O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 16
Sua Presença é Requisitada


Notas iniciais do capítulo

Olá,


Como de costume, mais um cap. E desta vez, com novidades sobre Esther.
Espero que gostem e boa leitura!



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            Os dedos de Holmes tamborilavam a mesa.

            Suas pupilas também estavam dilatadas.

            Ademais isso, ninguém poderia dizer que o Grande Detetive Consultor da Europa estava com medo.

            Sentado em uma imponente poltrona, Mycroft mal ponderava as palavras. Sem poupar o irmão de qualquer detalhe, por mais doloroso que pudesse representar, o mais velho dos Holmes explicava a situação de Esther, no fundo temendo pela reação de seu irmão mais novo, Sherlock. Afinal, Mycroft tinha tomado conhecimento da reação de Holmes quando Esther pôs-se em perigo outra vez, e temia que seu desconhecido lado explosivo e completamente imprevisível fosse despertado outra vez. Apesar das palavras serem digeridas por Sherlock Holmes com aparente calma, Mycroft sabia que aquilo era só uma máscara.

            -Como você já sabe, Esther esteve trabalhando para o Governo durante os últimos anos. Um caso atrás do outro, agindo como espiã, obtendo informações em prol de nosso país. Tudo esteve indo bem, até ano passado. Durante uma espionagem, Esther abortou a missão, aparentemente sem motivo. A Agência estranhou sua atitude, como você deve imaginar, e averiguou. Ela justificou que durante a investigação, tinha encontrado uma pista importante a respeito do paradeiro do filho dela. O filho de vocês. – observou Mycroft, com certa rispidez na voz. Mycroft era um dos que engrossavam o coro de descontentes com a atitude fria de Holmes.

            Holmes apenas assentiu um tanto desconfortável.

            -Continue. – pediu.

            -Desde então, ela não deu mais notícias. Isso já faz oito meses.

            -Oito meses, Mycroft?! Por que diabos não me contou sobre isso antes?! – exaltou-se Holmes, deixando Mycroft sem palavras.

            -Desculpe, meu irmão. É que... Eu estive muito ocupado nos últimos tempos, tendo que lidar com certos focos de incêndio que aparecem aqui e ali na Política. Mas espero que as informações que obtive sobre Esther possam me conceder a devida retratação.

            -Que informações possui? – pediu Holmes, num tom aborrecido.

            -Este é um dossiê que a Agência montou, quando esteve averiguando as reais intenções de Esther. A Agência descobriu um encontro de Esther com uma mulher chamada... Norah Reid.

            Holmes bufou.

            -Parece que sabe quem ela é. – assinalou Mycroft.

            -Sim, eu sei. Mas não entendo o porquê do alarde da Agência. Ser amiga de uma militante comunista, marxista...

            -Eles se autodenominam bolcheviques agora, Sherlock.

            -Enfim, seja lá o que eles forem. Isso não é crime. Esther possui uma amizade de anos com Mrs. Reid.

            -O problema não é ir até a residência dos Reid para beber um chá de camomila em uma visita de cortesia, Sherlock. O problema é se encontrar com membros bolcheviques, sendo alguns deles marcados como subversivos em potencial pelo Império, com históricos de assaltos, ataques e outros delitos em seu país de origem.

            Holmes ficou estarrecido.

            -Não pode ser... Esther não pode ter sido tão descuidada...

            Mycroft deu de ombros. – Acho que ela não mais se importava com riscos. Na verdade, não mais se importava com a Agência, se me permite dizer.

            -Então, ela foi expulsa. – concluiu Holmes.

—Sim, por deserção. Foi graças a um apelo meu que o tópico traição não foi posto nos autos da expulsão dela, ou do contrário ela seria levada à forca. Queria poder dar mais detalhes, mas infelizmente, a Agência percebeu as más intenções de Esther e parou de investigar para puni-la com a expulsão. O problema é que não é só essa “possível” ligação de Esther com bolcheviques, Holmes. O chefe dela, Mr. Sparks, conseguiu recentemente a informação de que ela esteve pelo menos os últimos seis meses na Rússia.

            -Na Rússia?! – exclamou Holmes, horrorizado. – Mas justamente naquele maldito país?!

            Mycroft olhou com pesar.

            -Sim. Ela embarcou em um vapor com a “nata” dos bolcheviques para a Rússia. A pista que a Agência encontrou sobre ela morria em São Petersburgo. Ao que parece, Esther acredita que a criança está lá. Eu sei que parece insensatez, mas... Pense, meu caro irmão. Esther é mãe, e uma mãe desesperada. Ela seria capaz de fazer qualquer coisa. Mesmo retornar ao país onde mais sofreu.

            Holmes tampou seu rosto com suas mãos.

            -Santo Deus... Aquele país odeia judeus... E ela está lá...

            Mycroft levantou-se, pesadamente, e acariciou o ombro de Holmes.

—Gostaria de dar mais detalhes sobre o que ela esteve fazendo por lá. Mas enfim, só o que sabemos é que ela foi para São Petersburgo. Mas duvido que isso seja insuficiente para você.

—Não mesmo. Já enfrentei investigações de pontos bem mais obscuros que este. – disse Holmes, tomando a pasta. – Este assunto será minha prioridade, a partir de agora.

            -Então, imagino que irá para São Petersburgo?

            -Sim, meu irmão. Eu vou.

            Mycroft pareceu um tanto atemorizado, mas disfarçou.

            -Tenha cuidado, meu irmão. Estamos tendo uma pequena desavença com alguns membros do governo de lá e...

            -Isso não é nada perto do que podem estar fazendo a Esther, Mycroft! – exclamou Holmes, com energia.

            Mycroft assentiu.

            -Era essa a atitude que eu esperava de você, Sherlock. Por mais medo que a situação de ver você embrenhado naquele país tão problemático me provoque.

            Holmes se levantou, já com dossiê debaixo do braço, e deu um leve afago no ombro de Mycroft.

            -Não se preocupe, Mycroft. Eu sei me cuidar, mesmo naquele país.

            -Se precisar de ajuda, pode contar comigo.

            -Muito obrigado, meu irmão. Mas tenho certeza de que não vou precisar.

            Sherlock Holmes já caminhava para a porta quando Mycroft chamou-lhe de repente.

            -Sherlock? – ele disse, e seu irmão virou para si em resposta. O mais velho dos Holmes continuou.

            -Não será fácil fazer isso sozinho, meu irmão. Se você precisar dos serviços de alguns de meus agentes... Afinal, eles são profissionais e sabem lidar com...

            -Os mesmos agentes que abandonaram Esther sem sequer tentar entender suas reais motivações? Que pouco se importaram com o repentino desaparecimento dela?

            -Sherlock...

            -Certamente, Mycroft, eu não quero a ajuda de ninguém da Agência. Por muitas vezes, não poucas, vi minha esposa a reclamar da arrogância e prepotência de seus colegas de trabalho. Tenho certeza de que qualquer um que a Agência disponibilizasse a ajudar certamente faria de má vontade. Não, Mycroft. Eu preciso de pessoas comprometidas a me ajudar, não de pessoas que pouco se importaram com ela todo este tempo. E eu sei que... Que Esther concordaria comigo, se assim o soubesse.

            Mycroft suspirou. – Talvez. Mas vou pedir a um de meus homens de confiança entrar em contato com você. Alguém por lá pode ser útil a você, em algum momento.

            -Que seja.

            Quando Holmes já se encaminhava à porta, Mycroft o interrompeu com um gesto.

            -A propósito, Holmes. Meus homens não encontraram Boehl em seu estábulo.

            Após tomar conhecimento de que o mercenário ainda estava vivo e à solta, Holmes despediu-se de seu irmão com um bater pesado na porta.


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Grigori devorava alegremente um sanduíche generoso de carne e curry. Já tinha comido dois, e preparara um tão generosamente recheado que mal cabia em sua boca. Howard, o mordomo do Clube Diógenes, olhava para aquele menino faminto com certo pasmo. Não era todo dia que ele via alguém tão esfomeado em um lugar tão requintado quanto o Clube Diógenes.

No instante seguinte, quando o menino ainda travava uma luta para terminar seu terceiro sanduíche, a porta se abriu, revelando Mr. Holmes com cara de poucos amigos.

—Vamos. – ele ordenou.

Grigori, que não era bobo e cheirava encrenca de longe, obedeceu prontamente, deixando seu sanduíche inacabado no prato, sem antes deixar de beber apressadamente um gole do chá.

Os dois andaram por alguns quarteirões, em silêncio. Fazia um sol tímido entre nuvens e Grigori percebia uma infinidade de pessoas nas ruas. Holmes caminhava entre os pedestres, aparentemente sem rumo, vagando como um dos fantasmas das histórias que temia desde bem menino, sem dizer uma palavra. Grigori sabia que estavam muito longe da casa de Watson, de modo que tomar um cabriolé era absolutamente necessário.

—Sir? – perguntou o menino, timidamente, sem ouvir resposta.

—Sir! – ele deu mais alguns passos adiante a Holmes e ficou diante dele, para então perceber que seu semblante era pálido. Parecia que Mr. Holmes estava em um verdadeiro estado de choque, de tão desorientado.

Holmes disse uma ou outra palavra inteligível, até passar a mão pelo rosto, como se estivesse se recuperando. Ele olhou mais uma vez para o menino, de cabelos negros rigorosamente penteados e olhos azuis, que estava parado diante de si, esperando seu passo.

—Er, vamos tomar um cabriolé. – finalmente ele disse, ficando mais um tempo na calçada, até aparecer um disponível.

O clima da viagem até a casa de Watson estava carregado, sentia Grigori, de modo que o menino não falou nada, nem mesmo do delicioso sanduíche que provara no Clube Diógenes.

Apenas quando foram recebidos pela empregada, é que Holmes disse alguma coisa.

—Vá para o quarto, Grigori. – ele ordenou, com um tom na voz que não lhe dava direito para questionar.

O menino obedeceu com um aceno e subiu as escadas correndo, esbarrando em Emily.

—Olá, menina emburrada! – ele disse, provocador.

Emily demorou a reconhecer Grigori. Olhou-o de cima para baixo.

—Olha, mas se não é o pivete? -  ela disse, devolvendo a provocação, descendo as escadas e deixando Grigori revoltado, e sem poder revidar, porque Mr. Holmes lhe mandara ficar no andar de cima.

—O que foi? Sua inteligência também estava no cabelo, assim como seus piolhos? – disse a menina, rindo do térreo.

Ora, mas que menina ridícula!

Grigori não poderia deixar esta passar. Ele desceu as escadas furiosamente e, mesmo ignorando o pedido de Holmes, ele seguiu a menina ruiva e atrevida, que continuava a caminhar, ignorando seus passos e rindo de si, provocando-lhe mais. Ele caminhou, com a menina a rir de si, até uma imensa porta, que fora aberta pela menina, revelando uma cena que nenhuma das crianças poderia imaginar.

Mr. Holmes estava chorando.

Era nítida a silhueta de Mr. Holmes, sentado em uma das poltronas da biblioteca, com os dois cotovelos apoiados nos joelhos e cabeça baixa, rosto escondido por entre suas mãos. Em pé, estava Watson, também com o semblante abatido.

Infelizmente, o primeiro a perceber a porta aberta e seus invasores foi Holmes.

—O que está fazendo aqui, Grigori? – ele perguntou, furioso e com a voz alterada. – Como se atreve a adentrar a um cômodo sem ser convidado, seu moleque bisbilhoteiro?

Grigori estava paralisado.

—Suma daqui! Suma daqui! – gritou Holmes, forçando as duas crianças a fechar a porta imediatamente, de maneira brusca e sair.

—Grigori, desculpe... Foi tudo culpa minha, eu... Ei, para onde você está indo? – perguntou Emily, ao perceber o menino atravessar os corredores com o rosto não muito amigável.

O menino não lhe respondeu, e se encaminhou até a porta principal, saindo da casa dos Watson sem olhar para trás. Emily não sabia o que fazer. Deveria interromper a reunião, para contar que, à beira do anoitecer, Grigori estava na rua, em uma cidade estranha e perigosa como Londres?

Ela acabou esbarrando em sua madrasta, Molly.

—Molly, o Grigori foi embora.

—Oh, não me diga? – disse a mulher, dando de ombros.

—Mr. Holmes precisa saber! Por favor, vá até lá, conte pra ele...

A mulher bufou. – Tudo bem, eu vou. E agora, vá subir para fazer sua lição de Francês. Sua pronúncia está deplorável.

Ainda que resignada, a menina consentiu, subindo as escadas.

Molly Watson voltou aos seus afazeres. Havia coisas mais importantes a se fazer do que se preocupar com um moleque de rua impertinente. Não valia a deselegância de interromper a conversa que seu marido e Mr. Holmes estavam tendo naquela sala, a portas fechadas.


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—Eu ainda não posso acreditar nisso... – balbuciava Watson.

—Ele foi enfático, Watson. Não há o que se fazer. – disse Holmes.

—Meu Deus, que loucura! Como uma mulher como Esther tem coragem de ir até aquele maldito país, depois de tudo que passou!

—Realmente, Watson. Mas o que posso fazer? Ela é uma mãe, depois de tudo. Ela seria capaz de ir até o fim do mundo, se assim o fosse, atrás de seu... Nosso filho. – disse Holmes, corrigindo-se. Watson olhou-lhe com reprovação. Ao perceber o desgosto do amigo, Holmes se justificou.

—Não me olhe assim, Watson. Basta todos os últimos anos de meu casamento, que recebi este mesmo olhar dela. Embora tenha cedido parcialmente às “sentimentalidades” em minha associação com Esther, eu ainda tenho um cérebro racional. Eu jamais vi essa criança, jamais a vi grávida... Eu não consigo me sentir pai de algo que eu não vi!

Watson levou suas duas mãos ao rosto, em clara descrença.

—Ela chegou a ver o bebê. Um menino. Disse que ele tinha os cabelos loiros, mas a cor dos olhos... Sabe o quanto ela se atormentava por não se lembrar da cor dos olhos dele? Ela não tinha certeza se eram verdes ou azuis.

—Posso imaginar... – disse Watson. – Mas enfim, ela é mãe, Holmes. Nós, homens, somos incapazes de compreender o amor maternal. Agora, meu caro, beba esse scotch, você está nervoso. Ate mesmo gritou com o pobre do menino...

Holmes aceitou a bebida, dando um gole.

—Tem razão, acho que me excedi com ele. Pedirei desculpas mais tarde, depois do jantar. Aliás, se é que ele terá apetite, depois de devorar tantos sanduíches assim no Clube Diógenes.

Watson olhava a Holmes com graça. –Você o levou até lá? Oh, mas como eu gostaria de ter visto seu irmão Mycroft lidando com uma criança...

Holmes riu. – Bem, não foi um encontro tão desastroso assim como pensa.

Quando Holmes e Watson já saíam do gabinete, encontraram Emily descendo as escadas, também para jantar. Molly Watson também estava no corredor, convidando-os à mesa.

—Conseguiu acha-lo, Mr. Holmes? – perguntou Emily, ao perceber que sua madrasta não dissera nada.

—Achar? Mas achar o quê?

Emily lançara um olhar mordaz à sua madrasta, e continuou.

—Grigori fugiu.


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Notas finais do capítulo

Esse menino é impossível!!! Que perigos será que o aguardam??

E Molly, hein... Mas que mulher terrível!!! Coitado do Watson, não merecia uma esposa dessas.


Um grande abraço e obrigada por acompanharem!! E deixem reviews, hein!!!



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