Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 14
Capítulo 2 - Velho e Novos Amigos




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            Arlete acordou cedo para pegar o Navio Sem Parada naquele dia. Como fora no ano anterior, apenas Jorge estava acordado, e ele a cumprimentou quando entrou na cozinha para pegar um pedaço de pão.

            – Bom dia! – ele comia seu café da manhã.

            – Bom dia... – Arlete respondeu. Desde que ficara sabendo que ele não era seu pai de verdade, ficara de difícil chamá-lo de pai. Ainda mais sabendo que ele mentira para ela por todos aqueles anos.

            – Eu já estou indo. Acha que pode dar um beijo na mamãe, no Arthur e no Matheus por mim?

            O homem gordo balançou a cabeça.

            – Ei, – ele a chamou, mexendo no bolso. – Pegue um pouco de dinheiro. Você vai ficar fora até o fim do ano, não é?

            – Sim... – Arlete disse enquanto aceitava as notas amassadas dele. Era menos do que no ano anterior, mas devia bastar – Mas vou mandar algumas cartas! – Ela disse, com renovada animação.

            – Hum, é. – Jorge concordou. – Só não mande muitas ou os vizinhos vão achar estranho tantos daqueles passarinhos enormes aqui por perto.          

            – São harpias... – ela murmurou para si mesma. – Bom, estou indo. – com metade do material na mala, metade da bolsa travessada e um pão em mãos, ela se sentia pronta para ir à escola.

            – Espera, Arlete, espera – Jorge disse, limpando a boca e se levantando. Então ele abraçou a garota. Arlete sorriu. Fazia tempo que não era abraçada assim. – Se cuida, viu?

            Arlete estava se sentindo melhor quando deixou a casa, em direção à araucária que ficava na rua debaixo.

            Ela sempre gostara de araucárias. A varinha de Douglas era de araucária e ele não gostara muito, mas Arlete teria adorado ter uma varinha de araucária. Araucária era uma árvore feliz.

            Aproximava-se das seis da manhã e a rua estava quase deserta. Apenas alguns coitados, que tinham que trabalhar cedo, estavam acordados.

            Arlete, cheia de materiais e comendo um pão, devia ser uma figura engraçada perto da araucária.

            Ela estava esperando que a árvore começasse a brilhar como fora no outro ano, mas devia ter chegado cedo. Da outra vez logo se jogara em direção o brilho, mas agora estava apenas esperando.

            Talvez tivesse lido as informações na carta errado? Talvez não fosse aquele o dia ou o horário? Estava quase pegando seu espelho mágico para falar com um dos amigos quando a árvore foi envolta por um brilho forte verde. Arlete terminou de engolir o último pedaço do pão, segurou suas coisas com força e se atirou em direção à araucária.

            Então estava caindo.

            Não estava mais no meio da luz e o céu se abria a seu redor, para cima, para os lados e para baixo. Mesmo sendo a segunda vez que fazia aquilo, ainda sentia um frio na barriga. Era emocionante, mas um pouco assustador ao mesmo tempo. Preparou os pés para pousar no teto do Navio Sem Parada.

            Porém ainda não se acostumara com isso. Seus pés bateram no chão com impacto e seus joelhos se dobraram.

            Ainda tinha que aprender como pousar de pé!

            Levantou-se, limpando a roupa e vendo se sua mala e sua bolsa estavam intactas.

            Olhou ao redor enquanto outros alunos despencavam do céu também. Era como uma chuva humana. Sorriu.

            – Ei, garota! – Alguém disse, Arlete olhou. – Não fique aí parada pra sempre!

            O menino que falou devia ser bem mais velho do que ela, de pele escura e peito largo. Ela ainda ficou parada por mais um minuto, até que uma garota loira quase caiu em cima dela. Resolveu que era hora de entrar.

            Arrastando sua mala atrás de si, Arlete desceu as escadas para dentro do navio.

            A primeira coisa que viu foi um corredor. Alguns poucos alunos andavam de um lado para o outro, conversando. Foi só quando ela ouviu um garoto falando uma língua estranha que lembrou que devia fazer o feitiço tradutor.

            Indo em direção à parede no fim do corredor e tomando cuidado para não esbarrar em ninguém, Arlete procurou sua varinha dentro da bolsa.

            – Arlete! – ela ouviu alguém gritar. – Entonces eso es donde está!

            Virou-se, procurando de onde vinha a voz. Um garoto, mais alto do que ela, de cabelos curtos e tão loiros que eram quase brancos, se aproximava.

            – Fantasma! – ela exclamou, esperando o amigo se aproximar.

            – Sabía que estabas a punto de llegar. Yo estaba te buscando! – Fantasma falou em seu espanhol da Argentina.

            Arlete pegou sua varinha rápido e fez o feitiço, antes de abraçar Fantasma.

            – Tudo bem? – ela perguntou, vendo que ele parecia cansado, mas feliz. – Como foi na sua casa?

            – Na minha casa? – Fantasma continuou, já em seu português traduzido magicamente. Ele não parecia mais tão feliz – Bom, acho que podia ter sido pior. Meus pais fingiram que eu não estava lá a maior parte do tempo; Pacho falou algumas coisas má, mas... Pelo menos ninguém tocou em mim, e eu pude me vestir do jeito que eu queria. – ele forçou um sorriso.

            Fantasma Duarte havia nascido como uma garota. Apesar de ter sabido pela vida toda que era diferente, fora só no último ano que tivera coragem o suficiente para gritar ao mundo quem era. Não recebera uma resposta positiva em todos os lugares. Seus pais haviam lhe dito para não voltar para casa, ele havia virado motivo de chacota por parte de alguns alunos na escola, mas Arlete e seus outros amigos estavam fazendo o possível para ajudá-lo.     

            Em aparência, tirando a altura e o corte de cabelo, Fantasma continuava exatamente como antes. Talvez estivesse forçando um pouco a voz para ficar mais grossa – ou então apenas parara de disfarçar, ela não saberia dizer. Mesmo assim, era possível sentir que alguma coisa mudara em seu interior.

            A verdade era que ele parecia melhor do que no último ano. Ainda um pouco tímido e fechado como se não estivesse contando tudo para Arlete, mas pelo menos estava sorrindo.

            Arlete não conseguia imaginar como devia ser difícil para ele ser transgênero, com a própria família não o aceitando.

            – Eu tenho que guardar minha mala – E ela perguntou enquanto os dois andavam em direção ao fim do corredor, juntos agora: – Pronto para mais um ano em Castelobruxo?

            – Acho que sim... – ele não olhava para ela. – Eu não conversei muito com o resto durante as férias. Vai ser bom rever todo mundo. E você?

            – Bom, tô bem feliz que Biomagia vai virar Herbologia e Magizoologia. – Arlete sorria – E quero adotar algum animal. Não me importa qual. Eu só quero tanto um animal...

            Fantasma sorriu.

            – Não deve ser tão difícil. A gente pode ir até a Ponte Iubárranga amanhã, se você quiser.

            – Vamos sim!

            Eles haviam chegado ao fim do corredor. Arlete colocou a mala encostada na parede, mas manteve a bolsa consigo. A mala não demorou a desaparecer em fumaça e pó verdes.

            Arlete e Fantasma começaram a se afastar. Ela não sabia bem onde iam, mas seguia ele.

            – Ei, quem sobe primeiro? – A menina perguntou, visto que Fantasma parecia saber melhor sobre por onde o Navio passava. – Carmen ou Vicente?

            Fantasma pensou um pouco:

            – Cente. – Respondeu por fim. – Ele desceu depois da outra vez, então vai subir primeiro.

            – Hum... – Arlete pensou um pouco. – Ei, eles estão servindo café manhã? Eu ia adorar comer um daqueles pães de queijo de Castelobruxo...

            – Acho que sim. – Fantasma disse. – Vamos lá ver.

            E, junto, os dois desceram as escadas em direção ao restaurante.

 

            – Alunos e alunas, estamos sobrevoando Castelobruxo. Por favor, preparem-se para pousar em alguns minutos.

            A voz ecoou por todo lugar. Arlete estava feliz em finalmente descer. Ao contrário de Cente e Carmen, que haviam embarcado não muito antes, ela e Fantasma estavam no Navio desde manhã.

            – Vamos logo pegar nossa canoas! – Ela sugeriu, alegre. – Pra podermos ficarmos todos junto.

            Os quatro já estavam usando o uniforme verde de Castelobruxo. Arlete havia quase esquecido como eles eram confortáveis.

            Todos então se dirigiam ao andar mais baixo do Navio Sem Parada. Como o nome sugeria, o Navio nunca parava, então tanto a subida quanto a descida dos alunos aconteciam enquanto este estava em movimento. De repente ela teve uma ideia:

            – Vocês acham o Navio é usado para outras coisas, além de levar alunos? Quero dizer, já que ele nunca para mesmo?

            – Claro que sim. – Cente respondeu, ajeitando os óculos. – O Navio Sem Parada serve para o transporte de bruxos e bruxas em viagens internacionais. Não é permitido simplesmente aparatar em outro país, pra isso serve o Navio.

            – Ah...

            Algumas vezes irritava Arlete como Vicente Pitangui sabia de tudo. O amigo não só era inteligente, mas algumas vezes parecia fazer questão de mostrar o quanto sabia das coisas.

            Ele se autodenominava cafuzo, o que queria dizer que era filho de uma negra com um indígena. Arlete achara o termo estranho e complicado por meses até que finalmente havia se acostumado. Algumas vezes se perguntara por que Vicente não simplesmente dizia de quem era filho, ao invés de recorrer a palavras complicadas.

            – Ali! – Arlete apontou quando viu uma canoa vazia. Eles foram se sentar lá. – Vamos.

            Cada canoa tinha capacidade para dez pessoas, divididas em quatro bancos. Vicente e Fantasma se sentaram atrás, enquanto Arlete e Carmen pegaram o banco imediatamente a frente deles.

            Carmen olhava pensativa para fora da canoa. Não devia estar vendo nada específico, ou seus olhos teriam se tornado dourados, como era costumeiro quando a lobisomem queria enxergar melhor. Com seus cabelos longos e ondulados, a pele oliva e aquele ar exótico e misterioso, Arlete se perguntou de novo se a amiga tinha qualquer ideia da quantidade de olhares que atraia. Inclusive de Vicente, sentado atrás dela.

            Arlete riu ao perceber o olhar bobo que ele dirigia à lobisomem.

            – Ei, licença – Arlete se virou para ver de onde vinha a voz. – Tem alguém aqui?

            A dona da voz era uma garota ruiva da idade deles, e ela apontava para o lugar ao lado de Arlete. Ela se afastou para deixar a outra sentar. Ao mesmo tempo, outra menina de cabelo escuro e longo e dois caras de pele escura sentaram no banco da frente.

            – Claro que não. Fique à vontade – Disse Arlete, sorrindo. E, enquanto a ruiva se sentava, ela percebeu: – Eu te conheço! Você tinha algumas aulas com a gente ano passado.

            A menina olhou para ela, com aquele seu rosto cheio de sardas.

            – Acho que a gente tinha Duelos e Varinhas e Poções juntas, não era?

            – Astronomia também. – Arlete acresceu: – E História da Magia no segundo semestre.

            – Hum... – A garota falava como se alguma coisa malcheirosa estivesse embaixo de seu nariz longo. Ela avaliou Arlete por um momento e então sorriu: – Meu nome é Juliana Tataia.

            – Oh, eu sou a Arlete. – Ela então apontou depressa para os amigos: – E esses são a Carmen, o Fantasma e o Cente.

            Juliana acenou rapidamente para eles, forçando um sorriso.

            Não demorou muito depois disso para as canoas darão um tranco, avançando em direção à porta enorme que se abria em frente a eles.

            Arlete olhou para Carmen. A amiga tinha um histórico nada bom com alturas, e, mesmo que ela estivesse superando o medo, ainda não sabia se Carmen estava totalmente segura em voar.

            Mas a lobisomem não demonstrou nenhum sinal de nervosismo que não morder os lábios inferiores. Ela parecia bem.

            Talvez tivesse razão, talvez tivesse mesmo perdido o medo.

            Arlete sorriu.

            – Que foi? – Carmen perguntou, percebendo que Arlete a olhava.

            – Nada. Só estou feliz. Estamos quase em Castelobruxo, não é?

            – Hen-hein. – ela a acompanhou no sorriso. – Vai ser bem legal…

            A canoa deles finalmente atingiu o céu, flutuando gentilmente no ar em direção ao rio embaixo deles.

            – Ei, vocês sabiam que, na verdade, as canoas estão dentro de bolhas gigantes? – Vicente disse, inclinando-se para frente para que Arlete e Carmen pudessem ouvir também. – As bolhas são formadas assim que as canoas saem de dentro do Navio e duram o bastante para chegarmos no chão. Mas as bolhas são invisíveis, por isso não dá pra vê-las.

            – Quer dizer que se as bolhas forem estouradas agora vamos cair em queda livre? – Carmen perguntou, os olhos arregalados.

            Arlete teve vontade de bater em Vicente. Agora que Carmen estava um pouco melhor ele soltava uma dessas... Ao invés disso, só lhe olhou com cara feia.

            – Ah, Carmen, não tenha medo! Tenho certeza que é perfeitamente seguro! Eles não iam jogar a gente lá de cima se houvesse algum risco...

            – Na verdade – Vicente continuou em tom professoral, aproximando-se mais. – É impossível que o vento ou a força de seres vivos estoure a bolha, se é disso que está com medo.

            – Viu? – Arlete apontou para Vicente. O amigo era inteligente. Se Carmen precisava de mais do que as palavras de Arlete, então os fatos de Cente deviam ser o suficiente.

            – Eu não estou com medo! – Carmen protestou. – Já disse que depois daquilo com o Doug... Eu até estou achando algumas conexões por aqui!

            Arlete não entendeu bem do que ela estava falando, mas concordou:

            – É bem legal voar. – E fechou os olhos, sentindo o vento no rosto. – Estamos chegando!

            Foi quando atingiram a água e a canoa tomou velocidade. Arlete voltou a abrir os olhos, vendo a imensa floresta verde se estendendo de ambos os lados, as aves e animais cantando em coro, como que lhes dando as boas-vindas.

             – Cuidado! – Arlete ouviu a voz de Fantasma gritando um segundo antes de ser atingida por água pelo lado direito.

            No começo não entendeu o que havia acontecido. Virou-se rápido, sem saber o que pensar, assustada…

            – Dorado! – ela exclamou, o rosto relaxando em um sorriso. Algum dos três botos que acompanhavam o trajeto das canoas havia jogado água para dentro da canoa deles. Ela achava que era Douglas, mas não tinha certeza, por isso tomou o cuidado de dizer apenas o sobrenome deles.

            A família Dorado era formada quase que completamente por metamorfomagos. Arlete sabia que, além de Douglas, a irmã dele, Nessa, e o primo também estudavam em Castelobruxo. Até o ano anterior, seu irmão mais velho havia estudado também, mas já se formara.

            Arlete olhou para Juliana.            A ruiva fora ainda mais atingida do que Arlete, mas não parecia brava:

            – De volta à Amazonas – Arlete ouviu Juliana dizendo ao seu lado, sorrindo. – Onde você pode ser atingida por um jato de água lançado por um metamorfomago enquanto anda de canoa no meio de um rio.

            – Pra que isso? – Fantasma perguntou no banco de trás, apertando o uniforme para se livrar do excesso de água.

            – Porque o Douglas é idiota, por isso. – Vicente respondeu, e, apesar de parecer uma reclamação, as palavras vinham em tom de brincadeira.

            Carmen chacoalhou todo o corpo para se livrar da água, rindo.

            – Que jeito de dar as boas-vindas…

            Nesse momento o Eldorado e Castelobruxo puderam ser avistados à esquerda deles. A cidade e a escola de puro ouro não pareciam menos fascinantes agora que Arlete já os conhecia. Ouviu-se suspirar junto com os outros alunos.

            – Como é que isso consegue ser tão bonito? – Arlete perguntou, batendo a mão no joelho. – Tão, tão…

            – Mágico. – Carmen completou.

            A vista era mesmo magnifica. As construções se misturavam com árvores, com as pessoas e os animais. Sobrevoando a cidade, alguns bruxos passeavam em vassouras. Um grupo de crianças acenava para eles da margem.

            E tudo parecia tão grandioso, tão antigo, tão mágico.

            As canoas passaram embaixo da Ponte Iubárranga, o principal centro comercial da cidade, onde se podia comprar de tudo, e pararam perto de Castelobruxo.

            Ao longe, Arlete pôde ver o casal de professores Nestor e Jacinta Montenegro reunindo os primeiranistas. A garota sentiu uma onda gostosa de lembranças; lembrou-se de como fora no ano anterior e em como havia encontrado seu lugar ali.

            Encheu-se de uma sensação boa.

            – Gente! – Douglas, parado ao lado de um garoto alto, acenou para eles assim que desceram da canoa.

            Por um momento, Arlete quase não o reconheceu. O sorriso cheio de dentes brancos estava ali, o nariz levemente arrebitado, as orelhas projetadas e os olhos tempestuosos eram os mesmos. Porém ele fizera alguma coisa com os cabelos. Antes eles eram quase do mesmo comprimento que os da menina, batendo nos ombros. Agora haviam sido cortados rente ao couro cabeludo.

            Carmen riu ao vê-lo.

            – Que isso? – perguntou em voz alta. – Entrou pro exército, Doug?

            Arlete piscou. Ele parecia diferente. Então se lembrou:

            – Você tá transfigurado?

            Douglas olhou para ela e o sorriso se alargou, como se a visse pela primeira vez.

            – Oi pra você também, Lete! – Ele cruzou os braços. – Não, não estou transfigurado. Só resolvi inovar um pouco… Ficou ruim?

            Ela estava quase respondendo que ruim era uma palavra muito forte, mas que ela gostava mais dos cabelos dele compridos, quando o garoto do lado dele falou:

            – Ah, então essa é a famosa Arlete.

            A verdade era que não reparara profundamente nele ainda, concentrada com o corte novo de cabelo de Douglas. Agora que parara para olhar melhor, percebeu que aquele era o primo dele, Maurício, com seus cabelos pretos e pele mais escura que a dos primos, porém dono do mesmo charme.

            – Cala a boca! – Douglas protestou, as orelhas ficando vermelhas.

            – Ué, mas é verdade! Tia Érica e a tia Diana só falaram nela por dias…

            – Mau!

            – Parei – ele disse, levantando as mãos. – Tu quem sabe. Só não esqueça que eu sou mais forte que você, hein?

            E Mau foi embora, caminhando em um passo tão suave quanto uma pena.

            – Que ele quis dizer? – Vicente perguntou, arqueando a sobrancelha.

            – É que a Arlete ficou aqui em Castelobruxo nas férias do meio do ano passado… A gente passou bastante tempo junto e… – Douglas parecia constrangido em admitir, seus olhos prateados olhando para o chão. – Você conhece minha mãe…

            Arlete estava quase congelada. Ouvir o garoto dizer isso mexia com alguma coisa dentro dela. Ela não sabia bem o quê, mas sentiu alguma coisa estranha na barriga.

            – Não isso. – Vicente fez um gesto de impaciência. – Sobre ele ser mais forte.

            – Ah… – Douglas não pareceu menos constrangido, enquanto passava a mão pelos cabelos quase inexistentes. – Uma aposta, se é que me entende…

            – Não conseguiu trapacear dessa vez? – Fantasma perguntou, sorrindo. Arlete lembrou que, no ano anterior, os dois haviam apostado corridas de vassouras e Douglas havia ganhado várias vezes até que Carmen descobrira que ele estava usando um feitiço de velocidade.

            – Há! – o metamorfomago respondeu com sarcasmo. – Eu morrendo de rir.

            – Acho melhor a gente entrar – Carmen sugeriu de repente. – Tá tudo mundo entrando…

            Arlete havia quase esquecido onde estava entre o choque de ver o novo penteado de Douglas e o prazer de estar com os amigos todos reunidos, mas todos concordaram em entrar.

            Por dentro Castelobruxo era ainda mais encantador do que por fora. O teto era trabalho, formando figuras em ouro. Parecia aquelas igrejas mineiras. Ou pelo menos era o que Arlete achava. Não que ela já tivesse visto uma pessoalmente, mas aprendera sobre isso na escola brichote.

            No Salão Principal, quatro árvores majestosas ocupavam cada um dos cantos. De acordo com Cente, elas representavam as funções oferecidas pelas árvores: abrigo, sombra, beleza e alimento. Seis mesas de madeira compridas estavam dispostas no salão e uma sétima, quase tão grande quanto as outras, estava de travessada no fundo, onde os professores já se sentavam. Arlete teve que apertar os olhos, mas conseguiu identificar a velha e cega diretora Araci Rudá, o professor de História da Magia Queiroz, a professora de Voo Lídia, a de Feitiços Laila e o de Duelos e Varinhas Sergio, além de outros cujo nome desconhecia.

            Os Caiporas, criaturas pequenas e peludas, pulavam por todos os lados, desaparecem e reaparecendo eventualmente nos ombros e cabeças dos alunos, brincando como sempre faziam. Arlete não se esquecera de que no primeiro dia, um deles havia roubado alguns fios de seu cabelo. Ainda não descobrira pra quê.

            Os alunos, todos vestidos no uniforme verde da escola, conversavam e riam alto, suas vozes parecendo um único grande rugido. Arlete estava animada. Estava de volta, Castelobruxo era tão mágico e real quanto se lembrava. Foi atingida pela mesma sensação de irrealidade que da primeira vez em que estivera ali. Olhou para Carmen parada ao seu lado.

            Ela tinha o rosto contorcido em uma meia careta, mas forçou um sorriso quando viu que a amiga a olhava.

            Arlete estava tão feliz de estar ali que achou que talvez fosse dar uma estrelinha.

            – Venham! – Ela disse para os outros, tentando soar mais alto do que o resto dos alunos. – Vamos logo achar um lugar pra sentar logo, antes que não sobre nada.

            Não demorou muito depois de eles sentarem para os alunos do primeiro ano entrarem também.

            Arlete os identificou assim que os viu. Suas roupas já haviam sido substituídas magicamente pelos uniformes, porém suas expressões encantadas e confusas não deixavam duvidas de que eram os primeiranistas.

            Rindo, ela se perguntou se também havia ficado assim no ano anterior.

            Eles formavam um grupo bem heterogêneo, tal como o resto dos alunos, mas Arlete reparou algo diferente. Pelo menos dois deles usavam chapéus engraçados de vaqueiro, e uma das garotas…

            – Gente, olha aquilo! – Ela não aguentou. O colar da garota, que mais lembrava uma pele de cobra, chamava muita atenção.

            Seus amigos olharam na direção indicada.

            – Aquela é a Isabel Honorato Ávila – Douglas cochichou para que apenas eles pudessem ouvir.

            – Então você conhece ela? – Arlete perguntou, olhando melhor para a garota.

            Tirando o gosto para bijuteria, ela parecia bem comum. A pele era alguns tons mais escuros do que a de Carmen, porém mais clara que a de Cente; os cabelos pretos eram levemente ondulados e as pupilas se perdiam no meio das íris também escuras.

            – Claro que sim! – Vicente continuou, como se Arlete tivesse falado uma besteira. – Ela é filha do Francisco Honorato Ávila. Os Honorato são uma das Famílias Fundadoras do Eldorado!

            – Famílias fundadoras? – Fantasma repetiu, franzindo a testa.

            – Sim. – o amigo parecia indignado como o quão pouco eles sabiam. – Como as Icamiabas, os Abacy, os Vaina… Eles chegaram primeiro  muitos de seus descendentes ainda estão aqui.

            – Ué – Carmen disse, olhando para Douglas, desconfiada. – Mas eu achei que a sua família tinha chegado aqui primeiro e por isso a cidade chamava Eldorado.

            Douglas encolheu os ombros, dirigindo-lhe um sorriso torto.

            – Bem… É o que a minha família diz. Nem todos concordam.

            Arlete sentiu pena do amigo. Às vezes Carmen sabia ser um tanto rude.

            Vicente o encarou por um momento. Virou-se então para Carmen e explicou:

            – A história é muito antiga e há várias versões. Os Dorado são, de fato, uma das Famílias Fundadoras. Nisso todos concordam. Agora a versão mais aceita é que algumas famílias bruxas saíram da Península Ibérica durante a invasão moura e acharam aqui um novo lugar pra viver, bem antes dos brichotes. Eles se encontraram com bruxos nativos e começaram a reunir as crianças mágicas europeias e sul-americanas bem aqui, ainda em ocas indígenas. Algumas gerações depois, os europeus haviam se misturado tanto com os indígenas que eles tinham poucas características físicas europeias, mas alguns costumes e os sobrenomes sobreviveram. E também não demorou muito para a concentração mágica que havia aqui chamar a atenção de outro grupo bruxo poderoso na época: os incas. Por isso Castelobruxo parece um templo inca. Claro, sofreu algumas reformas e modificações desde então, como a barreira protetora, o campo esportivo…

            – Ah, entendi! – Arlete exclamou. – Então você é descendente indígena também, Doug?

            O garoto balançou a cabeça.

            – Eu só não falo porque ninguém acredita… – Ele deu de ombros. – Eu e meus irmãos somos bem brancos.

            – Eu também sou descendente indígena… – Carmen acrescentou. – Os lobisomens guará eram original uma única tribo, depois que viramos vários clãs e nos misturamos com brancos e negros.

            Arlete desejou ter alguma coisa do gênero a acrescentar. Falar que sua família era poderosa e antiga, que tinha uma história longe e mágica. Mas não havia nada. Tudo o que sabia era que a mãe era descendente italiana pelo lado de seu bisavô e seu pai… Bom, ela nem sabia mais quem era seu pai.

            Olhou novamente para Isabel.

            – Bom, ela é indígena também. – Observou, já que havia um silêncio incomodo pairando sobre os amigos.

            – Não, na verdade. – Vicente disse, ainda em seu tom professoral – Ela é cabocla. A mãe era indígena, o pai é branco. Quero dizer, o pai dela é Honorato, deve ter algumas mistura indígena também, mas não tão recente.

            – Hum… – Por algum motivo, Arlete não conseguia parar de olhar para o colar de serpente da garota. – E qual é a da pele de cobra?

            – Ah, essa eu sei. – Douglas tomou a voz. – Os Honorato são ofidioglotas. Isso quer dizer que eles podem falar com cobras. O colar deve ser pra dar sorte ou qualquer bobagem assim… Eles dizem descender do próprio Boiuna, mas é impossível.

            Boiuna… Arlete automaticamente levou a mão à varinha. Seu núcleo era feito de escama de boiuna.

            No último, eles haviam aprendido nas aulas de Biomagia que boiunas eram serpentes mágicas enormes que viviam dentro de rio e lagoas. Causavam alguns estragos, como a derrubada de alguns barcos e o desaparecimento de algumas pessoas, mas, em geral, eram fáceis de controlar e manter fora da visão dos brichotes.

            Porém, do jeito que Douglas falara, era como se ele estivesse falando de um ser específico, com letra maiúscula. Ela não entendeu.

            – Como assim? – perguntou, olhando de Douglas para Vicente e de volta para Douglas.

            Foi Vicente que respondeu:

            – O Douglas tá falando do Boiuna original, o que deu origem a todos os outros. Dizem que ele está escondido embaixo do rio Amazonas, adormecido.  Mas isso é lenda. Pelo que sabemos de verdade, existiu sim um ser imenso, que pode ter sido criado por algum bruxo e de onde vieram os outros boiunas, mas ele morreu há muito tempo. – Ele fez uma pausa, olhando para Isabel. – O que os Honorato dizem, é que esse Boiuna teve um casal de gêmeos,  Cobra Norato e Maria Caninana, com uma índia. Eles teriam nascido serpentes e sido atirados no rio logo após o nascimento. Cobra Norato era bom, mas Maria Caninana era má. Ela devorava homens, virara canoas e aterrorizava os indígenas, então Cobra Norato a matou. Ele, por ser filho de uma humana, podia assumir uma forma humana durante algumas noites, porém voltava ao rio para ser serpente durante o dia. Até que o feitiço foi quebrado e ele pôde viver para sempre entre os homens. Os Honorato dizem ser descentes dele. Por isso eles seriam ofidioglotas.

            – E o que você acha? – Carmen perguntou para Vicente, já que ele parecia saber de tudo.

            – Acho um pouco fantasioso demais, mas não vou dizer que não é uma possibilidade.

            – Bobagem! – Douglas exclamou. – Somos bruxos, eu sei, magia existe e é o máximo, mas falar que descendem de uma cobra? Acho que já é demais até para os nossos padrões! Os Honorato são meio malucos.

            – Eu não sei. – Vicente continuou sério. – Até hoje eles não tem mais do que um filho ou filha, dizem que há uma maldição na família ou coisa do tipo, que um irmão vai acabar matando o outro, igual o Cobra Norato matou a Maria Caninana. O pai da Isabel, o seu Francisco, tinha um irmão gêmeo, mas ele nasceu morto, cheio de escamas, a língua bifurcada…

            – Isso é o que eles dizem. – Douglas acrescentou, cruzando os braços. – Mas eles são malucos. Meu pai diz que não devo acreditar na maior parte das coisas que vem deles.

            – E, – Vicente acrescentou, olhando o amigo – como vocês perceberam, existe uma pequena rixa entre o seu Francisco e o tio Samuel, que aparentemente o Douglas absorveu.

            – Os ofidioglotas são bruxos das trevas. Todos sabem disso.

            – Você sabe que isso é só um dito popular, que não tem nenhuma base – Vicente continuou. – Só dizem isso porque Herpo, O Sujo e Salazar Sonserina eram ofidioglotas.

            – Os Honorato devem ser bruxos das trevas – Douglas murmurou.

            – Sério? – Carmen perguntou, mais baixo.

            – Isso não é verdade. – Vicente disse, olhando para o amigo rapidamente. – Mas não vou negar que os ofidioglotas não são muito bem vistos.

            Douglas não disse mais nada, apenas bufou, olhando para longe e demonstrando sua insatisfação.

            Arlete, sentada do outro lado da mesa, teve vontade de tocá-lo e confortá-lo. Ela não gostava de vê-lo assim.

            – Doug? – chamou, gentilmente.

            – Quê? – ele a olhou, mas seus olhos eram como ferro frio. Ela se assustou um pouco.

            – Eu…

            Felizmente não teve que continuar. Nesse momento, Jacinta pediu a atenção de todos, passando a voz para dona Araci, que lhes deu as boas-vindas e permitiu que o jantar fosse servido.

            Arlete comeu muito bem naquela noite. A comida de Castelobruxo era excelente e logo o assunto sobre as Famílias Fundadoras e os Honorato foi posto de lado em favor das risadas e conversas animadas. Douglas lhes contou sobre o jogo de tracobola para o qual a mãe ganhara os ingressos e ele fora assistir; disse também que pretendia entrar em algum dos times naquele ano, nem que tivesse que fazer teste para todos. Arlete, Fantasmas e Vicente repetiram o que já haviam contado uns aos outros no Navio Sem Parada, e Carmen não falou quase nada, como era de costume durante as refeições.

 

            Depois do jantar, eles se despediram. Vicente e Douglas voltaram para suas casas no Eldorado, Fantasma se dirigiu à Pirâmide Oeste, e Arlete e Carmen foram para a Pirâmide Leste.

            O jeito mais fácil de chegar ao dormitório delas era atrás do elevador mágico que ficava bem no meio da Sala Comunal Leste. Mas havia tanta gente tentando subir, que elas tiveram que esperar um pouco.

            – Eu estava pensando em adotar algum bichinho – Carmen disse de repente.

            – Eu também! – Arlete exclamou, feliz pela coincidência – Parece que a gente tava pensando igual.

            Carmen lhe sorriu.

            – A gente podia ir amanhã na Ponte Iubárranga. Temos que comprar alguns livros novos mesmo. Daí a gente aproveita e adota algum bicho juntas. – ela sugeriu. – Eu quero uma preguiça. Preguiças parecem legais, não é?

            – Acho que sim… – Arlete considerou. – Bom, eu tava pensando em um rato.

            – Um rato? – A amiga fez uma careta.

            Arlete achou graça.

            – Não precisa ser um rato. Mas acho que ia ser legal. Eu já vi alguns alunos com ratos por aqui. Uma iguana também parece bom…

            – Lete, você tem cada gosto – Carmen ria enquanto as duas finalmente entravam no elevador.

            No ano anterior, o andar dela era o número um, mesmo que esse ficasse onde devia ser o quarto andar. Nesse ano, quando Arlete olhou para os números no painel, viu o número dois substituindo o um no quarto andar. Resolveu arriscar.

            Castelobruxo era engraçado. Tinha algumas coisas que não faziam qualquer sentido ou então tinham um sentido totalmente próprio. Arlete amava isso.

            O andar delas parecia exatamente do mesmo jeito que no ano anterior, e elas subiram as escadas que circulavam o elevador, indo em direção a onde antes ficava o dormitório delas.

            De fato, a plaquinha com o nome delas ainda estava ali. Blanca, Arlete e Carmen Lúcia. Elas não haviam ainda apagado o nome de Fantasma, mesmo que ele não dormisse mais ali, mesmo que ele nem fosse uma garota. Mas, por algum motivo, não parecia certo tirar seu nome.

            O único problema foi que, ao entrarem, elas perceberam que já havia uma garota no dormitório.

            Arlete a conhecia apenas vagamente. Era uma garota de pele escura, com cabelos crespos e curtos. Não sabia seu nome e lembrava que haviam tido algumas aulas juntas no ano anterior, mas nunca conversara com ela.

            Não conseguia imaginar o que ela estava fazendo em seu dormitório. Pior: arrumando suas coisas.

            – Posso te ajudar? – Arlete perguntou, meio na defensiva.

            – Vocês estão usando essa cama? – ela perguntou, olhando casualmente para Arlete e Carmen, como se fizesse isso todo dia.

            Aquela era a cama de Fantasma. Arlete não estava entendendo bem o que estava acontecendo.

            – O que você está fazendo no nosso dormitório? – Carmen perguntou, um pouco mais rude.

            Arlete olhou para a amiga, repreendendo-a com o olhar. A garota de pele escura era mais baixa do que Carmen, porém era mais encorpada. Seus seios eram mais desenvolvidos e seus braços mais grossos. Seria melhor que não partissem para a briga…

            – É meu dormitório também. – Ela disse, dirigindo-lhe um olhar estranho.

            – Seu dormitório? – Carmen repetiu.

            – É. – Ela parou de mexer em sua mala e virou-se de frente para as amigas. – Vocês são Carmen Lúcia e Arlete, não é?

            As duas trocaram olhares, sem saber bem o que dizer.

            Fantasma havia trocado de dormitório, mas elas não sabiam que outra garota pareceria para tomar seu lugar. Parecia estranho…

            – Não é justo que você duas fiquem sozinhas em dormitório enquanto algumas de nós têm que dormir em quatro. – A menina continuou. – Além disso, briguei com uma garota do meu dormitório. Daí a Jacinta disse que eu podia trocar. – Ela olhava para as duas. – E aí? Posso pegar essa cama ou é de alguma de vocês?

            Arlete não conseguiu dizer nada. Ela só acenou com a cabeça.

            – Legal. – E ela começou a colocar suas coisas nas gavetas perto de sua nova cama.

            Arlete e Carmen ainda não estavam muito seguras. Elas se entreolharam novamente, indo para suas respectivas camas e pegando suas malas também.

            – Hum… – Arlete começou para a garota nova. – Qual você disse que era seu nome mesmo?

            – Eu não disse. Sou Dandara Gomes Medeiros.

            – Com quem você brigou? – Carmen emendou.

            – Não sei se vocês conhecerem. Ela chama Juliana Tataia. Uma ruiva sardentinha do caramba. – Dandara disse, sem parar de arrumar suas coisas. – Disse umas coisas sobre os meus pais…

            Arlete havia conversado com Juliana mais cedo. Ela não parecia tão má…

            Fez-se então um silêncio constrangedor. Arlete havia colocado sua mala na cama e a aberto, mas parou, olhando melhor para Dandara. Ela não conhecia mais ninguém que tivesse aquele nome, mas achou bonito. Talvez pudessem ser amigas. Talvez ela se provasse legal. E, quem sabe, até fizesse parte do grupo de amigos deles e ganhasse um espelho mágico também. Arlete se virou para Carmen:

            – Ela é negra?

            A lobisomem arregalou os olhos, parando de mexer em sua mala. Dandara parou também, olhando bem para Arlete.

            – Lete! – Carmen a recriminou.

            Ela não sabia o que havia dito de errado.

            – Ei, que eu saiba, eu sou a única daltônica aqui. – Dandara disse, parecendo um pouco ofendida. – Não consegue enxergar, não?

            – Ela não disse por mal. – Carmen falou, suspirou. – É que um amigo nosso tem a pele escura também, mas não gosta de ser chamado de negro. Ele diz que a mãe é negra e o pai é indígena, então ele é cafuzo. É isso o que você quis dizer, não é, Lete?

            Arlete balançou a cabeça. O que mais seria?

            Dandara pareceu relaxar.

            – Ah, nesse caso… Sim, sou negra.

            Ela estava quase voltando a arrumar suas coisas quando Arlete perguntou:

            – Dara… Posso te chamar de Dara? Dandara parece um nome um pouco comprido. – E, se esperar pela resposta, continuou: – Você tem algum animal de estimação?

            – Só eu estiver escondendo ele no meu bolso.

            – Legal, porque eu e a Carmen vamos adotar algum amanhã. Talvez Fantasma venha junto… Quer vir com a gente?

            Dara considerou. Agora era ela que parecia um pouco insegura com suas novas colegas de dormitório, mas Arlete tinha certeza de que era uma questão de tempo. Logo seriam amigas.

            – Tá bem. Eu sempre quis uma preguiça…

            – A Carmen também! – Arlete gritou, incapaz de conter a empolgação. Pensou então em coisas que os outros amigos gostassem. Seria mais fácil incluir Dara no grupo se ela tivesse gostos em comum com todo mundo: – Você gosta de trancabola?

            – Acho divertido, sim – ela respondeu. – Mas gosto mesmo é de suspenobol. Sou do time dos Vira-Latas.

            Mesmo que Dara parecesse orgulhosa em dizer isso, não fez muita diferença para Arlete. Ela mal conhecia os times de trancabola, e Douglas vivia falando sobre eles. Os de suspenobol então…

            – Ah. Não conheço muito de suspenobol – Arlete admitiu.

            – Não? – Dara parecia surpresa. – É o melhor esporte do mundo! Devia vir nos ver treinar algum dia.

            Arlete ficou feliz em ver como a conversa fluiu fácil com Dara depois disso. Carmen não falou muito, mas, quando falou, não parecia mais na defensiva. Na verdade, depois de arrumarem suas coisas e tratarem da higiene pessoal, as três ainda ficaram acordadas por algo tempo conversando. Arlete ainda descobriu que Dara era filha única, morava no Espírito Santo, os pais eram bruxos, ela era apaixonada por chocolate e voava em vassouras desde que tinha idade o suficiente para isso.

            Quando finalmente foi dormir, Arlete se sentia melhor do que nos últimos dias.

            E seu sono foi tranquilo, sem sonhos dessa vez.

 


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