Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 5
Capítulo 5 - Encontros e Desencontros


Notas iniciais do capítulo

Me perdoem por ter demorado tanto para postar! Eu sei que sou uma pessoa horrível, porém prometo me esforçar para não acontecer de novo! Espero que gostem :D



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            Já estava escuro quando o jantar terminou. Carmen Lúcia e Arlete se despediram de Douglas, que voltou para sua casa no El Dorado. Logo depois, elas e todas as garotas do primeiro ano foram guiadas pela vice-presidente do conselho estudantil, Eleonora, em direção à Pirâmide Leste, onde ficavam os dormitórios femininos.

            – Os Caiporas são inofensivos a maior parte do tempo – Eleonora dizia, pois as criaturas haviam as seguido para fora da Pirâmide Principal. Não passou despercebido que a garota mais velha apontava a varinha para o pescoço; Carmen Lúcia imaginou que ela fazia uma espécie de Feitiço Tradutor para ser entendida por todas – Gostam de pregar peças e algumas vezes podem lhes atrasar para uma aula ou outra, mas não causam grandes maus. A menos, é claro, que vocês saiam sozinhas depois do toque de recolher. Eu, sinceramente, não as aconselho a fazer isso.

            Carmen Lúcia ficou olhando para os Caiporas andando em meio às alunas do primeiro ano. Eles não falavam, mas emitiam chiados engraçados, como se estivessem tentando se comunicar. A menina se perguntou se quando estivesse usando o Feitiço Tradutor seria capaz de entendê-los.

            Ela também observou que os Caiporas algumas vezes enchiam as bochechas de ar, o que os envolvia em luz vermelha, fazendo com que eles desaparecessem e então ressurgissem alguns metros de distância.

            Um deles surgiu em cima do ombro de Arlete.

            Ela soltou uma exclamação de susto.

            – Oi! – disse, depois de perceber o que estava acontecendo. – Tudo bem, amiguinho?

            Mas o Caipora apenas puxou seu cabelo, arrancando alguns fios e desaparecendo em luz vermelha de novo.

            Carmen Lúcia riu da expressão confusa da amiga.

            – Você viu isso? – Arlete perguntou. – O que você acha que ele vai fazer com o meu cabelo?

            Eleonora começou a falar sobre como fora seu primeiro ano. Como estiver assustada, mas que foi muito bem acolhida e que adorara as aulas e os professores. Ela também disse que estava no quinto ano e que Castelobruxo havia se tornado uma segunda casa.

            – Tenho certeza de que passaram os melhores anos de suas vidas aqui – Eleonora continuou, sorrindo para as alunas.

            Carmen Lúcia reparou melhor nela. Era uma garota alta, de traços orientais e cabelos compridos. Ela fazia o melhor para parecer contente enquanto guiava as alunas, porém Carmen Lúcia podia sentir o quanto estava irritada, mesmo sem saber o porquê disso.

             Resolveu que não iria comentar com ninguém. Nem mesmo com Arlete, que parecia absolutamente encantada.

            – Olha aquilo! – Ela exclamou de repente, atraindo a atenção de todas.

            Eleonora olhou também.

            – Ah, aquele é o campo esportivo. – A garota mais velha disse, apontando para onde todas olhavam. – Ali são realizados todos os jogos e treinos de trancabola, quadribol e suspenobol. Vocês terão aulas de Voo e, talvez, logo, teremos novos membros nos times da escola. – Eleonora forçou um sorriso, porém não se estendeu no assunto.

            Talvez sua irritação se devesse a alguma coisa relacionada aos esportes?

            A Pirâmide Leste não era exatamente uma pirâmide. O edifício era reto, na verdade, e o que lhe dava o formato triangular era a escada externa que guiava ao último ano, ligeiramente menor do que o os outros. Carmen Lúcia se perguntou o porquê disso.

            Todas entraram pela porta principal da pirâmide, onde Eleonora pediu que elas parassem. Havia, ali no térreo, uma sala bem iluminada com vários sofás e mesas; no chão, tapetes coloridos compunham a decoração e, nas paredes, quadros que se mexiam como o que havia no hall de entrada da casa de Carmen Lúcia. Além disso, no centro de tudo, havia uma espécie de elevador circular de vidro, por onde as garotas mais velhas já subiam.

            – Essa é a Sala Comunal Leste. – Eleonora disse – A Pirâmide Oeste tem uma parecida, e garotos e garotas podem usar as duas salas. Como vocês não podem sair das pirâmides depois do toque de recolher, um túnel subterrâneo liga as duas Salas Comunais. – Ela deu um passo para o lado, mostrando um alçapão que Carmen Lúcia não tinha visto ainda. A porta estava fechada, mas Eleonora a abriu, deixando uma escada dourada em espiral à vista. – A porta se fecha sozinha depois de um tempo. Porém, tomem cuidado para não caírem quando a porta estiver aberta.

            – Uma passagem secreta! – Arlete exclamou. Carmen Lúcia não achava que era assim, tão secreta, já que todos a conheciam, porém, não disse nada. – Mas parece um pouco claustrofobia, não acha? Além disso, imagino porque uma garota ou um garoto ficaria até depois do toque de reconhecer fora…

            Arlete olhou para Carmen Lúcia com uma expressão sugestiva. A lobisomem apenas riu da nova amiga.

            – Sabe, algum dia, você vai precisar usar a passagem porque perdeu a hora e eu não vou acreditar.

            Foi a vez de Arlete rir.

            – Acredite, se acontecer, eu vou te falar. – Ela olhou bem séria para Carmen Lúcia – E espero que me conte também, hein? Acho que senti alguma coisa entre você e o Douglas…

            – O quê? Não! Ele pode ser até legal, mas eu não gosto dele assim…

            Pode ter sido impressão de Carmen Lúcia, mas, enquanto elas seguiam Eleonora e as outras garotas para perto do elevador no centro da sala, pareceu que Arlete se tornou mais contente.

            – O elevador aguenta até dez alunas de cada vez. Na Pirâmide Leste, ele não sobe se qualquer garoto entrar, e o contrário acontece na Pirâmide Oeste. O número de vocês é o um, já que estão no primeiro ano. Vou levar vocês até lá, porém é bom que saibam o que vão encontrar. Cada ano tem dois andares que se ligam por uma escada em espiral e, em cada andar, há oito dormitórios. Escolham um dormitório e coloquem seus nomes na lousa branca do lado da porta, e suas malas vão aparecer onde escolheram. Não se esqueçam de que esses serão seus dormitórios pelos próximos anos e é muito difícil conseguir mudar depois. Escolham bem.

            Carmen Lúcia olhou ao redor. Havia pelo menos quarenta garota no primeiro ano, e ela e Arlete haviam ficado para trás. Esperava que o elevador fosse rápido.

            A porta do elevador se abriu, e Eleonora entrou junto com as que estavam mais próximas. Carmen Lúcia ficou olhando até que elas sumiram de vista.

            – A gente vai ficar no mesmo dormitório, né, Carmen? – Arlete perguntou, virando-se para ela. Mas a garota nem esperou uma resposta antes de completar: – Quantos cabem no mesmo dormitório?

            – Não sei… Em Carolina eu costumava dividir um quarto com a minha irmã.

            – Oh, então você tem uma irmã? – Algumas vezes parecia que estava conversando com Arlete há tanto tempo, que Carmen Lúcia se esquecia de que elas mal se conheciam. – Mais nova ou mais velha?

            – Mais nova. O nome dela é Emília, mas a gente chama ela de Lia. – Carmen Lúcia sorriu ao pensar na irmã. – Ela não controla os poderes lupinos muito bem ainda, mas logo antes de eu ir para o Navio Sem Parada, ela conseguiu fazer uma transmissão mental.

            – Uma o quê? – Arlete perguntou, surpresa e curiosa.

            – Uma transmissão mental. Faz parte dos nossos poderes. Todo o clã está conectado mentalmente. É bem útil quando estamos transformados.

            – Você ainda tem que me mostrar como é essa transformação. Cada vez que fala me deixa mais curiosa – Ela olhou para frente, enquanto um novo grupo de garotas enchia o elevador. – Bom, eu tenho dois irmãozinhos mais novos também. Um chama Arthur e o outro Matheus. Eu sempre cuido deles. Eu não sei bem como é que a minha mãe tá fazendo agora…

            Do mesmo jeito que a primeira vez que Arlete mencionara a mãe, Carmen Lúcia sentiu a amiga se entristecer. Havia até um sentimento de culpa junto desta vez. Carmen Lúcia teve vontade de fazer alguma coisa, mas não soube o quê.

            Felizmente, nesse momento o elevador se abriu uma terceira vez e foi a vez delas entrarem. Arlete agarrou seu braço.

            – Vamos logo. Temos que pegar um dormitório juntas.

            Carmen Lúcia a seguiu para dentro do elevador. Sem querer, as duas acabaram ficando perto do painel com os números, e Arlete esticou a mão para apertar o um, porém hesitou. Carmen Lúcia logo viu o porquê. Os números pareciam embaralhados, e não seguiam a ordem convencional. Começavam no cinco e iam até o sete, só então voltando para o um e terminando no quatro. Por fim, Arlete apertou o um, que ficava onde devia ser o quarto andar.

            – Que engraçado… – A garota apenas comentou, enquanto o elevador se fechava e começava a subir.

            Elas não conseguiram ver muita coisa, pois, ao contrário do que Carmen Lúcia imaginou da primeira vez, o elevador era muito rápido. A visão dos andares passando rápido ao redor delas deixou a lobisomem um pouco nauseada.

            Esperava se acostumar com o movimento. Não queria passar mal sempre que precisasse subir ou descer de seu dormitório.

            Felizmente logo o elevador voltou a se abrir, e todas desceram.

            Carmen Lúcia olhou em volta, reparando no lugar onde estava. Era incrível. Estava em uma sala estreita e comprida com um teto alto, formando dois andares. Havia alguns sofás amarelos no andar de baixo e uma escada envolvia o elevador, levando ao segundo andar. Nas paredes, fios de ouro formavam desenhos: uma mula-sem-cabeça, um boto, aves estranhas.

            Como Eleonora já as avisara, de fato, havia quatro portas de madeira de cada lado do andar. Arlete puxou novamente Carmen Lúcia, procurando um quarto; porém todas as lousas brancas ao lado das portas já estavam preenchidas.

            – Vamos subir logo, antes que não sobre lugar! – Arlete disse.

            Elas subiram as escadas, atravessando uma passarela e chegando ao mezanino. Foi uma sorte que a lousa do primeiro quarto que trazia apenas um nome, Blanca.

            Arlete olhou para Carmen Lúcia.

            – Acha que tem lugar para duas? – Mas era claro que tinha. A porta aberta deixava à vista as três camas de solteiro. Arlete parecia pensativa mesmo assim – Sabe, é engraçado… Espero que essa Blanca seja legal.

            A garota pegou o pincel pendurado junto com a lousa, molhando-o na tinta preta e rabiscando seu nome seguido por um coração. Carmen Lúcia escreveu o seu completo na letra mais caprichada que conseguiu.

            As duas entraram, por fim, olhando melhor para o quarto. Nenhuma delas havia reparado, mas uma menina já estava lá dentro, começando a arrumar suas coisas. Ela estava de costas para elas, porém era possível ver seu cabelo loiro quase branco tão comprido que ia para baixo da cintura. Também era alta; ainda mais alta do que Carmen Lúcia, que sempre fora considerada acima da média.

            Ela se virou quando viu Arlete e Carmen Lúcia entrando.

            – Hola – A garota então estreitou os olhos. Carmen Lúcia achou o comportamento estranho, mas não demorou a perceber que o olhar não era dirigido a ela – ¿Arlete?

            – Fantasma! – Arlete de repente pareceu animada, como se percebesse alguma coisa só então. Olhou para Carmen Lúcia, esperando que ela se empolgasse também, mas a lobisomem estava apenas confusa. – Essa é a garota que eu te falei no Navio Sem Parada! A argentina!

            – Yo no te encontré después! ¿Dónde estabas?

            – Eu fui para o andar de cima. Achei que talvez você tivesse subido para pegar uma revista… Foi quando eu encontrei a Carmen. Ah, por falar nisso, essa é Carmen. Carmen, essa é a Fantasma.

            A argentina pareceu tímida de repente, enquanto olhava para Carmen Lúcia e acenava. Suas bochechas ficaram rosadas, e ser tão pálida não a ajudou em nada.

            Na verdade era impressionante o quanto Blanca era, bom… branca. Não só seus cabelos eram claros e sua pele parecia quase perolada; seus olhos também eram de um azul leitoso e havia algo nela que quase fez Carmen Lúcia acreditar que se tratava mesmo de um fantasma.

            – Por que “Fantasma”? – a lobisomem não resistiu à pergunta.

            – Es una broma inventada por mi hermano. Él siempre dice que soy “Blanca como un fantasma”. Él es tambien. Pero ahora todo el mundo me llama así.

            Carmen Lúcia não disse mais nada. Ao invés disso, olhou para o chão, vendo que suas malas haviam aparecido do nada.

            – Eu ainda não me acostumei com isso… – A lobisomem murmurou, sorrindo, e se baixando para colocar a mala roxa em cima da cama mais próxima à janela. Só então olhou para as outras: – Se importam se eu ficar com essa cama?

            – Pode ficar – Arlete disse. – E, se a Fantasma vai ficar com a outra… Me resta a perto da porta. – Ela pegou uma mala cor de rosa, a única que ainda estava no chão. – Bom, pelo menos fico mais perto da saída e do banheiro.

            Fantasma riu, mas Carmen Lúcia ficou pensando. Não sabia bem onde havia um banheiro ainda…

            – Vocês viram o horário de segunda? – Arlete perguntou, antes que Carmen Lúcia pudesse perguntar sobre os banheiros. – Voo às oito, História da Magia às nove, intervalo, e Duelos e Varinhas só às dez e vinte… Ah, achei que a gente ia conseguiu nossas varinhas logo…

            A garota se sentou em sua cama, ainda olhando para o papel. Fantasma olhou para elas:

            – Yo no me animaría. Mi hermano dijo que hay pocas lecciones que necesitan la varita en el primer año.

            Carmen Lúcia não entendia tudo o que Fantasma falava. Ela falava rápido demais e parecia engolir uma letra ou outra. Sabia que logo iria aprender o Feitiço Tradutor e, então, os problemas estariam resolvidos. Até lá, tentaria se acostumar com o espanhol de Fantasma.

            – Vamos usar as varinhas apenas em algumas aulas? – Arlete perguntou, querendo confirmar se entendera direito. – Mas somos bruxas, não somos? Temos que usar varinhas! Seu… hermano… Estuda aqui?

            – Sí. Él está en el tercer año. Nosotros lo llamamos Pacho.

            – Mas você é filha de brichotes, não é? – Arlete continuou. – Mesmo assim, os dois deram sorte de serem bruxos?

            Fantasma apenas riu, mexendo nos cabelos compridos, encolhendo os ombros timidamente.

            Era impressionante a facilidade com a qual ela ficava vermelha.

            Elas passaram o resto da noite entre arrumar as malas, esperar um dos banheiros no fim do corredor ficar vago e conversar sobre suas vidas antes de Castelobruxo e sobre as expectativas para aquele ano. No fim, quando finalmente se deitaram, estavam tão cansadas que não demoraram muito a dormir.

            Carmen Lúcia acordou cedo no dia seguinte com a luz fraca entrando pela janela que elas haviam se esquecido de fechar. Mesmo na semiescuridão, a lobisomem conseguia identificar as colegas de quartos perfeitamente: Arlete respirava profundamente, Fantasma estava virada para a parede, coberta até o pescoço.

            As novas amigas eram ótimas. Carmen Lúcia esfregou os olhos enquanto lembrada das risadas da noite anterior. Ao contrário do que pensara, gostava cada vez mais de Castelobruxo.

            Saiu de sua cama, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Pegou suas coisas e saiu, em direção ao banheiro.

            A vantagem de acordar cedo era que o banheiro estava vazio. Tinha certeza que logo todos estariam lotados, já que cada um supria dois dormitórios. Carmen Lúcia dividia o seu apenas com Arlete e Fantasma, porém a maioria dos dormitórios era ocupado por quatro garotas.

            Foi enquanto a água quente caia sobre ela que Carmen Lúcia lembrou que já devia ter mandado uma carta para sua família. Decidiu que faria isso assim que descobrisse onde era possível encontrar uma harpia.

            Mais tarde, enquanto voltava para seu dormitório e via outras garotas acordando também, Carmen Lúcia percebeu que Arlete e Fantasma ainda dormiam.

            Cutucou Arlete.

            – Ei – Ela chamou. – Acorda.

            – Hum… – Mas Arlete apenas rolou na cama, fechando os olhos com mais força. – Não.

            Carmen Lúcia riu baixo, guardando as coisas do banho. Agora, porém, enquanto mexia em suas coisas, ela não tentava ser silenciosa.

            – Qué es? – Fantasma murmurou em uma voz rouca, levando a cabeça, mas cobrindo os olhos com as mãos.

            – Já é de manhã. – Carmen Lúcia disse, como se isso bastasse. – Arlete, levanta! – Acrescentou quando viu que a amiga não se movia. Mesmo assim não recebeu resposta: – Arlete!

            – Não… – Ela murmurou, mudando de posição de novo. – Carmen, sua louca, hoje é domingo. Domingo. Sabe o que pessoas normais fazem nos domingos de manhã? Isso mesmo. Elas DORMEM. Vai dormir, Carmen!

            – Pensei que queria comprar logo seu material.

            – Eu quero. – Porém sua voz não demonstrava nenhum pouco da animação do dia anterior. Ao contrário, Arlete parecia sofrer de mau humor matutino. – Mas eu gosto mais da minha cama.

            – Arlete… Fantasma, me ajuda aqui.

            Fantasma estava sentada em sua cama, segurando a cabeça com uma das mãos. Os olhos estavam fechados e olheiras escuras marcavam sua palidez.

            – Sólo dáme un rato.

            – Te dar o quê? – Carmen Lúcia arregalou os olhos, sem entender exatamente o que a argentina queria dizer. Seria um costume brichote de seu país distribuir ratos por aí nos domingos de manhã?

            Isso fez até Arlete se levantar. A garota se sentou assustada na cama, olhando fixamente para Fantasma, esperando o desenrolar dos fatos, confusa.

            Fantasma, por sua vez, também não parecia entender o que havia dito de errado.

            – Un rato. – Ela não entendia o que estava falando de errado. – Un momento. Un minuto.

            – Ah! – Arlete riu, olhando para Carmen Lúcia. – Espanhol tem umas coisas esquisitas, não é?

            – Sí, muy exquisito. – Fantasma sorriu com sinceridade para as garotas. Carmen Lúcia achara que talvez ela se ofendesse, mas ela parecia satisfeita: – Portugués también no es malo.

            Carmen Lúcia e Arlete ficaram olhando para Fantasma, sem entender direito do que ela falava.

            – Quer saber – a lobisomem se manifestou por fim: – Vamos parar com essa conversa de louco, e vão logo se trocar. E, antes que diga alguma coisa, Arlete, eu sei que hoje não tem aula, mas a Ponte Iubárranga deve estar aberta. Podíamos comprar nosso material, que tal?

            – É, boa ideia. – Arlete esfregava os olhos, mas agora também sorria, voltando a ser a garota animada do dia anterior. – Não podemos aparecer de mãos abanando nas aulas amanhã, não é?

            Por fim, Arlete e Fantasma foram se arrumar. E, mesmo que as garotas tenham demorado tanto que deu tempo de seu cabelo secar naturalmente, elas ainda tinham algumas horas antes do almoço quando finalmente saíra do dormitório.

            – Vamos procurar o Felipe – Arlete sugeriu enquanto elas ainda desciam pelo elevador, as três usando os uniformes de Castelobruxo. – Ele disse que ia nos levar lá.

            Carmen Lúcia torceu o nariz, sem saber exatamente como dizer a Arlete que não achava que aquela era uma boa ideia.

            – A gente conheceu o Felipe nas canoas – Arlete disse para Fantasma. – Ele é do terceiro ano, talvez seu irmão o conheça…

            – Perfeito. O irmão da Fantasma pode levar a gente – Carmen Lúcia falou de repente, cortando a outra – Não precisamos incomodar Felipe…

            “…e nem ele nos incomodar”, ela pensou.

            Carmen Lúcia percebeu que aquela fora a decisão correta assim que terminou de falar. Fantasma, que se mantivera retraída e tímida, animou-se de repente.

            – Sí! Él conoce el Puente Iubárranga. Vamos a hablar con él.

            – Ah, tudo bem. Mesmo assim, eu ainda acho que a gente devia pelo menos avisar o Felipe. Ele foi tão legal com a gente… Não é, Carmen?

            Carmen Lúcia não queria dizer a Arlete a verdade, já que ela parecia tão certa em achar que Felipe era legal, mas não conseguiu se manter mais calada.

            – Escuta, Arlete. Lembra que eu disse que, como lobisomem, eu tenho habilidades especiais?

            – Sim.           

            – Bom, uma dessas habilidades é sentir as emoções das pessoas. E acho que o Felipe não tinha boas intenções.

            – Oh. – Arlete olhou para Carmen Lúcia. Seus olhos estavam ligeiramente mais abertos do que o normal. – Tem certeza? Ele não pareceu tão ruim…

            – Eu posso estar errada. – Carmen Lúcia confessou – Mas é improvável.

            – Bom, nesse caso, vamos falar com Pacho. – Ela olhou para Fantasma, que voltou a sorrir.

            Não era difícil de perceber que Pacho era o grande herói de Fantasma. Carmen Lúcia não fazia ideia de como o garoto era, mas, apenas pela impressão de Fantasma, ela já se sentia inclinada a gostar dele.

            Assim, elas saíram da Pirâmide Leste, atravessando todo o gramado em direção à Pirâmide Oeste, onde esperavam encontrar o irmão mais velho de Fantasma.

            – Él se dispierta temprano. – Fantasma dizia enquanto elas andavam lado a lado. – Ya debe haber despertado.

            Porém, antes que terminassem o caminho, elas avistaram Douglas andando em direção à Pirâmide Principal. Não só isso, ele estava acompanhado por um garoto de pele escura, mais baixo que ele, de cabelos negros espetados e óculos quadrados.

            – Você acha que não vão me aceitar? – Carmen Lúcia podia ouvir o garoto desconhecido ao longe: – Não acredito que atrasei tanto… E se não me aceitarem?

            – As aulas ainda não começaram, Cente. Eles têm que te aceitar. Não foi sua culpa ter perdido o Navio Sem Parada.

            – Aquele não é o Douglas? – Arlete perguntou, apontando para o garoto e sorrindo. – Ei, Douglas!

            Ele olhou ao ouvir seu nome. Por um momento pareceu assustado, mas logo reconheceu as garotas e esperou que se aproximassem.

            – Arlete… Carmen… Aproveitando Castelobruxo?– Douglas sorria um sorriso torto para elas. – E quem é amiga de vocês?

            – Essa é a Fantasma – Arlete apresentou, indicando a garota que apenas lhes dirigiu um sorriso tímido. – Ela é argentina.

            – Que nome engraçado… – Douglas comentou.

            – Es un sobrenombre, en realidad. Mi nombre es Blanca.

            Douglas e o amigo trocaram sorrisos.

            – Apropriado. – o primeiro comentou. Então ele olhou para o outro, e pareceu se lembrar de alguma coisa: – Garotas, esse é o Vicente, aquele meu amigo que eu disse para vocês.

            – Hein-hein – Carmen Lúcia cruzou os braços enquanto olhava para Vicente. Ele realmente se encaixava na descrição de Douglas: – O amigo baixo e negro.

            – Na verdade, – Vicente disse, com um ar professoral, enquanto ajeitava os óculos. – Eu não sou negro. Sou cafuzo.

            – Confuso? – Arlete levantou as sobrancelhas, olhando o garoto de cima a baixo. – E que isso tem a ver com qualquer coisa?

            – CAfuzo – Vicente corrigiu. – Com ca. Quer dizer que meu pai é indígena e minha mãe é negra. Não vou falar que sou negro, porque meu pai é indígena; e não vou falar que sou indígena, porque minha mãe é negra. Sou cafuzo.

            – De qualquer jeito – Douglas interrompeu. – Onde estão indo tão cedo?

            – Vamos à Ponte Iubárranga. – Arlete foi rápida em responder, sorridente novamente. – Na verdade, vamos primeiro achar o irmão da Fantasma, para ele levar a gente lá.

            Douglas não sorria mais. Ele olhou as amigas de baixo a cima, fazendo uma careta. Carmen Lúcia estava prestes a perguntar se havia algo errado quando ele disse:

            – Vocês sabem que não precisam usar o uniforme fora de Castelobruxo, certo?

            Carmen Lúcia ficou sem ter o que dizer. A ideia nem lhe ocorrera. Como haviam recebido o uniforme, apenas lhe pareceu natural usá-lo o tempo todo.

            – Faz sentido. – Foi Arlete quem respondeu, coçando a cabeça enquanto também pensava no assunto.

            – Mas a gente não vai trocar agora, vai? – Carmen Lúcia perguntou, olhando para as amigas. – Desse jeito não vamos conseguir comprar nada antes do almoçar.

            – Bom, eu sugiro que vocês se apressem então. – Vicente disse, apesar de Carmen Lúcia ter percebido por seu jeito inquieto, trocando o peso do corpo de uma perna para a outra, que era ele que estava com pressa. – Eu e o Douglas temos que falar com a diretora Araci. Vemos vocês depois.

            Eles se despediram antes de os garotos entrarem na Pirâmide Principal, e Carmen Lúcia, Fantasma e Arlete continuaram em direção à Pirâmide Oeste.

            Na verdade, elas ainda demoraram bastante procurando por Pacho. Alguns garotos do ano dele haviam dito que ele já descera de seu dormitório, mas ele também não estava na Sala Comunal Oeste. No fim, foram encontrá-lo no campo esportivo, treinando em sua vassoura com alguns amigos. Pacho não parecera muito animado em levar a irmã e as amiga até a Ponte Iubárranga até que Garcia, um de seus amigos, disse que iria também.

            Pacho e Fantasma eram bem parecidos. Ambos compartilhavam a palidez assombrosa e tinham os mesmo traços finos. Se não fosse pela altura e pela diferença de comprido dos cabelos, Carmen Lúcia poderia tê-los confundido facilmente.

            Fantasma parecia absolutamente encantada em estar com Pacho, mas sua alegria não era compartilhada por ele. Pacho parecia achar irritante ter que cuidar da irmã mais nova e de suas amigas. Assim, ele e Garcia apenas lhes ajudaram a trocar o dinheiro brichote pelas moedas furadas de platina (conhecidas como asses, talentos e liras). Por um momento Carmen Lúcia se perguntou por que platina e não ouro ou prata, mas então percebeu que, morando em uma cidade inteira feita de ouro, o metal tinha pouco valor por ali.

            Porém, não muito depois, Pacho e Garcia falaram que tinha alguma coisa mais importante para comprar e que mais tarde encontrariam as amigas. Arlete e Fantasma haviam sorriso para eles, mas, no fim, as três acabaram comprando os livros, caldeirões, telescópios e ingredientes sozinhas. Arlete quis comprar uma vassoura, mas desistiu quando viu o preço; e Carmen Lúcia aproveitou para comprar um apito silencioso de harpias. Pacho e Garcia só apareceram para levá-las de volta na hora do almoço, sem nem mesmo terem comprado qualquer coisa.

            Mesmo assim, e sem entender bem porque, Fantasma admirava tanto o irmão, que Carmen Lúcia não ficou brava e gostou daquele primeiro dia em Castelobruxo. As aulas só começariam no dia seguinte, então ela, Arlete e Fantasma aproveitaram aquela tarde de folga para explorar os arredores da escola.

            Elas descobriram que o andar menor em cima da Pirâmide Oeste era uma biblioteca só com livros de magiozoologia; e o da Pirâmide Leste, uma só com livros de herbologia. Elas também passaram perto das estufas e viram plantas de todos os tipos, até uma roxa que deixou a mão de Arlete ardendo depois que ela a tocou. E, por fim, fizeram amizade com um dos quadros da Pirâmide Leste, uma mulher bonita de cabelos branco que atendia pelo nome de Tereza Maria, e que dizia ser o retrato de uma das primeiras bruxas europeias a chegar em solo americano.

            Carmen Lúcia até conseguiu mandar uma carta para família, dizendo-lhes que estava bem e gostando de Castelobruxo.

            A verdade, porém, foi que apesar de aquele ter sido um dia empolgante, Carmen Lúcia tinha a impressão de que o dia seguinte seria ainda melhor.

            Logo ela poderia dizer que era, de fato, uma aluna de Castelobruxo.


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Notas finais do capítulo

Me perdoem se meu espanhol não estiver muito bom. Eu lembro pouco das aulas da escola e muito eu tive que colocar no Google Tradutor. Então, se vocês perceberem alguma coisa errada, podem me avisar.

Eu sei que a parte da Ponte Iubarránga ficou um pouco corrida, porém ainda vou fazer um capítulo mais completo para ela. Curiosidade: Iubarránga surgiu da junção de Iubá (amarelo puxado para o dourado em tupi) e piranga (vermelho puxado para o dourado em tupi).

Ah! Vocês leram os contos que a J. K. publicou sobre a magia na América do Norte? Ficaram bem legais e dá pra ver uma diferença muito grande entre os bruxos americanos e os ingleses. Obrigada à S G Lucine por me lembrar. :D
Link para mais informações:
http://poltronanerd.com.br/filmes/confira-todos-os-contos-de-j-k-rowling-sobre-a-magia-na-america-do-norte-30110

Obrigada pela paciência e vejo vocês nos comentários! ;)



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