Ainda Vou Domar Esse Animal escrita por Costa


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

Fala gente! Tudo bem com vocês?
Mais um capítulo. O Aniversário do Moacir e mais uma revelação importante acerca do passado do Ricardo.
Espero que gostem. :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664666/chapter/24

O resto do dia foi interessante com a Mariana em casa. Ela e o Animal gritavam um com o outro, mas em pouco tempo já estavam sorrindo e conversando. O Moacir estava certo: ele tem um coração mole para a sobrinha. Eu e o Moacir nos empenhamos em fazer o jantar e os deixamos a sós para que conversassem, mesmo na janta em que eu me sentei junto à mesa, o único papo era entre o Animal e a Mariana. Eu e o Moacir fomos ignorados.

***

No dia seguinte achei que eu seria uma das primeiras a levantar, mas fui a última. Todos já estavam na cozinha tomando um café e discutindo.

—Eu vou com você, Mariana. Deixa de teimosia! Você não conhece bem a cidade e seu senso de direção não é dos melhores. –O Moacir reclamou.

—Não senhor. Pode sossegando aí para não estragar a surpresa. Vem comigo, tio. –Mari pediu.

—Eu não. Já me basta os biscoitos de ontem. –O Animal falou.

Nesse momento a Mariana olhou para mim com um sorriso um pouco psicopata e isso me assustou.  

—Sofia, é você mesma que eu queria. Vamos fazer compras?

—Compras, Mari? –Perguntei, confusa, enquanto olhava o Moacir bufar e o Animal rir.

—Hoje é o aniversário do meu pai e ele não quer que eu ande por essas ruas sozinhas, diz que eu sou desmiolada.

—Hoje é o aniversário do Moacir?

—É.

Porra, por que ninguém me disse?! Corri e abracei aquele velhote meio rabugento e dei os parabéns para ele.

—Tá bom, chega, Sofia. –Ele se esquivou.

—Ninguém me diz nada não? E você, patrão? Como menospreza assim o aniversário do seu amigo? –Perguntei.

—Eu não menosprezei, apenas respeitei o fato dele não querer comemorar o dia que está ficando mais velho. Antes que também me acuse, eu dei o dia de folga para ele e deixei uma quantia para que ele comprasse algo de seu gosto. Isso é menosprezar para você, Sofia?

—Um pouco. Coisa sem graça dar dinheiro para que a própria pessoa compre o seu presente. Cadê a emoção de sair e escolher um?

—Confio no gosto de minha sobrinha para fazer isso por mim. Você conhece a senha do cartão, Sofia. Vá com ela para o Moacir não se preocupar tanto.

—Duas desmioladas em um carro e um cartão com um limite alto? –O Moacir bufou.

—E o almoço? –Perguntei, ignorando o Moacir ter me chamado de desmiolada.

—Do jeito que imagino que trarão salgados e outros quitutes, não sobrará espaço para o almoço.

—Posso gastar o que quiser, tio? –Mariana perguntou com um brilho no olhar.

—Mesmo se eu falar que não você vai gastar, não é?

—Só um pouco. Vem Sofia! –Ela falou, me arrastando pelo braço.

—Só mais uma coisa. –O Animal falou.

—Que foi, tio?

—Não deixe essa aí comprar balões e nem chapeuzinhos de festa, por favor. –Falou, apontando para mim.

Mariana me olhou confusa.

—Quando o Moacir voltou de suas férias eu enfeitei a casa e o seu tio estourou minhas bolinhas com uma faca. –Expliquei.

—Que coisas deselegante, tio!

—Sem balões ou nada feito. –Ele gritou antes de sairmos.

O caminho até o mercado foi animado. Mariana me contou um pouco de sua vida. Ela estuda arquitetura e, nas horas vagas, trabalha como fotógrafa, isso explica porque ela não larga sua câmera.  Mudou-se para o Rio Grande do Sul para estudar porque passou no Enem. Seu pai a ajuda com o aluguel de um pequeno apartamento e envia uma quantia mensal para que ela sobreviva por lá.

 -O que vamos levar? –Perguntei enquanto andávamos pelos corredores do mercado.

—Pensei em fazer um bolo, mas já está muito em cima da hora. Poderíamos comprar um e, talvez, um pouco de carne para um churrasco. Acho que seria mais prático. O que diz?

—Você conhece o seu pai melhor do que eu. Se acha que está legal, por mim tá tranquilo.

—Ele adora churrasco. Acho que é melhor que comprar uns salgados e eles chegarem murchos.

—Concordo.

—E então?

—Então o quê?

—Você e o tio. O Pai falou que vocês estão ficando próximos e isso é um recorde já que ele costumava mandar as empregadas embora com menos de um mês de trabalho.

—Ele só estava me ensinando um pouco de equitação. Segundo ele, sou inútil e iria cair do cavalo só com as lições do Moacir e do João.

—Mas e as conversas?

—Seu pai é meio língua solta, não é?

—Eu que perguntei, pra falar a verdade.

—Conversamos sobre livros, na maioria das vezes. Ele está me ajudando a entender melhor a História do Brasil, coisas como D. Pedro e suas amantes.

—Um dos fracos de don Ricardo. Eu também sofri quando ele me ensinando isso.

—Não é um sofrimento. Eu até gosto. Ele me explica melhor que os livros.

—Isso é. Ele odeia admitir, mas teria sido um ótimo professor.

—Também é compreensível já que o pai dele era professor.

A Mariana parou e me olhou, de novo, com aquele sorriso de psicopata.

—Ele te falou dos pais?

—Que o pai era professor e ele os perdeu em um acidente? Falou.

—Ele nunca fala isso pra ninguém. Muitas poucas pessoas sabem que ele é órfão.  

—Acho que foi um pouco descuido dele. Ele falou sem querer.

—Ele não fala nada sem querer. Se tem uma pessoa que sempre mede as palavras é ele. Ele te contou porque quis. O que mais ele falou?

—Mais nada. De sua vida pessoal eu só conheço isso mesmo. Tem mais coisa?

—Não sei...

—Mariana, você sabe.

—Tá, eu sei, mas não posso te contar. Meu pai já me recomendou tanto.

—O que mais? Prometo não falar pra ele.

—Não posso.

—Ele é gay?

A Mariana parou e olhou para mim rindo.

—Não, posso garantir que não é.

—Eu nunca o vi com nenhuma mulher e isso é meio estranho para um homem.

—Ele perdeu o interesse no amor depois de tudo.

—Depois de tudo o quê? Tomou um chifre? Foi trocado por outro ou outra? Vai que a mulher era lésbica... Já vi casos assim.

—Ai, tá bom! Ele é viúvo.

—Quê? Como?

—Não me pergunte mais nada. Já falei até mais do que devia.

—Viúvo?! Então ele já foi casado um dia?

—Já. Há alguns anos atrás.

—Como aconteceu?

—Sofia, meu pai falou que você era curiosa, mas não me disse o quanto. Não posso falar. Essa é uma história que não é minha.

—Por isso ele é rabugento assim?

—Esse é um dos motivos. O tio já passou por muita coisa na vida, muitas coisas ruins. Ele pode ser chato e rabugento, mas, no fundo, ele não é assim, não era assim.

—Você o conheceu quando a esposa dele ainda era viva?

—Conheci. Ele era uma das pessoas mais doces e gentis que tenho lembrança. Depois de tudo ele se fechou para o mundo e para todos. A maioria desistiu dele e se afastou. Só algumas poucas pessoas ainda o visitam, mas também não as culpo. Ele ficou um pouco insuportável.

—Acho que entendo agora. O Moacir sempre falou para eu ter paciência com ele.

—O meu pai gosta muito dele, quase como um irmão.

—Tentarei ver ele com outros olhos agora. Acho que ele pode ser um pouco rabugento depois de tudo.

—Pode, mas não quer dizer que ele deva. Continue o enfrentando como meu pai diz que vem fazendo. Isso é bom para ele parar de ter auto piedade.

—Tentarei. Mas como foi mesmo que a esposa dele faleceu?

—Sofia!

—Só uma tentativa.

As compras seguiram tranquilas depois disso. Eu ainda tentei persuadi-la para que me contasse mais, mas ela é esperta como o pai dela e manteve a boca fechada. As únicas coisas que me contou foi como o Ricardo era atencioso e a ensinou com a equitação, como ele a ajudava com as lições de casa e sempre, ao menos uma vez por mês, fazia aqueles biscoitinhos amanteigados. Ele parecia ser um bom homem, alguém gentil. Ela me contou também das grandes festas na fazenda que traziam muitas pessoas e todos riam, como ele era sociável e como era amigável.

***

Assim que chegamos em casa, o patrão veio nos ajudar com as compras e não pude evitar olhar para ele com um outro olhar. Eu quase pude enxergar o homem que ele foi um dia e isso me rendeu um sorriso.

—Algum problema, Sofia? Está com algum complexo de Coringa ou inalou gás do riso? –O Ricardo me perguntou, abismado.

—Estou apenas feliz, Ricardo.

—Você sempre está, mas nunca deu de ficar rindo para o nada.

—Apenas me lembrei de uma coisa.

—Pelo jeito deve ser boa.

Ele deu de ombros, pegou os engradados de cerveja e entrou na casa. Eu ainda fiquei olhando ele se afastar. Como nunca percebi antes que havia mais do que ele aparentava?

***

Eu, Mariana e Ricardo preparamos tudo para o churrasco do aniversariante do dia. O Moacir, emburrado, não ajudou com muita coisa, mas esboçou um sorriso com o vinho que a filha deu para ele. Eu, como não sabia o que comprar, comprei uma camisa que ele também pareceu gostar.

No final da tarde, armamos uma churrasqueira improvisada com tijolos e o João fez o favor de acender. O Moacir deixou de ficar rabugento e também saiu para sua festa.  Em pouco tempo as carnes começaram a sair e nós nos revezávamos para olhar a churrasqueira. O clima ficou leve enquanto conversávamos, comíamos e bebíamos. O único que se afastou um pouco foi o Animal. Ele estava sentado na escadinha da varanda e tinha uma latinha de cerveja na mão. Parecia meio perdido com o olhar.

—Não vai comer mais? –Perguntei, me sentando ao seu lado.

—Vou, depois.

—Quer que eu pegue alguma coisa para você?

—Não precisa.

—Você parece distante.

—Só estou lembrando. Faz muito tempo que não como um churrasco e nem bebo uma cerveja. Acho que já faz anos.

—Você não precisa esperar anos para comer novamente. Se der vontade, basta comprar as carnes e jogar na grelha. Não é preciso nenhuma comemoração para se matar a vontade.

—Talvez eu faça isso mais vezes. Vou pegar outra cerveja. Quer uma?

—Quero, obrigada.

Ele se levantou e caminhou para dentro da casa. Depois de uns momentos, voltou com duas latinhas de cerveja e me entregou uma antes de se sentar ao meu lado.

—Obrigada.

—Sem problemas.

Ficamos em silêncio bebendo nossa cerveja e observando o resto do pessoal. O João ria com o restante dos empregados em um canto enquanto tomavam uma cerveja e comiam um pouco de carne. O Moacir reclamava com a Mariana por ela estar batendo foto de tudo e a Titília cismou e se enfiou entre mim e Ricardo.

—Ela te adotou. –Ele comentou.

—Me adotou?

—Nós costumamos falar que adotamos os cachorros, mas é ao contrário. Eles nos adotam. Ela te escolheu como dona.

—Mas você é o dono.

—Talvez formalmente, mas ela te escolheu, desde o primeiro dia.

Ele estava tentando dizer que a cachorra era minha, é isso? Enquanto pensava no assunto e como abordaria isso, a Mari veio e jogou um flash na nossa cara.

—Essa vai para o álbum. Vocês estão tão fofos aí com a cachorra no meio. –Ela comentou, sorrindo.

—Eu acharia mais fofo se você ao menos anunciasse que iria tirar a foto antes de nos cegar. –O Animal reclamou.

—E perder esse seu olhar de ternura para ela? Não. As melhores fotos são as que pegamos as pessoas em momentos de espontaneidade.  –Ela falou.

—Que olhar de ternura? Enlouqueceu como o seu pai? –Ele reclamou.

—O que você estava na cara.

—Eu vou é pegar uma carne que eu ganho mais. Vem, Titília, vamos sair de perto dessas loucas.

Ele se levantou, irritado e chamou a cachorra para longe. Minha fiel companheira me abandonou por um pedaço de carne. A Mariana se sentou ao meu lado.

—Você abusa um pouco com o seu tio. –Comentei.

—Ele estava olhando ternamente para vocês. Aqui.

Ela estendeu a câmera para mim e me mostrou o visor. Realmente ele estava olhando em minha direção, mas o seu olhar era para a Titília e parecia sim ter um pouco de ternura, para a cachorra, não para mim. Talvez ele ainda tenha algum resquício do homem que a Mari disse que ele foi um dia.

Continua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Se desejarem, deixem um comentário com vossa opinião, críticas ou sugestões.
Obrigada por lerem.
Forte abraço e até mais!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ainda Vou Domar Esse Animal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.