Cartas Para Quinn escrita por lovemyway


Capítulo 29
Capítulo 29 — Sempre Juntas


Notas iniciais do capítulo

Heey pessoal, tudo bom?

Antes de mais nada, peço desculpas pela demora. Eu comecei a escrever esse capítulo 4 vezes, e na maioria eu já passava da nona página e recomeçava, porque não parecia certo. Mas finalmente, FINALMENTE, eu consegui! Provavelmente porque escrever é mais legal que estudar pra minha prova de amanhã, mas enfim UHAUAHUAHUA

Prometo que respondo os comentários do capítulo anterior assim que possível, só vou esperar as provas terminarem. Ia inclusive segurar o capítulo... Mentira, ia não, sou muito impaciente pra isso, por isso to postando UAHUAHAUHAUH. Não fiquem com raiva, prometo que respondo todo mundo ♥

Espero que gostem do capítulo, e até o próximo :p



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Querida mãe,

 

A última vez que eu a vi, eu tinha seis anos. Parecia um dia normal. Você se despediu de mim com um beijo e um abraço, abriu um dos seus sorrisos que parecia iluminar todo o seu rosto, e acenou enquanto eu me afastava. Espero que você me desculpe por não ter acenado de volta. Espero que me perdoe por não ter deixado o abraço durar um pouco mais, por não retribuir o beijo, por sair correndo assim que tive a chance porque um novo dia me esperava, e eu queria aprender coisas novas, ver meus amigos, brincar. Juro que se soubesse que era a última vez, então teria feito tudo diferente. Teria dito que a amo. Teria memorizado cada detalhe de seu rosto, o som da sua voz, ou o conforto do seu toque. Mesmo que eu fosse muito nova para entender certas coisas, muito inocente para compreender o quanto a dor pode nos transformar, eu entenderia o suficiente para saber dizer adeus. Doze anos depois, e eu aqui estou eu, escrevendo para você. Aqui estou eu, ainda sentindo sua falta todos os dias, como se houvesse algum pedaço de mim faltando. Alguma parte que me foi arrancada, deixando-me incompleta. Uma parte da qual sinto falta, intensa e desesperadamente.

 

Não é tão ruim agora que os machucados cicatrizaram, embora os pesadelos ainda me assombrem às vezes. Sonhos idênticos aos que eu tinha durante toda a minha infância, onde eu me encontrava parada do outro lado da rua, em frente ao que sobrou da primeira Torre do Wold Trade Center, um ursinho de pelúcia junto ao peito, enquanto observava impotente à segunda Torre desabar, bem diante dos meus olhos. Tantos gritos, tanta dor, tantos apelos. Quando a poeira baixava, eu saía procurando por você, chamando seu nome. E então, eu percebia que não estava sozinha. Ao meu redor, havia várias crianças de diferentes etnias, tamanho e idades, todas com o mesmo ursinho junto ao peito, todas procurando por alguém. Esse pesadelo dói mais hoje do que doía antigamente, porque agora eu sou capaz de realmente compreendê-lo. De senti-lo em toda sua extensão. É horrível, mas também é um lembrete. Um lembrete daquilo que jamais vou esquecer: você se foi, porém, não estou sozinha. Nunca estarei sozinha.

 

Mãe, por favor, me desculpe. Foram tantos anos permitindo que a dor me consumisse, que acho que me tornei frágil demais. Todas aquelas palavras que as pessoas diziam para mim acabaram causando um estrago maior do que deveriam. Aquelas palavras que eram ditas porque as pessoas que as pronunciavam sabiam o dano que elas causavam. Aquelas que eram ditas apenas porque podiam ser ditas, sem nenhuma consequência. Aquelas que eram ditas com a intenção de quebrar uma parte de mim que já estava quebrada. Não devia ter deixado que me atingissem. Deixei. Devia ter acreditado em papai e Leroy quando eles disseram que tudo ficaria bem. Não acreditei.

 

Em minha defesa, era difícil acreditar em qualquer coisa, até em mim mesma. Ou seria melhor dizer “principalmente em mim mesma”? Era como se todas aquelas vozes fossem lentamente percorrendo o caminho até atingir meu coração, e eu não consegui ver o quão fundo elas estavam alcançando, não conseguia perceber o quanto elas estavam me transformando. Eu acreditei delas. Desculpe, mamãe. Desculpe por ter acreditado em cada comentário negativo. Desculpe ter deixado que aquelas pessoas me magoassem. Desculpe não ter sido forte o suficiente para manter a cabeça erguida. Felizmente, não foi tarde demais para me reerguer. Espero que eu não a tenha decepcionado. Espero que ter sido fraca por tantos anos não signifique que eu não possa ser forte agora.

 

É como eu me sinto, mamãe. Eu me sinto forte. Sinto como se depois de todo esse tempo, eu estivesse solidificando a pessoa na qual estou me tornando, pedaço por pedaço. Sinto que posso lutar, que posso vencer, que posso entregar o meu todo, e tudo bem, tudo bem, porque agora não dói mais, agora não me machuca mais, e é como se respirar fosse fácil novamente. Como se eu não precisasse mais me esforçar para inspirar e expirar.

 

Acho que nada disso seria possível se não fosse por Quinn Fabray. Fico me perguntando o que você acharia dela. Ela é tão linda, mamãe. Na aparência, com sua pele clara, seus cabelos cabelos loiros, seus olhos verdes, e um sorriso que faz meu coração quase parar de bater, ou então bater rápido demais, e eu nunca sei se estou morrendo ou começando a viver. Talvez os dois. Talvez aquela parte de mim que era cheia de incertezas, de inseguranças, de medo, esteja sucumbindo aos poucos. Talvez a outra parte — a corajosa, a lutadora, a perseverante — esteja finalmente se erguendo. Mas Quinn Fabray é bonita em outros aspectos, também. Na verdade, eu acho que a coisa mais impressionante sobre ela, é ela mesma. É ela existir, ser quem ela é, tão forte, tão batalhadora, que carrega em suas costas o peso do mundo e não reclama, não desiste, não volta atrás. Todos nós temos nossos machucados, nossas cicatrizes, e claro que ela perdeu algumas vezes. É como papai sempre diz, não é? “Perder todos perdem, estrelinha. O que importa realmente é se você vai se atrever a tentar de novo”. Então suponho que eu e ela tenhamos feito isso. Nós tivemos a coragem de nos levantar e prosseguir, por mais difícil que fosse.

 

Por as coisas terem sido tão complicadas no passado, não pensei que diria isso algum dia, mas estou bem. Realmente bem. A vida está tranquila agora, como sempre fica depois que a tempestade acaba. Papai e Leroy estão felizes juntos, planejando uma viagem para o aniversário de casamento, como fazem praticamente todos os anos. Arranjei novos amigos (acho que você gostaria deles, principalmente da Kitty, que me protege com tanto afinco. Já disse a ela para não se culpar sobre o passado, porém, acho que o jeito que ela tratou as pessoas ao seu redor vai ser o fardo que ela vai ter que carregar. Nada que eu possa fazer a respeito, embora tenha tentado aliviar o peso tanto quanto possível), conheci novas pessoas, estou lutando para seguir meus sonhos…

 

Você sentiria orgulho se soubesse que estou lutando por aquilo que você desistiu? Temeria por mim? Se sentiria insegura, sem saber se eu iria conseguir chegar lá, ou estaria comigo a cada passo do caminho, incentivando-me a seguir em frente mesmo nos momentos difíceis? Você me seguraria em seus braços quando eu precisasse chorar? Ofereceria palavras de conforto quando eu sentisse que tudo era demais? Diria que me ama, com toda a alma, com todo o coração, e me daria sua benção para amar e me entregar da mesma forma?

 

Você me apoiaria se soubesse que a pessoa que meu coração escolheu para amar não é a que a sociedade quer que eu ame? Você permaneceria ao meu lado mesmo se eu não for o que o mundo espera que eu seja?

 

Sabe, eu costumava desejar ser diferente. Costumava querer mudar para me adaptar melhor a sociedade em que vivo. Costumava querer ser outra pessoa, qualquer outra, se isso significasse que eu não teria que enfrentar todos os dias o que eu enfrentava simplesmente por ser diferente. Por ousar desafiar as normas que foram impostas para mim, mas que nunca se adequaram a quem eu sou. Agora, eu sou corajosa o suficiente para não aceitar mudar pelas outras pessoas. Sou corajosa o suficiente para ser eu mesma, ainda que machuque. Sou corajosa o suficiente para me aceitar exatamente do jeito que sou.

 

Eu sinto muito, mamãe. Estou pedindo muitas desculpas, não é? Mas essa é uma muito necessária. Desculpe, porque eu sei que você só ficou com o papai por causa de mim. Sei que de uma forma ou de outra, você não pode perseguir seus sonhos porque me tinha. Sei que teve que abrir mão de muitas coisas para ser minha mãe — e ainda assim, nem teve muitos anos para viver esse papel. Isso também foi tirado da senhora. Isso também foi tirado de nós duas.

 

Às vezes, fico imaginando se você está me observando. Se estiver, por favor, não se preocupe. Meu caminho tem sido meio tortuoso, eu tenho andado meio trôpega, talvez até caindo uma ou duas vezes. Mas me levantei. Mesmo quando não me sentia forte o suficiente para me reerguer. Mesmo quando a gravidade parecia me empurrar cada vez mais para o chão. Mesmo quando minhas pernas trêmulas não conseguiam dar mais que um passo de cada vez. Eu continuei. Como meus pais me ensinaram, como Quinn me ensinou, como você teria me ensinado se estivesse aqui. E dói, claro que dói, porque você é minha mãe, e sempre vou sentir sua falta. Vou sempre ser incompleta. Contudo, isso não significa que não possa viver como se estivesse inteira.

 

Quinn tem sido uma parte fundamental na minha felicidade. Nós conversamos com frequência. A distância e o fuso-horário atrapalham, mas isso não nos impede. Não impede o jeito que me sinto quando a vejo. Não impede os arrepios que se espalham pelo meu corpo quando escuto o som da voz dela. Não impede meu coração de bater rápido, não impede a endorfina de ser liberada no meu sangue, e não me impede de sentir bem. Tão bem. É incrível. Ela é incrível. O que temos é incrível. E eu quero mais, muito mais. Sei que muito em breve poderei vê-la, abraçá-la, e estremeço só de imaginar como seria beijá-la.

 

Eu estou escrevendo a senhora para dizer que entendi. Entendi que o amor talvez machuque. Talvez ele deixe marcas profundas que nunca podem ser apagadas. Talvez ele seja como um tsunami, derrubando tudo em seu caminho. Talvez ele nos consuma intensamente, reivindicando para si nossa mente e nosso coração. Talvez ele tenha o poder de nos destruir completamente, até o ponto em que pareça impossível seguir em frente. Mas, engraçado, eu também entendi que o amor também cura. Ele muda a nossa visão de mundo. Ele nos reergue quando pensamos que havíamos alcançado nosso limite. Ele nos acalenta quando nossos corações estão vazios e nos aquece quando nossos corpos estão sem calor. Ele nos dá esperança quando precisamos. Ele coloca um sorriso em nossos rostos, um brilho em nossos olhos, e é bom. É tão bom.

 

Acho que não disse isso tanto quanto deveria quando tinha a chance, o que é algo do que me arrependo imensamente. Devemos dizer às pessoas que importam como nos sentimentos em relação a elas. Então eu quero que você saiba de uma coisa, mamãe: eu amo você. Não disse na última vez que nos vimos, mas espero que não seja tarde demais.

 

Eu amo você.

 

Um dia eu sei que vamos nos encontrar novamente. Um dia vou poder dar aquele abraço apertado, aquele beijo no rosto, aquele carinho que não pode ser transmitido em palavras. Um dia, nós poderemos ter tudo isso.

 

Até lá, eu vou ficar bem. Espero que você esteja bem, também.

 

Da filha que sente imensamente sua falta,

Rachel.

 

*



E então, como estão as coisas na Universidade? — perguntou Quinn, descansando a cabeça em cima da mão esquerda, observando Rachel através da tela do computador com interesse. A garota parecia mais abatida do que de costume. O roxo debaixo dos seus olhos estava mais acentuado, e ela tinha uma aparência cansada, como se tivesse passado a noite inteira acordada.

 

— Tão bem quanto poderiam estar — a estudante disse, dando de ombros. — Não acredito que tive a sorte de ter Cassandra July como minha professora por dois semestres seguidos. É um pesadelo.

 

Ela ainda pega no seu pé? — a mulher soltou um riso suave, os olhos brilhando em divertimento.

 

— Ainda?! Olha, Quinn, eu estou começando a acreditar que devo ter sido Judas, ou ter sido uma das pessoas que condenaram Jesus. Isso só pode ser carma de vidas passadas. Estou destinada a sofrer, porque condenei o filho do Senhor.

 

Eu pensei que você fosse judia — a loira franziu o cenho, confusa.

 

— Eu sou — Rachel soltou um suspiro dramático. — Não significa que eu tenha sido nas vidas passadas.

 

É uma pena que não tenha prêmio de melhor estudante de drama. Tenho certeza de que você ganharia, sua performance é impecável — Quinn riu, e Rachel lhe mostrou a língua. — Eu deveria me preocupar em relação a essa Cassandra?

 

— Que ela vai me matar até o final do semestre? Provavelmente.

 

Eu estava pensando em outro ângulo, na verdade. Santana me disse que as garotas com as quais ela implicava mais, eram as que ela se sentia atraída.

 

— Você acha que ela está interessada em mim? — a garota bateu com o dedo no queixo, pensativa. — Quer saber? Você pode está certa, não tinha pensado sobre isso.

 

Algo que queira me contar? — Quinn arqueou a sobrancelha, entretida.

 

— Vamos aos fatos — ela disse, erguendo o dedo para fazer a contagem. — Número um, ela gosta de me insultar. Vai ver ela está tentando me fazer odiá-la, porque todo mundo sabe que amor e ódio andam lado a lado. Número dois, porque ela gosta de me insultar, ela acaba prestando mais atenção em mim que no resto da turma, então não seria surpreendente se ela ficasse encantada com a minha beleza — Quinn soltou um riso pelo nariz, recebendo um olhar de reprovação de Rachel. — E número três, ela está sempre dançando próxima a mim. Você sabe o que isso significa?

 

Que ela está tentando conquistá-la com a dança do acasalamento? Não sei como vou poder concorrer contra isso, é uma técnica de sedução infalível — disse a soldado, tentando manter o tom de voz sério, sem conseguir impedir o sorriso que surgiu em seu rosto.

 

— Você tem razão — a jovem concordou com um aceno de cabeça. — Na verdade, posso sentir o ódio se transformando em amor a cada dança. Em breve estaremos nos casando, tendo filhos, e criando nosso próprio império musical na Broadway. É inevitável.

 

Nem tão inevitável assim. Darth Vader foi seduzido pelo lado das trevas, mas no final viu a luz. Tenho plena confiança de que posso fazer o mesmo — a loira contrapôs, cruzando os braços sobre o peito.

 

— Isso é tão emocionante — Rachel bateu palmas, animada. — Nunca tive duas pessoas brigando por mim antes. Se vocês saírem na luta fisicamente, você se importa se eu filmar e colocar na internet? O vídeo anterior da Cassandra batendo em uma pessoa da plateia da peça que ela fazia parte já ficou ultrapassado.

 

O que foi que você disse? — indagou a loira, arregalando os olhos. — Ela bateu em uma pessoa da plateia?

 

— Sim! — a garota exclamou, abrindo um largo sorriso. — Por isso a carreira dela na Broadway foi por água abaixo. O que, convenhamos, não teria acontecido se ela não tivesse confundindo o palco da Broadway com um ringue de MMA. O pobre coitado deve ter ficado traumatizado para a vida inteira, e agora somos nós, meros estudantes, que precisamos aguentar a fúria da titã caída. Como eu disse, é um pesadelo.

 

Meus Deus — Quinn soltou uma longa risada. — Acho que você estava certa, então. A primeira opção é mais provável.

 

— Viu! Tenho certeza de que ela ainda não me matou porque ainda não descobriu uma forma de esconder meu corpo sem deixar vestígios. Ou talvez não, porque eu sou minúscula, não seria difícil me esconder. Vai ver ela está demorando porque quer que tudo saia perfeito.

 

Bem, pelo menos não preciso me preocupar com ela tentando conquistar o coração da minha namorada.

 

— Namorada? — Rachel perguntou, surpresa, mordendo os lábios para conter o riso ao ver o rosto de Quinn ficar extremamente vermelho.

 

Então — a loira pigarreou —, que envelope era aquele que você estava segurando quando atendeu a ligação?

 

— Muito sutil, Quinn — a garota riu, e pegou o envelope para mostrar a outra. — Mas vou deixar essa passar. Por enquanto. Isso é uma carta que escrevi para a minha mãe.

 

Para a sua mãe? — a mulher encarou a jovem com curiosidade, feliz por Rachel não ter insistido no assunto.

 

— Eu gosto de escrever para ela de vez em quando — Rachel respondeu, inclinando a cabeça para o lado, pensando na forma correta de expressar o que queria dizer. — Eu só tinha seis anos quando ela morreu, então foi bem difícil no começo. Um dia, Leroy sugeriu que eu escrevesse a ela todas as coisas que eu gostaria que ela soubesse. Acabou se tornando um hábito. Eu costumava escrever todas as semanas, depois todos os meses, e agora só algumas vezes ao ano.

 

E ajuda?

 

— Mais do que você imagina. Eu me sinto bem mais leve todas as vezes que faço isso.

 

Quinn ficou em silêncio por alguns instantes, seus olhos fixos na carta que Rachel tinha em mãos. Ela nunca tinha imaginado em escrever para os próprios pais. Sam costumava fazer a mesma coisa, quando era criança, mas ela nunca tinha visto o ponto em escrever para alguém que jamais iria responder. Por isso, ela nunca tentou. Mas, também, Quinn temia as coisas que poderia vir a escrever. A mulher sempre lutou bastante para esconder seus sentimentos, muitas vezes os enterrando tão fundo que ela podia fingir facilmente que eles não existiam. Portanto, a ideia de se comunicar com os seus pais — mesmo que eles nunca fossem ler ou responder — era aterrorizante. Ela tinha medo do que sairia se começasse a falar como se sentia. Tinha medo que todas as coisas que ela guardava dentro do peito se soltassem, de forma que ela nunca mais pudessem escondê-las. Era um risco que uma Quinn adolescente não estava disposta a tomar.

 

Por outro lado, a Quinn adulta não se sentia do mesmo jeito. Desde que conhecera Rachel, ela mudara bastante. A soldado costumava acreditar que enterrar seus sentimentos era a única maneira de seguir em frente, mas agora ela sabia que não era verdade. Todos os monstros existiam debaixo da cama, todos os esqueletos escondidos no armário. Até conhecer Rachel, nunca tinha passado pela cabeça de Quinn que durante todos esses anos, ela estivera errada. Nunca passou pela sua cabeça que para seguir em frente, para se permitir ser livre, ela não precisava encontrar uma pessoa, não precisava encontrar algo, não precisava se esconder. Não, ela precisava fazer algo muito mais assustador: enfrentar seus medos. O único lugar que ela podia encontrar as respostas para todos os seus questionamentos era justamente aquele no qual ela nunca pensou em procurar: dentro de si mesma.

 

— Você poderia tentar — Rachel sugeriu, ao ver a expressão pensativa no rosto de Quinn.

 

Acho que vou — disse, abrindo um sorriso tímido. — E como funciona?

 

— Você escreve o que quiser — a morena deu de ombros. — No começo, eu costumava escrever o quanto sentia falta dela. Depois, contei a ela sobre meus dias. Detalhadamente — a garota revirou os olhos, e sorriu. — Fiz minha mãe de diário, pode me culpar.

 

Quinn riu.

 

Acho que ela não iria se importar.

 

— É, talvez não — ela balançou a cabeça. — Enfim. Depois comecei a escrever sobre as coisas que realmente importavam. Aquelas que machucavam, e eu não tinha coragem de dizer mais para ninguém. Sabe, aquelas guardadas…

 

Onde ninguém mais podia ver — completou a mulher, concordando com um aceno. — Acho que entendi. Tem algumas coisas que eu gostaria de dizer aos meus pais. Coisas que deixei aqui dentro por muito tempo — apontou para o peito, acima do coração. — É hora de finalmente deixá-las saírem. O que você faz com as cartas, depois?

 

— Guardo. Quando eu era pequena, escondia elas em uma caixa de sapatos, e colocava a caixa debaixo da cama. Hoje, eu tenho um baú pequeno com cadeado. Só eu tenho a chave. Não queria que meus pais lessem o que eu escrevia, porque tinha coisas que eu não contava a eles… Agora eles já sabem dessas coisas, mas ainda assim, é algo pessoal demais. Prefiro guardar isso só para mim, entende?

 

Entendo. Eu… — a loira respirou fundo antes de prosseguir. — Eu costumava falar com os meus pais como se eles pudessem me ouvir. À noite, depois que eu e Sam fazíamos nossas orações, eu deitava na cama e imaginava os rostos deles no teto do quarto. Sei que parece bobagem…

 

— Não é — a estudante assegurou, e sorriu, incentivando Quinn a prosseguir. A mulher mais velha corou, envergonhada. — Se você não se importa que eu pergunte… O que você conversava com eles?

 

Eu fazia muitas perguntas. Perguntava porque eles tinham me deixado, porque doía tanto… Depois, quando fui crescendo, comecei a perguntar se eles sentiam orgulho de mim. Se eu era o suficiente. Se eu estava fazendo um bom trabalho cuidando de Sam — ela mordeu os lábios, insegura. — Sempre tive medo de cometer um erro com ele, de machucá-lo mais do que ele já tinha se machucado. E eu… Eu precisava que alguém me dissesse que estava tudo bem, mas quando as pessoas diziam, nunca era pelo motivo certo, nunca era pelas coisas que eu queria ouvir. Depois disso eu parei de falar com eles. Fiquei cansada de não receber nenhuma resposta. Não que eles pudessem mesmo responder, mas… — deu de ombros. — Eu as queria, de qualquer forma.

 

— Eu costumava imaginar minha mãe cantando. Ela tinha uma voz incrível — os olhos de Rachel brilharam. — Se você pudesse escutá-la, Quinn. A música favorita dela era “I dreamed a dream”. Quando eu era criança, era só uma música… Mas aí eu comecei a entender o significado, e…

 

Ela amava você, Rach — assegurou-lhe Quinn.

 

— Eu sei. Mas ela também perdeu tantas coisas, tantos sonhos. E não consigo não pensar que seja talvez um pouco por minha culpa.

 

As pessoas mudam. Sonhos mudam. Mas sabe uma coisa que permanece sempre o mesmo? Algo que nada no mundo é capaz de mudar?

 

— O que? — indagou a jovem, curiosa.

 

Amor de mãe.

 

— Você tem razão — sorriu, e soltou um pequeno suspiro. — Não dá para escapar do passado, não é mesmo?

 

Não — a soldado deu de ombros, sorrindo. — Mas tudo bem, porque o passado pode ter nos tornado quem somos, mas ele não precisa definir quem sempre seremos. A escolha ainda é nossa. E temos o futuro, também. Um futuro cheio de possibilidades. Um futuro em que Rachel Berry vai ser uma estrela da Broadway e, quem sabe, Quinn Fabray pode se tornar uma autora.

 

— Gosto de como isso soa. Falando nisso… Como andam as ideias para um livro?

 

Escrevi algumas coisas — admitiu, sorrindo. — Mas não muito. Estava mais organizando ideias em minha mente, criando o enredo antes de realmente começar. Além do mais, não tenho muito tempo aqui para trabalhar nisso. Espero que quando for para casa, as coisas andem.

 

— Eu ainda vou encontrar a surpresa que você prometeu para mim no livro, não é?

 

Você ainda se lembra disso? — a loira perguntou, admirada, antes de cair na risada. — Não se preocupe, senhorita Berry. Um Fabray sempre cumpre suas promessas.

 

— Eles deixam vocês assistirem Game of Thrones? — a garota perguntou, escandalizada. — Agora entendo porque você está sempre dizendo que Santana é muito agressiva.

 

Quinn soltou uma longa risada.

 

Não deixe que ela escute você dizer isso.

 

— Não se preocupe, sou mais discreta que os passarinhos do Lorde Varys — Rachel disse, mantendo em seu rosto uma expressão bastante séria. — Quando quero, sou mais furtiva que o Mindinho.

 

Você parece mais como uma Stark para mim — Quinn analisou a garota, pensativa.

 

— Bem, você pode ter razão — cedeu a jovem. — Coisas ruins sempre acontecem com os Stark, mas eles são difíceis de se derrubar. Bem, pelo menos o nome da casa, porque as pessoas em si…

 

Ok, já entendi — Quinn ergueu as mãos, pedindo para Rachel parar. — Você está colocando sal nas feridas. Eles são meus favoritos.

 

— Diz a pessoa que acabou de usar o lema dos Lannister — retrucou Rachel, rindo.

 

Eu me rendo, eu me rendo — a soldado balançou a cabeça, sorrindo. Ela então olhou para o relógio, e suspirou. — Eu preciso desligar agora, Rach.

 

— Já estamos conversando há uma hora? — perguntou, surpresa. — Passou tão depressa. Não se preocupe, eu entendo. Nós falamos depois, então?

 

Claro — a mulher concordou. — Assim que possível.

 

— Preciso confessar que odeio ter que dizer tchau — reclamou, sorrindo sem graça.

 

Eu também — admitiu Quinn, lançando a Rachel um olhar triste. — Eu estava pensando que…

 

— Que?

 

Que na próxima vez poderíamos falar sobre o assunto que você deixou passar — a soldado completou, seu rosto ficando completamente vermelho.

 

Rachel sorriu. Não é que ela gostasse de envergonhar Quinn. Não, de jeito nenhum. Ela não gostava, amava. Era uma das coisas mais fofas que ela já tinha visto em toda a sua vida. E uma das mais bonitas, também. Seu coração começou a bater mais rápido só de imaginar em como seria uma conversa sobre isso, sobre elas, sobre o que elas eram uma para outra. O sorriso se alargou em seu rosto, e ela mal podia esperar para que isso acontecesse.

 

Talvez, na próxima vez que Quinn a chamasse de “namorada”, Rachel poderia dizer o mesmo.

 

— Eu gostaria disso — a garota disse, por fim. — Eu gostaria muito disso.

 

Eu também, e…

 

Quinn foi interrompida por um barulho alto. A loira franziu o cenho e olhou para a porta do quarto, confusa.

 

— Quinn? — a estudante chamou, franzindo o cenho.

 

Não deve ser nada — ela deu de ombros, distraída. — Santana deve ter irritado alguém e começado uma briga. Não seria a primeira vez — revirou os olhos, e se levantou. — Eu vou só dar uma olhada em…

 

Outro barulho alto. A ligação caiu, e Rachel ficou encarando a tela preta, sem saber o que fazer. Tentou ligar de volta, mas não deu certo, e ela soltou um suspiro. Talvez Santana estivesse mesmo em uma briga, e Quinn tenha ido apartar.

 

Resolvendo tirar os pensamentos ruins da cabeça (Provavelmente não foi nada, ela pensou, tentando se convencer), Rachel desligou o computador e foi para a cozinha, onde Kitty estava preparando o almoço.

 

— Tudo bem? — ela perguntou, ao ver a expressão no rosto de Rachel.

 

— Tudo — a garota abriu um sorriso forçado. — Precisa de ajuda?

 

— Claro. Você pode fazer a salada?

 

Rachel concordou, e se dirigiu até a geladeira para pegar as verduras. Ela tentou não se preocupar, tentou se convencer de que não havia nada de errado — e à noite, antes de ir para a cama, ela até tentou ligar mais uma vez para Quinn, sem sucesso —, e quando foi dormir, tentou não pensar em todas as coisas ruins que poderiam ter acontecido.

 

Pela primeira vez em muito tempo, ela teve aquele pesadelo de novo. O que tinha quando era criança. O da segunda torre caindo enquanto ela assistia. O de crianças perdidas procurando desesperadamente por seus parentes mortos.

 

Quando se levantou pela manhã para ir para à Universidade, ela tentou não interpretar o sonho como um sinal.

 

Ela falhou.

 

*



— O que você tem? — perguntou Brittany, puxando Rachel para um abraço apertado.

 

Pelo menos duas vezes por semana, elas se encontravam em um café para colocarem o papo em dia. Por causa da faculdade, Rachel tinha parado com as aulas de dança, seus finais de semana agora consumidos por práticas musicais e livros. Mas Brittany era uma boa amiga, e Rachel não queria perder contato com ela, então tomar um café juntas parecia uma ótima solução.

 

— Não é nada — a jovem tentou manter a preocupação longe de voz, e retribuiu o abraço com um pouco mais de força que de costume.

 

— Sei — Brittany revirou os olhos, e se sentou na cadeira de frente para a de Rachel, arqueando a sobrancelha. — Acontece que conheço você, Rachel Berry. Essa é a sua cara de “estou tentando não surtar, mas por dentro estou pirando completamente.”

 

— Ei! — exclamou a estudante, indignada. — Não faço essa cara.

 

— Faz, sim — retrucou a outra, esticando a mão para segurar a de Rachel por cima da mesa. — O que aconteceu, Rae?

 

— Provavelmente nada — ela dispensou a pergunta da amiga com um aceno de mão. — É só que…

 

Os olhos de Rachel se prenderam na pequena televisão que ficava atrás do balcão, ligada ao canal de notícias. Toda a cor sumiu do seu rosto ao ver a manchete. Brittany se virou para ver o que era, e seus olhos se arregalaram.

 

— Você pode aumentar o som? — pediu, e o funcionário deu de ombros, aumentando o volume da televisão.

 

Dois jornalistas falavam de um estúdio, e mostravam na tela cenas de uma explosão.

 

A base militar americana no Iraque sofreu um atentado terrorista ontem, às seis horas da noite do horário local — a jornalista disse. — Nenhum grupo assumiu a autoria do ataque. Relatos de testemunhas sugerem que dois homens suspeitos estavam próximos à entrada da base momentos antes da explosão.

 

O Exército americano não se pronunciou sobre o ocorrido — prosseguiu o homem —, e ainda não se sabe se houve mortes…

 

Rachel sentiu a respiração ficar presa na garganta, e seus olhos se encheram de lágrimas. Os barulhos. A ligação caída. O pesadelo.

 

Quinn, ela pensou, sentindo o coração se partir em pedaços.

 

Quinn.

 

Ela mal registrou quando Brittany se levantou da cadeira de um salto, e correu para passar o braço sobre os seus ombros, envolvendo Rachel em um abraço apertado. Ela mal registrou as palavras de conforto sussurradas num tom de voz preocupado e cheio de dor, porque Brittany devia estar pensando em Santana, preocupando-se com a segurança dela. Rachel sequer sentiu quando suas unhas rasgaram a pele da palma de suas mãos, porque ela as havia fechado em punhos, e apertado com tanta força que os nós dos seus dedos estavam brancos. Ela não notou a comoção no pequeno café, ou as lágrimas que caíam pelo seu rosto.

 

Naquele momento, todos os seus pensamentos giravam em torno de um único ponto: Quinn.

 

*

 

Mãe,
 

Eu acho que a perdi. Eu preciso de você. Por favor, eu preciso de você. Por favor, por favor, por favor… Por favor, de novo não. Por favor! Não me deixe, não me deixe.
 

Por favor, mãe…
 

Me ajude.
 

Da sua filha desesperada,

Rachel.


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Notas finais do capítulo

~ posta e saí correndo ~ UHAUHAUAHUHUAH não me odeiem! ♥



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