Sombras do Passado escrita por Zusaky


Capítulo 4
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Notas iniciais do capítulo

Capítulo um pouquinho maior em relação aos outros. Pode ter parecido um pouco corrido, mas como se trata de uma história não muito grande, o ritmo será este em quase todos os capítulos.

Boa leitura.



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Eileen não fazia absolutamente nenhuma ideia de para onde ir. Sabia que era muito provável que o cientista tivesse caído ali, naquele mundo, juntamente com ela. Talvez ele houvesse acordado antes e se refugiou em algum lugar. Restava descobrir onde.

Não iria matá-lo – não naquele momento. Precisava descobrir como ele havia conseguido a façanha de os mandar para o passado. Já tinha ouvido falar de várias teorias a respeito de viagens no tempo, mas nunca acreditara que, de fato, algo assim pudesse existir realmente. Imaginou se era esse o motivo para quererem a morte daquele velho homem. Pensar em tudo aquilo fazia sua cabeça voltar a doer. Não queria acreditar, mas o que mais poderia fazer?

A assassina olhou para o céu, como se alguma resposta fosse surgir naquela escuridão. Devia ser por volta de vinte horas, ela calculou.

Estava numa esquina pouco movimentada, encostada em uma das várias árvores. Algumas poucas pessoas circulavam por ali – as mulheres com vestidos cheios de camadas, de cores variadas e com mangas com babados nas pontas, além dos cabelos estarem sempre presos em um coque formal e usarem luvas brancas; os homens estavam com vestimentas muito parecidas com a do estranho que conhecera minutos atrás, mas portavam também chapéus ou cartolas.

Eileen se sentia em um filme antigo. Não sabia nem ao menos como começar a procurar o cientista. Olhou para a própria vestimenta e julgou que chamaria muita atenção sair por ali vestida daquela maneira.

Foi então que sentiu um peso por sobre seu ombro. Ela virou-se rapidamente e, em um instante, já portava a lâmina em uma das mãos, enquanto a outra segurava o braço do homem. Ela o olhou e sua expressão foi de uma intensa raiva.

— Você? De novo?

— Srta. Hawkins — Ethan disse, como se a estivesse cumprimentando novamente. Ela soltou seu braço. — Há uma coisa que gostaria de falar.

Eileen pensou, após o avaliar, que deveria ser pesaroso, para ele, ter que ir atrás de alguém. O semblante contrariado lhe dava certeza para afirmar aquilo. O jeito que ele falava também a incomodava: arrogante e indiferente, como se estivesse fazendo um favor para determinada pessoa ao dirigir algumas poucas palavras a ela.

— O que você quer de mim? — indagou, impregnando todo o seu mau-humor na voz, para que ele percebesse o quão incômodo sua presença era para ela.

— A sua pele... — ele começou, como se não soubesse exatamente o que dizer. — Ela estava brilhando quando a senhorita simplesmente apareceu.

Eileen se surpreendeu ao ouvi-lo. De início, duvidou completamente da afirmação dele, julgando ser algo impossível. Considerou, então, que tudo aquilo que estava vivendo ela não achava ser possível horas atrás.

— Brilhando? — Ele apenas confirmou com a cabeça. — E o que isso tem a ver com você?

Ele demorou alguns instantes para responder, então Eileen limitou-se a arquear a sobrancelha e se aproximar mais, como se estivesse o encorajando a falar de uma vez.

— Eu gostaria de estudá-la.

A assassina não pôde impedir que seus olhos se arregalassem, surpresa. Primeiro se sentiu ofendida pelas palavras do rapaz, que fez com que sua mente relembrasse de acontecimentos de mais de uma década atrás. Repúdio. Era tudo o que sentia em relação a tal episódio.

— Me... estudar? — Ela fez uma careta ao falar.

— Sim — respondeu Ethan, e dessa vez Eileen conseguiu notar uma pontada de ansiedade na voz dele. — Quando a senhorita apareceu, não sei como, mas as lâmpadas pareceram reagir ao seu corpo. Deve haver alguma resposta científica para isso, creio eu.

Eileen se sentiu estúpida por achar, antes, que ele havia se referido ao seu corpo de uma maneira sexual. Aquilo, porém, não combinaria com ele de maneira alguma. Ela sentiu o rosto corar, tamanha era sua vergonha por tê-lo julgado tão mal previamente com relação àquilo, e tentou disfarçar voltando a olhar para a fileira de casas.

— Você nem ao menos sabe quem eu sou.

Ela não deu tempo para que ele respondesse, apenas virou-se e, num ato impulsivo, pôs-se a andar em direção à rua. Sabia que, dessa vez, Ethan Caulfield não a seguiria.

. . .

Não muito longe dali, uma pessoa encapuzada escondia-se nas sombras, aguardando de maneira bastante calma pelo momento certo. Era apenas um beco velho e estreito, quase sempre deserto, a não ser por alguns ratos que insistiam em passar por ali de vez em quando.

Quando a figura de capuz viu a pessoa que seria o próximo alvo, ali, andando sozinha, sorriu internamente e saiu das sombras. Não acreditava que a mulher realmente iria ao seu encontro, como havia pedido, ainda mais desacompanhada. Alguma entidade superior parecia estar do seu lado, afinal.

— Sra. Alyssa.

A mulher, já no auge de seus quarenta anos, se virou ao ouvir seu nome ser chamado. Quando deparou-se com a figura encapuzada estreitou os olhos, duvidosa. Usava um vestido longo inteiramente negro e um pequenino chapéu de mesma cor. As botas fizeram barulho quando ela se aproximou.

— Foi você quem me enviou a carta mais cedo? — indagou a dama, com uma esperança enorme rodeando sua voz.

— Fico feliz que tenha vindo — respondeu, apenas, embora não demonstrasse realmente toda essa felicidade. Por fim, eliminou quase todo o espaço que havia entre ambos. Os olhos grandes e inocentes da Sra. Alyssa provavelmente capturavam a atenção dos homens por ali.

— Então... Onde está o que você me prometeu? — Ela parecia estar com pressa, embora não quisesse soar indelicada. A figura encapuzada imaginou que, talvez, a mulher estivesse ido ali escondida do marido e isso somente fez sua inquietação aumentar ainda mais. Não iria se conter por mais tempo.

— Aqui está.

Com um ligeiro movimento, a pessoa desconhecida tirou uma faca de trás de si, e antes que a dama pudesse sequer gritar ou ameaçar correr, a faca já estava enterrada em sua barriga e a boca sendo tampada por uma das mãos.

A Sra. Alyssa notou as pernas perderem a força e seu corpo ser puxado para baixo. Era incomensurável a dor que sentia, e não havia nada que pudesse fazer para mudar aquilo. Sentia-se traída por ter acreditado naquela pessoa, idiota por ter ido ali sozinha e, acima de tudo, culpada por ter escondido aquele encontro de seu marido. E agora estava pagando com a vida.

— Por... Por quê? — a Sra. Alyssa ainda conseguiu perguntar, em um fio de voz.

A figura desconhecida não demorou a responder.

— Por ele.

E enfiou a lâmina no peito da mulher de uma só vez, demorando a faca dentro do corpo, para retirá-la somente após os olhos perderem o brilho e a cabeça pender para o lado.

— É tudo por ele — repetiu, por fim.

. . .

Na cabeça de Eileen, ela já estava andando há horas, o que não era bem verdade. Sentia todos os músculos do corpo protestarem de cansaço. Há quantos anos não sentia-se daquele jeito? Exercitava o corpo todos os dias, treinava e praticava luta; logo a única coisa em que pensava era em culpar o cientista e sua invenção sem sentido por terem tirado todas as suas forças.

O cientista.

Aquele homem simplesmente não deixava seus pensamentos. Uma enorme agonia invadia o peito de Eileen ao pensar na possibilidade de ele não ter caído ali junto dela, mas sim em outra cidade, talvez até mesmo em outro estado ou país.

Procurando andar pelas ruas mais vazias, vez ou outra Eileen encontrava pessoas caminhando por ali, apesar da iminente ameaça de chuva. Elas a fitavam com o olhar torto, como se simplesmente não entendessem que tipo de pessoa era aquela; com os cabelos soltos e desgrenhados, sem estar vestida de acordo com as regras e quase correndo – as mulheres vitorianas, Eileen notou, andavam de maneira demasiadamente lenta, as costas sempre eretas e gesticulando enquanto falavam.

Foi somente quando notou as gotículas de chuva que a assassina teve que aceitar o fato de que precisaria de algum abrigo para passar a noite, ao menos. Pensou que poderia ter ficado junto do rapaz desconhecido, Ethan Caulfield, mas não conseguia confiar nele. Talvez pudesse, então, arrebentar alguma fechadura de uma das casas – tinha certeza de que moradores não teriam escolha a não ser aceitá-la ali. Ela sorriu com tal pensamento. Não seria tão difícil, ela pensava, fazer uma pequena família de refém.

Seu sorriso, porém, desapareceu no instante em que virou mais uma esquina, deparando-se com uma cena que, mesmo não sendo de todo incomum a ela, a chocou.

Havia um corpo feminino jogado no chão. Eileen se aproximou lentamente. Era uma mulher já velha, deitada com as costas para baixo. As mãos estavam delicadamente postas sobre o ventre, uma por cima da outra. O vestido escuro estava rasgado em duas partes, na barriga e no lado esquerdo do peito. Eileen notou que ela parecia estar de luto por si mesma.

Agachou ao lado da mulher e, num ato impetuoso, fechou os olhos dela. Não sabia como exatamente deveria se sentir naquele momento. Ela própria fazia aquilo com outras pessoas – tirara já diversas vidas –, mas não daquela maneira tão... brutal.

Hipócrita, chamou a si mesma ao notar estar com pena da mulher. Eileen pesquisava rigorosamente sobre a vida daqueles que deveriam morrer e também de quem encomendava a morte. Tinha meios para isso. Não matava pessoas inocentes, por mais alta que fosse a quantia de dinheiro oferecida a ela, simplesmente não aceitava.

Aquele cientista havia sido um caso raro. Era como se ele simplesmente não existisse. Não havia encontrado sequer o nome dele, o que a levara a invadir sua moradia e, no fim, acabar encontrando a maldita máquina que a tinha levado até ali. Eileen guardaria um espaço especial em sua lista negra para ambos.

— Oh, meu Deus!

Foi somente com a voz desconhecida e exasperada que Eileen finalmente despertou de suas divagações.

. . .

Ethan olhou mais uma vez para o seu relógio de pulso. Estava para fazer uma hora desde que Eileen havia partido, com passos apressados e uma expressão enraivecida no rosto. Agora ele podia ter certeza de que aquela era a mulher mais temperamental e hostil que conhecera, sem dúvidas.

Imaginou para onde ela se dirigia naquele momento. Não parecia sequer saber onde estava, em que ano estavam. Não parecia ser louca, ele pensava, mas algo parecia estar seriamente errado com ela.

Por fim, ele desencostou da mesma árvore que a Srta. Hawkins – ainda iria perguntar o motivo de ela não gostar de ser chamada assim – estivera encostada minutos atrás e seguiu para a rua, dirigindo-se ao corcel negro que, ao vê-lo, relinchou alto. Já havia trancado a cabana e, naquele momento, só restava ir para sua própria casa. Era bem verdade que não era aprazível para Ethan ficar naquele lugar, motivo que o fazia ir para lá apenas para dormir – isso quando não resolvia dormir na cabana.

Quando se aproximava de sua casa, na Kensington, um dos bairros mais caros de Londres, Ethan fez algo que surpreendeu a si mesmo. Puxou a rédea do cavalo e virou à esquerda, quando deveria, na verdade, ter seguido reto.

Aquela parte da cidade estava cheia, como sempre estivera, apesar das gotas de chuva já terem se iniciado. As mulheres carregavam seus típicos guarda-chuvas, cada um mais espalhafatoso que outro, e os homens utilizavam somente uma cartola para se protegerem. Se a chuva engrossasse, entretanto, era óbvio que aquelas pessoas teriam um abrigo. Eles sempre tinham.

Ethan ansiou sair logo daquele lugar. Sabia que a moça não iria para um lugar tão cheio como aquele, considerando como estava vestida e que, ele notou, não gostava de receber olhares sobre seu corpo. Pensando nisso, talvez fosse fácil encontrá-la. Londres estava sempre abarrotada de pessoas, salvo por alguns poucos bairros mais desafortunados, em que os moradores não tinham tempo para lazer. Os homens pobres trabalhavam até tarde para ter o que comer no dia seguinte; as mulheres, porém, quando não ficavam em casa somente cuidando dos filhos, trabalhavam igualmente a seus maridos para o sustento da família.

Para Ethan, aquele contraste de classes era mais que gritante. Era odiável.

Foi com esse pensamento que ele impulsionou o cavalo a andar mais depressa, querendo deixar aquele lugar imediatamente.

. . .

Tudo havia simplesmente acontecido muito rápido para Eileen. Parecia que havia transcorrido apenas segundos desde que ouvira uma mulher gritar e, logo depois, a rua que estivera tão vazia agora abrigava vários curiosos. As vozes passavam uma por cima da outra, de maneira que nada se fazia entender. Havia alguns cachorros latindo e crianças chorando também. A assassina sentiu que sua cabeça iria explodir no meio daquela multidão.

— Assassina!

Eileen se surpreendeu ao ver-se, junto do cadáver, no centro de um círculo formado pelas pessoas. Ser chamada de assassina, porém, a surpreendeu ainda mais. Não negava ser uma, mas em todos aqueles anos executara seu papel com tal maestria que ninguém nunca havia sido capaz de pegá-la – ninguém sequer chegou perto.

— Assassina!

Ali, naquele momento, estava sendo julgada por um crime cometido por outro. Arqueou uma sobrancelha para aquele povo, tendendo a falar alguma coisa, se defender, mas palavra alguma saiu de sua boca, e mesmo que houvesse conseguido falar, duvidava muito que fossem lhe ouvir, tamanha era a falação.

Sentiu seu coração acelerar quando viu cerca de meia dúzia de homens abrirem caminho por entre as pessoas. Vestiam-se todos com sobretudos longos, que passavam dos joelhos, e abotoados de cima a baixo; usavam também chapéus negros e estreitos, presos à cabeça. As expressões eram sérias. Eileen logo imaginou de que maneira poderia sair dali.

— Assassina! — Dessa vez, Eileen ouviu uma voz feminina muito próxima de seu ouvido e, no segundo seguinte, havia sido bruscamente empurrada, mas não chegou a ir ao chão.

Quando se levantou, seus olhos faiscaram de fúria ao procurar quem havia lhe feito aquilo. Encontrou uma mulher com vestes pobres, um pouco mais à frente, a olhando com uma expressão dura. Quando tal mulher, porém, notou o olhar de Eileen sobre si, deu alguns passos para trás, agora com um semblante mais vacilante.

— Vou te fazer pagar por isso — vociferou Eileen, mas antes que suas mãos chegassem até a outra, sentiu os dois braços serem puxados para trás com força e algo como um saco preto ser colocado em sua cabeça, cobrindo-a.

Ela ainda tentou se debater, começando a sentir suas forças voltarem, como se houvesse, finalmente, se livrado daquele torpor que a acometeu desde que chegara ali.

— Fique quieta!

Gritou um dos guardas, e ao perceber que ele estava exatamente atrás de si, Eileen elevou brusca e velozmente uma das pernas para trás, atingindo o homem em um ponto que, considerou ela, acabaria totalmente com ele – ao menos por alguns instantes.

Quando sentiu um alívio nos braços e ouviu o homem urrar de dor atrás de si, ela percebeu que seria sua chance.

Não demorou muito para que sentisse sua cabeça latejar com uma pancada imprevista e, enfim, se percebeu perdendo a consciência. Aos poucos, todos os gritos – Assassina! Assassina! – iam diminuindo, até que ela apagasse por completo.


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