Sombras do Passado escrita por Zusaky


Capítulo 5
V


Notas iniciais do capítulo

Quinto capítulo, gente. Muito obrigada pelo comentário de vocês e pelos novos acompanhamentos, fiquei super feliz com isso. :3

Boa leitura.



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Eileen esmurrou a parede novamente, sem se preocupar com a dor latejante que viria segundos depois. Havia acordado poucos minutos atrás, mas não precisou de mais tempo para saber que estava em uma cela de prisão. Dessa vez, não necessitou fazer tanto esforço para se lembrar dos últimos acontecimentos. Recordando-se disso, sentiu o ódio crescer eu seu peito cada vez mais.

Não guarde tanto ódio em seu coração, criança. Já havia escutado aquilo diversas vezes, e de pessoas que sequer tinham moral para dizê-lo. Mas ela simplesmente não conseguia controlar aquilo que só crescia dentro de si desde muitos anos atrás.

Havia dois guardas fazendo a vigia ali. Enquanto um ia para a esquerda, o outro ia para a direita. Se conseguisse escapar daquela cela, seria fácil para Eileen nocauteá-los. Teria outros guardas à sua espera, mas talvez ela tivesse ainda uma chance de escapar. Não sabia o tipo de treinamento que eles tinham recebido, mas julgava-se melhor que eles. Observou melhor o cubículo ao seu redor. As paredes eram feitas de cimento e ela tinha certeza de que as grades não se entortariam de maneira alguma. Teria de pegar a chave.

Arquitetou alguma maneira de fazer um dos vigias se aproximar. Talvez ele pudesse ser seduzido, talvez ficasse perto o suficiente da grade para que ela pegasse a chave – isso se ele estivesse realmente com ela. Só saberia se tentasse.

E era isso o que faria a seguir.

. . .

Quando Ethan finalmente alcançou a parte mais pobre da cidade, seus olhos castanhos estavam agitados, procurando por qualquer rastro que a moça de pele brilhante pudesse ter deixado. Ela não poderia ter simplesmente sumido dali.

Ao chegar no bairro de Whitechapel, contudo, ele pareceu ficar mais preocupado. Era um espaço que, durante o dia, contava com diversos comerciantes e compradores, tantos que tornava difícil a passagem por ali. Não era um lugar recomendado para a alta sociedade. Ali, naquele lugar que dois anos atrás, em 1888, havia sido palco de assassinatos de mulheres que ganhavam a vida se prostituindo. Os crimes, é claro, ganharam uma enorme repercussão na mídia, não por se tratar de prostitutas, mas pelo jeito como foram mortas. Mutiladas, com gargantas cortadas e perfurações no abdômen.

Jack, O Estripador.

O nome causava repulsa em Ethan.

Aquela série de crimes tinha sido cessada cerca de um ano atrás – embora ninguém tivesse sido detido –, o que fez com que Whitechapel voltasse a ganhar o movimento do povo, embora, durante a noite, ficasse praticamente deserta, tamanho era o medo de seus moradores. Nesse ano que se passara sem mortes daquele tipo, o mercado de prostituição parecia ter voltado a ganhar forças novamente.

Ethan considerou se realmente deveria estar ali. Não era casado e nem tinha nenhuma jovem que, naquele momento, o agradasse. Mas, ainda assim, tinha um sobrenome importante a ser carregado. Não seria algo bom que o vissem por ali. Mas a multidão aglomerada em uma rua mais estreita, que mais parecia com um beco, tinha capturado sua atenção.

Ele desceu do cavalo e o amarrou longe das pessoas, para não o assustar. Quando se aproximou mais, notou a presença de alguns policiais da Scotland Yard. De imediato imaginou se a série de assassinatos teria voltado. Mas logo a imagem de Eileen apareceu em sua cabeça e ele se apressou para ver o que teria acontecido.

— Oh — fez um dos policiais ao avistar Ethan. — Sr. Caulfield.

Ethan praguejou em silêncio, mas ainda assim o cumprimentou com um aceno de cabeça. O homem possuía uma barriga saliente e um bigode cheio, de maneira que não se poderia ver seu lábio superior. No seu uniforme havia um símbolo que o designava como sendo o Capitão ali. Os outros policiais, ao ouvirem o sobrenome, também puseram-se a cumprimentar o recém chegado.

— Posso perguntar, Sr. Caulfield, o que faz por aqui a esta hora da noite? — perguntou o capitão, o Sr. Alexander Ackerman, ansioso por uma resposta. Ethan demorou a responder, limitando-se apenas a olhar para as pessoas em volta. O homem rechonchudo logo entendeu o recado e mandou um de seus homens dispersar aquele povo todo, o que foi feito rapidamente.

— O que houve por aqui? — indagou Ethan, ignorando a antiga pergunta antes dirigida a ele. Agora que o lugar estava mais vazio que antes, ele pôs-se a observar mais atentamente. Havia uma poça escura no chão e ele logo soube que se tratava de sangue pelo cheiro fétido que captou. Todos os oficiais tinham uma expressão séria no rosto.

— Um assassinato.

— Alguma prostituta?

— Não. Não parece ser nenhuma dessas... dessas mulheres. — O capitão parecia ter desgosto ao falar sobre as mulheres da vida. — Ainda estamos investigando. Uma mulher foi pega em flagrante.

Uma mulher. Ethan logo pensou no pior. Ele pigarreou, colocando a mão em frente à boca.

— Não devo mais tomar o tempo de vocês, cavalheiros. — Ethan curvou levemente a cabeça para todos os homens. — Quanto ao que faço aqui, Sr. Ackerman... — Ele pausou a fala, pensando no que falar. Não era típico de sua personalidade dar detalhes de sua vida, mas naquele momento ele julgou que era preciso. — Procuro por minha prima.

O Sr. Ackerman arqueou uma sobrancelha, pouco convencido pela resposta.

— Ela perdeu a mãe há pouco e veio para cá espairecer um pouco — explicou Ethan, tentando expressar em sua voz a preocupação com a prima. — Ainda está meio afetada e, por isso, julgo eu, deve ter se perdido por aí. Tem os cabelos curtos e escuros, como os meus; e a minha idade. Estava vestida de um jeito meio... peculiar.

O olhar do capitão foi de sério para assustado em um instante. Rapidamente um dos oficiais se aproximou dele e sussurrou algo em seu ouvido, confirmando as suspeitas de seu superior.

Ethan apostou que a garota estranha estava metida naquilo.

— Na verdade, Sr. Caulfield... — o Sr. Ackerman começou a dizer, mas parou no meio da frase para dar lugar a um suspiro fatigado. — Gostaria que me acompanhasse, se possível.

. . .

— Dá para ficar quieta?

Eileen esboçou um pequeno sorriso ao ouvir, novamente, a voz do guarda. Estava sentada no chão frio e fazia um barulhinho irritante com a língua. O lugar estava vazio – ela se perguntava onde estariam os outros presos –, de maneira que o barulho ficasse ecoando. Não havia funcionado o seu plano com nenhum dos dois guardas, então a assassina apenas se recusou a continuar tentando.

Talvez fosse até melhor, ela considerava, ficar ali naquela noite. Ao menos teria onde dormir. Durante todo o tempo que permaneceu ali, sentada, ocupou a mente com a invenção do cientista e de que maneira ela funcionava. Quando se cansava de pensar sobre aquilo, o corpo sem vida da mulher desconhecida aparecia em sua mente para assombrá-la.

As pernas estavam dobradas, de modo que sua cabeça de encaixasse entre os joelhos. Ela continuava a fazer estalos com a língua, mas parou no instante em que ouviu mais alguns passos se aproximando. Imaginou se seria a hora de troca dos guardas. Talvez alguma outra pessoa houvesse sido presa também.

Continuou a ouvir os passos, até que estes cessaram logo em frente à sua cela e o barulho de tranca sendo destravada soou. Ela mais que depressa ergueu a cabeça, fitando três figuras à sua frente. Ela não demorou para se levantar.

— Srta. Hawkins — falou um dos guardas, o mais gordo, fazendo uma leve reverência com a cabeça. O outro guarda o imitou. — Peço perdão. Jamais imaginaria que a moça que prendi era, na verdade, a senhorita.

— Tenho certeza, Sr. Ackerman, de que minha prima esteja cansada demais para dar a devida importância a isso.

Eileen teve que conter um sorriso irônico ao ouvir tais palavras serem pronunciadas por Ethan. Ela logo entendeu o que o olhar dele sobre si queria dizer e entrou no mesmo jogo.

— Temo que meu primo esteja certo — respondeu ela, finalmente saindo da cela e juntando-se a Ethan. — Mas continue fazendo seu bom trabalho, Sr. Ackerman, tenho certeza de que um dia será recompensado por todos os seus atos.

Eileen sentiu-se regozijar por dentro ao notar que havia atingido o oficial, que remexeu os ombros e dedicou-lhe um sorriso amarelo; estava arrepiado. Ela quase podia sentir o medo que evaporava de cada poro dele.

Não esperando por uma resposta do Sr. Ackerman – que eles duvidaram que viria –, ambos se dirigiram para a saída do lugar, sendo guiados por um oficial qualquer, que exibia um sorriso satisfeito no rosto após ouvir a resposta de Eileen.

. . .

Quando os dois supostos primos finalmente conseguiram sair de vista dos oficiais, Eileen soltou uma risada seca.

— Você é realmente louco, não é?

Ethan não se dignou a responder, então tudo que Eileen fez foi continuar calada e continuar andando ao seu lado. Nem um minuto sequer havia se passado e ela sentiu todo o cansaço daquele dia caindo por sobre seus ombros. Seu corpo implorava por um descanso, uma cama macia – e não um chão sujo de uma prisão.

Olhou de esguelha para Ethan e um pensamento surgiu em sua mente. Ele era um típico cavalheiro do século dezenove, isso já havia ficado claro; então quem sabe ele poderia ceder sua casa a ela apenas por aquela noite.

Pode ser uma boa ideia.

Pensar naquilo fazia com que a assassina se sentisse mais humana. Nem ao menos lembrava-se de quando havia tido aquela sensação pela última vez. Era acostumada a conversar com pessoas mais curiosas, que queriam saber de todo o seu passado – pudera, era uma mulher demasiadamente misteriosa, por assim dizer –, mas aquele rapaz apenas queria uma aproximação para estudá-la, embora não a conhecesse de verdade.

Eles só pararam quando se aproximaram do cavalo. O olhar de Ethan foi de seu animal para Eileen e novamente para o animal. Se fosse fazer isso com sua irmã, por exemplo, teria sido uma tarefa fácil, algo que não exigiria nem que ele pensasse para poder agir. Mas aquela que estava diante de si não era sua irmã. Nem sequer parecia ser de Londres ou de seus arredores. E, afinal de contas, o que ele sabia sobre ela? Apenas que tinha um gênio difícil, tinha sido confundida com um assassino, sido presa e apareceu com a pele brilhando. E tudo em cerca de um par de horas.

Ethan se virou para Eileen, esperando que ela facilitasse seu trabalho. A assassina, vendo o efeito que estava causando nele, apenas limitou-se a sorrir de lado – estava fazendo muito daquilo ultimamente – e, dispensando a mão oferecida dele, subiu ela mesma no cavalo, sentando não de lado, e sim com uma perna de cada lado; mas não segurou nas rédeas, deixou estas para o homem. Sabia que não podia simplesmente chegar ali e mudar, de uma hora pra outra, toda a construção moral que ele havia tido desde criança.

. . .

— Chegamos.

Quando Eileen, que já sentia o sono tomando conta de si, ouviu a voz de Ethan ressoar, relutou para finalmente abrir os olhos.

Estavam claramente em um bairro rico, mas ela não soube precisar qual. Todas as casas ali possuíam enormes jardins, e a de Ethan não era diferente. A casa dos Caulfield, ela notou, era talvez uma das maiores ali. Havia um caminho de cimento, feito entre o belo gramado, grande o suficiente para que uma carruagem passasse e chegasse até a porta da frente. Eileen se perguntou qual o motivo de tantas janelas, apesar de nenhuma delas revelar o interior do lugar, uma vez que todas possuíam cortinas.

O lado de dentro encantou Eileen e fez com que ela se perguntasse internamente se já havia visto algo mais belo. A mobília era inteiramente escura, feita de alguma madeira suficientemente cara e pesada. Ela esperou ver algum quadro de família ou algo do tipo, no intuito de conhecê-lo mais, mas não achou nada disso – não no andar de baixo, ao menos. Impessoal seria a palavra que usaria para definir tal lugar.

Ethan observava Eileen de longe com curiosidade. Quando seu olhar foi para os empregados do local, encontrou neles a mesma perplexidade que ele próprio havia tido ao olhar para aquela figura. Alguns tentavam manter o olhar baixo, mas vez ou outra fitavam a moça, vez com outra com certo receio.

Já imaginava, durante todo o caminho feito de Whitechapel até ali, que encararia tal surpresa. Nunca havia levado mulher alguma para aquela casa, de maneira que as únicas damas ali eram as amigas de sua irmã e a própria, que preferia o conforto da casa dos tios àquela solidão e frieza que toda a casa de Ethan possuía. Ela sempre reclamava dos móveis escuros. Ele nunca havia acatado seu pedido para comprar outros mais claros.

Ele olhou para a Governanta, que rapidamente se aproximou dele. Era uma mulher já com seus cinquenta anos, de cabelos castanhos e curtos e olhos amendoados de mesma cor. O vestido que usava era negro e ia até seus pés; as mangas eram longas, sendo mais apertadas e bordadas de branco na parte do pulso.

— Sr. Caulfield — ela o cumprimentou.

Ele acenou com a cabeça e indicou Eileen com o olhar.

— Aquela é a Srta. Hawkins — disse, sério. — Tenho que resolver algumas coisas rápidas. Cuide dela por enquanto. Deixe alguma empregada também com ela. — Ele então chegou mais perto da senhora e o que falou depois foi em um sussurro: — Não permita que ela saia daqui.

A Governanta respondeu que faria o que foi pedido e se dirigiu aos empregados, passando a ordem a cada um deles. Ethan foi para o lado de Eileen rapidamente, embora não quisesse interromper o momento dela – ainda continuava sua apreciação pela casa e pelos vários cômodos. Havia diversos quadros pendurados nas paredes, pinturas de variados tipos, mas nenhuma dele ou de sua família.

— Srta. Hawkins — ele a chamou e ela rapidamente o olhou. Ele podia ver o cansaço nos olhos escuros. — Te deixarei aos cuidados da minha Governanta, a Sra. Adelaide Bradley, e dos outros empregados. Se sinta em casa.

Eileen quis protestar, mas sequer tinha forças para isso. O nome Governanta fez com que ela se perguntasse se ele teria esposa ou filhos ali. Não havia gritos de crianças, mas talvez houvesse uma mulher o esperando em alguma parte da casa.

Pensar naquilo fazia com que imagens de Ethan e de sua possível esposa adentrassem em sua mente. Imaginou se ele sorria na presença dela, ou ao menos esboçava um mínimo sorriso, algo que demonstrasse alegria. Durante todo aquele pequeno espaço de tempo que passaram juntos, ela analisava, nunca o havia visto fazer isso.

Do que raios isso importa?, pensou, de maneira amarga. No meu tempo, meu verdadeiro tempo, ele já estava morto.

Quando deu por si, Ethan já não estava mais lá, apenas a Governanta e os empregados. Vencida pelo sono, ela deixou-se guiar por eles.

Estou na presença de fantasmas.


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