O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 20
Um Coração Ressuscitado


Notas iniciais do capítulo

Olá,

Atendendo a pedidos, eis mais um cap.
Excepcionalmente para este mês de Julho, irei postar os caps durante as quartas e sábados. Dependendo da receptividade, poderei estender para Agosto - que é mês de Olimpíadas e minha cidade vai praticamente parar durante certos dias, então... Enfim, nada está decidido sobre Agosto, mas já adianto que sim, este mês de Julho, teremos 2 caps por semana.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688048/chapter/20

            Emily estava enojada com o cheiro do Tâmisa. Agora, ela entendia porque tantos falavam mal do fétido rio de Londres, que recebia todos os dejetos, excrementos e restos lançados da população que o cercava. Era fácil entender também porque seu pai falava em demasia dos problemas de saúde que as pessoas que moravam ao seu redor costumavam ter.

            Ela tentou forçar as cordas que atavam suas mãos, em vão. Aquela era uma corda forte, e o nó foi bem dado. Grigori estava sentado em igual situação, ao lado dela. Seus dedos entrelaçavam com os dela quase o tempo todo. Por mais que perigo os rodeasse, a menina achasse a situação de ter sua mão entrelaçada com a de Grigori inexplicavelmente... Engraçada. Um leve rubor passou por seu rosto. Era uma sorte que ele estivesse de costas a ela, para não perceber.

            -Será que vamos morrer? – ela perguntou, repentinamente.

            -Não seja tola. – ele disse. – Somos jovens demais para morrer.

            -Grigori... Posso te fazer uma pergunta?

            -Sim.

            -Você me disse que tem um irmão e que não sabe nada sobre os seus pais. Estava realmente falando sério quando disse que não tem qualquer interesse de saber sobre eles? De saber que pode ter alguém em seu país, procurando você? Por quê?

            O menino parou de mover seus dedos, tenso.

            -Eu tenho medo do que posso descobrir.

            Emily assentiu.

            -Gostaria de ter tido o mesmo medo que você. Se tivesse, não estaríamos aqui.

            -Você pode dizer isso, mas eu não. Eu tenho certeza de que estaria aqui, de qualquer jeito.

            -Você conhece aquele homem loiro, não?

            O menino parou de movimentar os dedos de novo.

            -Promete que não irá contar nada ao Mr. Holmes?

            -Prometo. – assentiu Emily. Grigori suspirou.

            -Aquele homem está me seguindo desde a Rússia. Eu... Eu fugi de um determinado lugar e... Ele acha que estou com algo de lá.

            -O que ele poderia querer de você, Grigori?

            -Eu...

            Antes que o menino pudesse terminar sua confissão, um estalo o interrompeu. Algo metálico pareceu soar, interrompendo o silêncio do lugar. Logo, eles notaram que a porta finalmente se abrira.

            Era Boehl.

            -(Então, você é o escorregadio Grigori.) – disse o sujeito, estalando os dedos da mão, falando em russo. Emily, que era incapaz de entender uma só palavra, escutava a conversa dos dois com apreensão.

            -(Me solta. Eu não estou mais com o dinheiro.)

            O sujeito riu.

            -(Acha que pode me enganar, menino? De que outra forma teria conseguido boas roupas? Hein?)

            -(Eu as ganhei de presente.) – explicou o menino, em vão.

            -(Não tente me enganar, garoto!) – esbravejou Boehl. – (Eu já sei que você saiu daquela fábrica de Ecaterimburgo com uma fortuna, junto daquele americano. O problema é que o americano já está morto, e quando o encontrei, ele estava sem a grana. Logo... Esse dinheiro só pode estar com você. Onde ele está?)

            -(Depois que Mr. Taylor morreu, eu fugi com o dinheiro. Mas fui roubado.)

            Boehl não parecia convencido.

            -(Acha que vou acreditar nisso?)

            -(Estou contando a verdade!) – esbravejou o menino. – (Por que acha que eu estava vivendo nas ruas de Sussex, se tivesse com todo aquele dinheiro nos bolsos?)

            Por um momento, Boehl parecia analisar a situação. Ingenuamente, Grigori estava esperançoso que ele o soltasse com a revelação de que ele não tinha mais qualquer utilidade para ele.

            -Grigori, o que você disse a ele? – perguntou Emily.

—A verdade.

—O que ele vai fazer conosco? – desesperou-se Emily, ao ver Boehl correr para um balde e começar a espalhar o conteúdo líquido que havia dentro de um tambor pelo local. Boehl o fazia esbravejando meia dúzia de palavrões em alemão.

            -O que ele está falando, Grigori? – desesperou-se Emily, quase chorando.

            -Eu não sei, eu não entendo Alemão. Mas acho que são palavrões.

De repente, as duas crianças foram surpreendidas quando Boehl lançou um balde repleto de líquido sobre suas cabeças, fazendo Emily soltar um repentino grito histérico.

            -O que é isso, Grigori? Meus olhos estão ardendo! – desesperou-se Emily, enquanto o alemão saía daquele balcão, tranquilamente.

            -Isso é álcool, Emily. Não tente abrir seus olhos. – disse o menino, forçando seus olhos a ficarem fechados. – Droga. Ele pretende nos queimar vivos!

            -Não pode estar falando sério...

            -Estou. Por isso deixou o rastro de álcool no chão. Quando ele estiver longe o bastante, irá atear fogo!

            Emily começou a entrar em desespero e chorar compulsivamente, enquanto Grigori soltava palavrões em russo. Emily sentiu que seus dedos estavam mais nervosos, desta vez. Sem dúvida, era o desespero.

            No entanto, o desespero de Grigori acabou levando-o a urrar de dor, sem explicação.

            -O que foi? Está tudo bem?

            -Acho que quebrei um dos meus dedos enquanto tentava me livrar das cordas...

            Após alguns momentos, no entanto, Emily sentiu que alguém estava enxugando seu rosto.

            -Pa-Papai? – perguntou a menina, ao perceber que era capaz de abrir os olhos novamente.

            -Sou eu, glupa. – disse Grigori, completamente molhado.

            -Co-como conseguiu se soltar?

            -Eu desloquei meu dedo mindinho de novo. Eu o quebrei durante uma briga na rua, e ele saiu do lugar de novo. Então, foi mais fácil soltar uma das minhas mãos das amarras.

            -Você é um gênio!

            -Eu vou me lembrar disso, hein! Agora, vamos embora daqui...

            As duas crianças correram em disparada. Porém, quando prestes a sair dali, os pés de Emily tropeçaram em uma tábua solta, que fez inúmeros tambores caírem ao chão, provocando uma verdadeira parede no meio do caminho e a impedindo de ver Grigori, que ficou do outro lado, separado dela.

            -Grigori! – gritava Emily, em desespero, pensando que o menino havia sido soterrado.

            -Eu estou bem, Emily!– gritou, do outo lado dos tambores. – Eu vou tentar escalá-los para te encontrar do outro lado.

            Após um momento de silêncio, Emily escutou uma palavra estranha dita com rispidez, que ela presumiu ser um palavrão do idioma natal de Grigori.

—Eu não consigo escalar esses tambores, está escorrendo algo escorregadio deles. E eles são pesados demais para mover do lugar! – gritou o menino, arfando.

—E agora? Você vai morrer?

—Vá procurar ajuda! – berrou, claramente assustado com a hipótese.

            Ao olhar para o lado, Emily viu fumaça saindo da chaminé do galpão.

            -Grigori, o galpão está pegando fogo!

            -Eu sei. Já estou sentindo a fumaça. Emily, vá buscar logo o seu pai, ou o Mr. Holmes! Rápido!

            O desespero do menino fez Emily correr em disparada, chorando sem parar.


€€€€€€€€€€€€€€


            Quando o cabriolé da polícia cruzou a esquina, um sinal preocupante chamou a atenção de seus ocupantes: fumaça cortava os céus daquela noite.

            -Veja, um incêndio! – exclamou Watson. – Será que...

            -Acalme-se, doutor. Estes armazéns sofrem incêndios ás vezes. Pode ser algo corriqueiro...

            -Mas parece que o fogo é justamente na direção do Armazém 35...

            E não era mesmo impressão. O armazém onde o alemão esteve as crianças realmente estava em chamas, deixando Watson e Holmes em desespero.

            Quando nas redondezas, uma voz tirou Watson de seu desespero.

            -Pai! – gritou Emily, ao ver o médico na calçada, combinando sua chegada com a polícia. Ao ver sua filha em disparada, o médico abriu os braços para recebe-la, dando um aliviado abraço nela e também sucumbindo a algumas lágrimas.

            -Minha filha... Mal posso acreditar que você esteja viva...

            -Papai... – ela disse, abraçando-o mais forte.

            -Onde está Grigori? – questionou Holmes, preocupado ao ver que o menino não estava em companhia dela.

            -Pai, Grigori está lá dentro! Vocês precisam ajuda-lo! As roupas dele estão encharcadas de álcool, e o galpão está pegando fogo!

            -Meu Deus... – murmurou Watson. Mal ditas tais palavras, o médico ainda pôde ver Holmes a correr em disparada em direção ao galpão incendiado. Poucas vezes vira seu amigo prostrado em tamanho desespero.

            Problemático ou não, esse menino realmente estava ressuscitando o que havia de morto no coração de Sherlock Holmes. Ou ate mesmo criando o que jamais existira.


€€€€€€€€€€€€€€


            Contrariando apelos da maioria dos curiosos, Holmes simplesmente se embrenhou no galpão, já tomado pelas chamas. Retirando sua casaca e colocando-o por cima de si, o detetive tentava se proteger do fogo bem como do perigo de se inalar fumaça, tampando seu rosto como pôde. Estava claro que o incêndio começara da porta principal do galpão, ou seja, não foi um mero acidente. Foi uma execução.

            -Grigori! – gritava Holmes, enquanto enfrentava as chamas do galpão.

            -Mr. Holmes! Estou aqui! – disse o menino.

            -Não se mova, Grigori! Eu já sei que você está coberto de álcool. Se chegar perto demais das chamas, irá se incendiar. Esta me ouvindo?

            -Sim, Mr. Holmes. Estou perto da janela, ala B.

            Usando sua própria casaca para se cobrir das chamas, e tentando tampar seu rosto da fumaça, Holmes passou por metade do galpão até encontrar Grigori, de pé sobre uma mesa e próxima a uma janela. Ele percebera que o menino estava tentando escapar, mas que a janela era estreita demais para sua passagem.

            Holmes percebeu que Grigori estava realmente molhado, cheirando a álcool. O menino também tremia sem parar, decerto estava apavorado pelas chamas. Sabendo que ele não deveria entrar em contato com uma faísca sequer, Holmes tomou uma medida desesperada.

            -Grigori, tire a roupa.

            O menino pareceu subitamente envergonhado.

            -Mas... Há pessoas lá fora... E também Emily e...

            Holmes não estava, entretanto, com paciência para tais coisas. Na verdade, ele já estava um tanto irritado por sentir que se enganara a seu respeito, e que foi tal erro que trazer perigo ao próprio Grigori e também à filha de seu melhor amigo.

            -Você quer morrer? – questionou o detetive, friamente, pondo-se na mesma altura que o menino e sacudindo seus ombros. – Uma faísca que cair sobre si, e você se tornará uma tocha viva. Ficar nu na frente de Miss Emily Watson deveria ser a sua menor preocupação agora.

            O menino assentiu, tirando a roupa rapidamente. Ao ficar completamente despido, percebeu que Holmes o observava com profundo desapontamento.

            -O-O que foi, sir?

            -Uma vez, eu perguntei sua idade. Você me disse que tinha treze anos. Mas agora, que estou vendo você completamente despido pela primeira vez, estou ainda mais certo de que você deve ter dez anos, no máximo. Não vejo pomo-de-adão, não vejo espinhas e cravos, não vejo também um só pêlo em seu corpo e seus órgãos sexuais ainda são de uma criança. Então, permita-me repetir a pergunta: quantos anos você realmente tem?

            Grigori percebeu que Holmes estava furioso. Por isso, preferiu ceder.

            -Nove anos, sir.

            O detetive suspirou, em desgosto.

            -Acho que esta é a primeira vez que me diz a verdade, Grigori. Agora, suba em minhas costas. Irei proteger a nós dois com o meu sobretudo. Rápido!

            O menino obedeceu a Holmes, que após se certificar de que ambos estavam completamente cobertos pelo sobretudo, começou a sair do prédio em chamas. Holmes pôde ouvir o menino choramingando, à medida que enfrentava as chamas. Quando na metade do perigoso trajeto, o detetive sentiu também um líquido quente escorrer levemente por suas costas.

            Ele não está fazendo o que estou pensando... Está?

            Quando finalmente conseguiu sair do armazém em chamas, Holmes caiu sobre o chão, aliviado e também cansado, tossindo bastante. Grigori também tossia. Uma equipe de paramédicos dos bombeiros se aproximou de ambos.

            -Foi muito imprudente ter enfrentando o incêndio sozinho, sir. – reclamou um bombeiro. – Deveria ter esperado ajuda profissional.

            -O que queriam? Que eu esperasse o menino pegar fogo, também? – retrucou Holmes, irritado, ignorando as reclamações dos bombeiros. Coberto apenas pelo sobretudo de Holmes, Grigori foi atendido por médicos, que colocaram seu dedo quebrado no lugar. Após o atendimento, Grigori foi liberado para ir para casa, pois não apresentava nenhuma ferida séria.

            -Onde está Dr. Watson?

            -Pelo que ouvi, foi levar sua filha para casa. Parece que ela desmaiou.

            O menino pareceu aterrorizado.

            -Não fique assim. Meninas são mais sucintas a desmaiar. Já os meninos, mais sucintos a... Urinar nas calças.

            O menino virou o rosto, ruborizado.

            -Por favor, sir. Não conte que mijei nas calças a ninguém. – disse, quase em um sussurro. Holmes sentiu vontade de rir, mas se conteve.

            -Não contarei a ninguém. Bom, talvez à Miss Watson...

            -Por favor, sir! – suplicava o menino. – Não conte a ela! Ela irá rir de mim, me chamar de mijão ou de covarde!

            -Tudo bem, tudo bem! – disse Holmes, deixando escapar um leve sorriso. – Bom, acho que já tivemos o suficiente. É hora de irmos embora. Mas não pense que isso acabou. Ainda há muita coisa obscura sobre você que eu quero que me conte. Ou então, minha confiança em relação a você estará seriamente quebrada. Ouviu?

            -Sim, Mr. Holmes.

            -Ótimo. Agora, vamos para casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E no fim, tudo acaba bem. Estão vendo? Não esto sendo tão sanguinária assim. Poderia muito bem ter adicionado uma morte por fogo ao meu currículo - seria a primeira - mas eu preferi um final feliz, ao menos por hora. ;P

Bom, deixei mais uma peça do quebra-cabeça da vida do Grigori, vocês provavelmente notaram nesse diálogo entre ele e Boehl. Estou curiosa para saber se vocês já tem alguma idéia do que aconteceu com ele,

E se estão curiosos, não se preocupem: no próximo cap, teremos uma lavação de roupa suja e um sermãozinho entre o Holmes e Grigori. Claro, o Holmes não vai deixar essa passar e vai querer saber de tudo, TUDO sobre Grigori.

Até sábado! E deixem reviews!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Grande Inverno da Rússia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.