Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 15
Incomodada


Notas iniciais do capítulo

Mil desculpas pela enorme demora de postar o próximo capítulo. Mas virou toda uma bagunça por conta do fim do último, me estressei com a parte do Guill e desanimei de continuar daquela parte. Mas acho que tá bom agora que voltei, né pessoas? Então esqueçamos o passado e bora pra história.



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Já percebeu o quanto é estranho olhar as coisas de outro ângulo? É como se você estivesse acostumado a ver o que há depois da janela, depois fosse pro lado de fora e olhasse pela mesma janela,dentro da tua casa.

É a coisa mais estranha, mas as vezes é bom. Assim, você percebe as coisas de um jeito diferente. E depois disso você começa a ver outras coisas de outro jeito e sai daquela zona de conforto.

Naquele dia, eu e Rebeca encontramos Guill novamente e ele nos ajudou (com relutância e chantagem) a dar um sumiço no corpo.

Ele continuava com aquela implicância de ficar me chamando de pirralha. Mas eu ainda o achava interessante demais pra ficar irritada. Sei lá, mas ele me parecia a única pessoa no mundo que eu não mataria. Longe dele ser atraente. Ele me parecia mais o que eu sempre quis que Victor fosse. É que ele não me incomodava. Não era alguém que fosse complicado de lidar. Eu não precisava dar satisfação, ou ter que responder a perguntas idiotas que sempre escutava das pessoas. Ele era o mais calado possível e isso me agradava. Porque eu adorava pessoas que não falavam mais do que deveriam.

Então eu não via pessoa melhor pra enterrar o corpo de alguém que matei do que ele. Não era o tipo de pessoa que dissesse "Ai meu Deus, o que você fez?" ou "Vou chamar a polícia".

Então ele levou o corpo e depois de meia hora voltou para confirmar que estava tudo tranquilo. Mas ao invés de dizer algo, apenas acendeu um cigarro e abriu um meio sorriso, daqueles bem discretos.

E quando Rebeca perguntou se ele tinha dado um sumiço no corpo, ele apenas respondeu:

- Que corpo?

Daí ela o pagou e ele foi embora.

Depois de uma semana dentro daquela casa, quis tocar no assunto que martelava em minha cabeça e eu ainda não tinha tocado. Foi em um jantar que eu disse:

- Por que eu?

Ela se fez de desentendida e eu continuei.

- Por que não procurou por Victor?

Ela deu de ombros.

- Porque Victor não é problema meu. Ele não é meu filho.

Eu forcei uma risada de nervosismo.

- Do que está falando?

Ela levantou o rosto.

- Aparentemente seu pai nunca tocou no assunto, não é mesmo?

- Que assunto?

- Você acha que foi a única a ser estuprada por ele? Acha que eu transaria com um porco daquele, linda e em plenos 15 anos por livre e espontânea vontade?

O macarrão pareceu mais pesado pra engolir.

- Então Victor é filho de outra mulher?

- De outra pobre coitada que ele estuprou, sim. Outra que também foi esperta de seguir a vida obrigando-o a cuidar da criança.

Ouvi aquilo como uma facada.

- E eu fui apenas a punição dele...

- Miranda, você sabe o que eu quis dizer...

- Acha que foi um sacrifício pra ele, não é? Ter que cuidar de mim. Bem, "mamãe", deve ter sido chato pelos primeiros anos mesmo, mas pra ter vagina grátis à disposição pode ser que tenha valido a pena, não é mesmo? Eu não fui filha dele, fui uma escrava sexual. E cada vez que me lembro disso...

Parei bruscamente. Levantei da cadeira e corri pro banheiro. Vomitei toda a comida. Me lembrar daquele filho da puta me fez perder o apetite. Lembrar do que ele fez comigo, fez a comida voltar toda.

Senti Rebeca puxar meu cabelo para trás e segurá-lo, pra que ele não atrapalhasse.

- Eu também vomitei todas as vezes que lembrei dele. Mas normalmente eu não comia.

Eu não queria que ela me viesse com aquela compaixão. Não naquela hora. Queria mais que ela sumisse.

Não bastasse começar a tocar em minhas feridas e ainda me tratar como se eu fosse um problema, agora vinha segurar o meu cabelo e falar manso?

- Miranda, você é mais forte que isso. Supere. Supere como eu superei. Eu te trouxe aqui pra esquecer o seu passado...

- Dá pra calar a boca? - me levantei e avancei pra cima dela, sem pensar muito, quase dei um tapa em seu rosto, mas ela segurou minha mão pouco antes e me jogou contra a parede.

- Precisa mesmo desse showzinho? É isso que você quer? Me machucar? - ela perguntou, me encarando de perto - Vai, me mata. Vai mudar alguma coisa na sua vida?

Eu tentava me desvencilhar, mas ela me prendia com tanta força que meus pulsos doíam.
- É o seguinte: Se você não mudar as suas atitudes, eu te largo na rua, pra se virar sozinha. Aí se você matar alguém, vai parar naquele manicômio de novo e não vai ter mamãezinha pra te tirar de lá.

Eu parei de me debater. Fiquei parada, deixando as malditas lágrimas caírem. Eu não tinha percebido o quanto chorar fazia falta. Chorar sempre foi uma forma de desabafo, certo? Ao menos sempre considerei assim. Se não tem com quem conversar, chore.

Só que eu sempre achei desabafos sinais de fraqueza. Sempre achei aquilo a prova de que uma pessoa não conseguia lidar com a situação. Então tentava ao máximo não chorar, mesmo que ninguém estivesse olhando.
Rebeca me viu chorar mas não pareceu se importar com aquilo. Não me abraçou, não disse nada. Apenas soltou meus braços e se encaminhou à porta, se virando um breve momento pra dizer:

- Semana que vem você voltará à rotina escolar. Já providenciei a matrícula e no final de semana compramos os materiais.

Me sentei no chão, chutei a porta do banheiro até que se fechasse e chorei durante mais ou menos meia hora. Depois, cansada demais, caí no sono.

Eu achei que Rebeca não ligasse pra tudo aquilo. Achei que ela estaria cuidando de mim apenas pra provar algo a alguém ou a si mesma.
Pensei que seria impossível ela sentir qualquer coisa por mim, que ela era uma megera fria e sem coração que achava que estava apenas me fazendo um favor.

Grande parte das minhas conclusões se dissiparam quando acordei de manhã em uma camisola no aconchego de minha cama.

Fui até a sala. Ela estava sentada na mesa da varanda, lendo alguma revista e tomando o que cheirava a capuccino.

Ela sorriu, sem olhar pra mim, apenas sentindo minha presença.

- Eu adoro as manhãs. Quando trabalho, as manhãs significam que posso ir pra casa. E, bem, quando não trabalho, elas parecem até mais bonitas.

Eu me escorei na porta. Estava cançada de lutar, estava cançada de ser a cabeçuda teimosa que contesta tudo que está a frente. Acontece que percebi naquele momento que seder era mais sábio.

- Você gosta do seu trabalho?

Ela balançou a cabeça.

- Gosto da influência que tenho graças ao meu trabalho. Mas não gosto de parte do que tenho que fazer às vezes.

-Sexo?

Ela me olhou.

- Não. O sexo é até prazeroso, pra ser sincera. Porque quando se está em um nível alto, seus clientes também estão, ou não teriam condições de pagar.

- Então o que seria?

- A parte da trapaça. A parte de ter que ser complacente com pessoas desonestas.

- E por que você é complacente?

Ela sorriu novamente e deu de ombros.

- Porque sou paga pra isso.

Eu me sentei na cadeira e fiquei observando o movimento das pessoas nas ruas.

- Mas fazer o que, não é mesmo? Sempre temos que fazer uma ou outra coisa que não gostamos. Sempre haverá algo em que não estaremos totalmente satisfeitos. É natural do ser humano...

O telefone de Rebeca tocou.

Ela se levantou e foi até a sala, com uma mão no ouvido e outra com o telefone.

Eu vi as pessoas correndo apressadas pelas ruas. Por que elas tinham tanta pressa? A vida não era tão curta assim. As coisas não tinham tanta importância quanto pareciam ter. Pra que correr pra algo que continuaria ali? Acho que nunca entenderia o ser humano.

Depois de alguns minutos, Rebeca voltou, tentando, apenas tentando ser natural ao falar:

- Seu pai quer que vá visitá-la na prisão.


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