O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 21
Capítulo 21




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— Já era hora daquele incompetente ter entrado em contato – Disse Clarice olhando pro relógio, enquanto tirava o termômetro do pequeno João.

— Vai ver está esperando o melhor momento, ou então Selma se atrasou – Respondeu o marido com uma ideia prazerosa lhe passando pela cabeça.

Clarice imaginou que a gordinha pudesse estar atrasada pro trabalho como sempre acontecia e ficou mais calma.

Após constatar o início de uma febre no bebê, ela continua, agora em voz alta.

— O pior é que não podemos ligar pro telefone do bar pra não chamar atenção.

— O melhor a se fazer é esperar, e como ficar aqui nesse quarto me deixa mais nervoso ainda, poderíamos ir até o jóquei, o que acha?

— Como que dinheiro Sérgio?

— Lembre que somos clientes antigos. Eles abrem um crédito e depois pagamos uma parcela de juros bem pequena sobre o valor emprestado. E quem sabe não é o nosso dia de sorte meu amor!

Tentada com o convite do marido ela ainda tentou retrucar.

— Joãozinho está com febre.

— Coisa de recém nascido. Dá um anti térmico e já já passa.

— E onde vamos deixá-lo? Ele não pode entrar com a gente.

— Deixaremos ele no carro, deitadinho. Não vamos demorar.

— Isso pode ser perigoso, tá muito quente, ele pode desidratar.

— É coisa rápida. Já li os páreos de hoje, e no segundo e terceiro teremos duas barbadas. Vendaval e Apache. Se ao menos conseguirmos o dinheiro da hipoteca do sítio, poderíamos até rezar pro Romeu desistir da empreitada e a gente se ocupar apenas do velho.

— Não. O que tá feito, tá feito. Espere que vou por uma roupa e dar remédio pro João.

 

Clarice queria tudo. Tudo. O prêmio das apostas, a morte da irmã, a morte do pai e a sua herança. Ela não seria paladina de nada num mundo que já estava perdido. Queria poder criar o menino com conforto, mesmo que o preço disso fosse a sua consciência pesada. Mas com grana no bolso ela daria um jeito de manter a lucidez. Só teria que parar de apostar um pouco para não ter que começaram a assaltar bancos como Bonnie e Clyde dos tempos modernos.

 

###

 

— Você é um velho ladrão de galinhas, não têm vergonha dos seus atos imundos? – Selma vinha gritando ao mesmo tempo em que tentava manter a carroça dentro da estrada.

— Mulata, você é uma galáxia inteira de clichês, exceto porque é certinha até certo ponto, depois lhe sobra algo no meio das pernas que não dá pra deixar de notar. Você amarra essa porra onde hein? – Bradava o velho em tom de chacota dando uma beiçada na cachaça.

— Um ser maquiavélico, melindrado pelo talento de uma boca suja e banguela. Cuidado Gemima, uma hora ele te pega pelo pescoço e te trucida!

— Não fale assim morena, é que eu gosto de ter o meu coração partido de vez em quando. Não me falta talento para remendá-lo uma vez por dia. Faço gosto que você e o meu filho bonachão sejam felizes. Claro, sem esquecer de Desirée. – Completava de forma professoral.

— Para coroa, assim eu fico pensando que você não me acha boa pra você. Fico até no cabresto se for preciso. – Gemima entrou na conversa achando que tinha entendido alguma coisa.

— Minha Gemiminha, cortesã do mel e do fel, sou teu zangão pra sempre.

— Fico com medo de você morrer logo por causa da idade. – Disse passando a mão na cabeça do velho.

— Não existe morte boa, a não ser que você morra trepando, mas não sem antes gozar, aí seria um desperdício de calorias do mondrongo. Amo a sua cinturinha de quibe, me abre o apetite. Transar com essa mulher é como brincar com dinamite, ela sempre me deixa em pedacinhos. – E pôs-se a rir e tossir ao mesmo tempo sob os olhares de desgosto de Selma e Diolindo.

— Assim que puder, vou fazer o tal do Nagasaki pra você outra vez nem que eu tenha que ir buscar um no buraco.

— Minha fofinha, deixe que dos buracos cuido eu – Retrucou sentindo uma comichão nas partes baixas e mudando o semblante para algo próximo a uma tristeza – Sempre tive um pé na depressão e outro na depravação, mas nunca conheci o banco de trás de um carro de polícia. O fundo do meu poço têm uma mola, quando chego nele sou catapultado pra puta que o pariu de novo.

— Sem drama por favor, Franco, chega de chiliques! – Finalmente Diolindo abrira a boca depois de lavar bem a pedra com aguardente – Agora que já estamos conversados, espero que você não tente mais nada, caso contrário serei obrigado a virar as costas e lavar minhas mãos.

— O meu problema, filho, é que eu me permito demais. O que chamam de crime eu chamo de minha idéia de diversão. Quando fui padre tinha uma arma na mão, a palavra de Deus. Hoje que não sou mais, ela está apontada pra mim. Ainda tenho vontade de pintar a minha barba de vermelho e sair de moto por aí. O que não tenho mais é tempo.

— Não fale assim que eu me arrepio toda. Ouça o seu filho e fique calado – Interrompeu a gordinha agora abraçada firmemente no velho pensando a que horas poderia dar vazão às suas fantasia, senão teria que trocar a calçola ensopada antes que percebessem.

— Estou em processo de redenção meu chuchu da serra. Se você me pegar no flagra batendo punheta, eu não estou! Tô apenas tentando arrancar umas verdades que o mondrongo esconde de mim.

 

Com essa, nem Diolindo segurou um arremedo de sorriso. O homem não tomava jeito, mas era um otimista, ao contrário dele que ficava procurando cabelo em ovo. O copo sempre estava meio vazio, mas pro velho sempre meio cheio, ainda mais se o líquido fosse o comedor de neurônios que ele tanto apreciava.

Já perto do entardecer, Selma alerta para um acampamento na beira da estrada a alguns metros adiante.

 

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Há muito tempo que ele sabia que quando o velho ficava nervoso as pontas do seu vasto bigode branco começavam a se mexer. Era o sinal que alguns dos seus clientes mais antigos tinha de que não era um bom dia pra pedir fiado.

— Calma Sr Almeida vai dar tudo certo. Elas estão bem e descobriremos que tudo não passou de um mal entendido – Dizia Fredson enquanto dirigia a viatura mambembe que teimava em apagar o motor quando parava num semáforo.

 

Ele próprio não acreditava que estava tudo bem devido a sucessão dos fatos estranhos que se seguiram desde a conversa com a mãe de Felícia. Cadáveres enterrados com animais, cadáveres desaparecidos, outros incinerados, um álbum contendo imagens de crianças despidas e gente viva sem dar notícia e de paradeiro desconhecido. Mas o que lhe corroía as entranhas de curiosidade fora o embrulho que sua avó pedira que entregasse a Diolindo. Teve a curiosidade nata de policial de abrir e fechar o pacote com todo o cuidado. Uma dentadura? Podia ter ido de engano na caixa de objetos que Dona Dirce pedira ao seu filho que desse as suas amigas no asilo. Ou não.

 

Quando o motor da viatura apagara o motor mais uma vez, ele decidiu passar num outro distrito no caminho para o sítio onde já estivera lotado e trocá-la por outra. Aquela não iria muito longe.

Olhou mais uma vez para o banco do passageiro e agora as pontas do bigode quase batiam asas.

 

###

 

Deixaram o veículo estacionado próximo a saída do hipódromo e acomodaram a criança na cadeira de bebê tornada em cama. O menino dormia, porém mais pela fraqueza que a febre lhe imputara que propriamente por sono. Seus pais não tiveram a atenção de medir-lhe novamente a temperatura antes de sair do carro, tampouco se preocuparam em deixar o veículo debaixo de uma sombra. A discussão acalorada sobre as chances de Apache no segundo páreo estavam ocupando todo o seu tempo.

 

Como era de se esperar, conseguiram um crédito como clientes especiais da casa e perderam o primeiro páreo. O segundo atrasou pela invasão de um cachorro na pista. Com o dinheiro na mão e inseridos dentro do seu universo onde não cabia qualquer outro afligimento, resolveram prosseguir até o último páreo ou enquanto lhe restasse saldo no bolso pra apostar.

 

Uma viatura fora chamada para verificar um possível caso de abandono de incapaz e quando chegaram no local descobriram um bebê agonizante e em estado de desidratação. Rapidamente os vidros do veículo foram arrebentados e uma ambulância chamada para tentar reanimar o ser indefeso que era levado dali sob indignação de quem presenciara a cena. Dois investigadores ficaram de campana aguardando o dono da perua vermelha.

 

Duas horas e meia depois, Clarice, como se iluminada por um raio de salubridade dá um grito.

— Joãzinho!

E sai correndo sem esperar o seu cavalo perder mais uma vez, com Sérgio atrás dela, mas ainda olhando para trás pra ter certeza que quem cruzaria o disco final não seria o Anjo Negro.

 

— Meu Deus Sérgio, cadê Joãozinho? – Gritava em prantos ao olhar o vidro do carro quebrado e dois policiais esperando ao lado.

— Vocês quem são? – Perguntou a autoridade mais alta e intimidadora dos dois, mascando um chiclete.

— Os pais da criança senhor – Sérgio tomou a frente, amparando a mulher.

— Vocês estão presos em flagrante por abandono de incapaz. Com a senha dita, o outro policial, atarracado, sacou sua algema, repetindo o gesto do colega, que não encontrou resistência no homem quase do seu tamanho.


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