O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 22
Amargo Reencontro


Notas iniciais do capítulo

Olá,pessoal!

Eis que trago mais um cap na quarta, em caráter especial de Julho.

Cap pequeno, mas importante para definir os próximos caps.
Espero que gostem!

Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 25 de Maio de 1910.


Os escassos raios de sol daquela manhã nublada de Londres mal tinham se revelado quando Sherlock Holmes levantou-se da cama. Seis da manhã, notou o detetive, enquanto se espreguiçava – e estalava os ossos cada vez mais resmungões de suas costas. Curioso o que a chegada da idade fazia consigo, pensava o detetive. Quando mais jovem, Sherlock Holmes era capaz de passar madrugadas a fio e acordar no dia seguinte bem disposto. Atualmente, se ele fizesse tal coisa, acordaria completamente exausto, por isso o detetive tinha se tornado uma figura de hábitos mais regulares e ortodoxos. Dormia cedo e acordava cedo, no que o fazia sentir-se pronto e disposto para mais um dia.

Holmes pensou em acordar Grigori, mas deixou para lá. Sabia que aquela tinha sido a primeira noite no simplório apartamento que ele alugara, nas proximidades de Baker Street, e que o menino tinha ficado bastante agitado, explorando o pequeno apartamento e também bastante fascinado por descobrir que tinha um quarto. “Um quarto, só para mim?”, ele exclamara com espanto. O efeito do choque foi uma madrugada que Holmes sabia ter sido passada em claro por ele – ao menos, o detetive pôde concluir, a julgar pelos passos para lá e para cá que eram audíveis de seu quarto.

Após tomar um modesto café – nada mais que café puro e metade de uma torrada, dispensando todas as guloseimas desfrutáveis de sua senhoria, Mrs. Fawcett -, Holmes deixou um bilhete à porta, avisando Grigori de que estaria fora o dia inteiro e que por volta das onze da manhã Watson viria busca-lo para passar o dia em sua casa. Holmes não se sentia seguro com a idéia de deixar Grigori sozinho, não diante dos recentes acontecimentos. Ao menos, ele ainda poderia contar com Watson. Era notável, pensava por vezes o detetive, como ele tinha se afeiçoado a um perfeito estranho tão rapidamente. Seria este o tal “sentimento paterno”?

O que estou dizendo... Grigori não é meu filho. Watson está certo. Ainda estou abalado pela morte de Wiggins e estou tentando redimir-me usando Grigori. É isto.

Só pode ser isto.

Já embarcado dentro do táxi, Holmes pediu para o motorista seguir para Chelsea. Pelo caminho, ele pôde ver a multidão de pessoas apressadas, a caminhar pelas calçadas, apertadas pelos automóveis fumacentos e barulhentos, os sons de buzinas e motores ruidosos, misturando-se com o som do violinista de rua, do vendedor de jornais a berrar notícias, competindo com toda aquela barulheira animalesca. Era curioso como a vida de todos ao seu redor tinha, ao mesmo tempo, mudado e permanecido a mesma.

Até mesmo a da dona da casa que ele iria visitar naquela manhã.

Ciente de sua agitada vida profissional, Holmes temia que desse com a cara na porta, em sua visita à moça. Ao batê-la, foi recebido pela governanta da casa, com um semblante calmo, porém pronto para enxotar o primeiro inconveniente que aparecer.

—Em que posso ajuda-lo? – perguntou a educada idosa.

—Meu nome é Sherlock Holmes. Desejo ver Mrs. Reid. Acaso ela está?

—O senhor marcou visita?

Holmes rolou os olhos.

—Anuncie minha presença a ela. – disse Holmes, num tom próximo de aconselhador. Entendendo o que ele quis dizer, a senhoria saiu, após leve reverência. Decerto, pensou Holmes, para verificar seu nome perante sua patroa.

Como Holmes previa, ela retornou rapidamente.

—Acompanhe-me, por favor.


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Aquela caríssima casa de Chelsea em nada refletia o passado de sua dona, por mais que fosse escassamente decorada. Aquele era um local arejado e espaçoso, mas não havia lustres suntuosos de cristal, tapetes nobres ou qualquer objeto vistoso e caro. De objetos de arte, havia apenas um quadro na parede, que não era de nenhum pintor famoso mas nem por isso deixava de ser bonito. Holmes reconhecia aquele traçado. Sem dúvida, pertencia ao filho dela, Eric Reid. Estar diante dele incomodou subitamente o detetive, que procurou afastar de sua mente os pensamentos mais obscuros sobre os últimos anos, fazendo-o voltar suas atenções à outra extremidade da sala.

Se estava bem de vida, Norah parecia fazer questão de não querer demonstrar, apesar do privilégio de viver em Chelsea. Um singelo vaso de flores campestres, das mais baratas compradas nas ruas de Londres, adornava uma das mesas. Nada de armas ou animas empalhados na lareira, notou Holmes. Havia apenas mais um quadro, do que Holmes notou ser o maior atrativo – e talvez o objeto que mais represente a personalidade do proprietário do local.

Deixado pela governanta na sala de estar, Holmes começou a analisa-lo. Era uma pintura à óleo, mostrando o cotidiano de uma fábrica de tecido, com máquinas de tear sendo quebradas por um grupo de trabalhadoras enquanto um outro grupo de mulheres atacava os inspetores da fábrica (sem dúvida simbolizando os patrões, ou como diziam os comunistas como Norah, a “burguesia”). Crianças também tinham sua participação, algumas ajudando as trabalhadoras em conflito, outras também quebrando as máquinas. As expressões nos rostos, os movimentos bruscos, e até mesmo uma bandeira vermelha deixada no centro da tela. Havia também um quê animalesco, bastante remetente à um campo de batalha. Sem dúvida, o artista tinha se inspirado em “A Liberdade Guiando o Povo”, obra muito famosa de Eugéne Delacroix.

—Ouvi dizer que você é descendente de Vernet.

Holmes sempre fora um grande admirador das Artes, de modo que sentira-se hipnotizado por esta pintura. Tão hipnotizado que sequer pôde notar Norah Reid se aproximar. Tirado de seu estupor pela voz feminina, velha conhecida, a lhe fazer tal observação, sem tirar os olhos do quadro Holmes prosseguiu com a conversa.

—De fato. Minha avó era irmã de Vernet.

—Qual Vernet?

Retirando seus olhos da pintura, Holmes voltou-se para Norah.

—Adoraria discutir convosco a respeito de meus ancestrais, mas receio que preciso melhor aproveitar os minutos que me foram disponíveis.

Como Holmes esperava, ela assentiu.

—Devo admitir que minha vida é bastante atarefada, mas nem por isso privo-me de conversas interessantes. Mas seria em vão discutir tal coisa com o senhor, afinal está bem claro para mim que quem está com pouco tempo aqui é você. Pelo menos, para conversas improdutivas.

Holmes deixou escapar um sorriso presunçoso.

—Perspicaz, como sempre.

—Edmund me ensinou muita coisa, especialmente a como agir adequadamente com você. – disse Norah, após leve reverência. – Por favor, sente-se. Uma vez, Esther me contou que não é dado a refeições, então dispensei qualquer oferta de chá com biscoitos, mas caso deseje, ainda é tempo.

Esther. Como sempre, ela era mencionada, para desgosto de Holmes.

—Não, obrigado. A propósito, é bom que tenha se lembrado de Esther, pois o que me traz até sua casa tão repentinamente é justamente ela.

Norah fez um semblante espantado.

—Deveras? Não me diga que fizeram as pazes...

Holmes detestava conversar sobre sua vida íntima com homens, que dirá com mulheres. Por isso, cortou o assunto de imediato, antes que suas bochechas pegassem fogo, sendo mais curto e grosso do que deveria.

—Vamos lá, Mrs. Reid. Eu já sei que Esther veio em seu auxílio atrás de um homem chamado Lev Sokolov...

—Não sei o do que o senhor está falando... – retrucou Norah, em vão.

—... Um membro do sindicato dos trabalhadores de indústria têxtil, e um dos fundadores de um jornal comunista londrino. Seria ingenuidade minha supor que Esther chegou a um homem destes sem sua ajuda.

Após breve silêncio, Norah suspirou pesadamente.

—Está bem. Esther me procurou, perguntando se eu conhecia alguém de São Petersburgo. Não me veio outro nome senão Lev, eu quero dizer, Mr. Sokolov. – ela se corrigiu bruscamente, fazendo Holmes erguer uma sobrancelha em pasmo com a repentina e comprometedora intimidade de menciona-lo por seu nome, claro sinal de que eram próximos. – Mas eu não fiz nada, além de dar o endereço dele. Aliás, isso já tem um bom tempo. Eu fiquei muito feliz em vê-la novamente, depois de tantos anos, mas ela parecia tão... Agitada.

—E em nenhum momento a senhora pensou em me contar dessa visita repentina de Esther? Minha própria esposa? – questionou Holmes, com a voz um tanto indignada.

—Convenhamos, Mr. Holmes, você não é mais casado com ela. Se a Lei do Divórcio existisse, pelo menos, ela...

—Poupe-me de seu discurso feminista, Mrs. Reid. Agora, dê-me o endereço de seu amigo comunista. – disse Holmes, interrompendo-a e deixando Norah mais revoltada.

—Não darei coisa alguma! Política jamais foi de seu interesse. Tenho certeza de que está à procura de Lev para chegar à Esther. Por que eu te ajudaria a encontra-la?

—Porque ela está em perigo. – admitiu Holmes.

Norah arregalou os olhos, subitamente. Mas em um instante, seu olhar voltou à dureza calculista que Holmes tanto costumava ver naqueles envolvidos em política.

—Eu me lembro até hoje do funeral de meu filho Eric. Lembro-me de suas palavras, também. “Wiggins foi apenas um peão...”

—“Um mero peão, em um jogo maior e complexo do que poderia maquinar sua mente, Mrs. Reid”. – completou Holmes, juntamente com Norah.

— Seu amigo Wiggins poderia ter sido a mão por trás do gatilho, mas conheço o bastante da vida para entender que um rapaz pobre e sem perspectiva de vida como ele apenas comete atos tão criminosos porque há alguém por trás, pagando bem por isso. Inclusive, você confirmou minha suspeita, e prometeu me entregar o culpado. Não o peão do jogo, mas a Rainha. Teria suas habilidades de detetive se perdido, ou você simplesmente não quer me contar quem foi o mandante?

Holmes riu, amargamente.

—Bem vejo que aprendera bem as artimanhas da política, a ponto de me chantagear para conseguir uma informação que, acredite em mim, se arrependerá em possuir.

As palavras de Holmes trouxeram ainda mais indignidade a Norah.

—Você sabia! Como pôde?!

—Eu te poupei da verdade! – exclamou Holmes, ao notar o nervosismo. – Conheço seu olhar, Norah Reid, e sei o que fará quando descobrir. Mas acredite em mim, quando aviso que toda sua influência e poder serão nulas perante a pessoa que pretende desafiar.

Norah cruzou os braços, impaciente.

—Não pode me impedir de escolher meus adversários, Mr. Holmes. E se essa pessoa, cuja identidade o senhor bem sabe, realmente foi a responsável por matar Macintosh e provocar o suicídio de Eric...

Holmes a interrompeu. – Indiretamente, você quis dizer.

—Que seja. A única coisa que me restava de meu Edmund nesse mundo se foi, graças à sua prisão malfadada. Meu filho era inocente, Mr. Holmes! Inocente! Passou dias na cadeia, até que cometesse suicídio com... Com... Com um lençol amarrado em seu pescoço!

Holmes suspirou, ao ver Norah em prantos.

—Ele assumiu a culpa. Deve conhecer bem o bastante a respeito das Leis Britânicas para entender que não havia muito o que se fazer. E se deseja vingança, que seja. Irei mostrar a identidade do mandante, e creio achar uma boa oportunidade para isto.

Holmes pegou sobre a mesa um panfleto.

—Soube na cidade que você fará uma exposição com os quadros de Eric. – ele disse, analisando o papel.

—Sim. Será uma sala pequena e modesta, na Galeria Nacional, e por só duas semanas. Se fizer sucesso, que creio que fará, ela continuará por mais duas semanas. Ela será inaugurada depois de amanhã. Por que? Deseja ver o que sua incompetência interrompeu?

Holmes soltou um suspiro mal-humorado.

—Creio ser local apropriado para esta revelação.

—Porque não me diz logo o maldito nome dele? – questionou Norah Reid, impaciente. Holmes sorriu, e guardando o panfleto em seu terno, despediu-se sem mais nada a dizer.


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Notas finais do capítulo

Hum.... E parece que finalmente teremos a resolução do assassinato do Eric Reid.
E quem diria, o Holmes sabia quem ordenou a morte dele - porque investigou mais tarde, quando as coisas se acalmaram -, mas não quis contar para ela. Alguém faz idéia do porquê?


Espero que tenham gostado do cap. Sábado tem mais!

Até o próximo!



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