Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 12
Capítulo 12 - Reunião Anual dos Acheu


Notas iniciais do capítulo

ESTOU DE FÉRIAAS! Não vou prometer, mas pretendo postar pelo menos um capítulo por semana agora. Se eu tiver bastante tempo vago, quem sabe, dois... :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/680362/chapter/12

            Seu último mês em Castelobruxo passou depressa. Entre as provas finais, tentar arrumar tudo e defender Fantasma sempre que algum engraçadinho vinha fazer alguma piada, Carmen Lúcia nem percebeu que tinha tão pouco tempo na escola. Isso até que, enquanto todos voltavam da casa de Douglas depois de terem comido os doces deliciosos do seu Samuel, o próprio Douglas reclamou que logo eles iriam o abandonar.

            – Não se preocupe com isso – Vicente disse. – São só dois meses e depois estaremos de volta. Além disso, temos os espelhos – ele exibiu o seu com orgulho.

            – Você vai pra casa, Lete? – Carmen Lúcia perguntou de repente. A maioria dos alunos voltaria para a casa, é verdade, mas a professora Jacinta já avisara que os dormitórios permaneceriam abertos se alguém resolvesse ficar. Arlete não voltara para casa no meio do ano e Carmen Lúcia sabia que seu relacionamento familiar não era dos melhores…

            – Vou. – Ela forçou um sorriso – Todos vamos pra casa, não é?

            – Eu também… – Fantasma estava ainda mais pálido do que normalmente estaria enquanto encarava o chão e parecia nauseado.

            Arlete apenas olhou para Fantasma e esqueceu completamente seus próprios problemas. Carmen Lúcia viu enquanto ela se aproximava do amigo e o abraçava. Os problemas pessoais de Arlete parecerem ter evanescido: tudo o que importava era Fantasma.

            – Vai dar tudo certo! – a menina disse. – Seus pais serão compreensivos, e Pacho vai voltar a conversar com você e…

            – Para, Arlete – o argentino pediu, livrando-se de suas mãos. – Sei que tem as melhores intenções, mas me cansei de você me falando que vai ficar tudo bem. Vocês são os melhores amigos que eu poderia pedir e estão me ajudando bastante, é verdade… E os caras do meu dormitório também são legais, mas fora isso… – ele suspirou, passando a mão pelos cabelos curtos. – Tudo parece tão confuso.

            Todos ficaram em silêncio por um tempo, até que Douglas se manifestou:

            – Bom, é natural que pareça, não?

            – Doug! – Arlete o repreendeu com um tapa na barriga.

            – Mas é verdade! – ele massageou a região atingida por Arlete. – Não estou falando isso de um jeito ruim, Fantasma, mas tudo isso é muito confuso. Cara, a gente tá aqui pra te apoiar, mas algumas pessoas precisam de mais tempo do que outras. Olha, se eu fosse você iria pra casa, conversaria melhor com meus pais e daria um tempo pra eles.

            – Pra você é fácil falar – Fantasma disse, elevando a voz. – Sua família é perfeita. Seus pais te amam e já deixaram bem claro que te apoiariam sempre. Não foram eles que te enviaram uma carta te falando que era melhor nem voltar. Além disso, você não esteve preso no corpo de uma garota por onze anos!

            – Ei, calma. – Douglas levantou as mãos, mostrando que não pretendia atacá-lo. – Eu sei que foi a Jacinta que te convenceu a voltar, mas eu acho que ela está certa. Porém, se serve de consolo, tenho certeza de que você poderia ficar aqui se não quiser voltar, mesmo que eu não ache que é certo prolongar o momento do confronto, mas…

            – Douglas Dorado, cala a boca! – Arlete gritou, metendo-se no meio. Ela parecia furiosa. Carmen Lúcia e Vicente só observavam o desenrolar da cena, sem saber bem como reagir – Só tá piorando tudo!

            Fantasma suspirou de novo.

            – Não, não – Ele piscou forte, olhando para Douglas e Arlete. – Está tudo bem. O Doug tem razão. Tenho que falar logo com os meus pais… – ele fez uma pausa. – Além do mais, são meus pais, eles também me amam, não é?

            Douglas sorriu e colocou uma mão no ombro de Fantasma, deixando claro que estava ali para apoiá-lo. Do outro lado, Arlete o abraçou com um dos braços.

            – Vamos ficar todos juntos, não vamos? – Arlete perguntou, puxando Carmen Lúcia e chamando Vicente para o abraço também. – Mesmo sem nos veremos durante as férias…

            – Claro que sim, Lete! – Vicente sorria com sinceridade. – E vamos todos voltar antes mesmo de sentirmos falta.

            Carmen Lúcia se apertou no abraço ao ouvir isso. A verdade era que sentiria falta de Castelobruxo, das aulas e dos professores; sentiria falta das ruas douradas e estreitas do El Dorado e das lojas da Ponte Iubárranga; mas sentiria ainda mais falta daqueles quatro amigos que fizera. Não queria deixá-los.

 

            O último dia de aula deles se arrastou como se nunca mais fosse acabar. Eles acompanharam Nestor para conhecer os animais salvos em Castelobruxo e Carmen Lúcia ficou chateada quando a maioria deles fugiu dela; na aula de Feitiços, eles aprenderam um último truque de como trazer objetos para perto e, na aula de Transfigurações, eles terminaram seus trabalhos sobre a diferença entre transfigurar e destransfigurar.

            Jacinta também passou pelas classes várias vezes alertando sobre o uso de varinhas e magia fora de Castelobruxo, e, mais tarde, no almoço, repetiu a mensagem. Era-lhes permitido lançar feitiços, desde que com discrição. A consequência pelo uso de magia indevida em visto de brichotes seria a expulsão da escola.

            Carmen Lúcia não se preocupou muito com isso. Não tinha muito contato com brichotes em sua casa e toda sua família era lobisomem.

            Mais tarde, enquanto se despediam, eles não falaram sobre suas famílias ou sobre saudade quando deixaram Douglas na Árvore Estação. Fantasma parecia mais animado (ou, pelo menos, seu nervosismo havia quase desaparecido). Arlete também estava contente e se esforçava ao máximo para não se permitir abalar por qualquer motivo, mesmo que Vicente tivesse lhe dito que ela parecia assustadora sorrindo daquele jeito.

            No Navio Sem Parada, Carmen Lúcia, Arlete, Fantasma e Vicente conversaram tanto que a viagem pareceu ainda mais curta do que a lobisomem se lembrava. Ela foi a primeira a desembarcar, abraçando os amigos e lhes desejando sorte com suas famílias.

            E, então, de repente, ela se viu sentindo falta de sua própria família, de sua casa.

            Aterrissou no meio da floresta, dentro da lagoa que a fez lembrar-se do primo Danilo. Diferente do que fora quando voltara para casa durante as férias do meio do ano, agora seus pais, sua avó e sua irmã sabiam onde ela aterrissaria e todos estavam a esperando.

            – Filha! – O pai gritou assim que a viu, a voz mais alta do que o som da cachoeira. Ele estendeu a mão para ajudá-la a sair da canoa. – Tudo bem?

            – Hen-hein. – A garota respondeu enquanto ele despenteava seus cabelos. – É tão bom voltar!

             A próxima a recebê-la foi a irmã, com um sorriso largo e um abraço apertado.

            Senti sua falta! A voz ecoou em sua mente.

            Eu também, Lia.

            Sua mãe também se aproximou, pegando Emília no colo com uma mão e abraçando a mais velha com a outra, tocando seu rosto e lhe transmitindo aquela sensação maternal boa.

            – Estou muito feliz que esteja de volta, querida – ela sorria com doçura enquanto afastava o cabelo da filha do rosto.

            Vó Carminha foi a última. A menina não tinha certeza se era a avó que estava encolhendo ou ela que estava crescendo. Talvez os dois. Sorriu e se curvou para abraçá-la.

            – Senti tanta falta, vó! – ela exclamou, afastando-se para olhar a senhora nos olhos. Aqueles seus olhos miúdos e claros que em nada se assemelhavam aos do resto da família. – Castelobruxo é tão legal!

            A avó sorriu, segurando-se na neta. Por um momento ela parece um pouco aérea, como se estivesse lembrando seus próprios dias na escola mágica. Carmen Lúcia imaginou que um dia seria ela própria também velha e enrugada e os anos em Castelobruxo estariam distantes. Mas esse foi um pensamento triste que ela tratou logo de afastar.

            Afinal, ainda tinha seis anos em Castelobruxo.

            — E então? – ela perguntou em voz alta, virando-se para o resto da família. – Que de importante eu perdi?

            Foi Emília que se manifestou, aproximando-se da mais velha e pegando-lhe a mão enquanto as duas andavam em direção à casa na chácara.

            – Vovó fez uma boneca pra mim! – A menina contou. – Disse que tem o mesmo nome que eu. Eu estou deixando ela usar sua cama. Mas eu tenho certeza de que ela não vai se importar em dividir a cama comigo, agora que você voltou… Eu fiz um desenho de nós três brincando também. Agora a gente vai poder brincar bastante, não vai, Lulu? Você não vai mais embora. Ah! E estou praticando meus poderes…

            Carmen Lúcia apenas sorriu enquanto ouvia a irmã e a acompanhou. Sentira falta da irmã, sentira falta da família. Respirou fundo, inalando todos os cheiros da floresta e deixando que a invadissem. Agora poderia praticar suas habilidades como lobisomens do jeito certo.

            E a loba dentro de si estava absolutamente contente. Estava em casa.

 

            O sol a pino encontrava seu caminho pelas árvores baixas e afastadas umas das outras, chegando à pele e aos olhos de Carmen Lúcia, o que a fazia suar e a impedia de ver direito. Seus outros sentidos, no entanto, estavam mais do que atentos. O ar seco e carregado de informações entrava em seus pulmões, permitindo que ela soubesse em qual direção a lagoa ficava e onde encontrar frutas; os ouvidos sabiam exatamente onde alguns pássaros construíam seu ninho e sabiam do sagui escondido entre os galhos; mesmo o gosto do almoço ainda estava fresco em sua boca.

            Liberdade, poder, harmonia.

            De repente Danilo entrou em seu radar.

            Tirou-se do caminho depressa, evitando ser atingida pelo salto do primo já transformado. Ele apoiou uma das patas dianteiras no chão e a encarou com seus olhos dourados, a boca aberta como se sorrisse.

            Uma corrida até a cachoeira, Lulu? Já que você disse que melhorou tanto…

            Carmen Lúcia sorriu para o primo. Já fazia algum tempo que os dois estavam andando sem rumo pela Chapada das Mesas, mas era por esse momento que a garota estava ansiosa. Só estavam ali porque Carmen Lúcia o desafiara para uma corrida. Eles já haviam apostado corrida pelo menos três vezes naquele dia: até o ipê, até a colina, até o tamanduá-bandeira. Mas Carmen Lúcia sabia bem que a única corrida que valia mesmo era a até a cachoeira.

            – Achei que você nunca iria sugerir a cachoeira. – ela disse, sorrindo e saltando.

            Não foi Carmen Lúcia que aterrissou. Ou, pelo menos, não do mesmo jeito que saltara. A criatura enorme e castanho-avermelhada era quase do mesmo tamanho que a primeira, porém estava correndo tão rápido na frente que seria difícil notar.

            De novo, Lulu? Ainda acha que pode me vencer saindo na frente? A voz que a atingiu vinha em tom de riso. Olhou rapidamente para trás e encontrou o primo a perseguindo.

            Mas estava determinada a não deixá-lo tomar a dianteira.

            Não dessa vez.

            Forçou as pernas a acelerarem, fazendo os músculos já cansados doerem.

            Mas não foi o bastante para pará-la. A cachoeira estava próxima, logo teria ganhado…

            Contudo Danilo também estava avançando perigosamente. Em circunstâncias normais ela teria simplesmente acelerado mais um pouco e não ligaria para o primo, porém os músculos reclamavam demais. Se Danilo não tivesse aquela ideia estúpida de fazerem pequenas corridas antes…

            Que foi? Não é tão boa quanto achou?

            Danilo estava tão próximo que Carmen Lúcia resolveu que não valia a pena insistir. Sentindo a raiva queimando-a por dentro, desacelerou, dando um descanso para suas pernas.

            Foi só quando captou alguma coisa, como uma risada, vindo pela transmissão mental que uma ideia surgiu em sua mente. Talvez fosse loucura, talvez não funcionasse, porém…

            Usou toda sua força mental no feitiço:

            Abaquar.

            Usar o feitiço uma única vez foi o bastante. Suas pernas ganharam nova vida, seu corpo inteiro foi impulsionado para frente como se tivesse sido lançado de um canhão. Usou o último resto de forças que tinha para continuar correndo e logo seu corpo inteiro estava na frente do primo.

            Olhou para trás. Danilo parecia confuso. Carmen Lúcia estava tão feliz que deixou duas latidas escaparem.

            Lúcia! Que foi isso? Ei! Carmen Lúcia Acheu!

            Mas a garota nem olhou para ele. Ela simplesmente continuou correndo enquanto o som da cachoeira ficava cada vez mais alto e, por fim, ela saltou na lagoa, caindo na água já com seus traços humanos, Danilo logo atrás dela.

            Quando os dois subiram à superfície, ela ria, ele estava confuso.

            – Eu perdi alguma coisa? – ele perguntou, completamente indignado. – Em um minuto eu estava na frente, daí de repente você falou alguma coisa estranha e passou na minha frente. Lúcia, você estava usando magia?

            Carmen Lúcia ria demais para responder. Ganhara. Não importava como, pela primeira vez ganhara aquela corrida do primo.

            – Lúcia! – ele chamou, exigindo uma explicação. – Pare de mangar!

            – Eu nem estava com a varinha! Não poderia ser magia. – Quando ele continuou a olhando com acusação, ela se defendeu: – Além disso, achei que as únicas regras do jogo fossem que você podia dar tudo de si. Magia é parte de mim, Dani! – ela nadou para longe.

            – Mas isso é trapacear, desgranha! – ele nadou para acompanhá-la. – Não é justo! E a gente nunca discutiu as regras!

            – Exatamente! – Carmen Lúcia riu mais alto, começando a flutuar. – Não posso quebrar as regras se nem havia regras. Não seja mal perdedor!

            – Só não é justo, Lulu! Não valeu.

            Tudo o que a menina lhe deu como resposta foi uma risada.

             – Lúcia! – Danilo chamou, e Carmen Lúcia se levantou para ver o que ele queria:

            – Quê?

            Ela não percebeu o que o primo pretendia até que água voou em seu rosto. Danilo jogava água em sua direção, deixando-a ainda mais molhada.

            Carmen Lúcia mergulhou para evitar o ataque, e Danilo a acompanhou. Em baixo da água, era possível identificar os peixes fugindo deles, mas Carmen Lúcia também viu o sorriso de Danilo e sentiu suas emoções e soube que ele não estava tão bravo quanto aparentava estar.

            Os dois ainda ficaram na lagoa, ouvindo o som da cachoeira por um bom tempo. Quanto, exatamente, Carmen Lúcia não sabia dizer, mas já estava começando a escurecer quando eles saíram do lago e Danilo sugeriu que eles voltassem.

            – Sem corridas dessa vez. – ele a olhava, ainda um pouco chateado. – Não quero que tu use aquela magia Ababar ou qualquer coisa do gênero.

            Carmen Lúcia riu, mas não o corrigiu.

            Vamos andar. Ela sugeriu. Aproveitar o fim da tarde.

            — Ou ainda tem medo do escuro? – Ela provocou.

            Danilo deu um sorriso fraco.

            – Não tenho medo de nada, Lulu.

            Sou um lobo. Sou um Acheu. Os Acheu não tem medo.

            Nisso está certo, primo.

            Os dois então andaram lado a lado, devagar. Carmen Lúcia achava que talvez fosse melhor ir mais rápido, mas Danilo disse que não tinha pressa de voltar para a casa dela.

            – Por quê?

            – Bom… – Danilo passou a mão pelos cabelos. Claro, ele parecia um pouco mais velho do que no ano anterior, com seu novo corte e com os pelos começando a aparecer no queixo, mas de repente pareceu ainda mais velho. Uma sombra encobria seu rosto. – Algumas coisas estranhas estão acontecendo, eu acho… Não sei se você entenderia…

            Carmen Lúcia podia sentir as emoções do primo e sabia o quanto aquele assunto era sério. Havia um misto de tristeza, confusão e irritação brincando dentro dele.

            – Que aconteceu? – ela perguntou.

            Normalmente não gostava de se meter na vida dos outros. Não tinha nada a ver com aquilo. Tudo que queria era correr pela mata, aperfeiçoar suas transformações e honrar o nome do clã. Não tinha nada a ver com a vida do primo, mas aprendera algumas coisas depois de toda a história de Fantasma. Sabia agora que algumas pessoas precisavam de um empurrãozinho pra começar a falar.

            E Danilo estava nervoso com Carmen Lúcia não se lembrava de jamais tê-lo visto.

            O que está acontecendo? Além está te ferindo? Ela perguntou, tentando olhar nos olhos baixos dele.

            O garoto forçou um novo sorriso, olhando para cima, esticando o pescoço.

            – É o Nicolas. Estou preocupado. Ele está agindo tão estranho ultimamente… Quero dizer, falando coisas tipo… “Os lobisomens não deviam ter que se esconder” ou que “os brichotes estão sempre no nosso caminho”. Não gosto do jeito que ele fala isso. Me faz pensar que, talvez… Não sei. Ele e Heloísa têm brigado tanto…

            Danilo suspirou.

            – Você me entende, não? – ele olhou para a prima, as sobrancelhas juntas no rosto.

            Carmen Lúcia tentou lhe dizer que ficaria tudo bem, que Nicolas devia estar passando por uma fase apenas, mas que logo voltaria ao normal. Ela não sabia bem se Danilo acreditara nela, já que o primo também podia sentir suas emoções e devia saber que ela também estava nervosa.

            Também pensou em lhe contar sobre como seus pais também vinham agindo estranho e às vezes discutiam baixo no meio da noite. Ela não sabia bem sobre o quê, mas conseguiram ouvir as palavras “loucura” e “melhor jeito”. No fim, não disse nada e deixou Danilo falar.

            – Talvez você tenha razão. Nicolas também falou alguma coisa sobre uma União Bruxa ou… Desculpa ficar me lamentando tanto, Lulu, mas é que só confio tanto assim em você.

            A menina o fitou. A preocupação estava estampada em seu rosto, porém, quando seus olhos encontraram os da prima, ele relaxou. E, quando ela sorriu pra ele, Danilo sorriu também.

            Obrigado. A transmissão chegou a ela, o que apenas fez Carmen Lúcia alargar o sorriso.

            Danilo sempre fora seu primo favorito e era bom saber que ele confiava nela tanto assim.

            Não demorou muito para chegarem à chácara, porém já estava tão tarde que escurecera. Carmen Lúcia pegou uma goiaba do pomar antes de eles entrarem, conversando sobre qualquer coisa e tentando fazer Danilo rir..

            Eles adentraram o hall principal apenas para ver o quadro da família lhes encarando. Carmen Lúcia olhou para seus pais, ela mesma e sua irmãzinha parados no meio da pintura. Eles pareciam tão felizes…

            A casa estava lotada como sempre naquela época do ano. Tios e tias, primos e primas se espalhavam por todos os cantos, tornando a casa falante e agitada. Tia Lívia saiu do banheiro assim que eles entraram na sala, onde tia Milena conversava com a prima Laís, que tinha ambas as mãos sobre o ventre inchado.

            – Pequena! – A voz da avó veio da cozinha e logo seu rosto enrugado pareceu na porta. Ela sorria para Carmen Lúcia.– Vocês dois já voltaram. Já estava quase mandando alguém buscá-los! Ara, que é essa goiaba que tu tá comendo? Assim não janta!

            – Tudo bem, vó. – Danilo disse, olhando para Carmen Lúcia. – Tu sabe que nós temos uma fome de lobo.

            Os primos riram, mas vó Carminha apenas forçou um sorriso.

            – Vocês, lobos… – ela se esforçava para parecer séria, mas Carmen Lúcia sabia que estava achando graça da situação. A senhora sempre dizia que a casa estava lotada demais, que os lobos não sabiam se comportar ou que deixavam todo o trabalho para ela, mas no fundo, Carmen Lúcia sabia que ela gostava de tudo aquilo. – Bom, o jantar está pronto. Vão sentar, os dois. Eu já vou chamar todo mundo.

            Carmen Lúcia e Danilo se apresaram para a mesa enquanto ouviam a voz magicamente ampliada da avó chamando o resto da família para o jantar.

            – Vamos receber os muiraquitãs. – Danilo lhe sussurrou. – Ano passado eu achei que tinha perdido o meu perto de uma lua cheia, mas eu acabei achando ele. Você acha que consegue enfeitiçá-los para que não sumiam?

            Carmen Lúcia não tinha certeza, mas pelo menos não conhecia nenhuma magia do tipo. Resolveu que iria perguntar para algum professor assim que voltassem às aulas.

            O jantar não foi tão tranquilo quanto era normalmente. Danilo estava certo e havia um clima estranho entre Nicolas e Heloísa, que, apesar de sentarem perto, não trocaram nenhuma palavra. No fim, até Emília pareceu um pouco assustada pela aura dos dois e apertou a mão da irmã mais velha no meio do jantar.

            Tudo bem. Carmen Lúcia lhe transmitiu. Sabia que os outros ouviriam, mas pelo menos não saberiam do que se tratava.

            Depois de todos comerem, tio Cláudio se levantou e fez um breve discurso, antes de passar os muiraquitãs ao redor.

            – Vou ganhar um esse ano? – Emília perguntou, parecendo ansiosa.

            Carmen Lúcia sorriu gentilmente para ela.

            – Ainda não, Lia. – ela beijou sua testa quando a menina entristeceu. – Mas, se continuar praticando tanto assim, talvez ano que vem seja poderosa o bastante.

            No fim, todos voltaram para seus quartos. Carmen Lúcia normalmente dividia o seu com Emília, porém, agora que tantos tios e primos estavam acomodados na casa, Heloísa também estava dormindo com elas.

            A prima demorou a dormir. Ela deitou no colchão aos pés da cama de Carmen Lúcia assim que chegaram ao quarto, mas se revirou e reclamou de Nicolas por pelo menos mais meia hora.

            Carmen Lúcia não sabia exatamente o que estava acontecendo. Não presenciara todas as brigas para saber e Heloísa se recusou a explicar exatamente, mas percebeu que, pelo que a garota falava, Nicolas estava começando a soar como o primo Ítalo. Só esperava que ele não se metesse em nenhuma briga também.

            Nicolas, Danilo e Heloísa sempre haviam sido os primos com quem tinha mais contato. Não gostava de vê-los discutir tanto.

            Na verdade, Heloísa só parou de falar quando Carmen Lúcia lhe disse que ela não estava deixando Emília dormir.

            – Não estou tão cansada! – A mais nova protestou, mas um bocejo a traiu.

            – Sim, está. – Carmen Lúcia a ajeitou melhor na cama, colocando a boneca de pano perto dela. – Vai dormir, Lia.

            Assim elas apagaram a luz e fizeram silêncio. Não demorou muito para as respirações de Emília e de Heloísa se tornarem profundas.

            Carmen Lúcia ainda esperou para garantir que as duas estavam dormindo antes de pegar sua varinha de castanheiro-do-pará:

            – Lumus.

            A ponta da varinha se acendeu imediatamente. A garota se pôs de pés, tomando cuidado para não pisar no colchão de Heloísa.

            Dentro de uma das gavetas do armário, escondido bem lá no fundo, estava seu espelho mágico. Carmen Lúcia pertencia aos lobisomens, andava com lobisomens, falava com lobisomens. Mas não esquecera seu lado bruxo.

            Pegou o espelho, sentando de volta na cama e sussurrando o nome de Arlete bem baixinho.

            – Oi! – A imagem da amiga a cumprimentou. Ela devia estar em seu quarto, mas as luzes também estavam apagadas. Mais cedo, naquela manhã, recebera uma carta dela lhe pedindo que lhe ligasse pelo espelho assim que pudesse. – Já recebeu a sua? – Arlete perguntou, exibindo sua carta de Castelobruxo.

            – Ontem de manhã – Carmen Lúcia lhe sussurrou – Tive sorte que a harpia chegou antes dos meus parentes, ou eles me encheriam pelo resto da reunião.

            – Nem dá pra acreditar que já faz tanto tempo! – Arlete elevou um pouco a voz. Havia um sorriso enorme em seu rosto, indo de uma orelha à outra. – Vamos voltar semana que vem!

            – Eu sei! – Carmen Lúcia também estava animada. Ela evitara pensar sobre Castelobruxo durante as férias, mas, agora que pensava, percebeu o quanto sentia falta da escola. – Tô sentindo tanto a falta de vocês…

            Heloísa se mexeu em seu sono. Carmen Lúcia cobriu a boca com a mão.

            – Ei, desculpa ficar tão pouco, mas acho melhor desligar ou vou acabar acordando minha prima. Vou te enviar uma harpia assim que eles forem embora, tá bom? Boa noite, Lete!

            – Boa noite! – Arlete disse de volta, desligando a conexão.

            Carmen Lúcia ainda ficou sentada no escuro por mais alguns momentos, antes de se levantar de novo, varinha acesa em punho, para guardar o espelho e pegar sua carta de Castelobruxo. Ela era bem parecida com a primeira carta que recebera, com a lista dos materiais e a opção sobre ficar nos dormitórios da escola ou não.

            Ela deu uma olhada rápida em Heloísa e Emília. Elas dormiam profundamente.

            Carmen Lúcia decidiu que elas não se importariam se respondesse à escola naquele momento.

            Então ela pegou uma caneta e marcou que ficaria nos dormitórios. Apanhou também seu apito para harpias e abriu a janela, deixando que o ar seco entrasse e bagunçasse seus cabelos.

            Não demorou muito para a ave enorme chegar, parecendo tão majestosa quanto todas as outras. Carmen Lúcia lhe entregou a carta e observou enquanto a harpia voava pela noite.

            Suspirou, apoiada na janela. Dentro da casa toda sua família lobisomem; fora, a harpia levando sua carta para Castelobruxo.

            Antes achara impossível, mas agora percebia que era tão bruxa quanto lobisomem.

            Fechou os olhos, sorrindo.

            Estava em equilíbrio completo.

            E logo voltaria para Castelobruxo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E é isso. Fim do primeiro ano. Espero que tenham gostado tanto quanto eu e tenham se apaixonado pelos personagens assim como eu. Os anos em Castelobruxo estão só começando e há muito o que esperar, mas acho que valeu a pena até aqui. :D
Até a próxima!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Castelobruxo: Anos Dourados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.