O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 38
Capítulo 38




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O táxi freou bruscamente na entrada do hospital. Florinda jogou no colo do motorista duas notas e não esperava por troco. Abriu a porta e correu com Babi no colo para a emergência como se fossem os cem metros que a separava de uma medalha de ouro. Apesar da quantidade de gente de costume, as pessoa lhe davam passagem ao ver nuvens de tragédia se avizinhando sobre a cabeça daquela mulher. Um enfermeiro veio acudí-la com uma atenção fora do normal. Logo levou-a para encontrar um médico, que olhou a criança morta nos braços dela e pediu discretamente que o enfermeiro chamasse uma assistente social.

 

— Vocês não vão fazer nada? – Gritava numa consternação doída a mulher querendo entregar a criança ao médico, que por sua vez, apenas pegou o pulso fino do bebê para ter certeza.

— Você quer me contar o que ocorreu senhora?

— Nãão. Eu quero perguntar o que tá se passando aqui? Tome, leve a minha filha pra UTI, faça alguma coisa, você não é médico?

— Sim senhora. Médicos tentam salvar pessoas vivas, mas lamento dizer que a sua filha....não está mais viva.

— Está sim, você não vê as bochechas coradas. Ela tá só desmaiada!

— Venha aqui por favor.

— Não. Se vocês não querem ajudar Babi eu procuro outro hospital – Disse já saindo do PS tropeçando no que via pela frente, desacorçoada da vida.

Ao sair ficou com medo ao ver dois cães vira latas atento a quem passava pela porta do hospital e lembrou da sua fobia.

— Não se preocupe não moça, eles estão aqui há mais de duas semanas, desde que o seu dono entrou aí. O homem morreu faz dois dias, mas os bichos ainda não sabem disso e ficam aí rondando como se o cuidador fosse sair por essa porta a qualquer momento. Pobres animais – Proferiu o segurança tristemente e cansado de expulsar os vira latas dali.

Florinda olhava pro corpo da sua filha inconformada. Lhe abriu os olhinhos pelas pestanas e percebeu que estavam opacos. Os pequenos lábios estavam enrijecidos e sem viço. Seu corpo ainda guardava um pouco de calor, mas o seu coração tinha parado.

 

Se sentia como aqueles cães. Não saberia por quanto tempo fingiria que Babi ainda poderia voltar a vida e lhe presentear com o mais belo dos sorrisos. Ela fora negligente e agora segurava nos braços o cadáver do seu bebê. Olhava o trânsito caótico da avenida e a sua cabeça processava mil informações a cada instante. Nada fora mais importante na sua vida do que uma gravidez com quarenta e um anos de idade, a despeito de quem era o pai. Lembrou que não tinha nenhuma foto com Babi desde que nascera. Num rompante, decidiu procurar um fotógrafo lambe lambe no centro da cidade para ao menos ter uma recordação da sua criança. O dinheiro que Almeida tinha lhe dado era suficiente para pegar mais um táxi e fazer o retrato.

 

##

 

Ele queria que Selma lhe acompanhasse no dia seguinte até a seguradora e a joalheria. No primeiro lugar se informaria sobre o seguro de vida da sua mãe e, no segundo, avaliaria a pedra.

— Claro que vamos juntos. Não te deixaria resolver essas coisas sozinho jamais – Esclarecia a mulata, ainda deitada ao lado de Diolindo, fazendo-lhe um cafuné, enquanto ele, satisfeito, lhe tascava um beijo naqueles lábios grossos que tanto chamavam atenção.

— Obrigado. Não sei o que seria de mim sem você. Aliás sei sim. Um homem doente, perdido num emaranhado de burocracia que eu jamais conseguiria entender e sendo mais enganado que um caixa de banco cego.

— Vou estar sempre do seu lado. Dos lados, na frente, nas suas costas, como uma pulguinha. Uma pulga anjo da guarda, daquelas que não chupam o seu sangue só pra encher a pança, mas com a gotinha que lhes fica na boca sabe dizer se você tá aperreado ou não.

 

Ele coçou a cabeça e ficou com vergonha de dizer que não tinha entendido a metáfora. Mas vindo da sua mulata tinha que ser coisa boa, por isso lhe deu outro beijo e propôs uma nova cópula, desta feita com o seu outro sexo. Aquilo era bem divertido, era como mudar o canal da televisão de um programa bom para outro ainda melhor. Passou um pouco de vaselina no seu ânus e virou de costas pra sua mulher, que entendeu o recado e mandou ver.

 

Franco viu o dia se esvair deitado no quintal com Gemima por cima dele, ambos nus e saciados.

— Meu pão de mel, será que vou viver o suficiente pra te fazer lembrar de mim pra sempre?

— Hum! – Respondeu ela despertando de uma semi consciência – Deixa de ser bobo, eu já fiz a minha escolha. Fui mulher de um homem que me tratava como lixo, mesmo fazendo todas as suas vontades. Espero que ele tenha sido recebido pelo capeta em pessoa no inferno.

— Tenho certeza que o diabo tá feliz com a aquisição. Mas eu falo da fugacidade da vida. Hoje estamos acesos e de repente alguma coisa nos apaga.

— Que é isso meu coroa, e desde quando vida é luz de discoteca?

— Você é um presente que não mereço.

— Então faça por merecer e me abrace.

 

Ficaram ali como se o mundo inteiro girasse ao seu redor como uma ambulância sem freios, e as coisas ruins tivessem medo de chegar perto com receio de virarem coisas boas. Franco apertou a sua gordinha com rostinho de querubim não acreditando que pudesse feliz por tanto tempo. Tinha feito coisas ruins na vida e não se orgulhava de nenhuma delas. Algumas até lhe foram imputadas de forma leviana e ele bradava ao mundo aquelas verdades mais pela fama que por ser verossímil. Tinha alcançado um grau tão grande de mitomania que lhe era difícil distinguir o falso do verdadeiro. Achava que com a sua idade isso já não importava mais. O mundo que se fodesse com os seus dedos apontados para ele, enquanto esses mesmos dedos eram ligados a mãos que roubavam a atenção dos outros com libelos hipócritas. A safadeza era uma planta carnívora que ia devorando silenciosamente a inocência de quem se dispusesse a pousar nas suas folhas.

 

— Isso que estou sentindo aqui é um pau duro?

— É uma mangueira ligada a uma bexiga cheia de pinga querendo abrir espaço para a próxima rodada.

— Você não vale o que come coroa!

— Nem valho o que cago também!

Ambos caíram na risada ouvindo mais uma sessão de gemidos do quarto principal, desta feita com Diolindo como autor dos uivos mais agudos.

 

###

 

O quarto estava na mais completa escuridão quando a grandona entrou e acendeu a lâmpada. Estava vestida com uma bata branca que ia até os pés, e uma coroa de flores na cabeça. Através do tecido fino conseguiu ver que ela não vestia nada por baixo.

 

— Olá autoridade! Vim provar um pouco do seu remédio que cura o desejo de coisas proibidas.

— Se essa coisa for me comer como linguiça ou coisa que o valha, eu topo.

— Não sou eu quem decide isso, mas você vai ficar na minha lembrança para sempre. E no meu estômago até eu lhe cagar inteirinho, ahaha! Ô, peço desculpas. Assim eu não estou ajudando a ter o maior pau da face da terra em riste só pra mim. Um showzinho particular?

— E porque eu deveria te fazer esse favor sabendo que logo logo vou virar linguiça?

— Eu diria que você têm uma pequena chance.

— De sair daqui com vida?

— Não. Ao invés de linguiça, virar ensopado!

 

A mulher definitivamente tinha diploma em sarcasmo. Aquela risada gutural já lhe entrava nos ouvidos como um purgante desejoso de uma caganeira mental. Que circo era aquele? Porque não o matavam logo e pronto? Como que a responder a sua pergunta a grandona puxou uma faca pequena e com uma lâmina que lhe parecia afiada.

— Vim fazer a colheita da batata.

A princípio ficou sem entender, mas quando viu o barbudão entrando no quarto, sabia que lhe iam arrancar um pedaço.

 

O homenzarrão lhe segurou a perna direita com uma mão e com a outra o seu pescoço. Quanto mais ele se debatia, mais o homem lhe apertava a garganta. Por isso decidiu enfrentar aquilo com a calma que pudesse arranjar por ali. Com um barbeador descartável a mulher lhe raspou os poucos pelos do local, passou álcool com um pano limpo, demarcou o corte com uma caneta e se preparou para a incisão. Quando iria encostar a faca para proceder a incisão, sua irmã baixinha entra no quarto com uma cara mal assombrada.

 

— A polícia tá aí fora!

— Polícia? – Devolveu incrédula a outra que estava concentrada no seu pedaço de carne – Mas como?

— Alguém nos denunciou. Acho que foi Sr. Aroldo do posto. Na correria eu esqueci de jogar o lixo fora.

— Sua louca, como você pôde? – Disse a grandona partindo pra cima da irmã.

— Você queria que eu fosse com você perseguir esse daí. Não deu tempo!

— Vamos Beto, deixe ele aí. Tranque a porta. Vamos ver do que se trata.

 

O gigante soltou a sua garganta. Tomou ar com dificuldade passando a mão pelo pomo de adão pra ver se ele ainda estava no lugar. A porta fora fechada e ouviu-a ser trancada pelo lado de fora. A polícia estava ali. Precisava fazer algo. A ideia era gritar, mas estava bem longe da entrada da propriedade. Olhou pra batata da sua perna a salvo e passou o dedo no tracejado para apagar as linhas que delimitavam o corte que faria um bife dela. Sem saber porque, achava que Deus o estava ajudando.


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