Nerikia - Arco I escrita por Rauker


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Como mencionado nas notas iniciais da história, ela é atualizada mensalmente. Sei que é um tempo longo, mas é para manter uma boa qualidade. Espero que consigam acompanhar ainda assim, rsrs.

Neste capítulo há uma música ouvida pela protagonista. Vou deixar aqui o link para ela, o Requiem de Mozart http://www.youtube.com/watch?v=sPlhKP0nZII

Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/385802/chapter/3

A armadilha é sutil e calculada.

E a pior das lembranças é fisgada.

Predadores se aproximam para devorá-la.

E quem poderá salvá-la?

Borboletas bailavam no ar, pousavam delicadamente de flor em flor, como se orientadas pela melodia de violino que derramava-se pelo campus. Todas seguiam um compasso harmonioso: batiam suas asas ou descansavam nas pétalas conforme o “sentimento” da música. Pareciam executar uma apresentação de dança aos jovens mais sensíveis à magia da natureza, que, se deveriam regressar à sala de aula, não se importavam em atrasar alguns minutos para observar a cena.

Esse canteiro de flores era apenas um dentre muitos outros que ornavam o pátio verdejante da Academia de Merovinch. O pátio possuía um formato retangular e jazia entre os quatro prédios principais — os Blocos de estudo — existentes no campus. Na direção norte, o Bloco D; na parte leste e oeste, o B e o C, respectivamente; e ao sul, o Bloco A, aonde Mirella se dirigia.

A adolescente chegou a esse recinto descoberto através de uma trilha cimentada após sair do espaço gramado, ao lado do Bloco D, onde estivera com as amigas. Agora, encontrava-se sob uma pérgula que contornava todo o pátio. O chão era ladrilhado e enxadrezado nos tons branco e preto. Colunas de mármore, pintadas alternadamente em sete cores distintas, serviam de apoio às armações de madeira que suportavam trepadeiras espalhando-se copiosamente pela armada, simulando um teto parcial para esse “corredor”.

Mirella percebeu, à direita, meia dúzia de alunos calouros, a julgar pela idade e fascínio com que vislumbravam o baile das borboletas. O pátio mostrava-se como um jardim arrebatador para aqueles que o viam nos primeiros dias de Academia. Era entrecortado por trilhas revestidas por placas de basalto de torneio irregular e curvado, encaixadas na grama a alguns centímetros umas das outras, o suficiente para que o verde, quando não aparado, cobrisse a aspereza do mineral. Havia bancos de madeira em abundância para os alunos se acomodarem e desfrutarem a exuberância do ambiente. Mesmo os andantes sob a pérgula que torneava o pátio podiam aspirar a deleitosa fragrância da natureza, um convite para um prazeroso descanso ao lado de crisântemos, rosas, margaridas, arbustos, e até mesmo algumas árvores frutíferas cujos frutos podiam ser consumidos ali mesmo. Um verdadeiro espaço de tranquilidade, cheio de ricos detalhes que Mirella não se preocupou em apreciá-los no momento. Afinal, como veterana, já conhecia cada pedaço desse lugar.

Mirella deixou a pérgula e enveredou por uma reentrância do Bloco A, um breve corredor externo que pouco recebia a luz do sol devido às paredes laterais. Aproximou-se da entrada do prédio, guarnecida por uma pesada porta de carvalho que ficava aberta durante quase todo o expediente acadêmico. Os pés sentiram uma sutil diferença quando o chão ladrilhado foi substituído pelo piso marmorizado de tonalidade levemente acinzentada, tão esmeradamente encerado que era capaz de refletir a luz do sol filtrada pelo arcado teto de vidro. Agora, Mirella estava no corredor interno, ladeado por paredes beges, que conectava o pátio ao saguão do prédio. Quando chegavam à Academia, os alunos sempre entravam pelo Bloco A, atravessavam o saguão e seguiam por esse corredor para alcançarem o pátio e, em seguida, rumavam aos demais Blocos.

O período em que a música reverberava pelo campus anunciando a iminência do próximo tempo de aula chamava-se recesso. Nesse momento, Mirella ouvia a melodia Primavera das Quatro Estações, conscientizando-se do retorno às salas de aula. Mas nem todos os estudantes seguiam isso à risca. Alguns regressavam lentamente, aproveitando mais alguns instantes do intervalo para conversarem ou continuarem fazendo qualquer coisa diversa. Já outros estudantes não precisavam voltar, uma vez que cada um podia montar seu horário acadêmico como melhor lhes convinha, e por isso permaneciam tranquilos enquanto a música contagiava o ambiente. O fato era que nos sete minutos destinados ao recesso via-se enorme contingente de jovens de gravatas vermelhas, verdes, amarelas, azuis, lilás, rosas e laranjas andando pela Academia. Garotos de calças de algodão escuras e garotas de saias plissadas da mesma cor (curtas ou longas, cada uma gostava de um jeito).

As sapatilhas escuras de Mirella pisoteavam o assoalho em ritmo vagaroso, ao contrário da maioria dos estudantes que entrariam em aula. A jovem sabia que, caso conseguisse sair mais cedo do encontro com o pessoal do Teatro, ela chegaria de qualquer maneira atrasada no curso de Relevo Nerikiano II. Willian e os outros provavelmente lhe tomariam uns vinte minutos até se convencerem de que não iria participar da peça em questão.

Mirella alcançou o saguão do prédio. Um espaçoso âmbito circular torneado por paredes curvadas e escadarias que subiam às sacadas do segundo e terceiro andar. O teto de vidro, em forma de cúpula, oferecia uma claridade suficiente para realçar o símbolo da nação nerikiana estampado no centro do saguão, um símbolo caracterizado pela sobreposição de dois triângulos — um branco em arranjo normal, e o outro escuro e invertido — cuja interseção formava um losango cinzento, que era o mesmo bordado nos uniformes dos estudantes. Mirella assomou os degraus, cobertos por uma tapeçaria de cor castanha e flanqueada por balaustradas de madeira, até o segundo andar. Caminhou pela sacada em forma de meia-lua, ignorando alguns corredores laterais que davam aos vários recintos de atividades extra ou não-acadêmicas — salas de jogos, salas de estudo, biblioteca, e até mesmo dormitórios caso os estudantes resolvessem tirar uma soneca ou descansarem. Finalmente, encaminhou-se por uma passagem cujas paredes brancas eram adornadas por uma listra horizontal composta pelas cores do arco íris. De ambos os lados, havia portas com os dizeres: “clube de Xadrez”, “clube de Criação Literária”, “clube de Pintura” e etc.

Há muito tempo era um trajeto caloroso para Mirella, às vezes intensificado pela quentura romântica de outra mão. A estria matizada na parede estimulava a expectativa para as próximas duas horas. Contudo, hoje, apesar das cores, o caminho era “cinzento” e, definitivamente, sem o calor de uma mão.

Mirella parou diante de uma porta dupla feita de madeira, ornada pela imagem de uma máscara alegre entalhada na face direita, e uma melancólica na esquerda.  

“Não estou interessada. Desculpe.” Era isso o que pretendia dizer logo na primeira tentativa do grupo. Eles insistiriam e pediriam para pensar melhor, e, em última hipótese, lhe dariam um tempo para refletir com mais calma. Mas estava resoluta. Não participaria mais do clube de Teatro. Fora sua decisão naquela época.

Mirella girou uma das maçanetas e abriu a face esquerda da porta. Ficou na expectativa de avistar um grupo de pessoas, mas experimentou alguns segundos de estranhamento ao se deparar com o recinto vazio. As lamparinas mostravam-se apagadas, fincadas às paredes que eram recheadas com lã de rocha e revestidas por um tecido salpicado por imagens referentes à quinta arte. Uma dúzia de cadeiras estava arranjada em meia-lua, a boca voltada para o centro da sala, onde uma única cadeira servia de suporte para um detalhe incomum.

— Mas… que coisa é aquela? — Mirella estreitou os olhos e aproximou-se sem fechar a porta atrás de si.

A música de recesso, ecoada através dos alto-falantes dispostos ao longo do corredor, extinguiu-se como se alguém houvesse girado lentamente o botão de volume.

Mirella afastou a manga de seu blêizer escuro e conferiu as horas no relógio, feito de pulseira em plástico, fecho afivelado, na cor lilás, comprado há um mês quando ela e as amigas visitaram o Centro Comercial. Eram dez e meia. O segundo tempo das aulas começou e, conforme William havia combinado, ali estava ela no ponto de encontro. Mas e os outros? O local parecia estranhamente quieto. Um silêncio que parecia saturar o ambiente com um vazio tão intenso a ponto de deixá-lo desinteressante e passivo. De súbito, uma nova melodia invadiu o recinto. Houve raríssimas ocasiões em que uma segunda música roubara os minutos iniciais de uma aula, não propositalmente, é claro, mas por erro humano ou mecânico.

— Essa música… — Mirella a reconheceu. Mas não era algo a ser ouvido no recesso, somente em assembleias gerais nos tempos em que os Magos guerreavam no Além-Leviatã. Era um réquiem em homenagem aos mortos. — Acho que o Fillip irá tomar uma bronca. — disse ela a respeito da pessoa que administrava a execução das músicas.

Seu olhar, então, recaiu de volta àquilo que a fizera adentrar o recinto. No tampo da cadeira, havia uma vela grossa cuja chama lilás — a cor de sua própria Aura —, executava uma dança sutil e hipnotizante. Mirella aferrou-se à imagem, os olhos paralisados e seduzidos pelo lume lilás, penetrando, segundo a segundo, em algo escondido no interior da chama. O que era? Os lábios tremeram ante aos primeiros indícios. Do que? Não, de quem. Mirella via e sentia a si mesma naquela chama, bruxuleando, mergulhando na introspecção. Era como encarar-se no espelho e mirar os olhos profundamente.

Porém, o que via não era a adolescente jubilosa que costumava mostrar ao mundo, mas um perfil desconhecido, apenas discernido por ela em momentos de intimidade com si própria. Mirella sentiu o cheiro de parafina queimada enquanto a chama consumia as barreiras inflamáveis que escondiam seus verdadeiros sentimentos. As cinzas desses obstáculos irritaram os olhos por dentro, e lágrimas começaram a se derramar. Pensamentos excruciantes revelaram-se à luz da vela ao mesmo tempo em que esta percorria a escuridão de sua mente. Um amor inesquecível… perdido no tempo… para sempre.

— Pare!

Aterrorizada, Mirella expulsou com força o ar dos pulmões. A chama ainda resistiu sinistramente ao sopro antes de se extinguir. O cheiro forte de vela apagada entrou-lhe pelas narinas, enaltecendo o esgar de horror por aquele objeto. O réquiem que ainda inundava o ambiente a contagiou com um sentimento de angústia enquanto ela assistia o veio de fumaça cinzenta ascender.

De repente, um som aterrador, sobrepujando a melodia, fez sua barriga gelar. Não apenas um, mas vários. Sons que aludiam a gemidos sombrios de criaturas enfurnadas numa caverna profunda. Mirella os escutou como se estivesse parada na entrada dessa caverna, imaginando que monstros estariam abandonando a escuridão e rumando em direção à luz, em direção a ela.

Quando um coro tomou conta do réquiem, o cenário começou a mudar. Perto das cadeiras, a adolescente viu um evento lento e assustador capaz de deixá-la com os olhos arregalados, a boca entreaberta e o coração palpitante. Uma mancha escura, quase arredondada, expandiu-se no chão e parou quando seu diâmetro atingiu mais ou menos um metro. Subitamente, algo negro emergiu dela: uma mão semelhante à de um sapo, a palma levemente inchada e os dedos longos com extremidades esféricas. Em seguida, um braço agarrou-se ao chão, e um segundo surgiu fazendo o mesmo. A única espectadora daquele estranho evento recuou pressurosamente e deu-se conta da real situação quando seus olhos localizaram mais duas manchas se expandindo, uma na parede e outra no teto.

Um som monstruoso repercutiu-se no ambiente. Mirella imaginou o tom do coaxar de um sapo reproduzido na forma de um gemido. Tremeu quando assistiu ao primeiro corpo emergir do borrão negro. O que veio da parede saltou e pousou desequilibrado no chão, enquanto que o do teto apenas caiu desengonçado. Os três portais negros desapareceram.

Mirella nunca viu aquele tipo de criatura. A cabeça era arredondada, desproporcionalmente grande em relação ao corpo esguio e pendia para frente devido à postura corcunda do tronco. Tinha uma pele enrugada e escura, mas se aproximando de uma variante cinzenta. Assim como as mãos, os pés tinham dedos ligados por membranas. Ultrapassava por muito pouco a altura da adolescente, que possuía em torno de 170 cm.

— O… o que… o que são essas coisas?

Elas tinham olhos triangulares com a ponta voltada para baixo e totalmente preenchidos na cor lilás, além de uma boca larga de lábios carnudos e violáceos que, quando aberta num sorriso malicioso, exibia duas fileiras de dentes negros como carvão. Embora a aparência desses monstros fosse bizarra e amedrontadora, algo nela despertava certo grau de familiaridade em Mirella. Via-os como sensações de desgostos personificadas, um conjunto de pensamentos atordoantes varrido para os recônditos de sua mente.

Inexoravelmente, o medo lhe dominava.

— Para trás! — Mirella gritou em repúdio, as mãos debilmente unidas em frente ao peito resfolegante. O temor estampado em seu rosto parecia estimular a malícia das criaturas que acercavam-se lentamente e alargavam um sorriso vil na boca por onde irrompia um som nefasto.

Quando o medo atingiu um estado crítico, a mente acionou uma defesa instintiva. Num ímpeto, a jovem cerrou os dentes e esticou o braço direito. Sentiu uma energia calorosa lhe percorrer o membro e convergir na mão espalmada direcionada ao monstro mais próximo. Uma esfera aurática, conjurada a partir de sua Aura e com o tamanho de seu próprio punho, lançou-se contra a cabeça volumosa do inimigo. A colisão gerou uma névoa lilás que velou o alvo parcialmente por alguns instantes. Apenas a carcaça imóvel abaixo do pescoço era visível. “Será que eu consegui?” Um som gutural antes mesmo da nuvem se dissipar confirmou a ineficácia do ataque. A criatura gemeu com mais intensidade, como se pudesse expressar a injúria sofrida.

Mirella recuou. Lutar não seria prudente. Deu uma olhada rápida na direção da porta e preparou-se para a fuga. Como na encenação de um filme, no momento exato em que o réquiem iniciou um coro eletrizante, ela executou um movimento brusco rumo à saída da sala. Assim que atravessou o limiar do recinto, ouviu os gemidos ecoarem ameaçadoramente num tom mais alto, como se as criaturas estivessem manifestando verbalmente a indignação pela sua tentativa de escape. Ouviu passos pesados e ligeiros sobre o chão atapetado, e não demorou a percebê-los quando passaram a ser gerados sobre o piso ladrilhado. 

Olhar para trás apenas resultaria em mais desespero. Por isso, focou sua visão no final do trajeto, onde poderia conseguir ajuda de qualquer um que estivesse passando pelo saguão. Baseando-se na intensidade dos passos algozes e nos gemidos, Mirella media a distância entre ela e os monstros. Suas pernas trabalhavam em níveis excedentes de energia. Era o básico para qualquer estudante de magia aprender a controlar sua Aura e distribuí-la pelas partes do corpo conforme demandasse a situação. Numa corrida, saturar a Aura na região das pernas garantiria maior velocidade à pessoa. Mirella não era tão boa quanto Érika na saturação de Aura, mas conseguia ser razoável, o suficiente para mantê-la longe dos seus perseguidores.   

Ao final do corredor, ela deu uma guinada brusca e gritou o mais alto que pôde a fim de que os passantes notassem sua corrida na sacada do segundo andar. Mirella escutou os gemidos e passos atrás dela: os monstros adentraram o saguão. Para diminuir o risco de ser pega, saturou a Aura nos pés, uma habilidade que permitia a pessoa executar saltos maiores ou amortecer a queda no chão, apoiou uma das mãos no parapeito e pulou para o primeiro andar. Conseguiu um pouso satisfatório e pôs-se a correr novamente. Sua voz clamando por socorro ecoou pelo saguão, mas só então percebeu que ela não chegava aos ouvidos de ninguém. Confusa, sentiu o medo se avolumar quando escutou os pés das criaturas chocando-se violentamente contra o chão. Mirella olhou ao redor procurando alguém que pudesse ajudá-la a lidar com os inimigos. Teria sorte se encontrasse um Professor. No entanto, não havia ninguém, nem discentes ou docentes.

Mirella fitou as criaturas e cogitou a possibilidade de enfrentá-las sozinha, mas, a julgar pela impotência de seu último ataque, não conseguiria derrotá-las. Além disso, não tinha qualquer experiência considerável em batalha. Exceto nos últimos dois Ciclos, os estudantes da Academia eram pouco treinados para ações de combate, pois o foco era o aperfeiçoamento das habilidades mágicas. A maior experiência que Mirella teve foram as aulas oferecidas no Ciclo anterior em que o Professor conjurava adversários bem fracos, como os arbovitas, seres semelhantes a árvores, mas de  tamanho humano: folhas no lugar dos cabelos e das mãos, galhos funcionando como braços, raízes como pernas, e um tronco robusto. Nessas aulas, apesar dos arranhões recebidos pelas ramagens, ela conseguira aplicar socos bem fortes capazes de rachar o tronco. Todavia, somente a partir do penúltimo Ciclo, o qual cursava no momento, que Mirella começaria a ter aulas de combate contra monstros que habitavam as imediações das fronteiras nerikianas. Tinha na memória a imagem da maioria dessas criaturas, e nenhuma delas se parecia com as que gemiam a sua frente. Sem contar a impressão de que esses eram muito mais difíceis de derrotar.

Olhou mais uma vez para os lados. Ninguém aparecia. Como isso era possível?

O trio monstruoso avançou um passo, e Mirella recuou um. Ela não via alternativa a não ser apostar no confronto, mesmo sabendo que dificilmente conseguiria vencê-los. Não tinha certeza se o que a deixava paralisada de medo eram as altas chances de sair ferida da luta ou as angústias pessoais que a assombravam ao encará-los. Talvez ambos.

Quando um dos monstros emitiu um ruído que denunciou a iminência do ataque, Mirella não teve uma resposta efetiva ao excêntrico assalto. Uma língua lilás e gosmenta enroscou-se nela à altura do peito, prendendo seus braços e apertando-a com o intuito de mantê-la inerte ou, quem sabe, até esmagá-la.

— Droga! — praguejou ela entre murmúrios dolorosos.

Percebeu as outras duas criaturas se aproximando enquanto a terceira a prendia com a língua esticada. Sem alternativa, gritou mais uma vez por socorro, mas ninguém pareceu escutá-la. “Onde estão todos? Me ajudem”, pensou ela, cerrando os olhos marejados. Será que o réquiem ressoado pelos alto-falantes acabaria sendo apropriado? A ideia de morrer dentro de instantes reprimiu o desejo de ser salva.

Morrer…

Não seria a primeira vez que estaria tão próxima do sono eterno. Conhecia bem a sensação das lembranças se diluindo em um curto espaço de tempo, da força que a arremessava para um lugar desconhecido, da intensidade do momento antes de seu apogeu mortal.

Você não vai morrer. Eu te protegerei. Eu prometo.

Uma voz do passado fez seus olhos se abrirem. No mesmo instante, ouviu um forte impacto e contemplou uma expansiva nuvem vermelha preencher o espaço onde antes se encontrava o monstro cuja língua a envolvia. Mirella notou o órgão do monstro afrouxar-se e, em seguida, evaporar-se. Estupefata, a jovem discerniu duas esferas auráticas, arremessadas de algum lugar da sacada atrás dela. Tinham o triplo do tamanho daquela que ela lançara no clube de Teatro. As esferas atingiram os inimigos remanescentes, que tiveram o mesmo destino do primeiro. 

Então, uma possibilidade, por mais improvável que parecesse, alojou-se em sua mente como um hóspede bem-vindo e alimentado por provimentos de esperança. “Eu ouvi a voz dele. Será que ele está aqui? Melvin…” Era o seu pensamento, mesmo que seu namorado tenha morrido dois anos atrás.

Mirella percebeu alguém pousando suavemente atrás dela. Antes mesmo de virar-se para identificá-lo, ouviu-o proferir as seguintes palavras:

Sono Sualis.

À voz, Mirella cabeceou, e um estudante de gravata vermelha sorriu afetadamente ao segurar seu corpo adormecido nos braços.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :) Até o próximo capítulo.
Ah, se puderem, curtam a página de Nerikia no facebook o/

http://www.facebook.com/Nerikia