O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 14
Os Watson


Notas iniciais do capítulo

Grigori + Holmes + Lar tipicamente britânico = Confusão

Antecipado graças ao feriadão - coisa que não verei tão cedo, então vamos aproveitar.


Boa leitura!



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Londres, Inglaterra. 6 de Maio de 1910.

Residência da família Watson.


            Era praticamente noite. Um tanto incomum para uma visita, mas Sherlock Holmes sabia que as boas regras de etiqueta eram dispensáveis em sua velha e longa amizade com o Dr. John Watson. No bem localizado bairro de Kensington, Sherlock Holmes bateu à porta, sendo prontamente atendido por uma senhora de idade, a senhoria de Watson, que cumprimentou Holmes com fina educação, mas torceu o rosto para a presença de Grigori, visivelmente malvestido demais para os padrões de visitante daquela casa. Ao impedir quase sutilmente a entrada de Grigori, Holmes interveio.

            -Ele é meu acompanhante, Mrs. Lethan.

            Abismada e um tanto chocada, a senhoria conteve-se ao notar que o conhecido convidado de Watson, Sherlock Holmes, pediu para que o moleque subisse. Conhecendo a reputação excêntrica do amigo de seu patrão, a pobre senhoria não fez mais objeção, pedindo ao cocheiro que deixasse suas malas no corredor.

            -Dr. Watson está na sala de estar, sir. Se quiser, eu posso pedir que seu empregado...

            -O menino não é meu empregado, Mrs. Lethan. – insistiu Holmes. – Venha, Grigori. – disse, ao ver o menino completamente deslocado.

            Aquela era uma típica cena de família. Watson estava sentado sobre uma das poltronas, com sua filha pequena no colo, brincando. Havia uma delas sentada ao piano, ao lado de uma mulher que Grigori presumiu ser a mãe e esposa do Doutor. A mais velha das meninas estava sentada sobre o sofá, compenetrada na leitura de um livro. Ao perceber a entrada de todos no recinto, Grigori não pôde deixar de notar a menina mais velha largar o livro e voltar ao seu bordado, que estava sobre seu colo. Todos na casa tiveram duas reações simultâneas: felicidade, ao ver Holmes, e certo asco e surpresa ao notar a inexplicável presença de Grigori naquela sala.

            -Olá Watson! – disse Holmes, cumprimentado seu amigo e cortando aquele clima estranho que ficara na sala. – Vejo que interrompo um momento familiar... – disse Holmes, cumprimentado com a cabeça todos os demais, enquanto Grigori, assistia, bastante tímido, todos os olhos do lugar voltados para a sua presença estranha, ou mesmo indesejável.

            -Oh, e este é Grigori. Conversaremos sobre ele mais tarde. – disse ele a Watson, em um cochicho. – Grigori, por que você não se senta? – pediu Holmes, sendo atendido prontamente pelo rapaz.

            Naquele instante, Watson deu um olhar de desagrado e atenção à sua esposa, Molly, que se levantou do piano prontamente.

            -Meninas, eu acho que é hora de subirmos. Lucy, teremos as lições de piano amanhã, você já teve o bastante por hoje. – disse Molly, enquanto recolhia a menina do piano.        As meninas protestaram.

            -Mas mamãe, nós ainda não terminamos o arpejo e...

            -Amanhã, Lucy, eu prometo. – interrompeu Molly, apressadamente. – E você, Eleanor, poderá tocar o violino se quiser lá no quarto.

            -Eu posso tocar então para o Mr. Holmes?

            -Agora não. Ele está conversando com o papai agora. Emily?

            A menina, de cabelos ruivos bastante cacheados e tendo o rosto enfezado, bufou. Parecia ignorar Molly, virando o rosto e fingindo não vê-la.

            -Emily! – chamou Molly pela segunda vez, com a voz mais firme. A menina a olhou com firmeza, expressando em seus olhos a ousadia da desobediência, mas por fim obedeceu. Olhou para Grigori com certa raiva, e o rapaz decidiu desviar os olhos, pois a reação da menina tinha sido engraçada e ele se segurava para não rir. Então, seus sapatos tinham se tornado subitamente mais interessantes.

            Grigori ficou sozinho, com Molly na mesma sala a observa-lo com visível e indiscreta relutância. O menino sabia que sua presença estava incomodando aquelas pessoas e sentiu vontade de ir embora dali, no mesmo instante e sem se despedir de Holmes. Ao levantar-se, entretanto, foi impedido pela voz de autoridade daquela mulher.

            -Seja lá quem você for, é um acompanhante de Mr. Holmes, e isto te torna obrigatoriamente  minha visita. – disse a mulher, com rispidez. – Aguarde pelo menos o chá com biscoitos. Não é todo dia que recebe tal oferta, eu presumo.

            O menino, envergonhado, de chapéu na mão, tornou a sentar, torcendo que Holmes voltasse logo para que ele pudesse ir embora de uma vez daquela casa.


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            -Holmes... O que significa isso? E quem é aquele garoto?

            Watson fez esta pergunta a Holmes já dentro de seu gabinete privado, cercado por prateleiras repletas de livros, onde livros acadêmicos de Medicina disputavam espaço com Literatura de todo tipo. Holmes caminhava mansamente de um lado a outro, como se procurasse respostas plausíveis para o inquestionável.

            -Oh, apenas um menino que apareceu em minha propriedade por estes dias, e que coincidentemente nos esbarramos na estação de Sussex, à caminho daqui.

            -“Por estes dias?” Então conhece um moleque de rua “por estes dias” e resolve trazê-lo até a minha casa? Uma casa repleta de mulheres?

            -Eu pensei que Mrs. Watson e suas filhas ainda estivessem em Paris.

            -Anteciparam a ida para casa. Parece que há um surto de cólera por lá e Molly ficou preocupada com as meninas. Mas ainda não respondeu à minha pergunta, Holmes.

            Holmes suspirou.

            -Watson, esse menino... Ele esteve envolvido recentemente em algumas complicações.

Watson franziu a sobrancelha. – Ora, Holmes. Mas que complicações poderia ter um menino de dez anos?

—Treze, na verdade.

—Hum... Parece ter bem menos do que isso. Bem, ele então é franzino para idade. De qualquer modo, eu não entendo o porquê de sua preocupação com um menino que... Ao que parece, é de origem... humilde.

Holmes sentiu um tom especulativo na voz de Watson. Apesar dos anos de convivência, Watson não tinha sua capacidade dedutiva tão aflorada como deveria se esperar. Sem dúvida, faltava-lhe o talento.

—Origem humilde é bondade sua, meu caro Watson. Grigori é extremamente pobre.

O doutor pareceu subitamente incomodado, mas conteve-se antes que seu desconforto trouxesse desgosto à Holmes. Tudo que ele não queria era chatear seu amigo de longa data e, a julgar pelo conhecido temperamento de Holmes, um incidente certamente o faria ir embora dali, se ele sentisse que sua estadia ali não fosse desejada.

—Bom, ainda assim eu me pergunto que tipo de problemas um menino tão jovem poderia possuir a ponto de trazer a atenção de ninguém menos que o maior detetive da Europa... Quiçá do mundo.

Apesar de Holmes detestar lisonjeios fora de hora ou exagerados, ele preferiu focar-se à conversa, ao invés de reclamar sobre os conhecidos exageros romanceados de Watson. Embora a revelação que estava prestes a fazer fosse surpreendente, mesmo chocante, o detetive sentia-se no desejo de deixar seu amigo à par dos últimos acontecimentos envolvendo Grigori – embora Holmes não estivesse completamente certo do quão conectado estava o menino.

—Ele esteve na mira de ninguém menos do que Quebra-Ossos. Lembra-se?

Watson levou a mão à testa. – Por Deus...

—Não se preocupe, esta ameaça já foi resolvida. Quebra-Ossos foi preso outra vez. E como se não bastasse esse marginal em seu encalço, ele chegou a ser pego depois, por engano, por um mercenário alemão que estava atrás de mim. Foi levado até um local deserto, nas proximidades da minha casa, e espancado. Se reparar nele com mais afinco, verá que ele ainda tem alguns hematomas visíveis. Mas ele conseguiu  escapar de suas garras, indo se abrigar em minha residência. Eu o ajudei a se esconder, mas de manhã, ele foi embora. Tentou fugir outra vez, na estação, mas foi seguido novamente. Eu o ajudei, outra vez, a escapar.

Watson trazia no semblante a confusão de quem tentava absorver os estranhos acontecimentos, aparentemente aleatórios. Mas ainda assim, a vida ao lado de Sherlock Holmes mais de uma vez lhe mostrara que o mundo nem sempre caminhava por acasos.

—Estou achando tudo isso tão estranho... Primeiro, um maníaco, e depois um mercenário alemão... Tem certeza de que tudo isso foi realmente uma mera coincidência, meu caro?

Holmes franziu a sobrancelha em descrença. – Coincidência? Acha que estou tão enferrujado assim, para me deixar enganar a tal ponto?

—Tudo bem, Holmes. – aceitou Watson, ainda não convencido totalmente, mas procurando não insistir no tópico. – O que importa é que você e o menino ficam. Não vejo impedimentos para a presença dele em minha casa, embora a idéia ainda não me agrade. Afinal, como bem sabe, eu tenho três filhas, Holmes, e a minha filha mais velha, Emily, tem uma idade muito próxima da dele.

            -Se quiser, eu procuro outro lugar.

            -Eu jamais sugeriria isso, meu caro. Sei que Londres está abarrotada de pessoas, por causa da Coroação. Pode hospedar-se aqui. Eu e Molly saberemos como lidar com a nossa prole.

            Watson separou um par de copos e os encheu com brandy, entregando um deles a Holmes.

            -Infelizmente só tenho um quarto de hóspedes. Terá de dividir com o menino... Como é mesmo o nome dele? – perguntou Watson, fazendo os copos tilintarem rapidamente, num brinde amigável e discreto.

            -Grigori. Mas creio que será de bom tamanho, Watson. – disse o detetive, tomando um gole da bebida, permitindo que a mesma esquentasse sua garganta um pouco.

            -Apenas uma coisa, Holmes. Faça-o estar apresentável, ao menos. As roupas dele... Creio que são de um menino maior do que ele, não?

            -Pertenciam ao filho de meu ex-cocheiro, Mr. Simpson, lembra-se dele? Pois bem, eu o demiti recentemente.

Watson fez uma careta. – De novo, meu caro?

Pelas contas de Watson, Simpson era o terceiro ou o quarto empregado que passara pela residência de Holmes em Sussex. Como se não bastasse a forte investigação e a dura “entrevista” por qual passaram os candidatos, os poucos que passavam por tal provação não sobreviviam mais que uma semana sob as ordens de Holmes. Um mero detalhe fora do desejado por Holmes que fosse, ele mandava o novo empregado para a rua.

Era mesmo um milagre que Mrs. Morton ainda estivesse no posto de governanta já há alguns bons meses. Embora Holmes estivesse longe de ser um xenófobo, certa vez ele comentou com Watson em carta que a Escócia gerava não só bons uísques, mas também boas senhorias. O médico, no entanto, sabia que a Escócia nada tinha haver com a preferência de seu amigo. O que ganhou a empatia do detetive foi a clara semelhança de Mrs. Morton com a falecida Mrs. Hudson, que ia além de sua terra natal. Mrs. Morton cuidava da casa com zelo e afinco, sempre com firmeza e discrição. Por mais que se preocupasse com seu patrão, a senhoria se impedia comentar ou se intrometer em sua vida, e este foi um fator preponderante para conquista-lo. No fim, Watson ficou feliz com o comentário que lera, entendendo que seu amigo estava contente – ou ao menos, satisfeito – com os serviços de Mrs. Morton. Levando-se em conta que mais de vinte candidatas ao posto de governanta apareceram – uma das poucas selecionadas, Watson soube mais tarde, era na verdade uma “calorosa” fã das histórias de Holmes que fez em sua primeira e única semana de trabalho, segundo o próprio, várias tentativas de lhe “arrancar” um casamento. Passou pela mente do bom doutor questionar seu amigo no que consistiam essas “tentativas”, mas ver o semblante extremamente corado do amigo ao contar o acontecido o desencorajou.

Qualquer outro amigo do Exército, mais vivido com o belo sexo, teria contado tal prosa sem problemas, mas não o tímido, recatado – ao menos, para tais questões – e inexperiente Sherlock Holmes, que só tivera uma única mulher em toda a sua vida. Uma única mulher. Muitos homens o rechaçariam por sua ingenuidade em manter-se tão “casto” em sua vida, não quando os prazeres da carne eram tão facilmente obtidos em Londres, prezares estes que atendiam a todos os gostos, exigências e níveis de discrições, mas Watson sabia que, tendo uma mulher tão forte, inteligente e bonita como Esther, seu amigo não precisava de mais nada. E neste ponto, Watson admitia com grave relutância, o invejava.

—Não me julgue por se exigente ou implicante, Watson. Só o fiz porque ele estava faltando o trabalho para apostar.

—Oh. Você comentara comigo que seu quarto escolhido...

—Quinto, na verdade. A não ser que queira descartar os dois dias de serviço de Mr. Dalton, lembra daquele? Não? Aquele, Watson, que dava apelidos carinhosos para as minhas éguas...

—Ah sim.

Pobre Dalton. Seu único pecado foi chamar a égua preferida de Holmes de “égua mais arredia que uma vadia em primeiro dia no bordel”, o que fez o detetive ordena-lo a descer da charrete imediatamente e demiti-lo ali mesmo. Watson achou exagero quando leu o relato. Tudo bem, o pobre homem usava palavras e termos pejorativos, mas nada que uma boa conversa não resolvesse.

—Não deveria estar surpreso com essa transgressão de Mr. Simpson. Ele sofre da síndrome dos apostadores. Quando o entrevistei, julguei-o como um homem que jogava com frequência, mas desde que ele ganhou uma bagatela durante uma rinha de galos, o pobre homem perdeu o controle. Enfim, ao menos essa saída de Mr. Simpson contribuiu para algo bom. Na pressa, ele deixou uma muda de roupas de seu filho, que prestava um ou outro serviço em minha casa para “cobrir” a ausência do pai. Precisei cedê-las ao Grigori, no fim. Não poderia permitir que ele continuasse a usar aqueles trapos. Mas pode ser que eu compre roupas novas para ele mais tarde.

Watson estava boquiaberto.

—Bom, vejo que seu apreço pelo menino é mesmo formidável a ponto de fazê-lo pensar em comprar roupas para ele, mas você já pensou no que fará com ele depois? Deixa-lo em um orfanato? Ou mesmo achar a família dele? Já pensou se há alguém neste país, uma mãe ou um pai, sentindo a falta dele neste momento? Podemos até mesmo chamar a policia...

—Ele é russo, Watson. Não percebeu isso ainda porque ele ainda não teve qualquer oportunidade de abrir a boca.

            Watson pareceu surpreso e horrorizado.

            -Oh, isso explica muita coisa. Um russo... Está disposto a adotá-lo, então?

            Holmes repugnou-se. – Claro que não! Não tenho mais idade para a paternidade, e acho que nunca tive! Entretanto, eu sei reconhecer uma pessoa inteligente quando vejo uma. Precisa conhece-lo de verdade, meu caro. Ele... Ele é tão esperto, não merece ser lançado à rua, viver uma vida tão miserável assim...

            -Holmes... – começou Watson. – Esse menino não é o Wiggins.

Agora tudo faz sentido, concluiu o médico. Holmes ainda não estava completamente recuperado da morte de Wiggins. Por mais que o detetive jamais admitisse isso, Watson sabia que o amigo tinha um apego especial pelo Irregular. E certamente, ver um de seus maiores aliados assassinar um homem e levar um inocente à forca ainda mexia com seu estômago. E para completar, foi o próprio Holmes quem se viu na condição de investigador do caso, chegando até a verdade a respeito da participação de Wiggins no assassinato do industrial Macintosh. Porém, Sherlock Holmes jamais poderia imaginar que o jovem Wiggins pudesse tentar mata-lo. Não após tantos anos de parceria.

Pensar que foi uma mera coincidência que duas semanas depois o detetive arrumou suas malas e se mudou para Sussex era ingenuidade.

Watson insistia em consolá-lo.

—Além de quê, é hora de você superar isto e...

            -Por favor, Watson. – retrucou Holmes. – Não pense que ao ajudar Grigori, eu estou tentando me redimir da minha total falta de compaixão à Wiggins. E não tente me convencer de que não fui culpado por sua morte...

—Você não foi, meu caro. – tentava Watson. – Você estava ocupado com Esther, tentando salvar seu casamento. Lembro-me que quando voltar a investigar, Wiggins já tinha desaparecido. Não foi o rompimento de vocês que o levou a ser um marginal, meu caro. Wiggins teve sua escolha.

O detetive se levantou. Passou a caminhar de um lado a outro, após acender seu cachimbo.

—Lembro até hoje que uma vez, ele comentou que desejava ir à alto-mar, se tornar marinheiro, mas não conseguia porque não tinha um endereço fixo para apresentar. Hoje, vejo que ele estava, na verdade, suplicando por minha ajuda. E sabe porquê eu não o ajudei? Porque estávamos no meio de um caso e precisava da ajuda dele. Eu o achava mais útil à mim do que à Marinha Britânica. E assim, tirei sua única oportunidade de se tornar uma pessoa com uma vida melhor que seus pais tiveram.

—Holmes...

—Eu pesquisei sobre sua vida, depois que ele... Morreu. Ele tinha dezesseis anos na época em que ignorei seu comentário. Aos vinte, já cometera todos os tipos de delitos imagináveis no mundo do crime, sempre ficando impune graças à uma coisa ou outra que ele aprendeu nesses nossos anos de parceria. Hoje, ele poderia estar em qualquer lugar do mundo agora, à bordo de um navio como era de seu desejo, e a julgar por sua inteligência, poderia até ter um cargo decente na Marinha. E eu o subtraí desse futuro, em prol de minha arrogância e egoísmo. Não Watson. Fui eu quem criou o monstro que Wiggins se tornou. Mas quanto ao seu questionamento, saiba que o que faço por Grigori é para evitar que mais uma tragédia dessa natureza ocorra.

Percebendo que a natureza da conversa se tornara um tanto obscura, Watson tentou mudar de assunto.

            -Aliás, meu caro Holmes, eu convidei seu irmão Mycroft para um jantar amanhã. Sei que ele costuma declinar, mas pensei que talvez, com sua presença, ele se mostrasse menos recolhido e quisesse ver seu irmão. Sua saúde não anda em plena forma, Holmes.

            -A saúde de Mycroft, ou a saúde de meu... Pai?

            Watson parecia pálido.

            -Creio que você já foi vê-lo.

            -Eu não sabia que ele estava em Londres. Minha visita àquele homem foi um mero acidente.

            Watson sentiu grande desgosto na voz de Holmes, o que o fez e odiar por ter que tocar nesse assunto. Tudo que ele não queria era chateá-lo.

—Bom, eu não vi seu pai, apenas tive conhecimento do... “Problema” dele porque um de meus amigos especializados em doenças ment... Quero dizer, especializado na doença que acomete o seu pai, ele...

—Não precisa me poupar dos pormenores, Watson, Deu para perceber que ele está louco. – cortou Holmes, friamente. Percebendo que Holmes realmente não estava interessado em Siger, Watson mudou de assunto.

—Enfim, voltando a seu irmão Mycroft... Eu me preocupo com seu irmão não só por causa da idade dele, mas também porque ele parece ter a mesma aversão a cuidados médicos que você. Fora que estou acompanhando os jornais, e sei que ele também deve estar sob pressão, diante de tamanha instabilidade política.

            -De fato. Mas Mycroft sempre soube lidar com isso.

            -Os tempos são outros, meu caro Holmes. Sinto que há um barril de pólvora debaixo dos pés de nosso país. Não só nosso país, mas também da Europa. Um barril, apenas a esperar que alguém deixe cair a primeira faísca.

            Holmes curvou levemente o lábio, em um leve sorriso. Embora jamais admitisse à voz alta, ele sentia falta de seu amigo e sua tendência a dramatizar mesmo um diagnóstico político extremamente burocrático, como se narrasse um romance. Não à toa ele obtinha tanto sucesso sendo associado à Conan Doyle. Holmes pensou em fazer um gracejo sobre isso, mas foi frustrado por uma repentina batida na porta.

            -O jantar está servido, John.

            Watson sorriu, ao ouvir a voz de sua mulher a anunciar a refeição.

            -Depois terminamos a nossa conversa, Holmes. Ainda há um conjunto de tabaco caribenho que precisamos degustar mais tarde. Espero que esteja com o seu fiel cachimbo. – disse Watson, arrancando um sorriso de Holmes.

            Ao chegar à sala, Holmes avistou a mesa de jantar farta e bastante preenchida, numa visão que ele não tinha há um bom tempo, não morando praticamente sozinho. Estavam Molly e suas três filhas: Sarah, de três anos, Lucy, de quatro anos, e Emily, de nove anos. Grigori estava sentado, tentando não mostrar-se tão mal à vontade. Apesar dos esforços do menino, Holmes sentia que ele estava deslocado, ainda tendo sido deixado sozinho entre estranhos por tanto tempo. A chegada de Holmes foi um alívio ao garoto, que relaxou mais e se esforçava para não agir de maneira grosseira àquela mesa de jantar educada e refinada, como uma boa mesa de um lar tipicamente britânico.

            -Mr. Holmes, eu estou aprendendo a tocar violino. – disse Lucy, com entusiasmo. Holmes, que não levava muito jeito com crianças, tentou mostrar-se simpático.

            -Oh... É mesmo? E está obtendo sucesso?

            Watson respondeu pela menina. – Ela aprende rápido, precisa ver. Minha Lucy adora Música. Tem aulas de piano desde os quatro.

            -Isso é maravilhoso. – disse Holmes, ainda ocupado olhando para Grigori. Ele acabou por perceber que Grigori ainda não tinha comido nada em seu prato, porque passara todo o momento observando os demais. O detetive prontamente deduziu que o menino simplesmente não sabia qual talher pegar naquela infinidade de talheres posta à mesa. O curioso, ele notou, é que os Watson não costumavam servir suas refeições com tantos talheres, afinal isso se reservava a banquetes onde opções de prato eram mais numerosas, o que não era o caso daquele jantar simples e rotineiro. Bastaram segundos para o detetive entender a razão para tal ocorrido. Molly. Decerto, ela não estava agradada pela presença do notável menino de rua e quis constrangê-lo, ou mesmo fazê-lo passar vergonha. Holmes esperava que esse fosse um episódio isolado, ou caso contrário, ele iria ir embora e se instalar em qualquer lugar, até mesmo em uma taberna imunda às margens do Tâmisa, se necessário.

Emily percebera que Grigori, que estava sentado de frente a ela, o observava cortar o frango fixamente, o que a fez se sentir desconfortável. Por fim, a rebelde menina parou de cortar e, olhando desta vez para ele, enfezou o semblante, como se o mandasse parar com isso. Isso foi o bastante para faze-lo desviar seus olhos para Holmes, sentado ao seu lado, que praticamente não tocava na comida e estava atento a uma conversa com Watson sobre os últimos acontecimentos em Londres. O menino tamborilou os dedos, impaciente. Era uma droga que ele comesse tão pouco, praticamente nada.

Notando que estava sendo observado, Holmes pensou em gesticular de alguma forma discreta para Grigori qual talher ele deveria pegar, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa ele viu que o menino finalmente começou a se mover, pegando nos talheres corretamente e os utilizando da forma correta, ainda que de maneira desajeitada pela aparente falta de prática. Inexplicavelmente orgulhoso, o detetive concluiu que, ao invés de perguntar aos presentes ou escolher talheres aleatórios, Grigori simplesmente estudou em tempo hábil o que estava ao seu redor antes de fazer o primeiro movimento. Era curioso vê-lo dar a primeira garfada no jantar. O menino fechou os olhos logo que saboreou a comida, com um semblante tão agradável como se ele tivesse ascendido aos Céus. Decerto ele não tivera uma refeição tão boa assim há bastante tempo – ou mesmo jamais tivera uma refeição tão boa como essa, estremeceu Holmes com a hipótese.

            Entretanto, quase no fim de sua refeição, o menino não se conteve e lambeu os dedos. Naquele momento, talheres tilintaram.

            -Que nojento. – balbuciou Emily, alto o bastante para que os presentes escutassem.

            -Emily, não seja indelicada. – corrigiu Molly.

            Holmes, que estava sentado ao lado de Grigori, pôs gentilmente sua mão sobre o antebraço do rapaz, detendo-o.

            -Desculpem-me. – disse o menino, abandonando de vez seu prato.

            A conversa na mesa seguiu para outros rumos.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?
Eu confesso que me diverti escrevendo. Espero que a leitura também tenha sido divertida. Essa estadia durará mais alguns dias, então esperem por muita, MUITA confusão.
Aliás, alguém sentiu rispidez na Molly? Parece que ela, assim como a Norah, deu uma baita alterada nestes últimos anos. Iremos abordar mais tarde sobre isso.


E parece que todos sobreviveram... Vamos ver por quanto tempo!!

Obrigada por acompanharem e, é claro, reviews são sempre bem-vindos!!
Deixem suas críticas, elogios, sugestões, teorias, enfim, seja por review, por skype, por MP, sinal de fogo... Adoraria ver a opinião de vocês. Um review ou MP tem o poder de salvar um autor, acreditem!!

Um forte abraço e até o próximo!



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