Sombras do Passado escrita por Zusaky


Capítulo 3
IlI


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, pessoas. :3 Espero que até agora esteja sendo de agrado dos que estão acompanhando (comentem, não mordo, hahah). Apenas a primeira cena é um flashback.

Boa leitura!



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— Mama, eu trouxe seu chá.

A garota entrou no quarto de modo desajeitado. Em suas mãos havia uma bandeja com uma xícara fumegante e alguns biscoitos. Ela a pousou por cima da escrivaninha que havia ali e sentou-se na cama da maneira mais sutil que conseguiu.

Por alguns poucos instantes tudo o que ela fez foi perscrutar aquele rosto tão similar ao seu. Os olhos estavam fechados, mas ela sabia que eles eram tão escuros quanto os seus, bem como os longos cabelos. O nariz e o queixo eram idênticos. O olhar que tinham, entretanto, eram completamente distintos.

— Mama.

Dessa vez ela pareceu escutar. Remexeu-se um pouco na cama e, assim que despertou, um sorriso brotou em seus lábios finos. As bochechas ainda estavam coradas.

— Eileen... venha cá — chamou, enquanto sentava-se na cama. No que a menina se aproximou, a mãe logo a envolveu em seus braços.

Por um pequeno espaço de tempo era somente as duas ali. Sem o tic tac do relógio na parede, sem o barulho lá fora.

— Eu trouxe seu chá. — Havia sido a voz impassível de Eileen que cortou o silêncio.

Ambas se afastaram, mas antes que a mulher mais velha pudesse agradecer, a campainha soou, aguda. Eileen suspirou, mas não demorou a ir até a porta. Estranhou, de certo, afinal sua família nunca recebia visita alguma. Mas não importava. Sua mãe estava adoentada e por isso ela sentia-se na obrigação de cuidar da casa.

Desceu as escadas rapidamente, sempre de dois em dois degraus. Era ininterruptamente repreendida por aquilo, ela lembrou, mas já era um hábito. Eileen respirou de maneira profunda ao chegar à sala. Não era boa em falar com as pessoas, não a agradava fazê-lo e não via motivos para tanta interação entre as pessoas.

Girou a maçaneta e, ao abrir a porta, deparou-se com um homem alto, com trajes escuros e um bigode fino. Ele esboçou um sorriso em seu rosto moreno, mas Eileen não devolveu o sorriso. Ela nunca devolvia.

— Oh, posso ver que a beleza da sua mãe foi passada inteiramente a você — disse o homem, cravando os olhos verdes na figura feminina. — Posso ter o prazer de saber seu nome?

— Eileen!

A voz não havia saído dos lábios da garota, mas sim dos de outra pessoa. O homem imediatamente levantou os olhos e seu sorriso pareceu se alargar ainda mais.

— Senhor Thomas — cumprimentou a mulher, ficando na frente da filha, mas, logicamente, de maneira discreta. — O que o fez vir até aqui?

— Kalel... Bela como sempre, não é? — Ele curvou-se e logo em seguida entrou na casa, como se houvesse sido convidado. — Você não foi ao nosso último encontro. Mas, bem, isso não tem importância agora. Tenho uma proposta que você talvez possa considerar como sendo interessante. Ou duas propostas, agora.

Kalel olhou para a filha e Eileen soube que era o típico olhar que sua mãe usava quando queria que ela fosse para seu quarto. E ela assim o fez. Fez um meneio com a cabeça em direção ao senhor Thomas e pôs-se a subir as escadas. Já no topo, ela franziu o cenho e olhou com discrição para o primeiro andar.

O homem ainda a olhava.

Tudo o que Eileen pôde fazer foi estreitar os olhos para ele e seguir para seu quarto. Não gostava de pessoas no geral, mas aquele homem, em especial, havia conquistado o seu total desafeto.

. . .

Ethan estava entediado. Deveria estar dormindo àquela hora, uma vez que teria algo a mais a se fazer na manhã seguinte. Não o agradava inteiramente o fato de ter de dormir cedo, mas ouvir as reclamações de sua irmã era algo que o fazia torcer o nariz. Era incrível como ela sempre sabia se ele havia ou não dormido poucas horas na noite anterior. Ou até mesmo se ele não houvesse dormido.

— Essas suas olheiras são horríveis, sabia? — ela sempre reclamava daquilo. — Um cavalheiro deveria estar sempre apresentável.

E punha-se a falar sobre os bons modos e sobre como ele deveria deixar aquelas pesquisas de lado. Ethan mantinha seus olhos grudados nela durante toda a falação, embora quase nunca prestasse, de fato, atenção no que ela dizia.

E então uma enorme claridade se fez presente no meio de toda aquela escuridão da noite, interrompendo os pensamentos de Ethan. Ele levantou-se ligeiramente da poltrona e olhou pela janela da cabana. Foi como se uma bola de energia houvesse surgido ali, em meio ao campo.

Ethan fitou as diversas lâmpadas espalhadas pelo gramado verde. Àquela hora, todas elas deveriam estar apagadas, como ele havia deixado minutos atrás. Naquele momento, porém, todas estavam acessas, exalando um brilho como ele jamais presenciara antes. Tentou sair do recinto, mas seus pés pareciam ter sido prendidos no chão, de maneira que ele apenas se contentou em observar o fenômeno.

Mas então a ficha caiu. Aquilo não era normal. Estava longe de ser. Ele simplesmente não poderia deixar de descobrir o que se passava do lado de fora. E foi então que finalmente conseguiu reunir forças para sair da cabana. Não estava chovendo e ele agradeceu por isso.

Ethan correu em direção ao campo aberto, os olhos estreitos e a feição extremamente séria. Porém, assim que estava próximo das lâmpadas, cerca de apenas dez metros, ele viu um corpo deitado no chão. As passadas longas foram cessadas de imediato.

Uma... mulher?, pensou, imaginando como ela teria chegado até ali.

Porém, havia algo mais. Quando Ethan se aproximou um pouco mais, dessa vez de maneira mais lenta, não pôde conter a feição surpresa.

— A pele dela está... brilhando? — A voz dele não passou de um sussurro.

. . .

Eileen Hawkins sentiu o estômago embrulhar ao despertar do que parecia ter sido um pesadelo. Não sabia o que tinha acontecido, mas lembrava-se dos sonhos que tivera enquanto dormia. Eram mais recordações do seu passado, ela notou, coisas que já deveriam ter sido esquecidas há muito. Foi como ver todo um filme de sua vida sendo rebobinado.

Olhos negros tão gentis... Olhos azuis tão curiosos... Ela queria não ter mais aquele tipo de memória.

Quando abriu os olhos, tudo o que conseguiu ver foi um céu escuro, limpo de estrelas, e um homem agachado ao seu lado. Deveria ter aproximadamente a mesma idade que ela, cerca de vinte e cinco anos, mas vestia-se de um modo que ela considerou completamente inapropriado. Usava um colete de lã por de baixo do casaco sobretudo igualmente escuro que, caso ele estivesse de pé, bateria em seus joelhos. A calça era preta e totalmente lisa.

Eileen sentiu vontade de rir ao avaliar brevemente o homem. Perguntou-se se ele estava a caminho de alguma festa à fantasia ou algo do tipo. Várias pessoas vestiam de maneiras formais, mas aquele parecia ter um ar de antiguidade.

Ao olhar para sua face, porém, todo o divertimento que a assassina sentia desapareceu por completo. Ele tinha um rosto bonito, mas bastante sério e livre de qualquer expressão. Seus lábios eram apenas uma fina linha e ele não parecia nem um pouco à vontade, considerou ela.

— Você está bem?

Não havia traço algum de preocupação na voz grossa dele, mas ainda assim Eileen respondeu positivamente com a cabeça. Ao mover-se, porém, sentiu sua cabeça latejar. No instante seguinte, tudo o que conseguiu ver foram imagens das últimas horas.

Lembrou-se do hotel que estava. Da casa quase abandonada. Do túnel. Da arma. Por fim, recordou-se do rosto do cientista, o olhar completamente assustado quando ela puxou o gatilho.

Quando finalmente tudo aquilo por fim apareceu em sua mente, Eileen sentiu o coração bater mais rápido. Olhou para os lados e tudo o que viu foram lâmpadas e uma grama bem aparada.

Como raios eu apareci aqui?

Tentou se acalmar e respirar fundo. Ela estava no subsolo com o cientista antes. Ele não poderia ter escapado de maneira alguma. Mas então, ela se perguntou, onde estava a máquina? Como havia chegado até ali?

Eileen voltou a olhar para o belo rapaz, que continuava a encarando. Ela não iria se intimidar com aquilo.

— Quem é você? — indagou, não sem antes se agachar, assim como ele. Tinha medo de que, caso se levantasse de uma só vez, sentiria-se tonta. — E como eu cheguei aqui?

Em resposta, ele pareceu ligeiramente desconfortável.

— Eu é quem deveria lhe perguntar isso, senhorita. — Ele levantou-se e ofereceu a mão para que Eileen se sustentasse, oferta essa que ela recusou, levantando-se sozinha. — Como queira, então.

A primeira coisa que Eileen fez ao levantar foi procurar sua arma. Decepcionou-se ao constatar que ela havia desaparecido. A faca escondida entre a perna e a bota, por debaixo da calça jeans, porém, continuava lá; ela podia sentir a lâmina gelada contra sua pele.

— Sou Ethan Caulfield — ele disse, subitamente.

Ethan pôs-se a observar a moça à sua frente. Era, de fato, uma figura incomum. Não usava vestido, como as mulheres dali, nem portava-se como uma. Tinha um olhar agressivo e misterioso. Ela não parecia se importar em ter tão pouco pano cobrindo-lhe o corpo e ele achou isso curioso, mas não comentou.

A luz que outrora saía de seu corpo, porém, o incomodava. Não havia durado mais que alguns segundos, juntamente com a luz das lâmpadas, agora apagadas.

— Onde estamos? — ela indagou, percorrendo a propriedade, com cuidado para não pisar em nenhuma das lâmpadas.

— Numa área privada — respondeu, da maneira mais educada que conseguiu. — Você, aliás, não deveria estar aqui.

— Não é isso. — Eileen olhava agora para a cidade próxima de onde estava. — Em que cidade estamos?

Ethan estranhou a pergunta. Talvez ela realmente não fosse dali, mas se assim o fosse, como havia ido parar justo ali?

— Londres.

Ela voltou a fitá-lo, perscrutando o rosto de Ethan em busca de algum traço de divertimento. Não encontrou nenhum, novamente.

— Eu saberia se estivéssemos em Londres.

E então pôs-se a dirigir em direção à civilização. O frio era grande e ela arrependeu-se de não ter vestido algo mais quente naquele dia. Quando chegou no limite da suposta área privada, havia uma cerca baixa com um portão horizontal. Qualquer um pularia aquilo facilmente, ela imaginou. Olhando mais para o horizonte, ela conseguiu ver várias outras casas, mas ainda mais impressionante, várias carruagens puxadas por cavalos circulavam por ali.

— Mas o quê...

Eileen tentou abrir a grade, mas esta encontrava-se fechada. Ela bufou e, com ousadia e agilidade, apenas pulou. Ouviu passos rápidos atrás de si e logo soube que o rapaz estava em seu encalço.

— Separados por uma cerca — disse ela, com um meio sorriso no rosto. — Agora não pode mais reclamar de eu estar na sua propriedade.

Infelizmente, para Eileen, sua voz havia saído tremida. Amaldiçoou-se por isso. Estava com medo, ela finalmente admitiu para si mesma. Há quanto tempo não sentia aquilo? Aquele frio na barriga, o temor do que não conhecia. Alguma coisa estava errada e ela já estava ciente daquilo. Estava ciente, também, de que o cientista e sua máquina estavam envolvidos naquela desordem.

Ele está vivo.

A assassina podia sentir aquilo. Precisava encontrá-lo o mais rápido que pudesse. Estar em um lugar desconhecido – com costumes diferentes e pessoas incomuns – chegava a lhe dar náuseas. Sua cabeça doía ao pensar em tudo aquilo.

Antes que pudesse, enfim, percorrer aquele caminho, ouviu a voz do rapaz.

— Senhorita — ele a chamou, segurando na cerca. — Por acaso é física? Ou cientista?

Ethan considerava aquela uma possibilidade remota, uma vez que nunca havia conhecido uma mulher envolvida no mesmo ramo que o seu. As que conhecia apenas tinham o trabalho de cuidar da casa e dos filhos; as menos favorecidas se arriscavam a trabalhar nas fábricas, tendo uma vida não mais que miserável por ali.

Mas precisava perguntar aquilo. O brilho que a acometeu quando ele a encontrou não saía de sua cabeça de maneira alguma. O fato de as lâmpadas terem sido acessas também estava ligado a ela, ele tinha quase certeza.

— Cientista? Você só pode estar brincando — respondeu, irônica. — Não me chame de senhorita, não combina comigo.

— Só vejo esse meio para te chamar, senhorita — ele sibilou a última palavra, como se a estivesse provocando —, já que não me deu seu nome.

— Eileen Hawkins.

Ethan pensou por breves instantes. Não conhecia aquele sobrenome por ali, ao menos não nas áreas bem vividas da cidade. De qualquer forma, duvidava que ela pertencesse àquele lugar ou que ao menos morasse nas redondezas.

Eileen, por outro lado, divertia-se com os modos daquele rapaz, por mais que a situação não estivesse para risos. Então uma pergunta surgiu em sua mente de maneira repentina, e por mais que tivesse medo, resolveu perguntar mesmo assim. Precisava ter certeza de que não estava louca.

— Em que ano estamos? — questionou ela, de súbito, já temerosa com a resposta que viria.

— Em 1890.

Eileen nunca estivera tão perdida em toda a sua vida.


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Notas finais do capítulo

E finalmente a Eileen foi para o passado! O que acharam do Ethan? Particularmente, estou in love com ele.



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