Perpétuas Mudanças escrita por Hunter Debora Jones


Capítulo 28
Cartas na mesa


Notas iniciais do capítulo

Olá, vingadores, agentes, marveleiros, e midgardianos no geral! Como vão vocês?

Depois do capítulo anterior que gerou muitas expressões parecidas como a do esquilinho dramático, temos um capítulo mais leve. Espero que vocês gostem!

Boa leitura!



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— Aqui, tome. — a voz de Sam me arranca dos meus devaneios, surgindo na sala de sua casa oferecendo-me uma xícara de chá recém preparado por ele. Isso porque cheguei há poucos minutos, após minha fuga ensandecida por vários atalhos e rotas na cidade para que ninguém tentasse me seguir. — Não é um chá comum. É uma receita de família, você vai gostar. Vai te fazer se sentir melhor.

— Obrigada, Sam. — murmuro lançando um olhar de agradecimento a ele, enquanto pego a xícara e o pires de suas mãos. Ele faz um leve meneio de cabeça. Caminhando para o outro sofá, se senta com o olhar retornando a mim. Seu olhar é reservado, não muito diferente de quando cheguei e ele saiu até a calçada de sua casa e me encarou apenas um pouco surpreso, vendo meu estado intrigante, e a minha moto... Suspiro relembrando da lataria amassada que vi ser mais grave quando desci dela, enquanto Sam me ajudava a guardá-la em sua garagem sem questionamentos. Acho que ele percebeu no momento que eu não estava muito bem para um papo.

Dou um sorriso para ele, levantando a xícara para beber o chá. A sua substância é sem açúcar, e ainda por cima quente. Queima a minha língua descendo por minha garganta, dando-me a oportunidade pelo menos, pelo seu gosto ruim — Sam que me perdoe, esse treco é horrível —, baixar a ansiedade que sinto. Tolero o incômodo de queimar a língua, mas é difícil ter que segurar uma careta de desprazer com o gosto, mesmo sendo uma agente treinada. Ugh.

Coloco a xícara sobre o pires em meu colo, ensaiando um sorriso para que Sam não veja que odiei o chá, e fique magoado de alguma maneira. Sua expressão é um pouco animada quando o fito.

— Steve me ligou há algum tempo — ele começa em tom neutro, cordato. —, dizendo sobre sua saída do cemitério — para não respondê-lo, tomo mais um gole de chá demonstrando interesse na conversa calada. Ele prossegue: — Mandei uma mensagem para ele avisando que você está aqui. Ele deve chegar em alguns minutos.

Sustento meu olhar ao seu ainda em silêncio. Rever Steve tão cedo eleva minha ansiedade, não de um modo positivo, porque eu o afastei e deixei para trás vendo a fumaça de minha fuga deixada pela minha moto. Tomo mais um gole de chá, desviando o meu olhar para o líquido da xícara. Até que esse troço não é tão ruim depois que você se acostuma com o gosto de madeira e mato conservado por vinte anos. Isso faz lembrar-me de Steve... Se eu tivesse ficado e o ouvido. Se eu tivesse ficado, e deixado dirigir a minha moto (ela não estaria amassada), eu não teria quase morrido (de novo). Mas não descobriria tão cedo que corre e se sobressai em meu sangue algo mais forte do que a adrenalina. O sangue de um herói, literalmente. O sangue de Peter Parker, o Homem Aranha. O amigão da vizinhança. O Lançador de Teias... Espera, será que agora posso lançar teias?

— Tirou a tipoia? — Sam pergunta quando tento responder minha pergunta evidenciando assim o meu braço, segurando o pires e o chá na outra mão. Sem teias, droga. Levanto o meu olhar para Sam e o encontro olhando curioso para meu braço sem o suporte.

— Sim. Já não precisava mais dela. — aproveito o momento de conversa para colocar a xícara de chá com o pires sobre a mesinha de centro. Encostando minhas costas no sofá, Sam solta apenas um murmúrio de compreensão.

— E... Está melhor? — franzo meu cenho, confusa. Fito Sam sem disfarçar confusão, porque tenho certeza que já tinha deixado isso bem claro. Ele dá de ombros de um jeito despretensioso, mas se apressa em dizer: — Digo, se você está mais calma. Você chegou aqui... Bem...

— Sim, eu estou. — o interrompo com tom sereno. Ele assente parecendo meio incomodado, mas fica calado. Não faço ideia do que Steve disse a ele pelo telefone, mas sua curiosidade inexistente de outrora acaba de dar o ar da graça. Bravamente ele resiste à vontade de me questionar, e insistir para que eu diga o que aconteceu de alguma forma.

Então Sam banca o anfitrião calado, olhando às vezes para mim com um sorriso breve para depois olhar o seu mobiliário da sala como se pensasse em vender em um leilão, ou redecorar o espaço. Sendo assim, tento ser a pessoa que aprecia o silêncio e não se importa em ficar sentada como se não houvesse um amanhã. Odeio isso. Isso é tão tedioso, que começo a assobiar Sleeping Beauty Waltz lembrando uma animação da Disney para não ficar em um silêncio tão desconfortável. Não quero conversar, porque isso resultaria em ter de contar coisas que quero evitar, mas odeio o silêncio. Dois olhos me fitam de soslaio, viro meu rosto na direção de Sam, que me encara como se eu tivesse acabado de confessar que o Leonardo di Caprio só não ganhou ainda um Oscar, porque ele irritou um dos diretores da C.I.A. ao se recusar a ser um agente secreto atrás dos holofotes em Hollywood. Trágico...

Paro de assobiar. Tomo fôlego, e dando o braço a torcer, digo de uma vez:

— Tudo bem, pergunte.

— O que foi que aconteceu? — ele inquire, inclinando o seu tronco para frente para encarar-me sem disfarçar sua curiosidade. Estou prestes a respondê-lo, mas ele me bombardeia com mais perguntas: — Por que fugiu do Steve? Por que você chegou aqui agitada e com a sua moto amassada? Por que há esses arranhões pelo seu braço e...

— Wow, hey! Mais devagar, Falcão. — levanto uma mão, em um gesto de parada que ele atende ainda em sua curiosidade. Fazendo um muxoxo lembrando a minha moto acidentada, prossigo: — Uma pergunta de cada vez, que só assim poderei te responder.

Sam respira fundo, assentindo com a cabeça e diz:

— Eu só quero entender o que aconteceu. Olha, Steve tinha me dito que podia voltar para casa porque te levaria para um encontro... — Santo Hulk. Santo Thor de Asgard. Santo Elvis da Terra! Desvio minha atenção de Sam, sentindo minhas bochechas ficarem rubras. Eu sou tão idiota! Steve queria sair comigo. Ele deve ter se esforçado tanto para dar aquele passo, e eu nem o ouvi estando mais ocupada em fugir como uma garotinha, tudo porque não pude suportar encarar a verdade? Idiota. Burra. Estúpida. —... Eu pensei que estava tudo bem e vim para casa, mas depois Steve me ligou dizendo que você fugiu nervosa de moto, pediu para avisar se você chegasse aqui. Eu não perguntei nada a ele, pensei que as coisas não tinham dado certo, mas que logo se resolveriam. Então você chegou com sua moto amassada, com esses arranhões e nervosa. Então entendi que seja lá o que tenha acontecido não foi algo com o Steve.

— Permita-me parabenizá-lo por sua brilhante dedução. — rio sarcasticamente para Sam por ter pensado na possibilidade de que eu fugiria de Steve, tendo alguma discussão com ele. — Eu não sou do tipo que foge. — tento explicar sorrindo dubiamente para Sam. Pouco convencido, ele dá de ombros e replica:

— Certo. Então, diga-me, Sherlock de 46, você que sabe de tudo pode me responder a mais simples pergunta: o que foi que te aconteceu? — desmancho meu sorriso vacilante ainda o encarando. Gosto mais dele quando é o amigão de mil sorrisos, não quando é irônico e me pressiona querendo uma resposta. Como se lesse meus pensamentos, ele suaviza um pouco suas expressões e fala: — Eu vou te respeitar se não quiser dizer o que houve, mas não posso me fingir de cego e agir como se não tivesse visto nada. Eu vi você chegar aqui nervosa, apavorada, e ainda posso ver esses sintomas em você. Percebi que seu sarcasmo é mais duro e presente nessas ocasiões. — ele esclarece como se dissesse que um mais um é igual a dois, quando o questiono com o olhar. Respiro cansada, baixando o olhar, precisarei trabalhar nas minhas técnicas novamente como se fosse uma principiante, não posso me dar ao luxo de ser previsível, mesmo com alguém de confiança. A voz de Sam volta: — Você não precisa guardar segredos, Jessie. Você tem em mim um amigo, e acho que seria bom desabafar e tirar esse peso que você tem em suas costas. Porque é visível que algo te perturba.

E aí está Sam, pedindo-me como um amigo para desabafar, enquanto eu reclamo comigo mesma das minhas transparentes emoções. O que devo fazer nessa situação?

— Ok. Eu vou te contar o que aconteceu. — Se sou idiota, burra ou estúpida? Provavelmente os três em um pleonasmo absurdo — eu sei, mas nunca tive um psicólogo ou terapeuta, dei a chance a Natasha uma vez, mas não me sinto muito bem com ela no momento por motivos claros. Sam é um cara que sempre diz algo sensato que traz calmaria com suas palavras, então... Por que não o deixar ser o meu terapeuta da vez?

Olho para Sam, aperto meus lábios antes de articular:

— Olha, acho que você já me conhece bem, então isso vai soar repetitivo, mas... — com o seu olhar atento em mim, ele faz um sinal de apoio. Beleza, vamos lá: — É uma longa história. — um sorriso surge em seu rosto, mais extrovertido. Acrescento: — Mas mais maluca e real do que qualquer outra. Acredite!

Colocando um de seus calcanhares sobre sua perna, empolgado ele expõe:

— Eu só lamento por não ter mais ninguém para ouvi-la.

Arqueio minhas sobrancelhas, ponderando como deveria me sentir com esse comentário. Sam nota minha reação e tenta anuir um pouco o seu semblante ficando sereno, tarde demais. Melhor deixar pra lá e começar a contar tudo antes que desista.

Sinto-me alerta de imediato, meu corpo fica tenso de sobreaviso e um vinco se forma em minha testa. Percebendo minha mudança Sam me encara confuso.

— O que foi? — ele pergunta, no mesmo momento que ouço o trinco da porta se destravar e olho por sobre o ombro ela se abrindo. Steve adentra, seu olhar cai diretamente em nós na sala, enquanto fecha a porta. Tiro meu olhar dele, inclino-me um pouco no sofá para pegar a xícara de chá do Sam querendo bancar a distraída. Deus me ajude, por favor! Faço preces silenciosas e tomando o chá já frio e voltando a achá-lo ruim, ouço os passos de Steve aproximar-se.

Céus, esse chá é pior do que a imitação horrível de açaí que vendem no Brasil! E quando digo isso é porque é ruim de péssimo! Bebo mais um pouco do chá. Sem barulho de passos, e com silêncio desagradável. Pela minha visão periférica noto Steve parado como um poste há meio metro de mim a minha esquerda. É em momento como esses que desejo ser um desenho animado que poderia cavar um buraco e enterrar minha cabeça na terra para não ter que encarar a vida, ou então cair lá na China mesmo. Já estive lá e é um país maravilhoso, só a cultura que é um pouco diferente, mas poderia me acostumar com ela. Santo Hulk, o que é que eu estou divagando? Calma, Jessie! Não vamos começar tudo de novo!

— Capitão. — Sam quebra o silêncio, dando-me o tempo e a coragem pra agir como uma pessoa sensata. Hora de me recompor, esquecer a China e enfrentar a vida.

— Sam. — Steve o cumprimenta de volta. Bebo o último gole do chá, tendo que pôr a xícara em cima do pires na mesa.

Levanto meu olhar para encarar Steve, encontrando seu olhar sobre mim, analisando-me. Quando seu olhar para em meus braços, ou talvez em algumas partes rasgadas da minha roupa, seu olhar cintila de estranheza. O observo de volta, ele está do mesmo jeito da última vez que o vi. Elementar, meu caro Watson. Ok, a única coisa diferente que há é um pacote marrom em uma de suas mãos, enquanto na outra há aquela pasta que eu já havia visto em suas mãos no cemitério quando apliquei-lhe um golpe e o abandonei. Esse último pensamento me deixa um pouco mal e paro de observá-lo. Pigarreio tentando cortar esse clima estranho, e volto a olhar na direção do rosto de Steve, sem realmente olhá-lo nos olhos, e pronuncio-me:

— Que bom que chegou, Steve! — exagero um pouco demonstrando empolgação, e além disso sei que devo parecer uma maluca sem noção evitando olhá-lo nos olhos. Encorajando-me a encarar seu olhar encontro amenidade nele quando o faço, compaixão. Não entendo por que depois de tudo ele ainda me olha com... Afeição, carinho. Oh, santo Hulk me ajude porque não quero pensar muito nisso e ficar vermelha como tenho feito ultimamente. Tentando soar o mais normal possível, e centrada, digo: — Eu tenho algumas coisas a compartilhar com o Sam. — olho para Sam que assente, no mesmo gesto que me explana compreensão e encorajamento. Rebuscando o olhar de Steve, completo: — Você é bem vindo.

Respiro orgulhosa de mim mesma tendo três segundos transcorridos. Eu consegui! Está certo que Steve ainda não respondeu, mas não brigou, ou não saiu da sala deixando meu convite para o mobiliário de Sam e as paredes, e sabendo que Steve é um homem sensato, há 80% de chance de eu não levar um fora seu. Ou seja: eu consegui me entender com ele.

Steve ainda não respondeu, entretanto começa a andar na sala. Temo que os 80% esteja caindo por terra, no entanto, Steve para a minha frente e me estende, sem dizer nada, o pacote marrom que segura. Levanto meus olhos ao seu rosto com questionamento, não encontro nenhuma resposta em seu olhar, mas ele continua com o pacote estendido para mim e deduzo que ele espere que eu o pegue. Faço isso, tratando de segurá-lo direito com as duas mãos.

— Abra. — Steve se afasta mudo após instruir, ocupando em ir sentar-se no outro sofá ao lado de Sam.

Não faço nenhuma pergunta, sigo apenas a sua instrução — confio nele para agir assim, e mesmo que tenha soado como uma ordem acho que devo uma a ele. Ponho uma mão na base de baixo do pacote, arqueio uma sobrancelha de leve, em desconfiança do que seja. Com a outra mão começo a desembrulhar a ponta do pacote, enquanto Sam olha a situação, curioso, e Steve com seu semblante natural. Afinal, ele já sabe o que tem aqui dentro e...

— Steve. — murmuro seu nome o encarando, comovida, confusa e com outras emoções que nunca sei descrever, ou que ainda não consigo verbalizar em meus pensamentos. Sam ansioso questiona:

— Tá bom, o que é que tem aí? Um anel de compromisso?

Steve se mexe um pouco desconfortável no sofá com a pergunta de Sam, eu rio achando graça, e volto a encarar o hambúrguer dentro do pacote. Meneio a cabeça negativamente, e sorrindo não somente porque vou me livrar do gosto horrível do chá de Sam, mas porque Steve me trouxe um hambúrguer. E isso de alguma forma significa muito para mim. Talvez, para nós.

Enquanto Sam alterna o olhar entre Steve e mim, procurando uma resposta, fito Steve que abre um sorriso lateral e diz:

— Um hambúrguer pela sua história, certo?

***

— E então vim para cá percorrendo os atalhos, pontos cegos de câmeras da cidade para que ninguém de alguma forma me seguisse, bla, bla, bla. E isso é tudo. — termino de contar a história engolindo o último pedaço delicioso do hambúrguer. Nunca me cansarei dos hambúrgueres! Ergo o meu olhar para encarar meus dois ouvintes, e o que posso dizer? Não precisaria ser sensitiva para notar a incredulidade deles em minha história. Mesmo eu tendo sido detalhista e sincera do começo ao fim. É, a verdade é uma coisa sem graça às vezes.

— Será que você não... — Sam começa a articular. Sei o que ele está pensando, por isso trato de esclarecer:

— Não, eu não bati com a cabeça, Sam. — ele franze suas sobrancelhas, meditativo, diria ainda cético. Adiciono: — Não dessa vez. Eu juro.

— Você tem certeza? Quem sabe tenha batido e...

— Sam!

— Tudo bem, tudo bem. — ele se dá por derrotado ao meu protesto e olhar insultado, erguendo as suas mãos a altura dos ombros. — Me desculpe, mas achei que fosse uma pergunta válida.

Reviro os meus olhos dramaticamente. Exausta do ceticismo, de forma sarcástica retruco:

— Seria uma pergunta válida, se eu não tivesse já esclarecido que não bati com a cabeça antes.

— Ok, você tem razão. — ele murmura, deixando a conversa cair no silêncio. Lanço meu olhar para Steve ainda calado que tem seu olhar baixo, em ar concentrado, pensativo. De soslaio enxergo Sam no sofá, inclinando-se para frente a fim de falar algo novamente enquanto me fita. O encarando de volta, ele retorna a articular:

— Sabe, mas essa história do seu pai morto estar vivo e trabalhando na S.H.I.E.L.D. todos esses anos, isso é... Aceitável. — acho que ele pretendia dizer outra coisa, que ilustraria como: "Isso é maluco, você sofreu uma alucinação e ainda tá pirando! Ou pior, alguém fingiu ser o seu pai e você acreditou como uma idiota!", ele deve ter entendido por meu olhar que jamais me enganaria sobre isso. Acho que gostaria de estar enganada, mas essa é a verdade. — Mas então parar um caminhão com as mãos, e escapar apenas com alguns arranhões? Lamento mesmo Jessie, sei que você é uma garota durona, e que carrega nas veias um suprimento de adrenalina, mas isso é...

— Inacreditável. — Steve completa a sua frase, incluindo-se na conversa fitando-me inexpressivo. Inacreditável. A palavra parece reverberar na mente de cada um de nós em silêncio. Recordo do meu pensamento quando percebi o que tinha acontecido. Um milagre. Mas raciocinando com clareza sei que esse milagre não aconteceu sem precedentes, há um fator causador de tudo isso.

— Eu ia dizer "absurdo", mas sua palavra cai muito melhor, Capitão. — o tom de alívio de Sam é perceptível ao encarar Steve agradecido, mas instantaneamente percebendo que disse isso em voz alta, me encara com os olhos um pouco arregalados, e se desculpa: — Foi mal. Mas se isso realmente aconteceu, Jessie, vou agir da maneira sensata: chamar um médico.

Sam se levanta do sofá, indo em direção ao telefone. Não sei se me sinto grata, ofendida ou surpresa pela sua postura. Ainda não decidi. Vendo que ele pega o telefone nas mãos chego a uma decisão.

— Fala sério, Sam! — me sinto ofendida, com certeza! Depois de contar os meus maiores segredos da atualidade ele age como se eu estivesse maluca? Como minha mãe diria: poxa, isso ofende.

— Eu tenho um amigo médico com quem servi junto. — ele explica, enquanto digita alguns números no telefone. — Sei que as pessoas não podem saber sobre você, mas tenho certeza que ele será bem discreto ao meu pedido. Ele me deve um favor.

Olho para Steve em busca de algum tipo de apoio. Ele pondera o meu pedido mudo sem assentir, um pouco titubeante.

— Sam... — Steve intervém, enfim, em tom neutro que é impossível saber sua posição. Sam rebate prontamente:

— Não se preocupe, Steve. Ele não mora muito longe daqui.

Dou de ombros, deixando meu olhar cair sobre o meu colo. Pelo visto vou ter que lidar com o que eles irão me impor. É a minha única alternativa, porque fugir está fora de cogitação. Eu fiz isso mais cedo e veja o que me aconteceu.

— Está chamando.

— Sam, desligue o telefone. — a voz patente de Steve desperta toda a atenção com a sua ordem. Encaro Steve, que fita Sam que o olha confuso com o telefone ainda em sua mão. Leva alguns segundos para que Sam faça o que Steve pediu, tendo a certeza do que ouviu pela gravidade do semblante de Steve que também identifico. Jamais diria isso a Steve, mas ele fica ainda mais atraente quando está sério — centrado, e olhando diretamente em meus olhos. Que? Noto só agora então seu olhar penetrante, porém sério e fixo em mim, seu maxilar travado. Desde quando ele está me encarando assim que eu não percebi? É de tirar o foco. Jessie, não perca o foco. Estou tentando repetir isso uma segunda vez mentalmente diante dessa situação, quando Steve profere com certeza: — Alguém aqui não foi completamente sincera conosco.

Steve continua com seu olhar em mim, Sam coloca o telefone no gancho vindo até nós.

— Espere... — enuncio, sentindo a indireta amarga, mais direta lançada a mim. — Se você está se referindo a mim, Capitão. Eu digo que fui inteiramente sincera com vocês.

— Realmente? Então não há nada que você deixou de contar sobre a sua missão em New York com o garoto aranha? — sua voz parece mais grave e mal humorada ao citar o Homem Aranha como garoto aranha. E é isso mesmo, por que ele falaria assim dele? Gostaria de corrigi-lo, exigir um tom mais respeitoso com o herói da cidade de NY, porém... Ele tem um ponto contra mim, e preciso me manifestar sobre sua dedução certeira:

— Ops. — essa não foi uma das minhas melhores manifestações, eu sei.

— Ops? — ele me copia, mas sem qualquer humor em seu tom de voz. Dando uma olhada em outra direção, respirando fundo, ele murmura ranzinza: — Eu esperava bem mais de você.

Levanto-me do sofá, fitando a parede para evitar que ele ou Sam vejam meu rosto e visualizem o meu abalo. Então é assim que minha mãe deve se sentir quando eu ligo para ela para avisar que não aparecerei no Natal ou no dia de Ação de Graças. Poxa, como é horrível deixar o sentimentalismo tomar um lugar. Permitindo-me respirar fundo, encho meu peito de coragem, me viro para Steve, e Sam completamente perdido na conversa e inicio:

— Você está certo, Steve. — admito, mas não me sinto mal por não ter contado isso a eles antes como Steve talvez esperasse, no momento parecia irrelevante. Ok, eu sabia que poderia ter morrido, ou poderia ter virado uma mutante sem cérebro destruindo a cidade, e... Oh, Deus. Isso seria mesmo possível? Pisco os olhos, ignorando tais pensamentos retomo a fala para os dois que me encaram: — O Homem Aranha... Eu... —... Parei um caminhão com as mãos, e tenho uma sensação esquisita como um alarme em meu corpo pressentindo coisas como uma Mãe Diná que prevê perigos simultâneos ao meu redor. Esse último fato é um pouco perturbador, mas posso conviver com esses poderes. Quando descobri o que Peter tinha feito por mim, me empolguei e ele se preocupou, mas sem qualquer sinal de poderes nunca ponderei seriamente no lado ruim da coisa. Mas agora, questiono-me: e se houver consequências piores...? Não sei como Peter ganhou os seus poderes, ou se nasceu com eles, e confesso que ter feito a transfusão foi à atitude mais desesperada do universo — não sou ingrata por isso, pelo contrário, isso me salvou e Peter fez o que tinha ao seu alcance. Mas agora com amostras de seus poderes, as coisas tornam-se um pouco imprevisíveis. Não sei o que pensar.

— Você? — Sam sonda com o olhar duvidoso, chamando minha atenção. Recordando da minha fala anterior, solto a bomba:

— Eu recebi uma transfusão de sangue.

Steve meneia a cabeça levemente, como se recebesse uma péssima notícia que já aguardava. Sam leva alguns segundos para compreender a gravidade do que acabo de dizer. Ele por fim me encara alarmado.

— Jessie, não me diga que o... — suas palavras morrem no ar, enquanto eu aceno positivamente à sua linha de pensamento, totalmente desnuda de desculpas e articulações.

— Eu tentei resistir, mas tinha um veneno desconhecido no meu corpo e estava me matando, pouco a pouco — ilustro de forma simples o cenário para os dois que me fitam e ouvem atentamente, Steve ainda contrariado. —, e sabia que não podia aparecer em um hospital sem disparar os alarmes do inimigo e acabar arranjando uma forma mais rápida de morrer. Então eu recebi uma transfusão de sangue, do Homem Aranha. Foi a minha única opção de sobreviver aquilo. — a fisionomia dos dois é séria, mas é possível sentir no ar um leve temor que carregam com eles. A ideia completa do que posso herdar disso só me veio agora. Steve se ergue do sofá, tomando uma postura de soldado apreensivo. Sam e eu o observamos até que um breve riso sai de seus lábios, integrando-se em um comentário irônico:

— Claro, injetar o sangue aracnídeo dele em você era a única opção que ele tinha para salvá-la. Brilhante.

Steve pode ser o cara bonito que habita meus pensamentos, que desperta em mim os sentimentos profundos que nunca senti antes de conhecê-lo, os quais me fazem pensar em jogar-me em seus braços e beijá-lo intensamente — até mesmo agora quando estou aborrecida com ele, droga. Mas nada disso me importa se ele tende a julgar erroneamente o heroi que salvou a minha vida. O heroi que admiro, respeito e cultivo uma amizade. Levantando o meu dedo silenciosamente, tentando acalmar os nervos exaltados, com calma o dando uma chance para se redimir, indago:

— Será que você não pode ser mais razoável? — ele me encara como se eu tivesse acabado de dizer um palavrão que até mesmo Dercy Gonçalves não ousaria dizer. Não tem jeito. Solto o ar pela boca exasperada, abaixando a minha mão ao lado do meu corpo com os punhos já fechados, lanço as palavras a ele friamente: — Eu o fiz prometer que não me levasse a um hospital. E não, ele não queria injetar o seu "sangue aracnídeo" em mim, mas alguém que tenho muita estima e respeito o convenceu a fazer isso. E sim, isso era uma opção, e a única se quer saber. Uma opção que deu certo e que somente por ela hoje estou aqui, e não dá pra culpá-lo ou ser mal agradecida por isso. — inspiro profundamente ainda o fitando, mas ainda não satisfeita, incremento polidamente: — Capitão Porto Rico.

Steve bufa descrente.

— Parece que você não enxerga as consequências que isso pode ter trazido a você.

— Parar um caminhão com as mãos, sendo livrada mais uma vez da morte? Ter uma super audição, e um radar humano que me avisa dos perigos a minha volta? — eu sou cabeça dura, e muito teimosa. Eu vejo o que Steve quer dizer — e penso o mesmo, e ainda sei que ele disse tudo isso por preocupação, mas deixo minha ansiosa raiva ganhar voz, e ainda satirizo: — Ah, eu acho que vejo sim, Capitão Porto Rico, e como eu disse: não dá pra ser mal agradecida por isso.

— Pessoal, por favor. — Sam interfere antes que Steve replique mostrando os contras das maravilhas do sangue do Homem Aranha, ambos olhamos para ele. Ele olha para mim e diz: — O Capitão está certo em dizer que isso pode te trazer consequências, das piores. — ele frisa as duas últimas palavras com extrema clareza. Travo meu maxilar, nervosa por Steve receber apoio. — E Steve. — Ele o chama, penso que está prestes a dar mais créditos a ele, quando profere: — Jessie tem um ponto em se defender, pode não ser tão preocupante. — abro um sorriso, olhando Steve em provocação que me fita meio rabugento. — Podemos chegar a um meio termo com isso. Jessie parece bem, mas não sabemos se isso pode ser apenas uma calmaria antes de uma catástrofe. Por isso eu sugiro outra vez: é melhor deixar que um médico a avalie. — meu sorriso se desfaz, Sam parece ser parcial, mas por que tenho a impressão de que ele sempre quer beneficiar Steve de alguma maneira? Ele devia ser um nerd fanático que colecionava figurinhas dele na infância, aposto. Steve parece satisfeito com a sugestão, pois meneia a cabeça em concordância. Não me sinto muito feliz até quando Sam prossegue: — Não um médico como meu amigo do exército. Ele não saberia lidar com isso. Teríamos que chamar um médico experiente no assunto, como o Dr. Banner.

— Você quer dizer Dr. Bruce Banner? — pergunto de imediato, ele confirma. — O Hulk?

— Sim, o próprio. Eu tive a oportunidade de conhecê-lo na Torre d'os Vingadores enquanto você e Steve conversavam, e vi alguns de seus projetos do seu andar. — oh, céus. Então o Dr. Banner, o Hulk tem mesmo um andar inteiro na Torre e ele trabalha lá! Eu desconfiava de sua veracidade porque das vezes que eu estive lá nunca o encontrei, mesmo da vez que fiz vigília um dia na esperança de ver o homem que camufla sua incrível pele verde. Como até mesmo Sam o conheceu e eu não? Às vezes a Senhora Universo consegue ser bastante injusta comigo.

— Eu aceito. — me pronuncio de forma audível. Sei que não houve um pedido, e que ninguém falou com o Dr. Banner pra ver se tem algum tempo em sua agenda para mim. Mas a possibilidade de conhecê-lo, ser atendida por ele me enche de ansiedade. Por que eu não tinha pensado nisso antes? Sam e Steve me olham ressabiados. Oh-oh. Precisando disfarçar meu entusiasmo diante deles, polidamente falo: — Não me olhem assim, eu sei que vocês têm razão, e acho a ideia do Sam uma boa... Mas não posso arriscar ir para New York agora, as pessoas pensam que estou morta, Tony disse que não poderá mais bancar o chofer e eu não posso pegar o metrô por motivos claros. Detesto ter que concordar com o Fury, mas é melhor que as pessoas continuem a pensar que estou morta. — sinto um calafrio ao dizer isso. Ignorando, exponho: — É cedo demais para revelar a verdade.

— Podemos tentar trazer ele aqui. — Sam concorda dando mais uma sugestão. Controlo-me para não externar muito entusiasmo, meneando a cabeça. Mudando seu olhar para Steve, Sam questiona: — Capitão?

— Está certo. — concorda em voz branda, e expressão um pouco mais suavizada das suas expressões severas de antes. — Eu falarei com o Bruce.

O clima pesado de antes se desfaz pouco a pouco com esse nosso acordo. Resolvido isso, Steve caminha até mim e me estende a pasta que segura em sua mão, e fala:

— Enquanto resolvo isso, vocês disseram que queriam se juntar a minha cruzada. — pego a pasta de sua mão, olhando sua capa com palavras em russo, outras em inglês. Quando abro, sinto consternação ao me deparar com as informações passando as folhas, as fotos então... Sem dúvidas a Romanoff arranjou isto para ele, e não deve ter sido fácil. Mesmo ainda magoada por ela nunca ter me dito sobre meu pai, encontro-me feliz por ela ter feito isso em um gesto de amizade a Steve que explana: — É tudo o que tenho sobre Bucky.

Olho para Sam, marcho alguns passos até ele e o entrego a pasta que logo a pega investigando seu conteúdo, sentando-se no sofá.

Observo Steve se reaproximar de mim, fito os seus olhos assegurando-me que ainda está tudo bem entre nós, e tenho sua confirmação. Já perto o suficiente, posso sentir o seu cheiro característico que me desconcerta, mas me esforço para não desviar o olhar, ou divagar em pensamentos constrangedores. Com um olhar terno, ele diz em tom brando, e baixo o suficiente só para que eu o ouça:

— Ele me abordou no estacionamento, se apresentou e conversou comigo depois da sua saída. — ele. Compreendo instantaneamente a quem ele se refere, meu pai. Steve continua: — Ele me disse que era o seu pai e que você estava um pouco chateada com ele. — enrijeço meu maxilar, baixando meu olhar com raiva relembrando de tudo o que ele fez. Eu gostaria de estar um pouco chateada como Steve conta que ele lhe disse, mas infelizmente estou muito, mas muito, além disso. — Eu não fazia ideia da história de vocês.

Ergo meu olhar, encarando o olhar gentil de Steve.

— Nem eu. — redarguo com honestidade.

— Eu sinto muito. — ele murmura com ternura, sorrio débil. Impossível não me recordar do meu pai dizendo a mim essas mesmas palavras. Fui incapaz de perdoá-lo por ter se feito de morto e arrastado esse plano por anos, por ter me feito sofrer por sua morte, a todos, pelo vovô principalmente. O vovô era um homem duro na queda, mas quando meu pai morreu, ele sentiu a morte do único filho (que não estava realmente morto!). Vovô se manteve firme, e ajudou-me a superar a morte do meu pai ainda, ele morreu alguns meses depois sem saber da real verdade. Sei que meu pai irá me procurar em breve de novo, e sei que serei ainda incapaz de perdoá-lo por tudo, mesmo isso me consumindo por dentro como uma praga.

— Eu também. Você sabe, por tudo. — respondo com os olhos fixos aos olhos azuis de Steve, querendo livrar-me dos sentimentos ruins. De início uma paz de espírito me preenche quando sustento o olhar ao dele, e aquiesce em compreensão e apoio. Uma emoção secreta torna a me dominar, aquela emoção que me faz baixar o olhar e percorrer descaradamente o contorno dos lábios de Steve, e ansiar por um beijo seu. Agora mesmo estava pensando melancolicamente no meu pai, e agora estou aqui encarando os lábios do Capitão América de noventa e todos anos que esqueci. Santo Hulk. É oficial, sou pervertida quando me encontro diante de Steve, mas me sinto menos mal quando levanto o meu olhar e o vejo me fitar rapidamente nos olhos, desviando o olhar com timidez por ter sido pego no flagra por mim encarando meus lábios também. Acho que não sou a única pervertida aqui, e pretendo me aproveitar dessa nova descoberta.

Infelizmente o som de alguém pigarreando corta todo o clima, e com semblante completamente aliviado, Steve volta à atenção para Sam que diz:

— Pessoal, acho que já tenho uma ideia de por onde podemos começar.

Seria infantil de minha parte agarrar Steve pela gola da camisa, exigir um beijo para evitar que ele saísse como um maratonista de perto de mim, como se nada aqui tivesse acontecido? Talvez, por isso deixei a chance escapar e agora só posso ver ele enfim sentando-se ao lado de Sam que engata uma conversa com ele. Mesmo assim, sorrio divertida, ainda frustrada com a situação — claro, mas feliz por saber o meu poder sobre ele. Caminho e sento-me ao lado de Steve, enquanto Sam se emudece lendo mais algumas informações na pasta. Aproveito o momento para apoiar uma mão delicadamente na perna de Steve, instantaneamente vejo seu corpo ficar tenso. Sorrindo intimamente, inclino-me até seu ouvido, e sussurro provocante:

— Estou indo com calma, Cap.

Quando me afasto retirando minha mão de sua perna focando minha atenção em Sam com seriedade que retorna a falar, tenho a impressão de ver de soslaio um sorriso no rosto corado de Steve.


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Notas finais do capítulo

E aí? Curtiram? Odiaram? Mais ou menos? Podem descer o verbo aí que quero saber de tudinho! Hahahaha

Antes que vocês comecem a ficar ansiosos, foi citado o Bruce (o Hulk!), sim, mas não tenho certeza se ele aparecerá em um capítulo em breve, e igualmente o Peter, como muitos de vocês tem esperado. Mas há promessa de algum novo personagem em destaque aí... Não vou dizer quem é, tentem adivinhar, e esperem pra ver. :-p

Sendo assim, até logo, pessoal! O/