escute uma coisa, Grigori... Um homem como ele não se prestaria ao papel de perseguir uma criança se alguém poderoso não estivesse pagando bem por isso. Alguma idéia do que o levou a te perseguir você deve ter.

            -Eu... Está bem. – desistiu o menino. – Ele me persegue desde que eu e Mr. Taylor fugimos da Rússia.

—Quem é Mr. Taylor?

O menino pareceu levemente obscuro. – O senhor estava certo. Mr. Taylor é um americano. Foi ele quem me ensinou a falar Inglês, inclusive. Eu e ele, nós... Nós fugimos da fábrica que trabalhávamos na Rússia.

Holmes riu.

—Agora, fábricas contratam mercenários internacionais de aluguel para ir atrás de funcionários que abandonam seus postos de trabalho. Acho, então, que realmente devemos temer o seu país.

Grigori parecia inconformado.

—O senhor não entende. Não estão me perseguindo por causa da fuga em si. Na noite em que eu escapei, Mr. Taylor roubou o cofre da fábrica. Levou todo o dinheiro, e me levou consigo, porque ele se simpatizava comigo. Ele prometeu que iríamos para a América, que viveríamos como ricos lá, mas... Mas Mr. Taylor morreu. – disse o menino, desanimado.

—Morreu?! – exclamou o detetive, chocado. – Como?!

—Uma manhã, quando faltavam dois dias para embarcamos para um vapor para a América, eu fui acordá-lo e... Ele estava tão frio. Parecia dormir, mas ele não se mexia, nem respirava. Vez ou outra, ele reclamava de dores no peito. Acho que foi por isso.

—Deveria ser cardíaco. – entendeu Holmes, aludindo as dores no peito a um eventual infarto. – E o que fez a seguir?

—Fiquei com medo e fugi.

—E o dinheiro? Você o pegou?

O menino assentiu. Sabendo que o detetive o perguntaria sobre o paradeiro, o menino o antecipou.

—Fui assaltado três dias depois. – ele disse, num tom lacrimoso. Holmes assentiu, pesaroso.

—Como isso aconteceu?

—Eu fui trocar uma das barras de ouro depois que ele morreu. Quando saí do agiota, fui assaltado por homens dele. No fim, tomei uma bela surra e fiquei sem uma moeda sequer para chamar de minha. A única coisa que me consola é que mordi a orelha de um deles e fiquei com um pedaço dela na minha boca.

Não sei o que é pior, pensou Holmes. Grigori ser violento a ponto de arrancar parte de uma orelha de alguém ou se vangloriar de ter feito isso. O detetive preferiu desconversar, após um pigarreio.

—O mais sensato seria devolver o que vocês roubaram a esse tal Adrenovitch, mas parece que essa opção se tornou inviável agora. Saberia dizer quanto estava em sua possessão?

—Quinze barras de ouro. Adrenovitch, o dono da fábrica, guardava sua riqueza em ouro. Dizia que era mais melhor que...

Melhor, Grigori. – corrigiu Holmes, com um pouco de desgosto.

Melhor do que dinheiro, porque ouro tem valor em qualquer lugar do mundo.

O detetive assobiou, em abismação. Uma fortuna considerável, realmente.

—Então, foi nesta fuga desenfreada que você veio parar em Sussex. – concluiu Holmes.

—Sim. Depois de ser assaltado, eu me lembro de ter embarcado um trem qualquer em um porto que sequer sei o nome. Nem sabia que estava no interior da Inglaterra quando desembarquei.

Aproximando-se do menino, Holmes pôs a mão sob seu ombro. Um menino tão pequeno e de vida tão dura e complicada. Eu tive lá meus aborrecimentos e aventuras quando menino, mas sempre tinha, no fim das contas, o conforto de minha casa em Yorkshire e mimos e regalias que um menino de meu patamar social recebia. Já Grigori... Ele não tem nada, nem ninguém. Apenas a si mesmo.

—Vá descansar agora, menino. Teve o suficiente por um dia.


ФФФФФФФФФФФФ


—Impressionante. – disse Watson. – Jamais poderia imaginar tal história.

—Eu não me conformo. Grigori poderia ter contado tudo desde o princípio. Ele mentiu para mim. E infelizmente, meu caro Watson, eu terei de deixar sua casa.

—Como?! Mas, Holmes...

Holmes retrucou.

—Boehl ainda está vivo, não se esqueça. Continuar aqui com um criminoso atrás de Grigori seria colocar sua família em risco. Amanhã cedo, arranjarei um hotel. Gostaria de voltar para minha casa em Sussex, mas ainda tenho coisas a investigar antes de viajar para a Rússia. Preciso me preparar, e não conseguirei isto em Sussex Downs.

Um tanto abnegado, Watson acabou por aceitar.

—Está bem. Mas saiba de uma coisa meu caro: minha casa sempre estará de portas abertas para você. E para Grigori, também.

            Ao perceber a insinuação de Watson, Holmes tentou adverti-lo.

            -Watson... – alertou o detetive, mas o médico riu da reação defensiva de seu grande amigo.

            -Se isso te serve de consolo, meu caro, foi apenas uma brincadeira. Mas vejo que não está para tais humores.

            -Há de admitir que tive uma noite deveras turbulenta. – disse o detetive, após longo suspiro. Watson parecia concordar.

            -Mas em meio às brincadeiras de minha parte, um fato muito me alegrou estes dias.

            -Hn? – murmurou o detetive, sentindo-se sonolento. Afinal, já era madrugada alta e suas pálpebras já se encontravam pesadas.

—Você não está morto.

Um silêncio curioso ficou no ar, até que o próprio Holmes o interrompeu com uma risada sarcástica.

—Bom, não tenho o hábito de verificar minha pulsação o tempo todo, mas posso te assegurar que até agora eu não morri.

Watson observava o cinismo de Holmes com impaciência.

—Você sabe o que quero dizer. Não se faça de desentendido.

—Oh, sabia que essa sua ladainha de “sentimentos”, “paixões” e “amores” iria retornar cedo ou tarde. Devo dizer que estava demorando. – reclamou Holmes.

—Você está afeiçoado ao menino, Holmes.

—Watson, por favor... – retrucava o detetive, porém sem argumentos.

—Esse menino despertou algo que pensei que jamais teria. A paternidade. E sim, eu sei que ele não é seu filho, não seu filho sanguíneo, mas afinal qual o problema disso? Uma criança como ele, claramente esperta e inteligente, porém sem recursos e completamente à mercê das maldades desse mundo, precisa estar decretada à solidão e desamparo por causa da inexistência de laços de sangue?

Holmes lançava a Watson um olhar de cautela, mas isso não bastava para silenciar o médico.

—Não vejo problema algum em tomar o menino para si, como filho, se é o que deseja saber.

Holmes engoliu em seco. Adotar?! Watson estava indo longe demais... Antes que o detetive pudesse retrucar sobre a idéia, que lhe parecia francamente absurda, o médico foi mais rápido, como se já previsse a reação destemperada de Holmes.

—Aliás, Esther ficaria orgulhosa se soubesse disso.

—Esther, meu caro Watson – argumentou Holmes, com pesar na voz – seria a última pessoa da face da Terra a ver com bons olhos qualquer sinal dessa minha tal “paternidade” para com Grigori. Não quando eu jamais a exerci com meu próprio filho.

—Você subestima Esther. – respondeu Watson, com o semblante sério, após alguns segundos a absorver o raciocínio de seu amigo.

—Não, meu caro Watson. Você é que a superestima.


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Notas finais do capítulo

Nossa!!!

Eu senti um tanto de amargura no tom de voz do Holmes, não? Realmente, o término dele com Esther foi difícil. Parece que tocar no nome da Esther não foi lá o melhor a se fazer, Watson...

E o que acharam da aparente "história de vida" do Grigori? Tudo mencionado realmente bate com aqueles sonhos confusos que ele teve? Tem mais revelação à caminho, podem esperar.

Obrigada por acompanharem e até quarta!

PS: O Desafio de Julho ainda está de pé! Dois caps por semana! Reviews serão um baita motivador...



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