Eles escrita por ItS


Capítulo 7
Tolos


Notas iniciais do capítulo

Gente, estou sentindo a falta de muitos comentários... Isso me desmotiva. Mas, mesmo assim, eu ainda creio que vocês irão voltar pra cá ooo// Portanto, mais um episódios para vocês.
Quem quiser comentar, favoritar, recomendar, sugerir, fique a vontade.
No mais, boa leitura. ;D



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1

Dia: 21 de março de 2047, às 19:06. Próximo à lanchonete.

As roupas de Daniel, Luciana e Anne estavam brilhando. De alguns outros jovens e adultos também estavam. Mas Luciana estava concentrado na sua. Sua mente estava fascinada por aquele esplendor que vinha de cima. Não sabia como, mas sabia que eles eram ínfimos comparados à penumbra da noite, que já engolia toda a cidade num vão crescente. Alguns corvos grasnavam. Ainda podiam-se ouvir gritos histéricos. Talvez de felicidade. Além disso, era prazeroso olhar para o céu quase fulgente e vê-lo ser adornados por brilhos aéreos que pairavam graciosamente.

Era como estrelas, só que mais sutis, pensou Luciana.

Estrelas...

Luciana logo se lembrou do livro que estava lendo: “A culpa é das estrelas.” Ela estava amando devorar aquelas páginas. Somente em alguns minutos do seu dia, ela havia lido dois terços do livro. Ela estava adorando. Estava ansiosa pelo final. Queria saber o que iria acontecer com Hazel e Augustus. Ela até pensou em ler o final do livro. Pegar aquele spoiler somente para saber o desfecho. Ela costumava fazer isso em diversos livros. Era praticamente uma mania. Ela comprava o livro, lia algumas páginas e, então, ia para o fim; saber o que aconteceria. Depois voltava novamente para a parte em que parara.

Mas dessa vez não. Ela pensou que quebraria o encanto, como acontecera algumas vezes. Ela não leu o fim. Mas foi para aquela biblioteca a procura dos livros paradidáticos que a escola tinha pedido. Ela não tinha condições de comprá-lo, então iria alugá-los. A maioria de seus colegas, inclusive Daniel e Joana, havia comprado tudo no começo do ano. Mas ela não tivera essa chance. Com sua família passando por uma crise financeira, ela se viu obrigada a alugar.

Ela não devia ter ido à biblioteca naquele dia. Sua mãe pedira para ela arrumar a casa. E, tentando safar-se, ela disse que tinha que ir lá. Afinal, a escola era o mais importante. Ela precisava tirar boas notas para passar de ano e ficar bem inteligente e arranjar um bom emprego. Era assim que pensava. E, como havia pesquisado, descobriu que livros desenvolviam o intelecto das pessoas. Ela começou a ler por causa disso, não porque gostava de ler, mas porque era bom pra mente.

Contudo, ela começou a viciar-se em ler. Lia tudo que podia. Devorara livros. Mas ela muito ansiosa. Gostava de ler spoilers de animes, de ouvir seus amigos contando as partes do filmes, gostava de ver o resumo dos próximos episódios das novelas. E com livros não era diferente. Ela ia sempre ao finalzinho dar uma bisbilhotada e descobrir o fim de tudo.

Mas naquele livro não.

No livro “A culpa é das estrelas”, não.

2

Dia: 22 de março de 2047, às 09:17. Casa de Alberto.

Alberto tentara ligar para o seu chefe que era simplesmente o prefeito da cidade, Isaac. Alberto não sabia o motivo pelo qual o cara queria matar o pai daquela garota mutante, Joana. Ele só sabia que tinha recebido o serviço que, por sinal, fora muito mal ordenado. Isaac não havia passado os horários certos e nem mencionado tudo que era para ter mencionado. Ele já tinha enfrentado muitas aberrações, mas sempre sabia que iria fazer isso. Nunca havia sido pego desprevenido como aconteceu naquela última vez.

Aquela garota, Joana, era um deles. Além disso, ainda houve o fator surpresa que comumente ajudava muito em planos de ação. Sim, aquela maldita tivera dois prós. Somente assim para ter ganhado do impiedoso Alberto. Mas ele não ia deixar assim. O maldito teria de pagá-lo, assim como a garota. Ele, afinal de contas, não tinha ganhado muitos ferimentos e machucados físicos, mas ele fora ferido onde mais doía: o orgulho. Sua mãe, antigamente, teria dito que orgulho não era algo bom para se ter. Mas agora era tudo que restava para Alberto.

Orgulho.

Ele não ia descansar até ter tirado aquela sensação de ter engolido um ácido – que por sinal, ele mesmo poderia ter preparado com seus poderes – que o corroia veementemente por dentro. Ele só ia ficar feliz depois que tivesse mostrado para aquela pirralha um mundo de dor e tormento. Ela tinha tudo do bom e do melhor. Vivia numa casa boa, tinha empregados para fazerem tudo, tinha muito dinheiro, roupas, e qualquer outro tipo de futilidade necessária para se levar uma vida de nariz em pé.

É, ele estava com uma raiva dupla.

3

Dia: 22 de março de 2047, às 10:23. Ilha.

Cassie acordou, relutante. Ainda queria continuar dormindo. O local onde havia cochilado não era tão confortável quanto sua cama. Mas, espera, onde ela estava dormindo? Ela abriu os olhos para verificar. Seus cabelos estavam com torrões de terra; eles estavam debruçados sobre o chão marrom e cheio de folhas no qual a garota estava. Mas, afinal, onde ela estava? Ela não sabia com precisão, mas tinha veemente certeza de que era em algum local “natural”. Havia árvores, arbustos, pássaros solfejando, o barulho do mar quase inaudível e outras coisas que davam mais veracidade para a tese da garota.

Ela devia estar em algum lugar de Lago das Montanhas. Devia ser aquela florestinha que circundava parte do leste da cidade, próxima a um casarão e a uma padaria. Mas estava diferente do que ela se lembrava. Tudo bem que a última vez em que a garota estivera lá fora no ano passado – talvez mais atrás ainda –, mas não teria modificado a este ponto. Ou teria? Bem, ela tinha quase certeza que não. Ela não era boa em biologia e coisas do tipo, mas sabia que aquelas árvores não eram encontradas lá na sua cidade, que tinha um clima mais tropical. Aqui tudo era muito úmido. Ela quase podia sentir gotas de água caindo sobre ela.

Ela se levantou totalmente. Espanou os resquícios de terra e, finalmente, se deu conta do que tinha acontecido. Sua cabeça latejava e os pensamentos estavam embaralhados. Bem, até há pouco tempo. Agora tudo estava claro. Ou pelo menos parcialmente. Ela se recordava dos acontecimentos envolvendo a lanchonete. Deviam ser do dia passado, pois fora mais a noite, e agora era de manhã. Ela pelo menos achava que era isso. Não tinha muito noção de horas.

Cassie se lembrava também que tinha se transformado numa cascavel e picado um dos homens que a fazia de refém. Ela havia ficado extremamente feliz por isso. Não era uma coisa que qualquer pessoa em sã consciência faria, mas ela fez e ficou jubilosa por isso. Refestelou-se e contou para um monte de gente assim que saiu daquele inferno que era a lanchonete que costumava frequentar. Então, se ela estivesse correta, ela fora presa pelos policias. Alegavam ter assassinado um homem. Cassie sabia que homicídio dava cadeia. Mas aquilo não seria em legítima defesa? E outra, os homens haviam trucidado um monte a sangue frio, fora os dois estupros cometidos e as balas perdidas que atravessaram os vidros e acabaram matando outras vítimas.

Entretanto agora ela não estava mais em Lago das Montanhas. Agora tinha certeza. Também não estava com aquele bracelete estranho. Ainda não se lembrava como tinha parado ali. Mas ela estava ali. E teria de aceitar aquilo. Ela começou a chorar. Andava e chorava. Até que cessou. Havia um homem na sua frente. Ele ainda não a havia visto, mas ela estava vendo-o por entre as folhagens de uma espécie de samambaia ou coisa parecida. O homem, bem gordo, reparou Cassie, estava estuprando algo. A princípio ela não conseguiu identificar. Contudo, alguns segundos passaram e foi suficientes para ela se lembrar dos programas que passavam na Discovery Channel. Seu irmão adorava assistir. Ele adorava coisas sobre animais. E, talvez, sentia até inveja do poder dela.

Era um javali. Provavelmente estava morto, pois não emitia nenhum som. Ótimo, pensou Cassie, estou num lugar que nem sei onde fica e com zoofilia e necrofilia. Os pensamentos da garota pararam. O homem virou-se para ela. Ela tentou se esconder atrás de um tronco robusto de alguma espécie de árvore. Ela sufocou um grito. Com certeza aquele homem não era legal. Estava estuprando um animal morto. Porra, que mundo era esse?

Ei, garota, não precisa se esconder... Eu posso vê-la em qualquer lugar aonde esteja...

Ela gelou. Rolou os olhos e estremeceu. Suas estribeiras psicológicas romperam-se. Ela gritou. O homem saiu correndo, estava nu. Era gordo. Era feio. Cassie estava com medo dele. Ela, primeiramente, começou a correr em volta da árvore. As raízes tornavam-se difícil o percurso. O homem que tinha sua visão ampliada e, ainda por cima, de raio-x, estava enxergando-a. Seria fácil para pegá-la. Ela não teria aonde se esconder. Provavelmente o poder dela era algo fraco, como o dele. Não representaria problema.

Cassie decidiu parar de correr. Saiu de seu esconderijo, que não era bem um esconderijo contra aquele molambento. Ela gritou. O homem trouxe seus olhos esbugalhados para ela. Agora pelo menos estava com uma cueca, o volume do órgão sexual nítido. Cassie sentiu nojo. Estava com raiva e iria descontá-la nele. Se algo desse errado, era só ela se transmutar em algum pássaro e sair voando. Talvez até fizesse para ver por cima de todo aquele verde que circundava ela.

Se você gosta de animais, que tal um leão?

O homem não entendeu. Ao que ela se referia? Mas, espera, ela estava zoando-o por ele ter estuprado aquele javali? Somente por informação, ele havia feito isso, pois estava na seca durante um tempo enorme. Muito grande mesmo. Ele tinha ficado uns 10 ou 11 anos preso numa cadeia localizada próximo a cidade de Lago das Montanhas. Estava preso por assassinato; havia matado a própria esposa ao vê-la traindo. Mas não era com um homem, era com uma mulher. E a esposa ainda tirou sarro da cara dele: “Eu só fiquei com você porque você parece uma marica. É gordo e arruma casa. É igual uma marica.” E as duas começaram a rir dele. Ele estava com um canivete e, naquele momento de surto, avançou sobre sua esposa. Esqueceu-se da outra, que aproveitou a oportunidade para sair correndo e chamar a polícia.

Ele parou de pensar no passado. Somente projetou seu corpo robusto contra a garota de aparência frágil. Porém, num átimo de segundo, ela transformou-se num leão. Cassie sentia isso como um arrepio por todo o corpo. Era simples para ela: os cabelos transformaram-se na juba do animal; as mãos e os pés, nos membros, das suas nádegas originaram-se o rabo, as unhas alargaram-se e cresceram, tornando-se afiadas com navalha; a face assumia o caráter austero e rígido do leão; os dentes afiavam-se, ganhava bigodes e sentidos apurados. Agora era o felino conhecido como o rei da selva.

O homem tentou dar meia volta, mas já era tarde. O leão estava em seu pescoço, perfurando-o com as garras e dentes sedentos por morte.

4

Dia: 21 de março de 2047, às 19:08. Próximo à lanchonete.

De acordo com o senso de Daniel, percebeu que a altura em que os brilhos irrompiam não era muito grande. Claro, aquilo não era natural. E, se não era, logo... Sim, humanos deviam estar fazendo isso. Mas por quê? Qual era o objetivo de iluminar as roupas de alguns? Afinal, a maioria estava com suas vestes da cor comum, somente alguns poucos podiam vislumbrar daqueles cristaizinhos brilhantes, formiguinhas num imenso mar.

Claro... Ele já suspeitava de que Luciana poderia ser um deles... Ainda tinham outros que ele conhecia e que, usando sua inteligência evoluída e ligando os fatos, também tinham grandes chances de ser. Aquilo devia somente brilhar nas pessoas que possuíam algum tipo de dom. A energia luminosa devia causar alguma reação química que só existia no corpo das pessoas “anormais”. Talvez fosse uma espécie de célula nova, ou mesmo um tecido. Mas algo os diferencia dos demais. Afinal, eles brilhavam com aquelas pedrinhas que caiam.

Temos de sair daqui. – disse, por fim. Tinha passado uns poucos segundos pensando em todas as hipóteses. Isso era um pró de seu dom. Ele conseguia ponderar todas as probabilidades e encontrar a mais provável, e seguindo seu poder veementemente, queria salvar Lucy de o que quer que represente isso.

Por quê? – perguntou, confusa; admirando sua roupa enfeitada como uma árvore de natal – Isso é lindo.

Não, não é. – retrucou, puxando-a pelos braços.

Ei, aonde vão? – perguntou aquela garota, Anne.

Ele ia responder, mas foi tarde. Os policiais já o puxavam pelos braços. A lugar nenhum, havia respondido um deles. Daniel tremeu. Alguma coisa ruim iria acontecer. Eles não eram muito fã das aberrações. E, sim, ele poderia ser considerado uma, mesmo que fosse algo, teoricamente, inofensivo. Teoricamente porque ele anda podia causar estragos. Não fisicamente, mas psicologicamente. Podia bolar planos, estratégias, tirar notas extraordinárias em provas de concursos, e o principal motivo para o governo odiá-lo: ele era inteligente. E o Estado não gosta de pessoas inteligentes. Gostam de burros. São mais fáceis de enganar. E enganar é bom.

Muito bom.

O que você pensa que está fazendo? – bradou, nervosa, Anne. Ela estava com uma rede de rugas provenientes das feições exageradas que esboçava – Eu tenho que ir para a minha aula de inglês. Começas as oito. – contou, empurrando o homem que a segurava.

Você não terá mais de ir para a aula. A partir de agora você está presa.

Colocaram um bracelete na garota.

O que é isso? – perguntou, furiosa – Me solta, porra! Eu quero ir embora!

Ela gritava vigorosamente. Ela queria sair. Estava com medo do que podia acontecer. Não fazia ideia do que podia acontecer, mas estava com medo. Isso era muito ruim. Ela não gostava de ficar com medo. Quem deveria ficar eram eles, não ela. E talvez ficassem...

Ela tentou atacar a mente do homem, mas seus poderes não faziam efeito. Quer dizer, não saíam. Não funcionavam. Algo estava impelido-o. Daniel logo percebeu que era o bracelete. Ele não teria como ficar burro, pois seu poder era apenas uma evolução de seu cérebro e não uma espécie de apêndice no corpo. Era algo inerente a ele. Pelo menos, ele ainda poderia continuar pensando.

E se eu fugir? O que vai acontecer comigo? – Luciana perguntou. Sabia a resposta, mas queria ter certeza. – Eu tenho direito a um telefonema? – perguntou inocentemente. Sua voz estava embargada.

Não, não tem. E se você tentar fugir, nós te mataremos. – o homem que parecia ser o chefe disse. Parecia ter muita certeza na fala.

Duvido. – afrontou Anne. Daniel pensou que ela devia ficar de boca fechada. Aquele era um momento que não precisava de mais afrontas.

Tente. – alfinetou.

Anne hesitou. O homem a havia soltado. Não só ela, mas Daniel e Luciana. Ninguém fez nada. A apreensão rondou o ar. Anne estava pensando seriamente em fugir dali e esgueirar-se pela sombra, onde ninguém, provavelmente, iria vê-la. Ela ainda não sabia da função daquele bracelete cinzento. Daniel, por sua vez, já sabia e temia que aquilo tudo fosse parte de algo muito maior. Ele não pensou duas vezes antes de permanecer em seu lugar. Luciana, coitada, era tola. Tola o suficiente para sair correndo e gritando para que os outros a seguissem.

O chefe abaixou a cabeça e riu ao encontro de sua arma. Ele apontou para a garota que corria de costas. O estampido ecoou novamente naquela noite conturbada. Nada estava bom naquela noite, pensou Anne. Nada. Primeiro havia brigado novamente com sua mãe, depois havia tomado um toco de um garoto na sua escola. Depois havia perdido cem reais. E agora tinha isso. Ela estava com medo. E tudo só maximizou-se com o barulho metálico retinindo no vazio daquela penumbra que, por sua vez, poderia ser aconchegante para ela.

Daniel gritou o nome de Luciana e depois caiu ao chão, aos prantos. A bala havia acertado a garota com perfeita precisão.

Ela caiu no chão. Ainda conseguiu dar um último pensamento e um suspiro de alívio:

Eu devia ter lido o final do livro.


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Notas finais do capítulo

Até nos reviews.
Créditos a cena do Alberto: Coveiro, com algumas modificações minhas.