O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 17
O Impertinente


Notas iniciais do capítulo

Olá,

Nem preciso dizer que essa fuga do Grigori irá gerar uma confusãozinha, preciso? O menino atrai encrenca como ninguém, rs.
Ah, e deixei mais uma pista do passado do Grigori. Acho que isso irá chocar alguns...

Chega de papo e boa leitura!



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Oh, mas que menino impertinente!

Holmes estava caminhando pelas nebulosas e frias ruas de Londres, de um lado a outro, na já deserta cidade. Um menino como ele, que não conhecia o local, poderia estar em apuros a esta hora, e verdade seja dita, em qualquer lugar. Ainda bem que Watson se disponibilizou a também procura-lo. Sua esperança era de que ele tivesse ido ao Clube Diógenes, talvez á procura de Mycroft e mais um de seus maravilhosos sanduíches. Ao menos este já seria um caminho a procurar. Porém, o mesmo se mostrou infrutífero. Grigori não apareceu por lá.

Holmes já estava em uma das ruas mais desertas da cidade, onde a corja londrina já começava a aparecer. Ciganos, pedindo para ler sua sorte na mão, mulheres oferecendo seus corpos em troca de moedas, malandros de todo tipo...

—Você viu um menino por aqui? – ele perguntava aos mais lúcidos.

Uma das ciganas parecia ter visto, sim, um menino de cabelos pretos, que andava quase correndo pelas ruas. Deveria ser ele, desorientado pela raiva, inconsciente de seus passos.

Infelizmente, o rumo que ele estava tomando não era dos melhores.

Ele estava próximo demais do Beco dos Irregulares de Baker Street, que Wiggins costumava chamar de Quartel General, que consistia em um galpão abandonado que os moleques usavam como abrigo.

E os Irregulares – se é que ainda dava para chama-los assim – não costumavam ser gentis com crianças estranhas...

—Merda!

Ao entrar no galpão, lá estava ele.

Havia cerca de três crianças caídas no chão, para pasmo de Holmes, inconscientes e nocauteadas. Será que Grigori fez isto com elas, sozinho?

De joelhos no chão, estava Grigori, aparentemente rendido, rodeado ainda por mais dois garotos, armados com pedaços de madeira na mão, nada amigáveis. Holmes era capaz de ver o sangue escorrer do nariz de um deles, e também uma espécie de nervosismo, apesar dos dois garotos estarem claramente em vantagem. Isso causou confusão ao detetive.

Para surpresa de Holmes, Grigori não parecia nervoso.

Calmo. Olhos paralisados.

Mas que maldita calma é essa garoto? Você vai ser morto assim!

—Garoto ridículo! Vai lá, Lucius, acaba com ele! – esbravejou um deles para o outro garoto, que ameaçou erguer o pedaço de madeira para acertá-lo com um golpe forte e com grandes chances de ser fatal.

Não, isso era demais.

—Ei! – gritou Holmes.  – Parem com isso!

Grigori parecia surpreso ao notar a presença de Holmes ali. O mais velho deles parecia tão surpreso quanto.

—M-Mr. Holmes? O que está fazendo aqui? – reconheceu o jovem Irregular.

—Por favor, garotos... Não matem esse menino, ele... Ele está sob meus cuidados. Ele é uma boa pessoa.

O mais velho, para pasmo de Holmes, parecia ainda mais furioso ao ouvir a justificativa do detetive.

—Sob seus cuidados?! Da mesma maneira como os Irregulares estão nos últimos anos?

—Escute...

—Está vendo, Robbie? O grande Sherlock Holmes sequer sabe o meu nome agora! E eu já encontrei duas pistas importantes de dois casos para ele, em troca de um maldito xelim! – o garoto gritava com ódio no olhar, e isso contagiava o menino mais jovem, que também observava Holmes com raiva. – Mas ele virou as costas para a gente! Ele nos abandonou! Assim como fez com Wiggins! E como se não bastasse abandoná-lo, ele ainda o matou!

—Não... Não foi nada disso, eu...

—O senhor apenas usou a gente! Todo este tempo e só o que recebemos foi...

O menino revoltado foi interrompido quando Grigori, de maneira ágil, tacou um objeto contra seu rosto e, quase ao mesmo tempo, esquivou-se de receber uma pancada da tábua de madeira, que se estilhaçou ao bater no chão. O menino se levantou e derrubou o garoto com dois socos, fortes e típicos de um brigão de rua, e o segundo recebeu um chute avassalador no estômago.

Deixando seus dois adversários restantes incapacitados em menos de trinta segundos, Grigori saiu correndo dali, sendo acompanhado por um ainda estático Holmes. Segurando a mão do menino com força, Holmes sentiu um líquido quente por entre seus dedos, escapando das mãos do menino. Sem dúvida, era sangue.

Depois de correrem por aquelas ruas sujas e escuras, finalmente os dois estavam perto de casa. Holmes pediu que o menino Grigori parasse perto de um poste, apesar da insistência do menino em querer ir logo até a casa dos Watson. Finalmente, ele pôde ver sua mão escarlate, pelo sangue que escorria das mãos dele.

—Me dê sua mão... Olha só, você está sangrando!

—Acho que me machuquei com algumas farpas da madeira, quando um deles tentou me acertar.

—Sim, deveras, e foi uma bela luta, devo admitir. – disse Holmes. – Como aprendeu a lutar daquele jeito?

—Eu já disse, sir. Brigas de rua faziam parte da minha rotina.

O detetive precisou assentir. Era bem possível. Não havia qualquer tipo de técnica nos movimentos de Grigori, era simplesmente experiência. E sorte, afinal o menino tinha pouquíssimas cicatrizes – ao menos, visíveis.

—Vamos para casa.

Holmes tentou conduzi-lo, mas o menino firmou os pés.

—Casa?! Pensei que o senhor tivesse me mandado ir embora.

Holmes parecia impaciente. – Óbvio que não! – esbravejou, e por fim, o detetive se rendeu e suspirou. – Devo-te um pedido de desculpas, eu reconheço. Minhas sinceras desculpas pela total grosseria. Eu não deveria ter te expulsado daquela maneira. Eu sinto muito. Agora, vamos. Está começando a esfriar.

Finalmente, o menino o seguiu.

—Bem, mas então, como foi que você, sozinho, acabou com todos aqueles meninos? – perguntou um curioso Holmes.

O menino parecia incomodado.

—O senhor estava chorando naquela sala, não estava?

Holmes ficou irritado. – Não é da sua conta.

—Isso também não é da sua. – respondeu o menino, pondo um fim naquela conversa que tanto lhe incomodava.


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A mão de Grigori já estava devidamente enfaixada. O menino, querendo mostrar-se valente, tinha disfarçado as picadas de dor cada vez que Watson arrancava-lhe uma farpa da mão – mas havia uma lágrima no canto de seu olho. Holmes observava a cena com diversão.

—E não apronte mais uma dessas, ouviu? – disse Holmes, terminando de estender um lençol sobre o garoto e apagando a luz do quarto.

No andar de baixo, em seu gabinete, estava Watson. Sentado à beira da lareira, sentindo a ferida antiga da perna reclamar de sua última aventura na noite fria de Londres, ele tinha se servido de um uísque, e parecia saber que Holmes iria procura-lo.

—Ele está melhor? – perguntou Watson, com dor na voz.

—Sim, já está na cama. Ao menos espero que isso tenha lhe servido como lição de que as ruas de Londres guardam seus perigos. – respondeu Holmes, enquanto servia-se de um uísque.

—Pude sentir-me de volta aos bons e velhos tempos. – disse Watson, com nostalgia, enquanto olhava para as chamas da lareira.

—De fato, eu senti o mesmo.

Os dois amigos ficaram sentados lado a lado, compartilhando o calor da lareira e o silêncio acolhedor e amigável que apenas uma amizade tão antiga e estimada seria capaz de fornecer. Nos pensamentos de ambos, havia nostalgia.

—Eu tomei uma decisão, Watson. – disse Holmes. – Eu vou atrás de Esther.


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Grigori acordou no dia seguinte, notando que tinha dormido um pouco mais do que o costume. Ou fora o ocupante da cama ao lado que acordara mais cedo que o usual? De qualquer modo, ele se levantou e foi ao banheiro, onde poderia usufruir de um bom banho de banheira.

A água morna da banheira, juntamente com os agradáveis e perfumados sais de banho, provocaram no menino uma sensação de bem-estar e relaxamento tão profundo que logo o menino se viu de olhos fechados. Curioso, mal tinha despertado, e outra vez o sono vinha lhe visitar, e sem que percebesse.

Mas o sonho que tivera ali estava longe de ser tão agradável quanto àquela banheira.

Calor, era tudo que o menino sentia. Ainda assim, não havia tempo sequer para enxugar as gotas que suor que se formavam em sua testa. Ofegante de tanto cansaço, o menino permanecia usando a pá, retirando o carvão jogado no chão e o lançando à máquina, que precisava do vapor para trabalhar. Ele detestava trabalhar alimentando o forno. Preferia as máquinas. Catar os parafusos caídos no chão, perdidos. Reencaixá-los, entender seu funcionamento. Desde que ficara amigo de Taylor, “o americano”, como era chamado, Grigori se interessou mais pelo funcionamento das máquinas. Via o brilho nos olhos do engenheiro da fábrica, que parecia prestes a criar algo valioso. Tudo que ele queria era participar desta criação, como andava fazendo nos últimos tempos.

No entanto, Mr. Adrenovitch não estava nada satisfeito com essa nova “amizade” formada entre o moleque operário e o engenheiro. Grigori sentia isso, e os demais meninos que trabalhavam consigo já o haviam alertado. Por isso, a recente implicância, dando-lhe tapas e empurrões frequentes sempre que estava à vista, ou mesmo cuspindo em seu prato de Kasha*, sua única refeição do dia.

Mas nada poderia se comparar ao que estava prestes a acontecer.

—Grigori! – gritou Adrenovitch, em meio ao barulho da fábrica. – Venha aqui, agora mesmo.

Largando a pá em um canto, o menino deu um suspiro. Embora estivesse aliviado por largar aquela tarefa pesada, o menino estava aterrorizado. Jamais fora chamado para a sala de Adrenovitch, a “temida” sala de Adrenovitch. Outros meninos tiveram a mesma desgraça, e saíam de lá andando desconjuntados, ficando dias ou mesmo semanas se sentando com dificuldade e sem dar uma palavra. Ninguém fazia qualquer comentário a respeito do que acontecia ali, mas Grigori só imaginava que fosse algo terrível demais para ser dito em voz alta.

Timidamente, o menino abriu a porta, que estava entreaberta. Encontrou o gordo industrial sentado à mesa, com o olhar indiferente.

—Aproxime-se. – ele ordenou, sendo obedecido. Adrenovitch se levantou, dando passos vagarosos, até se colocar atrás de Grigori.

—Coloque suas mãos na quina na mesa. – disse o industrial. Ao fazer tal coisa, Grigori sentiu que seu corpo se inclinara bastante. Antes que pudesse raciocinar sobre o que Adrenovitch pretendia, o menino sentiu suas calças sendo arriadas completamente.

—Se gritar, será pior. – foi a ameaça que Grigori pôde ouvir de Adrenovitch, além do som do desabotoar do cinto do sujeito. Engolindo em seco, o menino estremeceu. O menino não fazia idéia do que Adrenovitch estava prestes a fazer, mas certamente seria algo terrível. Sem dúvida, era o que todos os demais meninos passavam. Uma lágrima ameaçou cair de seu olho, mas logo seus olhos focaram em uma pequena faca prateada, destinada a cortar envelopes, disposta sobre a mesa, a alguns centímetros de si.

 

 


—Grigori, está tudo bem?

Outra vez, mais pesadelos, pensou Holmes. Mas desta vez, este era mais intenso. Apesar de aquela ter sido só uma soneca despreocupada em uma banheira, o menino chorava e soluçava, mas não dizia qualquer palavra. Seus olhos, embora fechados, tremiam, e seus lábios estavam torcidos, não de dor, mas de horror, imaginava o detetive.

—Grigori! – disse, sacolejando-o.

O menino acordou, suspirando forte.

—Mais uma pesadelo, não é?

Ele nada disse. Holmes suspirou. Lembrava de odiar ter de compartilhar seus pesadelos sobre a morte de sua mãe com Mycroft. Ainda bem que seu irmão foi compreensivo, e não tardou a assentir e não mais procurar entender seus tremores. Além disso, Holmes não se sentia no direito de exigir qualquer coisa de Grigori.

—Por que fugiu ontem? – perguntou o detetive, mudando o assunto.

—O que o fez chorar ontem?

Holmes estava furioso por dentro, mas manteve o controle.

—Sei muito bem seu artifício, rapaz. Esquivar-se me fazendo esquivar primeiro.  Saiba que não vou me deixar levar por ele.

—Deve ter acontecido algo a alguém muito importante para você...

Holmes cruzou os braços. Mas que menino impertinente...

—Foi a minha grosseira? – insistiu o detetive.

O menino franziu a sobrancelha, em dúvida.

—Vamos lá, isso não é algo tão... – voltou a insistir Holmes.

—Sim, senhor. Eu só... Pensei que me quisesse longe do senhor. Que finalmente percebera que sou só um moleque de rua nojento, sem modos, burro... Essa casa me assustou. Notei que eu não pertencia a esse mundo, ao seu mundo. E... E o pior é que eu estava gostando de tudo. Mas eu fui ingênuo. Deveria ter me preparado para o dia em que o senhor me enxotaria.

—Eu não te enxotei. Quero dizer... – corrigiu-se Holmes, ao receber um olhar duvidoso do menino. – Eu perdi a compostura. Eu te pedi para sair daquela sala, não para ir embora desta forma.

—Está bem. – aceitou o menino. - Eu respondi uma pergunta, sir. Agora, o senhor poderia responder a minha, não?

Holmes não encontrou alternativa, senão concordar.

—Pois faça. – antes que eu me arrependa, ele pensou.

—Por que estava chorando ontem?

Maldito seja!

—Minha esposa. – a resposta, ainda que dita em voz baixa, quase em um sussurro, fez os olhos de Grigori se arregalarem.

—Oh... Eu nem imaginei que fosse casado, sir. Meus pêsames.

Holmes bufou, descontente em receber pêsames indevidos. – Ela não está morta, rapazinho. Apenas não tenho notícias há anos.

—Ela te abandonou?

Pronto, o assunto estava agora adentrando em caminhos nebulosos demais para os ouvidos de uma criança. Ou para a boca de um adulto.

—Vamos mudar de assunto, Grigori. Visto que você não me contou até agora nada sobre sua vida, não vejo porquê dar-lhe explicações sobre a minha. Agora, termine de se banhar.


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Notas finais do capítulo

E, para horror de Holmes, Grigori não desiste!!! Que curiosidade, KKKKKKK
Ganhou o Holmes pelo cansaço, hehe

Hum... Parece que, aos poucos, estamos tendo vislumbres do passado do Grigori. Acho que isso ajudará alguns leitores a entender o confuso pesadelo dele, não?

E quanto à leve insinuação de pedofilia... Bom, ainda é cedo para dizer se ela aconteceu ou não. Teremos mais reflexos disso ao longo da fic.

Eu espero também que o assunto não seja tão pesado pra vocês, especialmente porque está relacionado a um personagem que, sinto, está caindo no gosto da maioria que acompanha essa história. Eu acho a pedofilia algo simplesmente abominável e inaceitável, então escrever sobre isso é de certa forma desconfortável para mim, mas ainda assim, é algo que acontece há muito tempo.

Enfim, não vamos sofrer por antecipação. Em breve, trarei mais detalhes sobre o passado de Grigori - em doses leves, como sempre faço, é claro.

Obrigada por acompanharem e até o próximo!



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