Os olhos violetas escrita por Flávia Monte
Notas iniciais do capítulo
Espero que gostem
Eu acordo e já não tem ninguém ao meu lado na cama, mas a coberta está mexida, então dormiu alguém ali sim. Não sei se foi Harry ou Bernardo, simplesmente não liguei ontem a noite e prefiro não perguntar a nenhum deles. Contudo, deve ter sido Bê, pois Harry disse que ia o chamar.
Tiro os pés da cama e tento encontrar os chinelos, sem muito sucesso. Prendo meu cabelo em um coque frouxo, no alto da cabeça e vou para a sala. Eles dois estão conversando baixo, em pé perto da janela. Bê coloca a mão no ombro do moreno e esse se irrita. Com uma sacudida forte, Harry tira a mão apoiada em seu braço e olho para o lado.
— Você não devia ter feito isso.
— Idiota. Você teria feito o mesmo, se estivesse no meu lugar.
— Não faria.
— Ah! Faria, sim. Você sabe muito bem como é a magia.
— É algo natural, e controlável.
— Mano, você sabe que não é assim.
— Mano, era só você não ter beijado...
— E como eu iria supor que ela era de um clã extinto? Você ao menos já havia escutado sobre ele?
— A sua missão não era ela?
— Mas eu não sabia quem era ela! Sou a merda de um Transferidor, e você sabe muito bem o que é isso Harry. Você também é um.
Apesar de eu estar na sala, encostada no batente da porta, nenhum dos dois havia me notado. E por estarem de costas suas vozes me confundiam, até Bernardo fala o nome de Harry.
Bê passou a mão pelo cabelo loiro e jogou a cabeça para trás. Normalmente, ele só fazia isso quando estava desesperado ou extremamente irritado. A fisonomia de Harry estava perfeitamente neutra. Só de olha-lo eu não saberia dizer o que sente, no entanto, algo me fazia perceber a sua perturbação.
— Você não é mais um garotinho treinando. Você era o meu superior. Sabe qual é a merda de ter um superior que saiu do Caminho?
— Harry, eu não...
— Eles me culparam, Martes! Disseram que eu seria como você. Que eu sou como você. Não me tiraram essa merda de tatuagem, mas tiraram aquilo de mim.
— Aquilo? Você não está querendo dizer...
— Sim, estou! E isso é tudo sua culpa! Se apaixonar? Fala sério, Martes! Não tem nada mais estupido do que isso.
— Não foi assim.
— É claro que foi! E tenho certeza que você ainda tem o seu! Você não sabe a dor que senti quando abriram minha pele para pegar! A dor de colocar não se compara a tirar aquilo daqui de dentro!
— Você sabe que eu nunca faria isso de propósito com você, mano. – Bernardo tentou de novo tocar em Harry, mas o moreno foi mais rápido e desviou.
— Tudo por causa daquela tonta da Suzanna, cara! Qual o seu problema? O que você viu nela de diferente? Todas as outras foram tão fáceis. Tão descartaveis. E quem diria que dessa vez seria você o chutado...
— Eu não fui chutado! E foi diferente por causa do clã amaldiçoado dela! Você sabe muito bem o que são os Ornartos Violetas, agora que a conheceu! Eles nos atraem igual a moscas, mano.
— Não sei ao certo como eles são. Mas sei como a Suzanna é. Um pouco depois de você sumir do radar, ela passou a ser minha missão. Eu sou a morte dela. Eu era a morte dela, até ela virar a minha morte. Mas que tamanha estupides você fez, Martes!
— Não me arrependo. – Bernardo se virou e finalmente percebeu que eu estava ali, mas não parou de falar. – Eu repetiria tudo aquilo. Contanto que eu a tivesse, de novo.
— Você é idiota de perdê-la depois de ficarem ligados. Babaca, egoista e completamente louco por deixar que ela escorregasse por entre seus dedos.
— O que você teria feito?
Harry ficou em silêncio até Bê repetir a pergunta pela terceira vez. Suspirando alto, o moreno apoiou o braço tatuado na pedra da janela e se debruçou.
— Eu não teria feito nada. – Ele solta um pouco devagar demais. – Eu não a ajudaria na escola. Eu não a desculparia por me machucar com aquela águia estranha. Eu não a chamaria para surfar. E mesmo se ela parecesse por lá... Eu não olharia. Eu não falaria com ela durante as aulas. Não avisaria que o Kevin queria apenas comer a Suzanna. E você não sabia, mas ele gostava dela. Eu sabia. Apesar de eu ser o seu seguidor, ele não sabia de você, Martes. Eu não deixei saber. Eu não te entreguei a ninguém. Eu não teria beijado a Suzanna, Martes. Eu não teria feito essa burrice.
— Já entendi, mano. Então o que você teria feito, já que não faria nada do que eu fiz?
— Eu não faria nada do que você fez ou pensou em fazer. Eu apenas terminaria a missão o mais rápido o possível. Como eu sempre faço. Como eu fiz com os outros. Como eu disse para você naquela noite: Nunca te vi assim, que depressão.
— Você nunca amou alguém, Harry. Quando amar, vai entender por que agi como agi.
— Eu já amei, idiota. E você sabe disso, mas ela não está mais...
— Não começa com isso de sonhos! Essa garota que você escreveu com roupa de época era apenas isso. Uma garota que você inventou. Não se compara a Suzanna.
— A Suzanna é apenas uma inútil com uma maldição. Se fosse uma Normal, ela nem te atrairia.
Bernardo ainda estava virado para mim, e todas as suas palavras vinham até meus ouvidos. Mas isso não foi o suficiente para ele. Meu ex-namorado andou até mim, e eu sabia o que ele iria fazer. Segurando minha cintura, tentou plantar um beijo em minha boca, o qual eu me afastei o suficiente para conseguir para-lo.
— Ela me atrairia de qualquer forma.
Harry finalmente se virou e tocou a testa, como se esse simples movimento o fizesse se sentir tonto. O moreno olhou para mim, e seus olhos incrivelmente negros fincaram em mim.
— Eu não aguento mais! – Gritou Bernardo escalando uma das ultimas pedras da montanha. – Não pode ser aqui em cima!
— Se não acharmos logo, minha mãe poderá morrer! – Gritei de volta.
— Se não morreu até agora, aquela moça é indistrutivel! Por que faz muito tempo que a levei para os olhos de fogo, e você não tem noção o quanto ela sofreu! Ah e sem falar nessa doença que o Sr. Branden plantou nela... A cada dia que passa é para que sua mãe fique mais fraca. E ai está você a mais de cinco meses não fazendo nada para ajudá-la.
Olho para Harry com a boca aberta. Apesar de ser tudo verdade, eu não esperava que alguém fosse franco comigo. Mas o desinteresse de todos na melhora da minha mãe também era notável. A diferença é que Harry estava calado. E tudo aquilo veio da sua mente, de novo.
— Sem nem falar o quanto deve estar sendo difícil para ela. A idéia era que a moça já estivesse morta. Provavelmente, o Sr. Branden deve achar que ela está... Ninguém sobreviveu mais de um mês. Aquela velha sinistra que diz ser sua tia deve ter feito algo. Eu conheço o nome dela. Todos conhecem. Ela é tão antiga quanto Branden. Apesar de motivos diferentes... Como você é idiota, Suzanna. Se ao menos eu tivesse uma mãe para me preocupar... Eu nunca teria sequer esquecido que ela poderia estar morrendo. E você, parada, sem fazer nada. Nada me faria esquecer sobre a minha mãe. – Harry parou e finalmente abriu a boca para falar de verdade. – Você é uma hipócrita mimada, que não sabe dar valor ao que tem.
E assim, mais uma vez naquela manhã, eu fiquei boquiaberta.
— Você não me conhece. – Repeti suas palavras de uma noite.
— Está errada, Inútil. Eu te conheço melhor do que você mesma. Eu te observo faz meses, e sinto muito que seu presente de dezessete anos foi o rapto da sua mãe. Sigo ordens. Você tem um dom estraordário, mas você mal sabe usar isso. Você não vai a escola a quase um ano, e acha isso normal. Pessoas lutando para conseguir um simples livro de matemática e você acha que só por causa do seu dom, você tem o direito de passar na escola. Ano que vem você estará no terceiro ano, como se nada tivesse mudado, que ótimo.
— Harry, você é um babaca! – Eu gritei e o empurrei contra uma pedra enorme. O moreno me olhou com nojo e veio até onde eu estava com mais raiva que nunca.
— Um babaca que você sabe que está certo! – Segurando-me pelo pescoço, me tacou contra a mesma pedra. Chegando mais perto, de novo, Harry me levantou pelos dois braços, não deixando que eu o machucasse. – Você tem que escolher melhor suas lutas.
Tentei me debater, ou dizer algo, mas estava difícil. A forma de ele me segurar tirava todo o meu ar e minha visão estava começando a ficar turva. Aos poucos seus incriveis olhos pretos não estavam mais focados e meu esforço estava sendo todo em vão.
— O que está fazendo com ela? – Eu escutei a voz de Bernardo ao fundo. – Eu encontrei a entrada do túnel!
E tudo ficou preto.
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Espero vocês nos comentários!