Hastryn: Ascensão escrita por Dreamy Boy


Capítulo 18
O Fosso


Notas iniciais do capítulo

"Por vezes, a sua vida muda radicalmente. E tudo o que você pode fazer é agarrar as oportunidades que aparecem, sem pensar nas terríveis consequências que podem provir disso."
— Katherine Wildshade



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/579610/chapter/18

Katherine

Para ela, a primeira noite de casados certamente não havia sido como o esperado.

Katherine vivenciou com Lothar um momento único, completamente distinto das vezes em que atendera o mesmo homem no Rosa Indomável. O rei havia sido muito mais amável e carinhoso, sem a mesma violência selvagem ou apressada das outras vezes. Aparentava ser outra pessoa, diferente da qual a rainha conhecia.

“A partir de hoje, poderá ser minha sem que haja nenhum problema impedindo isso. Não falarão mal de nenhum de nós, pois não permitirei que façam isso. O primeiro insolente a abrir a boca para insultá-la enfrentará sérias consequências.”

Lothar a disse, durante a manhã. Ali, Katherine soube que estava ao lado do verdadeiro homem, que possuía duas faces. Uma delas, oculta para as outras pessoas.

De certo modo, Katherine se sentiu amada. Contudo, sabia que todo aquele tratamento existia devido ao fato de ser extremamente parecida com a antiga esposa do rei, de certo modo se tornando uma lembrança viva da Rainha Lucy. Contanto que pudesse ser bem tratada e manipular tudo a seu favor, a jovem não se importava com isso.

Passaram não somente a madrugada, mas também toda a manhã juntos. Era inacreditável para Kath a posição e quem chegara durante tão pouco tempo. Pareciam ter se passado apenas dias desde que ainda morava com o pai no vilarejo e ele havia sido chamado para uma competição que, posteriormente, o levaria à morte. Atualmente, ocupava o cargo mais alto para uma mulher em Arroway e tentaria fazer de tudo para mudar a situação do reino, quando possível fosse.

Teve problemas para dormir, mas não demonstrou isso em nenhum instante. Dividia a cama com o assassino de Gregory e sua maior vontade era cravar um punhal na garganta do marido e matá-lo a sangue frio enquanto dormia tranquilamente, sem que sua consciência não pesasse nem um pouco pelas desgraças e tragédias que já havia causado.

A repugnância que sentia era enorme. Katherine jamais imaginaria ser capaz de possuir ódio de alguma pessoa, mas Lothar conquistara esse sentimento. Não sabia o que era uma sensação assim até o momento em que suas vidas se cruzaram.

Com sua mente repleta de pensamentos negativos, Katherine conseguiu adormecer.

...

Encontrava-se diante de uma fogueira ao lado de um bando de guerreiros. Havia pessoas de todos os tipos, desde idosos e crianças a mulheres fortes, armadas e prontas para atacar quando fosse necessário. Katherine era uma dessas mulheres.

— Amanhã, invadiremos o castelo. — afirmou um homem, que havia se levantado para que todos prestassem atenção nele e em sua voz. — Descansem e estejam preparados, pois a batalha definitiva começará!

Katherine, assim como todas as outras jovens rebeldes, sentia uma armadura feita especialmente para ela, acompanhada de uma espada, duas adagas e uma aljava de flechas. Humanas que possuíam espírito aventureiro e guerreiro.

Como combinado, levantaram acampamento no dia seguinte e colocaram em prática a missão de invasão. Quando por fim as trilhas acabaram e todos se encontravam de frente para os muros de pedra, alguns do primeiro grupo os escalaram e lançaram cordas lá de cima para que os demais também pudessem subir e acompanhá-los na luta.

Enquanto isso, o segundo grupo atacava diretamente pela frente, adentrando o pátio pelos portões. Os guardas que patrulhavam a rota foram facilmente derrotados e a passagem foi aberta.

O restante do bando se responsabilizou por incendiar o castelo, que nada parecia com a Arroway na qual Katherine estava acostumada. A mulher seguia à risca todas as ordens que lhe eram fornecidas, pois não queria que todos se virassem contra ela, pensando que era uma traidora, e a matassem. Carregava uma tocha acesa em uma das mãos e se preparava para auxiliar os outros a lançar o fogo nas áreas indicadas.

Um pandemônio se formou nos pátios.

Guardas do rei se misturaram com o bando. Katherine teve dificuldades para distingui-los, mas conseguiu se situar a tempo e fugir, passando despercebida antes que um deles a reparasse e decepasse sua cabeça com um único golpe.

O bando adentrou os corredores e seguiu por um caminho reto, como se conhecessem o mapa de tudo. Katherine também sentia como se soubesse exatamente como era aquilo, até mesmo a localização de cada móvel.

Entretanto, houve um momento em que se perdeu dos outros. Estavam correndo rápido demais, e Katherine parou em um corredor que não conhecia. Aparentemente, estava andando em círculo à procura dos seus amigos, o que era inútil. Já deveriam estar distantes, se ainda estivessem vivos.

— Ora, ora, ora. — disse uma voz misteriosa. Quando Kath se virou, encontrou um homem saindo de um dos cantos escuros, como se estivesse a observando por um bom tempo. — Vejamos o que temos aqui. Uma bela donzela pensando que sabe lutar.

De alguma maneira, Katherine reconheceu aquele homem. Era o que seus sentimentos intuitivos diziam a respeito do misterioso rei. Apanhou um de seus punhais e se posicionou, caso este viesse atacá-la.

— Pra que tanta pressa? Sabe que está sozinha e com poucas chances de sobreviver, não é mesmo?

Lothar ergueu as mãos e guardas surgiram dos corredores posicionados atrás da jovem. Katherine agora tinha inúmeros adversários para lidar simultaneamente, o que era muito mais difícil do que enfrentar a força do próprio rei.

Precisava ser rápida.

Sem pensar muito, largou a tocha no chão, retirou uma das flechas do arco e a lançou no primeiro guarda, desviando da faca lançada em sua direção. Apanhou a arma que havia caído no chão e jogou na direção de outro guarda, porém, acertou seu ombro de raspão, sem causar muitos danos.

Uma faca acertou sua canela, mas ela não desistiria depois de ter chegado tão longe. Mancando, foi para trás de uma pilastra e posicionou o arco para lançar o bote nos homens que restavam.

Lothar assistia de longe a luta, como se torcesse pela sobrevivência de Katherine para que tivessem um duelo sem interrupções. A rebelde tirou duas flechas, deixando uma em cada mão e saiu da pilastra. Quando as jogou, acertou certeiramente o peito de cada um dos soldados restantes, restando apenas o próprio rei.

As espadas se chocaram e Katherine atacava selvagemente, sem dar chances do homem se defender. Era um treinamento intensificado que adquirira desde pequena, tornando-se mais experiente nas práticas de luta do que muitos outros que conhecia e se gabavam de tal proeza. Katherine apenas ria daquelas pessoas, sem se deixar abalar pela tentativa de rebaixamento.

Prosseguindo com a luta, suas investidas se tornavam cada vez mais rápidas. Quando o rei conseguiu derrubá-la, a jovem se enfureceu por completo e saltou sobre o homem, arrancando a espada de suas mãos e cravando a lâmina em seu olho direito. Sem pestanejar, fez isso até que o homem ficasse completamente cego nos dois olhos e lançou um golpe final no coração.

...

Estava ficando louca.

Acordou apavorada, incrédula com o sonho que tivera. Era como se aquilo realmente houvesse acontecido no passado, mas Katherine nunca fora uma assassina e nem sequer aprendera a manejar uma espada. Conforme pregava a religião de Hastryn, as pessoas não tinham mais do que uma vida e eram direcionadas ao paraíso ou à escuridão logo após a morte. Portanto, não haveria justificativa para aquela visão.

Era apenas um desejo insano de destruir seu inimigo.

Tentando se esquecer um pouco do que sonhou, olhou ao redor e encontrou o rei sentado sobre uma das poltronas, com uma expressão indiferente. Certamente não havia percebido que a esposa tinha um pesadelo, o que era um alívio. Aparentava esperá-la para juntos tomarem a primeira refeição. Algo em seu olhar dizia que estava triste, como se precisasse conversar com alguém.

— Vista-se. — Lothar jogou um dos vestidos que escolheu para a esposa utilizar durante a manhã. — Teremos um longo dia pela frente. O que vou mostrá-la hoje é de grande importância e completamente confidencial. Nem mesmo minha filha possui consciência da existência disto.

Curiosa com o que lhe seria confidenciado, Katherine não se opôs. Um segredo que ninguém conhecia e apenas ela saberia. Um verdadeiro trunfo em suas mãos.

Parou de tentar se localizar quando foi guiada por corredores em que não havia estado presente antes. As estátuas eram muito diferentes, sendo menores e em maior número. A insígnia de Arroway pendurada nas paredes era antiga, precisando urgentemente ser substituída por uma mais nova, encontrada na maior parte do castelo.

Aquela era a ala oeste do castelo, onde a rainha percebeu que poucos tinham o hábito de frequentar. Um local totalmente esquecido e abandonado até mesmo pelas pessoas que deveriam conhecer o palácio inteiro, como Charlotte e Hazel.

Lothar retirou das vestimentas uma chave enferrujada e abriu a grande porta localizada no canto da parede de pedra. Adentraram a sala escura, onde o rei abriu uma das janelas e trouxe iluminação ao ambiente, o que possibilitou a Katherine visualizar o que havia ali dentro.

Brinquedos.

Estantes com livros infantis ilustrados, cavaleiros de madeira, jogos de tabuleiro com cenários de guerra e miniaturas de soldados em montarias, uma réplica do palácio de Arroway sendo atacada por monstros lendários, como dragões e ogros. Eram objetos fantásticos empoeirados e largados como se fossem lixo. Contudo, Katherine reconhecia e compreendia o valor sentimental daquilo para o rei.

— Pertenceriam ao meu filho. São presentes passados por muitas gerações, como a de meu pai, Rei Phillip, para o príncipe Horace, meu falecido irmão. Depois, ficaram para mim.

— Guardou isso com amor para quando nascesse um príncipe? — Katherine passou a mão em seu ombro carinhosamente, demonstrando estar ao lado dele naquele momento difícil. Era necessário, pois seria um passo para conquistar a confiança do homem. Entretanto, algo dentro de seu coração se sentia verdadeiramente à vontade em realizar aqueles atos. Não estava forçando uma situação. Seus sentimentos eram... sinceros.

— Sim... Foram planos feitos desde o início da gravidez de Lucy para seguir a linha tradicional da família Wildshade e transpassar nossos conhecimentos e costumes desde o começo. Era meu maior desejo.

— Seu filho certamente gostaria muito de ter toda essa coleção em mãos. Saberia aproveitar bastante a infância e vivenciar bons momentos com você.

— Talvez sim, talvez não. Sou um homem horrível, Katherine, e os deuses me castigaram por isso. Tiraram tudo o que mais importava para mim, e isso acontecerá com todos os seres vivos. É isso o que fazem, eles destroem a vida das pessoas.

“Isso é um pensamento muito hipócrita vindo de alguém em uma posição tão alta. Põe a culpa nos deuses, mas é responsável pela tristeza de grande parte da população.”

— A sua vida pode ser diferente... Ainda há tempo! Temos a chance de conceber um filho homem e realizar esse sonho. Quanto a ser uma pessoa ruim, o senhor pode melhorar! Cuide bem de seu povo e faça com que o amem.

— Essas pessoas são interesseiras. No momento em que cometemos alguma atitude que não gostam, passam a falar mal das autoridades pelas costas, sem possuir a noção de que um dia serão punidas por tamanhas blasfêmias. Por causa disso, deixei de me importar com eles.

— Concordo com o que diz, mas não pode fazer disso um motivo para se tornar uma má pessoa. Desse modo, deixará que o tratamento deles, mesmo que de forma indireta, interfira em sua bondade e seu comportamento.

— Não sei o motivo de te contar todas essas coisas, mas não quero que fique me dando lições de como devo me comportar! Tenha noção de sua real posição e não se oponha a mim!

“Os minutos de lamentação terminaram... Agora, estará voltando a ser o mesmo monstro de sempre.”

Katherine preferiu seguir pelo caminho menos perigoso ao ignorar as do marido. Prosseguiu com o diálogo, fez a grande pergunta que estava presa em sua mente há muito tempo, aguardando a hora certa para ser dita em voz alta.

— Juntos, temos a chance de gerar um filho nosso. A capacidade de trazer ao mundo um garoto e prosseguir com a dinastia dos Wildshade como devido. É uma promessa minha.

— Não jure algo que não está ao seu alcance!

Saíram da sala com os estômagos doendo. Não demoraram muito a descer as escadas e encontrar o caminho mais curto que dava acesso às cozinhas. Em seguida, alertaram as cozinheiras que comeriam na sala de estar, onde foi servido o café da manhã. A refeição era composta de pão, frutas, sucos, leites, queijo e outros alimentos nos quais a rainha não prestou muita atenção. Concentrada na conversa séria que estava tendo com o marido, preparou-se para fazer mais uma audaciosa pergunta:

— E quanto a Charlotte? Por que são tão afastados?

Lothar não tardou a responder.

— Ela se parece com a mãe, mas também comigo. Quando a olho, lembro-me dos pecados e dos erros que cometi no passado e ainda cometo. É algo que não desejo sentir, mas é mais forte do que eu.

— Sente vontade de consertar isso?

— Nunca a tratei como um pai. Para ser sincero, nem sinto vontade. De que maneira poderia tornar melhor essa situação? Minha filha, por culpa minha, é tratada como uma inútil e passa o dia presa em seu quarto.

— Quando retornei ao castelo, percebi alguns problemas. Pelo pouco que vi, encontrei a necessidade de novos integrantes nas áreas medicinais. Novos remédios precisam ser criados para garantir a prevenção das doenças que podem afetar a população... Penso que Charlotte, após um treinamento, poderia se adequar a essa profissão.

— Mas é uma menina! Mulheres normalmente não trabalham, a não ser as que realmente precisam para garantir seu sustento. As demais, ficam em casa esperando seus maridos e cuidando de seus filhos. É como a tradição diz!

— Concordo. — Katherine fazia o jogo do marido, sem tirar sua razão em nenhum momento. — Após se casar, Charlotte terá que cumprir com suas obrigações de esposa, mas e enquanto isso? Ficará presa sem ter mais funções?

Estava sendo ousada demais e abusando da própria sorte. Sabia que o rei poderia esbofeteá-la pela insolência a qualquer instante. No entanto, essa atitude não chegou ao menos a ser cogitada. Katherine estranhava o bom comportamento de Lothar, que era muito raro de acontecer.

— Seria uma boa distração... — O rei ainda não havia sido convencido, mas parecia aceitar a ideia aos poucos, para seu alívio. — Dessa forma, irá parar de chorar pelos cantos o tempo todo e importunar minha paciência. Traga-a para jantar conosco amanhã à noite, antes que eu me arrependa.

— Farei isso!

...

Durante a noite do dia seguinte, Charlotte Wildshade corajosamente se juntou à mesa e ficou ao lado da madrasta, procurando se distanciar o máximo possível de seu pai. Katherine se entristeceu ao ver aquela cena, relembrando de sua relação com Gregory, que era o oposto da vivenciada pelos dois.

— Vamos começar logo com isso. — Lothar disse, impaciente com a cautela e a delicadeza da resposta. Controlando o nervosismo, Katherine respirou fundo e segurou uma das mãos da enteada.

— Charlie, conversei com seu pai e fizemos um acordo que pode ser favorável. Claro, se for de seu desejo.

Charlotte a fitou com extrema curiosidade e um pouco de medo. Kath compreendia sua reação, pois o primeiro pensamento que teria se estivesse no lugar da jovem seria de que nada poderia ser bom vindo das mãos de Lothar. Portanto, não se ofendeu.

— Gostaria de aprender práticas medicinais e se tornar um membro do corpo hospitalar? — Foi direto ao ponto, sem causar mais mistérios. — Poderia ter funções de parteira, curandeira, preparadora de antídotos... O que for mais atraente!

— Não sei o que pensar dessa proposta... — A princesa parecia ao mesmo tempo aliviada e assustada. Uma mistura de sentimentos que a rainha era inteiramente capaz de entender. — Tenho um tempo para poder pensar a respeito?

Kath não respondeu e olhou para o rei, à espera de um gesto de aprovação ou reprovação. Lothar balançou a cabeça negativamente. Suspirando, a rainha encarou a enteada seriamente e decidiu encerrar aquilo de uma vez por todas.

— É uma decisão que deve ser tomada hoje, neste momento. Se não gostar ou tiver problemas com a profissão, pode desistir quando quiser. É apenas uma forma de fornecer a você uma função importante.

— Nesse caso, eu aceito.

...

Seus primeiros dias como rainha de Arroway foram acima de sua expectativa. Seus banhos eram deliciosos, e os pratos que lhe eram servidos constantemente também. As novas roupas a tornavam outra pessoa, permitindo que abandonasse o rótulo de meretriz impura estabelecido por si mesma. Kath estava disposta a abraçar aquela vida de corpo e alma, aproveitando as vantagens de tudo.

Comemorou o sucesso em tirar a solidão de Charlotte e incentivá-la a interagir com outras pessoas, ter um propósito, algo pelo que vale a pena se esforçar. Katherine Wildshade tinha medo da solidão e evitaria que qualquer pessoa de bom coração passasse por aquilo.

Depois de um tempo, encontrou uma brecha para escapar do castelo sem que Lothar percebesse, pois estava ocupado com um grupo de habitantes formados em filas realizando petições na sala do trono. Lothar mandou que a esposa se afastasse daqueles problemas, pois não era coisa em que mulheres deveriam se intrometer.

Katherine silenciosamente agradeceu aos deuses pela ordem.

Entrou numa carruagem e foi conduzida pelo caminho mais curto pelas estradas até chegar ao Rosa Indomável. Perdeu a noção do tempo ao fitar as moradias da população e a vasta visão dos campos que se abriam em suas janelas. Evitaram a trilha pelas matas fechadas, pois demoraria mais e Katherine estava apressada.

Diante da casa rosa, ordenou que o cocheiro parasse e a auxiliasse a descer. Em seguida, subiu os lances de escada enquanto o homem a aguardava do lado de fora. A porta do estabelecimento estava entreaberta, portanto, não se deu o trabalho de ser educada e esperar até que alguém a atendesse.

— Parece que alguém não consegue abandonar as raízes. — provocou a portadora de uma voz conhecida. Mafalda surgiu na frente de Katherine, passando por uma das entradas do salão e vindo ao seu encontro. Beijou seu rosto como se fosse uma grande amiga. Retribuindo o tratamento, Katherine esboçou um sorriso falso e a abraçou.

— Porque você é uma pessoa que faz tanta falta em minha vida... — suspirou, passando as mãos pelo vestido, como se estivesse retirando a sujeira causada pelo toque de Mafalda. — Onde está minha irmã?

— Não irá querer vê-la no estado em que se encontra agora. — Sua expressão provocante se alterou por completo. Agora, Kath via terror nos olhos da proprietária do bordel.

— Responda a minha pergunta.

— Está em seu quarto.

Sem pedir permissão, Kath subiu um degrau de cada vez, um pouco insegura com o que fora dito a respeito de Evelyn. Estava preocupada com as palavras de Mafalda. Girando a maçaneta, adentrou o cômodo e acendeu a luz.

Sentada sobre o chão gelado, com a cabeça sobre os joelhos, Evelyn Muirden chorava desesperadamente. A irmã caçula delicadamente se aproximou e acariciou seus cabelos.

— Katherine? — Evelyn ergueu a cabeça, falando em tom baixo. Demonstrou surpresa por tê-la encontrado novamente. — Vejo que não se esqueceu de mim, afinal...

— Eu nunca esqueceria! Fiz uma promessa de que a tiraria desse inferno e a protegeria. Não vou descansar enquanto não me certificar de que isso aconteça!

— Como estão as coisas no castelo? O rei está sendo muito com você?

— Por incrível que possa parecer, não. Estão bem tranquilas, a princípio. Estou pronta para enfrentar os problemas que uma rainha normal deve enfrentar, mas Lothar detesta que eu me envolva em assuntos políticos. Somente estou presente nos eventos especiais e celebrações.

— Não sei o que dizer... Estou tão orgulhosa!

— E Mafalda? Ela te trata de forma digna?

Evelyn negou.

— Jamais perdeu a oportunidade de esfregar na minha cara que você teve a sorte grande e que isso jamais aconteceria comigo, como se estivesse tentando provocar o caos entre nós duas. Além disso, costuma me chamar de caso perdido e desvaloriza o trabalho que faço durante às noites. Agora, temos novas prostitutas...

— Evelyn, isso não deveria ser assim. Mafalda abusa daqueles que não se impõem contra ela, como você já deve ter percebido. Essa mulher não tem limites.

Evelyn puxou a saia do vestido, revelando o que havia por trás do tecido. Suas pernas estavam vermelhas, com marcas de ferimentos causados por algum objeto específico para golpes.

— O que é isso?

— É o que ela faz com as pessoas que a confrontam agora.

Chocada, Kath ficou sem responder. Encostou-se à parede para respirar fundo e processar tudo aquilo. Não esperava ver sua parenta sendo tratada daquela forma, ainda mais agora que era rainha de Arroway. Mafalda estava desafiando sua autoridade e merecia sofrer as consequências por seus atos insanos.

— Você foi a única a apanhar? — perguntou a mulher, enfurecida. Sua voz era fria e seu olhar, amedrontador. Katherine se surpreendia consigo mesma, mas não tinha tempo para refletir sobre seu comportamento.

— Não. Muitas outras também foram. Inclusive, algumas que apenas tentaram me defender e impedir minha morte. — Elas se entreolharam e Evelyn percebeu que Kath tinha um plano por trás daquela pergunta. — Pelo amor dos deuses... O que pretende fazer?

— Apenas confie em mim. Quero que fique nesse quarto e espere meu retorno. Jamais tente desobedecer uma ordem minha. Confie em sua nova rainha!

...

Katherine desceu as escadas e foi para o lado de fora, sem dirigir a palavra à Mafalda ou a qualquer uma das presentes no salão. Quando estava próxima à carruagem, fitou um dos guardas e revelou o que acontecia.

— Existe alguém causando problemas sérios e acabando com minha paciência. Sigam-me de volta até aquela casa e me ajudem a trazer a sujeita amarrada. Por favor, apanhem as cordas que estão ali dentro.

Retornando ao Rosa Indomável, adentrou o salão com seus capangas. Mafalda se encontrava em uma bancada, conversando com um de seus muitos amantes, quando reparou em sua presença e acidentalmente deixou que a taça de vidro caísse sobre o chão e se espatifasse.

— É ela!

Todos pararam o que estavam fazendo quando suas palavras foram ditas em voz alta. Em questão de segundos, os homens a cercaram e a amarraram, impedindo que sequer tivesse uma chance de fuga. As garotas e garotos que se prostituíam olhavam estupefatos para o que acontecia, sem tomar nenhuma atitude que fosse capaz de irritar a rainha. Sabiam que assinariam sua sentença de morte se o fizessem.

— Não quero que tenham medo de mim, pois não sou uma pessoa má. Retornarei em pouco tempo e desejo que reúnam todos aqui, neste lugar. Posso contar com a confiança de vocês para isso?

Assentiram.

Em um dos dias antes do casamento, Katherine ouviu falar sobre uma zona de julgamento não muito utilizada nos dias atuais, mas que fora muito importante no passado. Essa zona era localizada nas florestas escuras, onde atualmente a visita não era mais permitida. Nelas, havia um grande fosso no qual habitava um monstro cujos tentáculos puxavam as vítimas em poucos instantes e as devoravam por completo, alimentando-se de seus corpos. Uma criatura arriscada até mesmo para o rei. Quando soube do ocorrido, Kath decidiu não perguntar a Lothar como aquilo era mantido vivo durante épocas, pois qualquer resposta que receberia seria assustadora.

— Chegamos.

O local era realmente sombrio e escuro, como se passassem por um período infinitamente noturno. As árvores altas impediam que os raios solares penetrassem totalmente na clareira em que o fosso se localizava. Somente um ou outro raio trazia iluminação ao ambiente, o que aumentava ainda mais os cuidados para não se aproximarem demais da fera.

Mafalda foi arrastada.

Katherine demonstrava indiferença perante o sofrimento da mulher, pois aquela criatura demoníaca havia maltratado a vida de inúmeras pessoas, antes e depois de sua chegada. Pessoas que não tinham escolhas e dependiam da prostituição para sobreviver.

— Sejam rápidos com isso.

— Por favor, tenha piedade de mim! — A mulher gritava, aos prantos, como se lágrimas de crocodilo fossem o suficiente para que a nova rainha voltasse atrás com seu objetivo.

“Quando precisei de sua piedade e de seu apoio sincero, o que fez comigo foi usar meu corpo para obter lucros e riquezas e depois me roubar. No entanto, a vida nos surpreende, faz os jogos virarem e agora seu castigo está vindo!”

Os guardas jogaram a mulher dentro do fosso. Ouviu os últimos gritos, antes dos tentáculos do monstro gigante a trazerem até seus dentes e a devorarem em questões de segundos.

Em silêncio, Katherine se deliciava com a dor de sua inimiga.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam?
Intrigante? Revoltante? Surpreendente? -q



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Hastryn: Ascensão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.