Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 7
Capítulo 7 - Períodos Lunares


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou um pouco mais curto... Espero que gostem mesmo assim!



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            – Eles realmente deviam construir um toldo entre as pirâmides. – Arlete disse agora que elas já estavam na Pirâmide Principal de novo. – Quero dizer, os uniformes são rápidos para secar, mas meus livros não!

            – Você devia comprar uma mochila, Lete – Carmen Lúcia repetiu o que já dissera várias vezes para a amiga durante a semana.

            Uma semana em Castelobruxo não fora o suficiente para a empolgação com a novidade da magia se esvanecer. Naquela manhã eles tinham finalmente voado nas vassouras pela primeira vez na aula de Voo. Carmen Lúcia odiou a experiência. A vassoura parecia sentir seu medo e não quis subir como as de todos os outros. Isso não foi de todo ruim, pois acabou ficando bem próxima do chão, mas o bastante para deixá-la nervosa.

            Ela não ainda não falara com Vicente e Douglas sobre a aula de Voo deles, mas sabia que eles voavam desde muito cedo e que certamente ririam de suas preocupações.

            Carmen Lúcia, Arlete e Fantasma haviam apenas os encontrado nas aulas de Duelos e Varinhas e Transfigurações naquele dia. Aquela fora a primeira aula de Duelos e Varinhas em que eles tinham, de fato, pegado as varinhas para fazer feitiços, depois de várias aulas na semana anterior em que tinham apenas lido feitiços nos livros.

            Douglas também fizera um processo significado em transfigurações, o que o deixara um pouco mais contente com a varinha de araucária, mesmo que os dois ainda estivessem lutando para se entender.

            – Espero que eles tenham peixe no almoço. – Arlete comentou enquanto elas andavam em direção ao Salão Principal. – O da semana passada estava tão gostoso…

            – Eu prefiro carne vermelha. – Carmen Lúcia disse.

            Arlete olhou para ela, um leve sorriso no rosto, como se perguntando um amigável “Jura?”.

            – Mas eu estou com tanta fome que comeria absolutamente qualquer coisa.

            – Bom, vamos logo almoçar então. Talvez isso acalme um pouco a loba em você – Arlete lhe dirigiu um sorriso brincalhão. – E temos que encontrar a Fantasma! Ela ficou sozinha com meninos, você sabe como ela é tímida… Somos péssimas amigas. – Arlete disse enquanto elas atravessavam um corredor particularmente lotado.

            Fantasma havia ido à frente com Douglas e Vicente quando Arlete, atrasada por ter ficado conversando com o professor Nestor até depois da aula, precisou guardar seu material. Carmen Lúcia teve a paciência de voltar com a amiga para os dormitórios, mesmo que estivesse dando mais uma daquelas tempestades passageiras com as quais eles já haviam se acostumado; Fantasma preferiu ficar com Douglas e Vicente.

            Na verdade, assim que entraram no Salão Principal, elas perceberam que não eram amigas tão ruins quanto Arlete achara. Fantasma estava sentada em uma das mesas com Douglas e Vicente, e ria tão alto quanto elas não lembravam de tê-la visto. Esse riso era sincero, ela parecia perfeitamente à vontade. Carmen Lúcia podia senti-la vibrando: um sentimento parecido com sua admiração pelo irmão.

            A lobisomem não ia comentar nada, mas uma sorridente Arlete se virou para ela:

            – Essa é a Fantasma mesmo? Parece que ela está se dando bem com meninos.

            As duas continuaram andando.

            – Sabe – Carmen Lúcia disse, antes de elas se sentaram. – Não é estranho que a gente possa simplesmente sentar em qualquer mesa?

            – Como assim?

            – Ah, você sabe. Às vezes parece estranho que tenha tantos alunos em Castelobruxo, mas nenhuma tentativa de nos separar em grupos, sociedades, não sei…

            – Algo como casas diferentes? – Arlete fazia uma careta estranha, como se não conseguisse entender de onde Carmen Lúcia tirara aquela ideia. – E como é que eles iriam dividir a gente? Com base na nossa personalidade? Na pureza de sangue? Não. Melhor assim. Assim a gente encontra todo tipo de pessoa e topa com todo tipo de pensamento. Nós provavelmente não estaríamos na mesma casa, eu e você, mas somos amigas, não é? – Arlete agora sorria, enquanto cada uma se sentava de um lado de Douglas.

            Carmen Lúcia pensou no que a outra dissera. Talvez ela tivesse razão.

            – Vocês também vão querer participar da corrida com a gente? – Douglas perguntou para as recém-chegadas logo que elas sentaram.

            Óbvio que elas ficaram confusas. Fantasma e Douglas sorriam animados, mas Vicente apenas esboçava um sorriso contrariado.

            – Do que vocês estão falando? – Arlete perguntou, forçando um sorriso também em uma tentativa de participar da conversa.

            – Fantasma acha que voa melhor do que nós dois – Douglas começou a explicar. – Apesar de ela só ter montado em uma vassoura hoje.

            – Eu sei que voo melhor que vocês. – A garota riu, jogando o cabelo loiro para trás.

            – É isso que vamos ver – Douglas então se dirigiu à Carmen Lúcia e Arlete: – Nós marcamos uma corrida. Decidi ser legal e deixar pra daqui duas semanas, assim a Fantasma tem tempo para praticar um pouco.

            – Eu acho que tudo isso é maluquice – Vicente se colocou na conversa antes que Douglas pudesse continuar. – E eu já disse que não vou participar. Quase não consegui pegar esse ano letivo por causa do atraso, você sabe disso, Doug. Não vou arriscar uma ocorrência por qualquer besteira.

            – Isso não é besteira. É uma questão importante. Estou defendendo minha posição como o bruxo mais veloz de onze anos do El Dorado.

            – Eu não sou do El Dorado – Fantasma corrigiu.

            – Mas você está aqui em Castelobruxo, que é quase a mesma coisa que estar no El Dorado. É o que conta. – Douglas novamente se dirigiu a Carmen Lúcia e Arlete: – Vocês vão participar? Também acham que podem me vencer?

            – Bom, por que não? – Arlete falou, mexendo-se em seu assento para achar uma posição mais confortável. – Eu topo.

            – Ótimo – Douglas disse, olhando diretamente para a garota. Então se virou para o outro lado. – Carmen?

            – Não… Sinto muito. Mas concordo com Vicente. É uma ideia ruim.

            Douglas deu de ombros.

            – Vocês que perdem…

            Mas o fim de sua frase foi abafada pela professora Jacinta, pedindo a atenção de todos. Em poucos segundos a sala, que já antes era barulhenta, se calou.

            A cega diretora Araci ficou de pé. De longe, ela parecia um pouco embaçada. Carmen Lúcia apertou os olhos.

            – Eu sei que todos devem estar famintos e vamos saborear de nossa deliciosa comida assim que eu fizer alguns anúncios. Essa foi sua primeira semana em Castelobruxo e espero que tudo esteja correndo bem. Qualquer problema pode ser reportado a um professor ou diretamente à nossa querida vice-diretora Jacinta. E, como muitos de vocês devem estar esperando, essa também é a semana em que vocês poderão se inscrever em um dos clubes.

            – Clubes? – Arlete perguntou para Douglas, mas ele pediu que ela deixasse a diretora continuar:

            – Os papeis para as inscrições estarão em seus dormitórios ou em suas casas logo depois do almoço. Para os alunos do primeiro ano que não sabem do que se trata, os clubes são atividades extras dirigidas pelos próprios alunos. Pode ser que vocês se encaixem no Clube de Música, ou em um dos Clubes de Esporte, ou queiram concorrer ao Grêmio Estudantil, ou ainda prefiram o Clube de Astronomia. Talvez não queiram participar de nenhum. Vocês podem escolher. Mas creio já ter me estendido o bastante. Está na hora do almoço.

            Ela bateu as mãos, fazendo a comida preencher as mesas. Carmen Lúcia, cujo estômago estava se manifestando fazia um tempo, avançou para um pernil que parecia particularmente apetitoso, apesar de não cheirar tão bem quanto normalmente.

            – Existem clubes sobre tudo? – perguntou Arlete, servindo-se também de um pouco de arroz. – Posso criar um clube novo?

            – Bom, teoricamente sim. – Vicente respondeu, também pegando um pouco de salada, olhando por cima de seus óculos quadrados. – Talvez eu não deva nem perguntar o que você tem em mente.

            Arlete riu. Ela estava começando a se divertir com as reações do certinho Vicente sempre que ela colocava uma de suas ideias ou perguntas em voz alta.

            – Eu estava pensando… – Ela considerou – Bom, vocês vão ver. É só que eu acho que Castelobruxo é um dos melhores lugares da Terra, mas falta wi-fi, internet, conexão.

            – Não me olhe desse jeito – Vicente pediu, soltando os talheres. – Da última vez que me olhou desse jeito, quase matamos o Doug.

            Carmen Lúcia estava concentrada em sua comida, mas ainda podia ouvi-los. Sabia exatamente do que Vicente estava falando. Na última sexta, Arlete desafiara o garoto a fazer um feitiço avançado demais para o nível deles durante a aula de Feitiços. Ele tentara, mas só uma luz vermelha saiu de sua varinha, acertando e quase colocando fogo na blusa de Douglas. Felizmente eles conseguiram lidar com o problema antes que a séria e míope professora Laila visse qualquer coisa.

            Tanto Arlete quanto Douglas riam.

            – Não faça drama, Cente. Você não quase matou ninguém – Douglas disse, cruzando os braços e se inclinando ligeiramente para trás. – Foi engraçado.

            – Não riam – O outro os repreendeu, pegando os talheres de novo e cortando sua carne. – Não foi nada engraçado. Corridas sem sentido, clubes malucos. Vocês três vão nos colocar em encrenca.

            – Você não sabe aproveitar a vida, Cente – Fantasma também se pronunciou, cruzando os braços sobre os peitos. Ela parecia tão diferente.

            – Eu… Vocês… Carmen, me ajuda!

            – Ih, esquece, Cente – Douglas disse, com um sorriso no rosto. – Ela tá tão concentrada na comida que não tá nem prestando atenção na gente.

            – Credo, Carmen! – Arlete se manifestou, como se só então tivesse percebido o quanto e o quão rápido a amiga estava comendo. – Vai devagar! A comida não via sumir!

            – Desculpa – a lobisomem disse, limpando a boca suja de molho. Ela sorriu: – Estou com uma fome de lobo.

            Todos sorriram com o trocadilho. Arlete continuou olhando para ela.

            – Não é culpa minha! – Carmen Lúcia se defendeu. – É lua nova! A loba em mim tá me consumindo. Sem o poder da lua, ela se alimenta de mim. Isso me deixa com fome.

            – Como é que isso funciona? – Vicente perguntou, visivelmente curioso. – Quero dizer, como os períodos lunares te afetam especificamente    ?

            – A lua nova restringe meus poderes. Parece que eu fico um pouco míope, um pouco surda e não sinto o cheiro de nada. É horrível – Ela confessou, colocando mais uma garfada de arroz para dentro. – Na lua cheia, que é o oposto, eu devia me sentir melhor. Mas o poder da lua é tão grande que quase me faz perder a cabeça. Eu tenho que usar o muiraquitã, aquela pedrinha, sabe? Os outros períodos são melhores. Felizmente são só dois dias de tortura.

            Carmen Lúcia voltou a enfiar o rosto na comida, devorando tudo o que podia.

            Depois do almoço, eles todos foram se reunir na Sala Comunal Leste. Diferente dos alunos mais velhos, eles não tinham atividades de tarde e nenhum professor passara nenhum dever ainda, então eles tinham a tarde livre. Arlete e Douglas conversavam sobre os clubes, ele falando sobre como queria tentar entrar em algum dos times esportivos, mas que era muito difícil um primeiranista ser chamado; Vicente lia um livro sobre biomagia que ele pegara na biblioteca; Fantasma tinha seu olhar distante.

            Carmen Lúcia não podia sentir suas emoções, mas sabia como ela se sentia. Teria ido falar com a garota, tentar entender porque seu humor variava tanto: em um momento ela parecia bem, então toda aquela timidez e melancolia voltavam. Mas a cabeça de Carmen Lúcia doía tanto que ela resolveu ficar em silêncio.

 

            Douglas passou tão rápido em uma rasante sobre ela que Carmen Lúcia se abaixou instintivamente. Por um momento pareceu que ele havia perdido o controle da vassoura, e, assim que passou o susto, ela se levantou para ver se o amigo estava bem. Mas Douglas ria alto, a vassoura de volta no ar.

            Carmen Lúcia sorriu.

            Fantasma não vinha muito atrás, o corpo inclinado sobre a vassoura. Seus cabelos loiros e longos balançavam ao vento como uma capa, tornando-a uma visão quase fantasmagórica. Ainda mais agora que o sol começava a se pôr…

            Arlete vinha tão atrás que parecia difícil que ela alcançasse os outros. Aquela já era a sexta volta, e, apesar de estar sentada na vassoura, a garota parecia cansada.

            – Quanto falta? – Do alto, ela gritou para Carmen Lúcia no solo.

            – Uma volta! – disse, fazendo a mão em formato de concha em volta da boca.

            Arlete não respondeu, mas se inclinou um pouco mais na vassoura, dand0-lhe uma nova acelerada.

            Ela ficou acompanhando enquanto eles desapareciam novamente por cima das casas de ouro do El Dorado, em direção a Vicente que os esperava do outro lado da cidade.

            Ainda iria demorar algum tempo até eles passarem por Vicente, voltarem e só então Carmen Lúcia saberia quem tinha vencido, apesar de que, se pudesse, apostaria todas as suas fichas no mais experiente Douglas.

            Mas o sol estava se pondo, e aquela era um noite de lua cheia. A loba começava a querer tomar o controle, manifestando-se incontrolavelmente dentro dela, como se estivesse se divertindo com a sensação de quase liberdade. Ela não conseguia mais controlar certos movimentos e algumas vezes teve que lutar para ser respondida.

            Precisou de toda sua concentração para se abaixar em direção a sua mochila e achar o muiraquitã. A loba parecia estar em seu ouvido, sussurrando promessas tentadoras sobre aquela noite, garantindo-lhe que logo estaria tão absurdamente conectada com a floresta que aquela vida humana se tornaria tediosa e distante.

            Mas Carmen Lúcia conseguiu colocar o colar no pescoço.

            Respirou fundo enquanto cada pessoa e cada pirâmide ou casa se tornavam embaçados. Parecia também que alguém havia abaixado o som do mundo. Não ouvia mais nenhum animal na floresta, os passos alheios não faziam barulho. O ar parecia lhe faltar.

            Colocou a mão na cabeça, fechando os olhos.

            Era assim que as pessoas normais se sentiam.

            Como elas aguentavam?

            – Oi! Ei! Tudo bem? Você é a Carmen Lúcia, não é? – ela olhou para trás, apenas para ver uma garota mais velha, de rosto redondo, olhos puxados e pele escura se aproximando.

            A uma primeira vista, Carmen Lúcia não a reconheceu. Talvez porque a garota vinha falando em um português traduzido pelo Feitiço Tradutor.

            Ela havia abraçada com uma preguiça e, por algum motivo, Carmen Lúcia não conseguia desviar os olhos do animal.

            – Sou a Ana María, lembra de mim? – Ela perguntou, sorrindo. Agora conseguia lembrar que a conhecera no Navio Sem Parada. – Bom, eu sou do time de trancabola das Araras Azuis. Sei que você está no primeiro ano e o professor Sergio acabou de me falar que você ficou com uma varinha de castanheiro-do-pará. Normalmente as varinhas de castanheiro-do-pará são boas nos esportes, então eu vim te convidar para as audições das Araras Azuis.

            Ana María sorria, ainda abraçada à sua preguiça. Carmen Lúcia olhou para os olhos escuros da garota.

            – Me desculpe… Eu não sou muito boa em voar.

            – Ah, mas você devia tentar. Pode acabar descobrindo algum talento oculto. – Ela tentava manter o sorriso, mas Carmen Lúcia podia perceber que ele começava a vacilar. – Olha, as audições são na quinta às cinco da tarde. Você devia aparecer por lá, pelo menos tentar. As Araras não estão passando pelo menor dos momentos, mas tenho certeza de que com novos rostos desse ano, vamos voltar à mesma qualidade dos anos de auge. Talvez você faça parte disso, Carmen.

            Ela não sabia como responder. Parecia que Ana María estava realmente se esforçando para reerguer o time, contudo Carmen Lúcia não era a solução.

            – Talvez… Eu vou pensar. Obrigada pelo convite – Ela forçou um sorriso, olhando da preguiça para a garota.

            Isso deixou Ana María mais contente. Ela sorriu para a mais nova, todos os dentes à mostra.

            – Legal! Te vejo no campo esportivo então! Até mais tarde. – E ela se afastou, parecendo mais contente do que quando se aproximara.

            Carmen Lúcia se sentiu um pouco mal por ter mentido.

            Sem seus poderes lupinos, e tão concentrada em Ana María, ela não percebeu que Arlete, Douglas, Vicente e Fantasma haviam voltado. Eles pareciam bem mais calmos do que quando os vira pela última vez, Vicente na garupa de Douglas.

            Esse último estava contente.

            – Ganhei, Carmen! – Ele gritou. – Eu ainda sou o cara mais veloz do El Dorado!

            Fantasma e Arlete não pareciam felizes.

            – Não é justo! Ele trapaceou! – Fantasma reclamava. – Eu vi ele usando um feitiço pra acelerar a vassoura.

            – Eu estou sem varinha, não tem como eu ter feito nenhum feitiço! Não seja má perdedora, Fantasma! Eu sou mais rápido que você.

            Os quatros aterrissaram devagar. O sol quase sumia.

            – Quem era aquela? – Arlete perguntou, aproximando-se de Carmen Lúcia e apontando para Ana María, já distante.

            – Ela chama Ana María. Acho que ela é capitã de um time de trancabola, ou alguma coisa assim. Veio me convidar para as audições.

            – Trancabola? – Douglas disse, aproximando-se, visivelmente interessado.

            – Hen-hein.

            – Eu sempre quis participar de algum time. Os Dragões do Mar são os melhores aqui em Castelobruxo. Mas acho que os Estrelas Douradas não sejam ruins também… De qual time ela é?

            – Araras Azuis.

            Douglas juntos as sobrancelhas.

            – Não conheço esse… Deve ser novo.

            – Ela disse que era um time pequeno que estava começando a crescer ou qualquer coisa assim.

            – Bom, não deve durar muito. Meus irmãos me dissera que todo ano aparecem times novos pra competir no Campeonato de Trancabola, e acabam em uma posição tão ruim que não voltam pro próximo ano.

            – Mas você lembra dos Estrelas Noturnas? – Vicente disse, entrando na conversa: – Eram o melhor time de Castelobruxo alguns anos atrás, mas eles acabaram brigando e alguns membros que saíram formaram os Estrelas Douradas. Hoje ninguém ouve falar nos Estrelas Noturnas e todo mundo conhece os Estrelas Douradas.

            – Mas aí é diferente. – Douglas argumentou: – Eles eram bons. Não eram um time iniciante. – Ele se virou para Carmen Lúcia: – Você vai para as audições das Araras Azuis?

            – Não… Não sou muito boa em voar…

            – Eu acho que vou – Douglas disse, sem que ninguém lhe perguntasse nada. – Não para as Araras Azuis, para algum outro time… Afinal eu sou o mais rápido de todos!

            Carmen Lúcia sorriu, Arlete olhou alerta para ele, Fantasma lhe deu um tapa na nuca. Mas Douglas estava tão feliz por ter ganhado a corrida e com a perspectiva de entrar para um time de trancabola que não pareceu se importar.

            Eles começaram a andar devagar em direção à Pirâmide Principal.

            – Acho melhor a gente entrar, meninas – Arlete disse, mudando de assunto, olhando para cima. – Parece que vai chover… Chove pra caramba aqui, não é? – Ela olhava para Douglas e Vicente.

            Douglas sorriu, Vicente deu de ombros.

            – Vocês sabiam que chove mais durante a lua cheia? – Vicente disse, olhando para o muiraquitã de Carmen Lúcia e percebendo o que isso significava. – Meu pai sempre me disse que é porque uma vez um índio chamado Zahy se apaixonou por uma mulher comprometida, e, mesmo o casamento deles sendo proibido, ele ia a observar todas as noites. Um dia, querendo saber quem ia até sua oca, ela fez uma mistura de jenipapo, que caiu sobre ele quando ele foi a olhar de noite, desmascarando-o. O cacique então o exiliou para o céu, por desejar uma mulher comprometida. Por isso a lua é manchada. E por isso chove mais durante a lua-cheia. Zahy está tentando tirar a tinta do rosto.

            – Jenipapo é tinta? – Arlete perguntou, olhando para Vicente, que andava um pouco atrás.

            – Sim. Aquela tinta corpórea, sabe? Indígena. Meu pai me ensinou a fazer. Fica na pele e é difícil de sair, se você quiser, algum dia eu posso te mostrar.

            – Parece legal! – Arlete não parecia mais cansada, mesmo que ainda estivesse carregando uma das vassouras que eles haviam pegado emprestadas na escola. – Seu pai anda pintado por aí? Porque eu sei que você é confuso, então tudo bem, mas seu pai é indígena.

            – Cafuzo. – Vicente corrigiu. No começo, ele se ofendera um pouco com as confusões de Arlete, mas agora havia um sorriso em seu rosto. – E não. Meu pai não anda pintado por aí nem sem roupa. Ele é indígena, mas mora aqui no El Dorado, não em alguma tribo.

            Porém, conforme eles falavam e andavam, eles acabaram se aproximando da Pirâmide Leste. As garotas tinham que voltar para seu dormitório, e Vicente e Douglas para suas casas. Então eles se despediram, sabendo que se veriam nas aulas do dia seguinte.

 

            Carmen Lúcia acordou antes de Fantasma e Arlete, como sempre. As amigas ainda dormiam profundamente, e ela não fez nenhuma tentativa de acordá-las. Também não tentou manter silêncio. Levantou-se, abrindo a janela e olhando para fora. Era possível ver a lua minguante ainda no céu azul.

            Suspirou. Sua segunda lua cheia em Castelobruxo chegara ao fim.

            Resolveu então pegar seu apito especial para harpias em cima da cômoda e entregar a carta que estava guardando.

            Era uma carta menor do que as que já escrevera até então. Cada vez que mandava uma carta nova, parecia que tinha menos a dizer. E, agora, em seu segundo mês em Castelobruxo, Carmen Lúcia apenas lhes contou que Arlete continuava com suas ideias sobre um clube para instalar a wi-fi em Castelobruxo, mas que sua proposta fora rejeitada pela vice-diretora Jacinta, que considerou contra as leis da escola; contou-lhes também sobre seu considerável progresso em Transfigurações e em sua facilidade com biomagia. Estava até pensando em adotar uma preguiça.

            Douglas adotara uma maritaca chamada Ágata em homenagem a uma jogadora famosa, depois de ele não ter conseguido entrar em nenhum dos times de trancabola. Ele reclamara, falara que era injusto e que nenhum dos capitães sabia bem o que estava fazendo, porém, na semana seguinte, quando tivera o primeiro jogo dos Pássaros e dos Ônix Espaciais, ele foi ao campo esportivo, torcendo e vibrando com cada arremesso.

            Mas isso fora quase um mês antes. Eles já haviam assistido outros jogos desde então e os Campeonatos de Quadribol e Suspenobol também haviam começado, apesar de serem menos expressivos.

            Carmen Lúcia assoprou seu apito. As outras garotas não devem ter ouvido, mas a lobisomem ouviu um barulho quase ignorável saindo dele. Ela não sabia bem como funcionava a magia das harpias, mas não demorou muito para uma surgiu, pousando na janela, enorme e majestosa.

            – É para a minha família em Carolina. Eu coloquei o endereço certinho na carta – Ela avisou, entregando a envelope à ave, que balançou a cabeça para ela antes de voar para longe, sumindo tão rápido quanto aparecera.

            O som das aves da harpia foi o bastante para acordar Arlete e Fantasma. As duas se mexiam em suas camas, resmungando baixo.

            – Todavia no. – Fantasma disse. – Déjame dormir.

            Às vezes, por ouvi-la falando tanto português, Carmen Lúcia esquecia que a amiga era argentina. Ainda não tinha ativado seu Feitiço Tradutor, então ela ouvia exatamente o que Fantasma dizia.

            – Temos aula de Feitiços agora. A professora Laila não vai ficar muito feliz se nós nos atrasarmos. – Carmen Lúcia disse em voz alta, esperando que isso servisse de incentivo para as outras. – Levantem!

            Arlete resmungou mais um pouco, mas se sentou, ainda de olhos fechados. Fantasma ainda xingou um pouco em espanhol antes de se sentar também.

            Carmen Lúcia sorriu. Mais um dia começava em Castelobruxo.


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Notas finais do capítulo

Críticas? Sugestões? Elogios? E se vocês tiveram mais alguma ideia para nome de times, me avisem! hahaha
Espero por vocês nos comentários, seus lindos!



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