Always With Me escrita por Menta


Capítulo 10
The Luck Of The Scottish


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridonas!
Faz um bom tempo que não nos vemos. Nyah saiu do ar e tal, mas já estou de volta! Aviso que teremos dois capítulos da Cordelia (afinal, foram dois capítulos do Sirius), e neste, vamos nos inteirar mais na sua rotina e sua visão da vida estudantil estando no nicho sonserino daquela época, hehe. Teremos sua reação ao dia depois da fatídica bebedeira, sua ressaca moral, e alguns mistérios solucionados em alguns pontos, e trazendo outras perguntas em outros aspectos!
Como falei nos capítulos duplos que postei anteriormente, peço que as lindas leitoras tenham consciência do meu esforço de escrever sempre que posso e me dedicar com carinho à fic, e comentarem nos dois capítulos. Agradeço as leitoras não-fantasmas: Isabel Macedo, Lune Noire, Tia Voldy, LarissaZG, Bibi Bolseiro, LaurenPS e Babi Prongs, umas queridas do coração que sempre comentam e me deixam honrada e lisonjeada!
Assim sendo, beijos e boa leitura! Posto daqui a pouco mais um capítulo dela, com a detenção pós-bebedeira, HEHEHEHE! Sim, momento do embate Sirilia pós-beijo-ébrio! Hahahaha!



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Eu nunca mais vou fazer isso outra vez.

Cordelia tivera seu primeiro pensamento angustiado após acordar deitada sozinha em um sofá na estranha sala, seu coração palpitando ansioso pela burrada que fora a noite que passara. Imagens do dia anterior se passavam em flashes quase desconexos em sua cabeça, a lembrando da celebração do aniversário de dezessete anos de Remus Lupin.

Suas têmporas doíam como se alguém tivesse lhe estuporado a testa. Enquanto se levantava, devagar, mantendo uma das mãos cobrindo os olhos, suas sobrancelhas franzidas pela dor, ela comprimiu os lábios, engolindo em seco. Sentiu um gosto azedo na boca, vindo da quantidade dos cereais maltados empapados de álcool que tinha consumido no dia anterior, e tinha medo até de imaginar como estaria seu hálito.

Cordelia baixou a mão, estreitando os olhos por mais uma aguda pontada de dor na testa, e viu, alguns metros à sua esquerda, a simpática menina da Lufa-Lufa que lhe fizera companhia boa parte do tempo na noite anterior. Lauren O'Lerine ainda estava adormecida, encolhida em um sofá próximo.
Indo pé ante pé até a garota, Lia evitava olhar para os lados, temendo fazer mais ruídos e ser testemunhada por alguma figura desagradável. Ao alcançar o sofá, mexeu em seus ombros delicadamente, até a garota piscar os olhos e lhe saudar gentilmente. Infelizmente, em um tom de voz alto demais.

Levantando um dedo indicador pedindo-lhe silêncio urgente, Cordelia arregalou os olhos, temendo que alguém pudesse ter despertado. Lauren abriu os lábios levemente, compreendendo, e murmurando um pedido de desculpas silencioso. Lia respondeu-lhe com um aceno das mãos dizendo que não fora nada, e perguntou-lhe também em silêncio sobre a senha. Ao receber a resposta - “senha escrota” - ela revirou os olhos. Típico. Tão previsível e nem sequer passou pela minha cabeça.

Lauren levantou-se devagar, aparentemente seguindo Cordelia. Ela não tinha tempo sequer de agradacer-lhe pela senha, movendo-se quase aos saltos pela sala até o quadro da bruxa que dançava broom-dance e era responsável por guardar a saída. Vira, ao longe, Peter Pettigrew inerte deitado em algo que fora transformado em um canteiro de flores, registrando que nem sequer se lembrava disso ter acontecido. Passou, caminhando rapidamente, por James Potter, deitado em um sofá à sua esquerda, roncando sonoramente. Os esparsos estudantes que ainda estavam na sala dormiam profundamente, assim como a imensa maioria dos quadros.

Ao enfim alcançar o quadro que lhe levaria à saída da sala, Cordelia sentiu o coração quase parar por uma fração de segundo, para depois voltar a bater novamente. Dormindo em um pufe ao lado do quadro da bruxa dançarina de broom-dance, parecia quase inofensivo.

Sirius Black, deitado com o rosto caído para o lado esquerdo, parecia dormir com elegância natural. Tinha seus braços apoiados no pufe, seus cotovelos dobrados no que provavelmente fora seu apoio antes de dormir, e as pernas cruzadas em um ângulo que parecia quase uma pose calculada. Seus cabelos longos e lisos emolduravam seu rosto pacífico e lhe davam um ar altivo, lembrando os protagonistas das pinturas antiquíssimas dos príncipes druidas de outrora. Não é possível. Ele é arrogante até dormindo.

Cordelia teve uma súbita vontade de chutá-lo, enquanto seu rosto esquentava como um caldeirão de poções com a memória que mais lhe perturbava da noite anterior. Eu preciso ter sonhado com isso. Preciso. Não pode ter acontecido.

– “Senha escrota”. - Ela sussurrou para o quadro, que bocejava cobrindo os lábios e se espreguiçava. Olhou para Black e conteve um suspiro de alívio. Ele continuava adormecido, e soltou um estranhíssimo grunhido, virando-se de bruços na direção de onde ela estava parada. Parecera um som... Canino.
– Pela sua cara... Vai fazer a “caminhada da vergonha?” - A bruxa dançarina do quadro debochou, encarando Sirius Black e fazendo-lhe um gesto falso com a mão para lhe dar passagem. Cordelia rangeu os dentes e olhou feio para ela, sem poder responder-lhe em voz alta. Assim que o quadro abriu, ela quase saltou para fora da sala.

Caminhando pelo corredor do sétimo andar, banhado pela luz matinal daquele fim de inverno, Lia teve uma grande sensação de liberdade, como se tivesse soltado um fardo enorme. Suspirou audivelmente, enquanto conjurou um feitiço desilusório. Lembrou-se, instantaneamente, de que Latrell fora atacado por Black na noite anterior, e apertou o passo, temendo ser surpreendida. Novamente sentia a mesma sensação angustiante de quando acordara na sala, motivada, desta vez, por outras razões.

Por Merlin... O que Latrell deve estar pensando? Preocupada e mais uma vez completamente irritada com Black e suas imbecilidades, mil e uma possibilidades de vinganças que Graeme poderia formular contra si lhe passaram pela cabeça. O que ele vai pensar que Black tem a ver comigo? Seu coração se acelerou ao imaginar o olhar assassino de Latrell ao imaginar que ela poderia ter algum tipo de vínculo com o idiota da Grifinória e como aquilo lhe soaria como um ataque pessoal. Logo em seguida, lembrou-se de beijar Black na noite anterior, a última lembrança que tivera, e da sensação de tocar seus cabelos, sua nuca... Seus lábios. Não. Eu devo ter sonhado. Não aconteceu. Como se quisesse traí-la, Cordelia sentiu reações físicas instantâneas à imagem que lembrara. Sentiu uma onda de calor espalhar-se por seu ventre, causando-lhe um formigamento estranho em volta daquela região, e sua pulsação acelerar, como se seu sangue passasse a correr mais rápido e de maneira mais intensa. Pare com isso. Agora.

Quando deu por si, voltando a se controlar, já havia descido dois andares pelas escadarias principais, e não cruzara com ninguém. Nem sequer vira um fantasma do castelo ou até Madame Nor-r-ra e seu dono, Filch. Não deveria estar tão nervosa. Até agora estou com muita sorte. Cordelia pensou, tentando se acalmar ainda mais. Subitamente, parou de caminhar.

Sorte. É isso. Sorrindo consigo mesma, sentindo-se incrivelmente inteligente e agradecendo a única boa decisão que tomara na noite anterior, Cordelia buscou o frasco que lembrara ter ganhado durante a competição de bebida em um dos bolsos das saias. Vendo a poção de tonalidade verde, ela teve o impulso de saltitar de alegria. A felix felicis de Remus viria muito a calhar.

Devagar e calculadamente, abriu e bebeu apenas metade do frasco, sabendo ser prudente guardá-lo em caso de outra urgência. Terá de bastar. Lia fechou o pequeno vidro com a mesma rolha que tapava o líquido que portava, e o guardou novamente, descendo os lances da escadaria principal, movendo-se devagar àquela hora da manhã.

Em alguns minutos, sua dor de cabeça passou. Sentia-se mais desperta, curiosamente confiante e com as mãos levemente trêmulas.

Cordelia rumou até a sala comunal da Sonserina sem dificuldade alguma. Parecia ser a única pessoa acordada no castelo, e, após dizer a senha para o ponto nas paredes das masmorras que revelava a entrada secreta, reparou que fora provavelmente a primeira aluna da Casa a acordar. A sala comunal estava vazia, e apenas alguns sereianos nadavam à distância, podendo ser vistos por uma das janelas que davam para o Lago Negro. Foi até o dormitório feminino, em seguida, mas não precisava sequer fazer esforço para ser discreta. Seus pés estavam tão leves que se sentia quase um fantasma esvoaçando pela sala, imperceptível.

Logo abriu a porta, vendo as cortinas de dossel verdes fechadas, em maioria. Algumas colegas do quinto ano as mantinham abertas, mas estavam todas, sem exceção, adormecidas. Cordelia passou por McNair e Macbeth, suas melhores amigas, dormindo calmamente. Sua cama ficava ao lado da de McNair, que ficava defronte a de Macbeth, e logo ela passou a procurar uma nova gravata no criado-mudo, tendo um lapso de irritação ao lembrar-se que Black ficara com a sua gravata da noite anterior. Mais uma vez as indevidas ondas de calor subiram pelo seu ventre, mas a irritação passou rapidamente. A sensação pulsante, porém, não.

Deve ser efeito da poção. MacLearie pensou, ignorando a sensação, e buscando em seus pertences uma blusa, suéter, saia, meias e roupas de baixo limpas para o dia que começaria, o uniforme de sempre. A capa estava estendida em cima de sua cama, e ela separou uma toalha, além das roupas, e foi ao banheiro anexo ao dormitório.

Passados alguns minutos, deixara as roupas dobradas junto a toalha em um dos bancos do banheiro do dormitório feminino, repleto de mármore branco e detalhes de pedras verdes, cujas cabines de banho e toalete eram também verdes. Escolheu a que preferia, moveu a torneira e agradeceu a água corrente que caía em abundância, quente e convidativa. Sentia-se como se estivesse se limpando do dia anterior, e tinha o ímpeto de cantar de júbilo.

Banhando-se de olhos fechados, ensaboando seu corpo, sentindo-se livre das impurezas e ainda mais bem desperta e disposta, Cordelia distraiu-se por algum tempo. Ao abrir os olhos, teve o reflexo de olhar para o chão, para a pequena abertura entre a porta da cabine e o piso do banheiro.

Logo em seguida, deu um gritinho de susto, para soltar um palavrão de irritação, depois.
Sua grande amiga Phyllis McNair sorria para ela, encarando-a debaixo da abertura, para lhe dar um susto. Rapidamente a garota se afastou, rindo do susto que dera.

– Irritada logo de manhã, princesa celta? - McNair dizia, enquanto Cordelia ouvia o barulho do encanamento da cabine ao lado liberar água em profusão. - É TPM? Mas eu pensei que nosso fluxo fosse igual. Traiu minha confiança! - A garota brincou, debochada, enquanto começava a se banhar em outro compartimento.

– Muito pelo contrário. - Cordelia respondeu, já terminando o banho. - Acho que meu humor está melhor do que de costume. - Ela falou dubiamente, saindo da cabine e enrolando-se na toalha.

– E será que isso tem alguma relação com sua demora para vir dormir ontem à noite? - Phyllis perguntou de dentro da cabine, insinuante. - O que andou aprontando, sua danadinha? - Ela debochou, imitando uma voz de velha. Cordelia deu uma risadinha, pegando sua escova de dentes em uma das pias do banheiro e a varinha no banco com suas roupas. Moveu a varinha em direção da pasta e fez-la colocar uma quantidade boa nas cerdas da escova.

– Fiquei boa parte da madrugada na biblioteca. Adormeci em cima dos livros de transfiguração, e Madame Pince me esqueceu lá. Acordei há pouco tempo, e vim correndo para cá. - Cordelia mentiu sem dificuldades. Já era treinada nessa arte, desde muito cedo, por sua mãe.

– Você precisa parar de ficar tão paranóica com os N.O.M.s. É seu quinto ano, e você acabou de terminar seu namoro com o Latrell. Aproveite um pouco. - McNair saiu do banho enrolada em sua toalha, secando a água em excesso dos cabelos crespos e castanhos ao espremê-los.

– Lis! - Cordelia a chamou, repreendendo-a com seu apelido carinhoso. - Está molhando o banheiro todo! - Reclamou.

– Sem frescura, Little Lia. - McNair respondeu, revirando os olhos e pisando nas poças de água formadas. - Você precisa mesmo relaxar. Poderia ter ficado estudando anatomia corporal ontem, a noite toda, e me deixado orgulhosa. - Ela levantou uma sobrancelha despudorada, e Cordelia sorriu, meneando a cabeça em reprovação, ainda escovando os dentes. Sentiu-se intimamente grata por ela não fazer ideia da lembrança que tinha, e sentiu sua pele arrepiar-se ao mais uma vez recordar-se dela.

– Para de falar merda. - Cordelia respondeu, grosseira, sabendo que aquilo deixava McNair mais alegre e avessa à perguntas, com a boca ainda cheia de pasta.

– O lado real da lady que poucos conhecem! - McNair brincou, fazendo uma curvatura debochada para ela, enquanto se vestia. - Se seguisse meus conselhos, sua boca estaria ontem cheia de outra coisa que não espuma e pasta de dente. Se é que me entende. - Cordelia engasgou e cuspiu a pasta, pela depravação da fala da amiga.

– Logo de manhã e você já está incontrolável! - Cordelia tentou repreender, mas começou a rir. Phyllis riu com ela, já vestida. Após gargarejar algumas vezes, Lia moveu a varinha em direção aos cabelos e disse:

– Siccus.* - Ela proferiu o feitiço, e seus cabelos rapidamente perderam toda a umidade restante.

– Era esse mesmo! Eu tinha esquecido. - McNair pegou a própria varinha, apontou para seus cabelos e repetiu o feitiço. - Especialidades da Gray. - Phyllis mencionou a grande amiga delas, Grace Macbeth, e seu apelido querido.

– Ela ainda não acordou, imagino. - Cordelia disse, vestindo a calcinha por baixo da toalha, por sua vez. McNair havia sentado no banco do banheiro, e meneou a cabeça, suspirando.

– Sabe como ela é. Seu sono de beleza é quase sempre mais importante do que a pontualidade às aulas. - McNair levantou os braços, estalando a coluna ao prostrar-se para a frente. - Já, já, podemos ir acordá-la. As outras meninas estão levantando.

– Como está a história dela e do Reg? - Cordelia perguntou, levemente curiosa, enquanto vestia o sutiã. Logo em seguida, buscou a blusa e a abotoou, enquanto McNair encarava a cabine do banho vazia, seus olhos verdes pensativos, mas não parecia ter seu pensamento fixo naquela imagem. Seus lábios escresparam-se levemente, ao responder-lhe:

– Como a Grace sempre é. Bastou ele vir com aquela história no Expresso Hogwarts sobre estar sendo bem cotado pelo Lorde das Trevas que ela se interessou definitivamente. Sabemos o quanto ela gosta de ser vista do lado de gente importante. - McNair respondeu, parecendo desagradada, enquanto Cordelia vestia as saias. - Pobre garoto. Vai ser devorado sem piedade. - Phyllis debochou secamente.

– O que está achando disso tudo? - Cordelia perguntou, subitamente séria, mudando irresistivelmente de assunto. - Aqui... Entre nós. O que realmente está pensando... Sobre essa Revolução? - Ela questionou, aproveitando o gancho, e dando o nó na gravata da Sonserina, após vestir o suéter cinza com os bordados verde e prata nas extremidades. McNair a olhou parecendo não ter compreendido o mérito da pergunta.

– Como assim? - Phyllis perguntou em resposta, levantando uma sobrancelha. Apesar de ser muito sua amiga, Cordelia se perguntou imediatamente se não estava sendo muito pouco cautelosa.

– É que... Deixa, esquece. - Cordelia falou, parando a conversa, assim que um grupo de quatro alunas entrava no banheiro e lhes dava bom dia. Saudou as meninas em resposta, vestindo as meias que lhe faltavam. McNair a seguiu para fora do banheiro, e Cordelia aproximou-se da cama, vestindo os sapatos. Enquanto Phyllis acordava Grace, que relutava em despertar, ela lembrava-se do que Rabastan dissera no Expresso Hogwarts na volta daquele feriado.

Desde que o ano começara, Cordelia perdera a conta das vezes que vira alguns de seus colegas conversando aos sussurros na sala comunal da Sonserina, parecendo ansiosos. Lembrara-se da sensação horrenda na boca do estômago ao ler o Profeta Diário no dia de São Valentim, sobre a notícia da bruxa sangue-ruim exterminada em propósito da Revolução. Ela temia os rumos que aquele movimento poderia tomar, mas não tinha coragem de comentá-lo com nenhum dos colegas da Casa, com medo de ser chamada de covarde. Cordelia era puro-sangue, mas não era de uma família tão nobre que pudesse se dar ao luxo de ganhar uma fama pior do que a que já tinha, de bruxos de sangue puro de segunda classe. Família celta cuja herança era apenas o nome, uma memória morta, na opinião de muitos.

Sua mãe estava certa. Não sabiam o que poderia surgir daquela Revolução, e precisavam estar protegidas.

Lembrar da mãe lhe trouxe uma súbita sensação de impotência e vergonha. Se ela tivesse visto como se portara na noite anterior, se envergonharia para o resto da vida. Cordelia franziu as sobrancelhas, acompanhando McNair e Macbeth para fora do dormitório feminino, após a segunda se arrumar rapidamente, já estando em cima da hora para o fim do café da manhã e para chegarem à primeira aula.

Assim, as horas se passaram. Cordelia passou o dia distraída com os estudos, copiando exaustivamente as lições do professor Binns sobre um assunto de seu interesse e que sabia bastante, a história dos bruxos que já passaram pelo castelo de Edimburgo, hoje um local de pólo turístico trouxa, e arrecadou alguns pontos para a Sonserina ao responder um par de perguntas do professor.

Após a primeira aula, de História da Magia, passaram para a sala de Feitiços. O professor Flitwick treinava o feitiço congelante, o que a fez ser bem sucedida outra vez, considerando que lidar com os elementos da natureza lhe era uma facilidade em vias do poder de seu sangue celta. O feitiço consistia em tremular levemente a mão da varinha e falar audivelmente a palavra de comando.

Cordelia mirou em um tinteiro vazio, suas mãos tremulando pelo efeito da poção felix felicis – ou, talvez, pelo efeito da ressaca – e disse:

– Glacius!** - Um fio de gelo desenhou-se sinuosamente para fora de sua varinha e envolveu todo o tinteiro em uma massa congelada azul e esbranquiçada, como uma superfície de uma pedra preciosa. Grace Macbeth, ao seu lado, bateu palmas e Phyllis comemorou, as duas não tendo conseguido congelar nem metade do tinteiro, e o professor Flitwick concedeu dez pontos à Sonserina pela maestria da execução do feitiço.

Depois do almoço, teriam aula dupla de poções. Cordelia, satisfeita por sequer ter visto Black ou qualquer membro da Grifinória, Corvinal ou Lufa-Lufa que estivesse presente na festa do dia anterior, comeu satisfeita, e rumou para a última aula da tarde nas masmorras. Estava ainda mais aliviada por sequer ter tido sinal de Latrell ou de algum de seus amigos e possíveis vinganças de sua parte.

Ao entrarem na sala de poções, o professor Slughorn parecia bem humorado como sempre estava ao dar aula para alunos da própria Casa, o que fazia jus à sua personalidade tendenciosa. Teriam de preparar uma poção do sono, do tipo pesado, que trouxessse um sono sem sonhos a quem bebesse. Lia ficou levemente preocupada, vendo que alguns dos ingredientes dispostos no quadro eram pétalas de margarida que teriam de cortar delicadamente, o que seria complicado com suas mãos tremendo tanto.

Fazendo par com Phyllis, Cordelia aguardou as instruções do professor, enquanto ela e Phyllis encaravam Grace e Regulus, fazendo dupla na aula. Conhecendo a amiga, Cordelia viu Grace derrubar de propósito um dos ingredientes no chão, pedindo desculpas adoravelmente com seu sorriso doce e largo, e abaixando-se para pegar o que derrubara junto ao rapaz, que prontamente curvara-se para ajudá-la. Lia reparou no olhar de Reg perder-se rapidamente no volume do colo de Macbeth, que claramente fizera aquilo para provocar o menino de maneira aparentemente inocente.

Phyllis parecia levemente incomodada, ao seu lado, e Cordelia tentou puxar conversa com ela sobre as calças estranhas e chamativas que o professor Slughorn usava, de um verde musgo berrante, para distraí-la. Entretanto, o professor cruzou seu olhar com o dela, e interrompeu as instruções. Cordelia, por um segundo, temeu que ele tivesse ouvido.

Slughorn caminhou em sua direção, sorrindo-lhe simpático. Cordelia lhe sorriu de volta, levantando as sobrancelhas sem compreender.

– Senhorita MacLearie! Ainda bem que sou um homem de grande memória. - O professor disse, rindo bufão. - O diretor lhe aguarda em sua sala. Disse que sabe de que assunto se trata. - O professor Slughorn se aproximou dela e disse, dando uma piscadela brincalhona:

– Se ele for muito duro com você, me avise. Damos um jeito nele! - O professor brincou, e Cordelia deu uma risadinha falsa em resposta.

Em seguida, despediu-se de Lis e deu um aceno para Grace, que lhe perguntou silenciosamente “o que houve?” à distância. Cordelia respondeu-lhe movendo os lábios que lhe explicaria depois.

Ao dirigir-se ao gabinete do diretor, subindo as escadas das masmorras, Cordelia lembrou-se do que iria fazer na noite anterior antes de ser “sequestrada” para a festa ridícula de Remus Lupin, por Black. O professor Dumbledore havia lhe mandado uma carta durante o café da manhã, dizendo que precisava de seu auxílio com um determinado encantamento, e que fosse encontrá-lo em seu gabinete quando tivesse algum tempo livre. Cordelia não fazia ideia do que realmente significava aquilo, mas não poderia negar um pedido do diretor. Mantivera aquilo em segredo de Lis e de Grace, e passara boa parte da noite estudando na biblioteca, até achar que poderia rumar seguramente para a sala do diretor, uma meia hora após o término do jantar.

Como lhe acontecia nos piores momentos, encontrara-se com Latrell, no meio do caminho. Ele aparentemente fazia a ronda dos corredores como seu trabalho de monitor-chefe, e parecia que desconfiava de que Cordelia poderia delatar seu comportamento agressivo e persecutório para o diretor. Ela jamais sonhara com isso, não apenas por ser orgulhosa mas por saber que a represália seria muito pior. Com Graeme, a melhor escolha era ignorá-lo e manter-se discreta, mas, aos poucos, Cordelia começava a se sentir vítima de certa tortura psicológica.

Por vezes, vira Latrell com sua nova namorada, uma prima de Rabastan, aluna do sétimo ano chamada Runild Lestrange. Apesar do nome horrendo, não era feia, sendo uma garota ruiva, com sardas em volta de um nariz arrebitado e de corpo voluptuoso. O rapaz parecia fazer questão de socializar com os amigos e a nova companheira quando Lia se fizesse presente. Quando estava sozinha, voltando das tarefas de monitora – e consequente detenção de Black, que Cordelia sentia-se aliviada por Latrell não ter descoberto ser seu novo ajudante – ele por vezes a esperava na sala comunal, questionando onde estava e o que fazia, mesmo que soubesse o que era. Sua vontade era de azará-lo, mas não teria boas consequências se não agisse em legítima defesa, sendo ele o monitor-chefe da escola. Era obrigada a engolir, além dos olhares de desdém dos amigos de seu ex-namorado, que antes eram simpáticos a ela, toda essa possessividade doentia e humilhação velada que ele lhe fazia. Tinha vontade de tirar a desforra, mas ainda não tivera a oportunidade.

Logo, após subir vários lances da escadaria principal, Cordelia atravessara alguns corredores do sétimo andar e se postava na frente do gabinete do diretor. Havia gravado a senha que o professor lhe conferira no dia anterior, e viu a gárgula que guardava a porta mover-se para o lado, assim que a proferiu, permitindo a entrada para uma escada em caracol. Era a primeira vez que a aluna encontrava-se ali, e subiu solenemente os degraus, finalmente superando os pensamentos temerosos sobre como Latrell reagiria ao ataque de Black da noite anterior, que lhe assolaram novamente.

– Boa tarde, senhorita MacLearie. - Dumbledore a saudou, sentado em uma escrivaninha repleta de objetos de prata que se moviam, soltavam fumaça e apitavam quase silenciosamente. Ao seu lado, parada em um poleiro de madeira, uma lindíssima fênix encarava a recém-chegada com olhos curiosos. Cordelia tentou conter seu encantamento pelo animal, olhando para o diretor e se aproximando. Seus dedos longos e idosos tocavam as pontas um dos outros, e seus olhos azuis-claros faiscavam atrás de seus óculos de meia-lua. Cordelia curvou-se educadamente, e respondeu o bom dia com elegância.

– Por favor, sente-se. Creio que gostaria de saber porque a chamei. - O professor foi direto ao assunto.

– Bem, sim, diretor. - Cordelia respondeu polidamente.

– Tenho ciência de que a senhorita é membra de uma das raríssimas famílias celtas ainda vivas na Grã-Bretanha. E também tenho consciência do poder da magia herdada do druidismo. - Dumbledore falou educadamente. Cordelia levantou os olhos para ele, mal contendo um sorriso orgulhoso ao aferir que o diretor da Escola mais importante do Reino Unido valorizava seu sangue e sua origem.

– Fico grata, senhor. - MacLearie agradeceu com gentileza, desviando os olhos para a fênix, que piou simpaticamente para ela.

– Fui apenas sincero. A magia celta, diferentemente de outros métodos mágicos, pode ser aprendida, mas tem mais efeito quando realizada por aqueles que carregam o sangue de seus primeiros praticantes. É uma magia inteiramente benéfica e construtiva, como bem sabe, ligada a elementos que a reconhecem; os elementos naturais, as plantas... Os animais. - Dumbledore encarou a fênix, que ainda piava para Cordelia, parecendo interessada na garota. Logo em seguida, o diretor voltou os olhos para a aluna. - É um vínculo que não se pode desenvolver, apenas herdar. - O professor tocou no punho da varinha e a apontou para uma bacia de prata posicionada em cima de uma outra mesa, esta vazia, exceto por um outro recipiente pequeno, redondo, de madeira, aberto.

– Diretor... - Cordelia encarou a bacia. - Quer que eu lhe faça um círculo de proteção? - Ela perguntou, espantada. Era uma ideia inteligentíssima do diretor, mas jamais lhe passara por seus pensamentos que ele poderia lhe pedir por isso.

– Exatamente. - Dumbledore respondeu, levantando-se e fazendo um gesto educado com as mãos para que ela o acompanhasse até a bacia. - Eu mesmo poderia fazer o encantamento, mas não teria o mesmo efeito que sua herança celta. - Cordelia aproximou-se do objeto, e viu grandes quantidades de sal grosso dentro da caixinha de madeira.

– E farei o círculo em nome de quem, senhor? - Lia perguntou polidamente, ainda muito surpresa e curiosa.

– Da nossa escola. - Os olhos do diretor faiscaram. - E de Hogsmeade. Tenho certeza de que está ciente da hostilidade que assola o mundo bruxo atualmente, senhorita MacLearie. E meu principal propósito é proteger meus estudantes, principalmente. Estou certo de que está de acordo com isso. - O diretor disse.

– É claro. - Cordelia concordou solenemente. - Devo dizer que é uma ideia genial, senhor. - MacLearie disse.

– A ideia só surgiu porque há uma magia capaz de realizá-la. O mérito não é meu. - O diretor assistiu Cordelia mover a varinha devagar, trazendo o sal grosso para dentro da bacia, e fazer uma cruz, tendo um formato arredondado, fechada em um círculo pelas bordas da bacia também feito com o mesmo sal grosso. Logo, o diretor de Hogwarts lhe entregou um pedaço oval de pergaminho, no qual ela escreveu com pena e tinteiro os nomes da escola e do povoado vizinho, nas runas celtas que conhecia, deixando-o depois de escrito no centro do círculo de proteção.

– Agora só precisa colocar em um local alto, diretor. E aguardar que, com a umidade, o sal passe a ser água. Após isso, terá de limpar a bacia e realizar o encantamento benéfico outra vez. - Cordelia lhe passou as instruções com o tom de voz humilde, julgando que o diretor provavelmente já conhecia os passos a serem feitos.

– Então nos encontraremos em breve. - O diretor sorriu com gentileza, encaminhando a garota até a porta do gabinete. - E, senhorita MacLearie. - Dumbledore parou de caminhar, voltando-se delicadamente para ela.

– Sim, senhor? - Cordelia perguntou, polida.

– Longe de mim querer atrapalhar seus estudos, mas perdoe minha intrusão. Tenho uma intuição boa com o passar dos anos. - Os olhos do diretor brilharam por trás de seus óculos de meia-lua, encarando o rosto da menina. - A senhorita teria algo que gostaria de me contar? - Dumbledore perguntou com gentileza, e Cordelia imediatamente lembrou-se de Latrell Graeme.

– Não, senhor. - Lia respondeu, mentindo friamente.

Dumbledore aguardou alguns segundos, mas logo abriu a porta para que ela passasse. Ajeitou seus óculos, e, quando ela atravessava a porta, disse-lhe, em despedida:

– Senhorita MacLearie, não são todos que sabem disso, mas eu descobri e comprovei que o tipo mais importante de magia não é o mais chamativo. A magia ancestral é muitas vezes tida como rudimentar e secundária, mas é dela que são oriundos os efeitos mais relevantes de todos. A sutileza da magia mostra a sua capacidade. - Cordelia voltou-se para trás, mais uma vez surpresa, sentindo-se um tanto emocionada.

– Tenha uma boa tarde, e, mais uma vez, perdoe-me pela intromissão em seus estudos. - Dumbledore se despediu e fechou a porta delicadamente. Um tanto atônita, Lia não teve tempo de responder sua despedida. Alguns segundos depois, ela parou de encarar a porta e desceu os degraus de volta à rotina estudantil, sentindo-se curiosamente leve e fortalecida. Julgou ter relação com ter exercido sua magia celta, o que sempre a deixava com os instintos reforçados, mas sabia que era algo a mais.

Talvez não estivesse tão sozinha naquela Escola como já havia uma vez imaginado.

Perdida em pensamentos, imaginando o resultado do círculo de proteção, que mostrava atividades hostis ao redor daqueles que queria-se proteger, Cordelia desceu a escadaria principal saindo do sétimo andar pela segunda vez naquela terça-feira gloriosa, e sentia-se muito feliz consigo mesma. Sua mãe estaria orgulhosíssima dela se pudesse ouvir o que o diretor lhe dissera. Pensando em escrever-lhe sobre o pedido de Dumbledore de lhe ajudar com o encantamento, ela passou por Pirraça, descendo do primeiro andar ao térreo, ignorando seus xingamentos de “Cinilia”, apelido que alguns desafetos do colégio lhe deram por sua personalidade fria e reservada. Apenas um poltergeist como Pirraça era estúpido a ponto de falá-lo na sua frente, mas ela sabia que alguns a debochavam pelas costas assim. Era a junção de seu nome com a palavra “cínica”, o que sonoramente soava parecido com “Cordelia”.

Ao enfim adentrar a sala de poções, nas masmorras, para o fim da aula, sentou-se em um banco de madeira ao lado de McNair, que fizera uma poção do sono razoável, com seu líquido branco espesso borbulhando em seu caldeirão já frio. Ela cutucava um pedaço de pergaminho com a pena, fingindo que estava a anotar os resultados, enquanto o professor Slughorn passava de mesa em mesa analisando as poções dos outros alunos.

Assim que se sentou, Lis segurou seu braço, mal contendo um sorriso de animação.

– Você ficou sabendo? - Phyllis falou, excitada, quase quicando na cadeira. Seu sorriso malicioso estava espalhado pelo seu rosto.

– Do quê? - Cordelia perguntou, curiosa.

– Latrell. - Phyllis sorriu com malícia, e o sorriso satisfeito de Cordelia murchou. - Não, não! Você não sabe. - Ela segurou os dois braços de Lia. - Ele estava na enfermaria desde ontem de noite. Filch o encontrou desmaiado na frente do gabinete do diretor. Acordou agora, parece, sem memória do que aconteceu até o almoço de ontem! - Ela parecia controlar a vontade de rir, cúmplice de todo o sofrimento que a amiga passava por conta do ex-namorado.

– Sem lembrar de ontem? - Cordelia perguntou, sentindo ondas de júbilo subirem pelo seu corpo.

– Parece que a última coisa que se lembra é de ter comido frango assado com batatas no almoço. - Phyllis mal controlava o próprio riso, cochichando com a amiga. - Me diz que foi você que fez isso, por Merlin! - Lis disse extasiada.

– Não fui eu. - Cordelia falou honestamente, lembrando-se de Black, e sentindo as mesmas ondas quentes percorrerem-lhe o ventre. Phyllis a encarou, desconfiada.

– Mesmo? - Ela fuzilou Cordelia com o olhar, ainda sorrindo divertida.

– Mesmo. - Ela reiterou, dessa vez mal contendo o próprio riso. - Não tive nada a ver com isso! - Cordelia não pôde segurar as risadas e explodiu em gargalhadas junto a McNair. Grace instantaneamente olhou as duas e fez biquinho, chateada por não estar incluída na conversa. Regulus encarava a amiga das duas, parecendo fascinado.

Logo em seguida, o professor Slughorn ralhou com as duas de forma divertida, brincando que se não mantivessem o decoro em aula seriam obrigadas a beber alguns goles da própria poção do sono de McNair. Mais silenciosas, as duas controlavam o próprio riso, olhando-se cúmplices, de vez em quando.

– Princesa Lia... Você tem um admirador secreto! - Phyllis brincou, empurrando a amiga com um dos ombros. - Tem de agradecê-lo de joelhos quando descobrir quem foi! - Ela insistiu, e Cordelia mordeu os lábios, olhando para a superficie de madeira da mesa grande a sua frente, a qual dividia com a amiga. Agradeceu intimamente por Lis não poder ler seus pensamentos.

– Agradecer de joelhos... Se é que me entende. Se ele for bonito, por que não? - Phyllis fez um gesto obsceno levando a pena próxima da boca e fingindo sucção.

– Por Merlin, cale a boca, Lis! - Cordelia tirou a pena da mão da amiga, mal controlando o próprio riso também.

Assim, o professor Slughorn falava as últimas considerações sobre a aula do dia, e Cordelia, pensativa, refletia sobre o dia bem sucedido que tivera. Graças à felix felicis, se safara de todo o tipo de repercussão que suas atitudes impensadas da noite anterior lhe trariam. Fora elogiada pelo diretor, brilhara em todas as aulas, se divertira com suas amigas, sem preocupações, e não precisaria se preocupar com Latrell por algum tempo.

Lembrando-se mais uma vez da expressão resoluta de Black ao atacar seu ex-namorado com um feitiço certeiro, ignorou mais uma vez a sensação estranha em seu ventre, e deu um sorriso contido.

Talvez ele não seja tão idiota assim, afinal.

Fanart divina feita pela talentosíssima Laurenlinda, um presente magnífico que me deixou felicíssima!


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Notas finais do capítulo

*Siccus, do latim "seco".
**Glacius, do latim "gelo".

Aguardo os reviews! Estou com saudades das minhas leitoras! ^_^



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