Novamente A Seleção escrita por Letícia Miyashiro


Capítulo 4
Memórias que Retornam


Notas iniciais do capítulo

Muitíssimo obrigada pelos reviews e incentivos!
Espero que gostem desse capítulo cheio de explicações :3



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Nunca me senti tão desconfortável na presença de minha mãe. Ao encará-la de manhã, foi como se eu não a conhecesse, como se eu tivesse sido enganada.

Logo após de desistir de comer as panquecas preparadas por ela mesma - nós não temos serventes fixos, meus pais acreditam que somos capazes de resolver nossas necessidades sozinhos, e realmente somos - saí do local. Mas mamãe me parou, disse que queria conversar comigo.

Ela me levou para o quarto dela. Era raro eu entrar naquele cômodo da casa. Depois de sair da fase de dormir com meus pais ao ter medo durante a noite, nada mais interessava me lá.

Hoje fico surpresa que mesmo depois de tantos anos sem precisar adentrar de fato o local, ele continuava exalando familiaridade e segurança. Suas paredes em uma leve cor bege, com a varanda sempre aberta, o vento fazendo as cortinas se esvoaçarem no ar. A grande cama sempre bem arrumada. Até mesmo o cheiro de amaciante misturado com os perfumes dos meus pais - o cheiro dos meus pais - era confortante. Mas ao sentar-me defronte à minha mãe, essa familiaridade se esvaiu.

– Bem - ela começou - você deve ter várias perguntas para fazer. Mas eu tenho apenas uma, e assim que você respondê-la, eu responderei as suas.

– Pergunte.

– Onde você descobriu sobre minha participação no concurso?

Estendi a revista que segurava para ela, meu polegar marcava a página onde falava sobre minha mãe. Ela olhou surpresa para a revista, dando a impressão que não havia reparado nela antes. Apanhou-na e abriu na página que meu polegar indicava.

Seus olhos percorreram o papel. Foram alguns minutos de silêncio até ela fechar a revista, dando sinal de que terminara de ler.

– Isso foi ligeiramente desagradável. Nunca gostei de ler o que escrevem sobre mim.

Era verdade, ela evitava ler tudo que mencionava seu nome, incluindo as entrevistas. E ela fazia de tudo para nós não lermos também.

– Agora Rose, você pode começar a perguntar.

Fui objetiva.

– Por que não me contou antes?

Ela suspirou.

– A Seleção teve um papel muito importante na minha vida, foram meses estranhos e confusos para mim. Como você leu na revista, eu realmente fui a favorita do príncipe, mas não tive essa intenção inicial. Até me apaixonar por ele também. Saí de lá com o coração partido, e um coração partido é um assunto delicado para uma mulher, dói lembrar de Maxon.

Ela dissera o nome do rei com tanta intimidade que me surpreendeu. Mais perguntas surgiram, mas resolvi seguir com o planejado por mim.

– Por que se inscreveu?

– Por causa do seu pai.

– O quê?! - e assim eu saí do planejado.

– Eu e seu pai namorávamos antes da Seleção, não, sua avó não sabia e até hoje não sabe, peço que por favor não conte para ela - sua voz parecia cansada. - Seu pai era um Seis, e eu era uma Cinco, então se me casasse com ele, me tornaria Seis também, ou seja, desceria um degrau em direção a miséria - ela viu minha expressão e acrescentou rapidamente: - É claro que eu não me importava com isso, amava, amo, seu pai mais que tudo em minha vida. Mas ele temia por mim, não iria suportar me ver sofrer. E decidiu que eu deveria ter uma chance de mudar de vida, e insistiu que eu me inscrevesse. Eu não queria, mas para não magoá-lo, o fiz. Não tive a mínima esperança de que seria escolhida, então não fiz objeções.

É, eu também não tive a mínima esperança de ser escolhida.

– E como foi entrar na Seleção? Tipo, amando meu pai e tal.

– Antes da divulgação dos nomes, eu e ele terminamos.

Fiquei boquiaberta.

– Por que? - perguntei, indignada.

– Seu pai sempre fora um homem orgulhoso, sabe. No dia em que me inscrevi, encontrei minha sogra, e ela revelara que ele estava planejando se casar com alguém, mas que não sabia quem. Eu sabia. Logicamente, era eu. E eu fiquei tão feliz que sorri o dia todo. Sorri com a mesma felicidade na foto que tiraram de mim. Talvez, se não fosse por esse sorriso, eu não teria sido selecionada. O que me leva a concluir que fui selecionada também por causa do seu pai.

" Quando me recusei a me inscrever, antes de seu pai me convencer, sua avó ficou indignada. E no dia seguinte em que já havia decidido me inscrever, sua avó, ainda sem saber da minha decisão, me subornou. Eu poderia trabalhar sozinha, e metade dos meus ganhos poderiam ficar só pra mim. Isso certamente me deixou ainda mais feliz. Aproveitando essa deixa, fiz uma surpresa para o seu pai. Queria dá-lo a oportunidade de me pedir em casamento, então cozinhei um pouco mais naquele dia, e levei o que sobrara do jantar, como com frequência fazia, para o lugar onde nos encontrávamos.

Ele não aceitou aquilo muito bem, sabe? Minha intenção era agradá-lo, mas só o deixei sentindo-se culpado por não poder retribuir aquele tipo de atenção. Eu nunca importei, para mim, tê-lo comigo seria o suficiente. Mas seu pai simplesmente não aceitava aquilo. Ele queria que eu vivesse bem, ele deixou a pobreza subir à sua cabeça, achando que só por não viver em uma casta mais elevada que a minha, sua felicidade amorosa também deveria ser levada dele. E então, em vez de evoluir nosso amor naquela noite, ele acabou com nossa história. "

Ficamos uns instantes em silêncio, remoendo a triste história, até que minha mãe abriu um pequeno sorriso e deu uma piscadela.

– É claro que nossa história não havia terminado ali - acrescentou. - Mas naquele dia foi o que pareceu. Aquilo acabou comigo, foram dois anos dedicados ao seu pai, amando incondicionalmente tudo nele. E então veio a pior fase da mágoa, a raiva. Eu comecei a sentir raiva do que ele havia feito comigo. E então, A Seleção apareceu como um refúgio. Não pretendia me tornar rainha, apenas me afastar da Carolina por tempo o suficiente para superá-lo. Mas isso não me deixou tão mais animada para entrar naquilo tudo, apenas ligeiramente determinada. E ainda tinha o dinheiro que recebia a cada semana que permanecia ali. Nós éramos uma família de Cinco muito pobres, sabe. Então aquilo tudo ajudou bastante.

Após absorver a história, resolvi prosseguir antes que ela achasse que não viria mais nenhuma pergunta.

– Como era o príncipe?

– Bem, digamos que um príncipe pode ser bem diferente do modo que você o vê pela mídia. Ao assistir o príncipe Maxon no Jornal Oficial, sempre pensei em como ele deveria ser chato. Todo engomado e pomposo, nunca pensei que alguém poderia ser feliz ao lado de um homem como ele. Mas quando entrei para a Seleção, me surpreendi com seu caráter. Ele não era apenas imagem, era doce, justo e gentil. Ou como eu mesmo o defini na minha primeira entrevista, "Maxon é a síntese de todas as coisas boas". Faz tempo que não conversamos, mas espero que ele continue assim. Apesar de que ao ver seu modo de governar, creio que ele é o mesmo Maxon que conheci há décadas atrás.

– E como foi sua relação com ele?

Seus olhos se entristeceram.

– No começo, estava determinada a não permanecer no concurso por muito tempo, apenas tempo o suficiente para superar o seu pai. Não me imaginava numa vida como aquela, e também não imaginava que eu seria capaz de me apaixonar novamente, sendo que seu pai ainda dominava o meu coração. Estava determinada a não pensar em Aspen, de dia isso até funcionava, mas em algumas noites, quando a mente estava desocupada...eu retornava à Carolina, retornava à ele. E isso doía. Então, não alimentei esperanças ao príncipe, mas ofereci minha amizade, achei que ele fosse precisar de alguém para se apoiar, afinal. E ele aceitou, e combinamos que ele me faria ficar até que eu estivessse pronta para partir, ou que fosse necessário. Nós iríamos confiar um no outro, seríamos amigos.

" Mas, por algum motivo, Maxon começou a gostar de mim, não como amigo, mas ele me escolheria na hora, se tivesse certeza que eu seria capaz de amá-lo. Mas não o fez, porque nem eu mesma tinha essa certeza, na verdade, acho que eu fui a pessoa mais confusa daquele palácio.

Não sei quando aquele sentimento começou, sempre que me encontrava com ele, ou conversávamos, era como amigos. Até que chegou o dia em que ele me beijou. Fui o primeiro beijo do rei. Mas foi um fiasco, porque eu me afastei, me assustei. E alguns instantes depois, deixei ele me beijar novamente, já que não podia ter Aspen, decidi abrir meu coração ao Maxon. E eu gostei dos beijos, não parei de pensar neles por dias. E depois daquilo, comecei a sentir ciúmes dele.

É difícil, se você estiver competindo com outras tantas garotas e gostar do cara, espero que não precise se apaixonar pelo príncipe Aaron, de verdade. Apesar de que, conhecendo você como eu conheço, apostaria que isso não vai acontecer, não quero lhe desanimar, Rose, mas acho que não vai durar muito lá. Se você puxou tanto à mim quanto parece, aquilo começará a parecer sufocante para você, como foi para mim.

E eu só permanecia lá porque não podia abandonar Maxon, e minha família contava com o dinheiro que recebíamos toda semana. Como somos Dois, você não receberá o dinheiro, mas as garotas das castas abaixo de Quatro, receberão. Isso certamente não é problema algum para nós.

Bem, com o decorrer da competição, meus sentimentos por Maxon foram crescendo, mas a atenção que ele dava às outras realmente me incomodava. Com os excessos de ataques rebeldes, chegou a Elite, e ele resolveu eliminar todas, menos 6. E eu permaneci como uma dessas 6. "

– Mas mãe, se você gostava dele, e ele gostava de você, por quê não te escolheu de uma vez?

– Porque foi naquela época que seu pai começou a trabalhar no castelo.

– Mãe! Você e o papai tiveram um caso no castelo?! As regras são bem claras...mudou algo?

– Eu sei das regras, e nos encontrávamos as vezes, ele pediu desculpas para mim, mas meu coração já estava dividido. E era horrível esse sentimento, quando estava com Aspen, parecia que era só o Aspen. E eu escolheria ele, mas quando estava com Maxon...estava pronta para amá-lo para o resto da vida, mesmo que ganhasse a coroa de brinde, e eu não estivesse pronta para usá-la.

– E o que motivou sua eliminação?

– Isso, minha filha, é algo que não estou pronta para descrever, ainda - seu tom foi tão rígido que não tive coragem de insistir, seu olhar indicava que com o tempo eu descobriria. Ou não.

Havia outras perguntas, mas entendi que era um assunto complicado, e já estava abusando demais da sanidade dela fazendo-a relembrar do tempo que ela se empenhara tanto em tentar esquecer.


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