Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 14
Entretida


Notas iniciais do capítulo

Chegamos a um ponto em que Miranda tem tão pouco controle sobre si que age por puro impulso.



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Uma das sensações mais estranhas é a de estar sozinho. Sim, porque com sete bilhões de pessoas no planeta, somos capazes de nos sentirmos sozinhos com todo o mundo à nossa volta.

Imagine acordar e não ter ninguém para dizer bom dia. Agora imagine isso sabendo que há sete bilhões de pessoas à sua disposição.

Chega a ser humilhante. É como se mesmo com tantas pessoas ao nosso redor, você não fosse notada por ninguém.

Se você se sente assim, eu posso lhe confortar: Existem sete bilhões de pessoas que já se sentiram, sentem ou sentirão no mesmo barco que você está agora. Sabe o que isso significa?

Que você está sozinho. Mas está sozinho com sete bilhões de pessoas. Sete estúpidos bilhões de pessoas que não percebem o quão insignificantes são.

Percebi isso quando passei uma semana com minha mãe. Ambas habitávamos a mesma casa e só usávamos o dom da fala quando nos era extremamente necessário.

Eu me sentia sozinha. Mas sabia que ela também. Estávamos juntas o dia inteiro, e era como se estivéssemos isoladas.

Eu me sentia entediada, blasé e confinada.

Música alguma me agradava, ou filme, ou qualquer tipo de entretenimento. Era tudo um saco.

Depois de uma semana, Rebeca me veio com o aviso:

– Vou voltar aos meus serviços hoje. Contratei uma moça para cuidar de você enquanto eu estiver fora.

Só podia ser piada. Agora eu precisava de babá, como se não soubesse me virar sozinha. Antes me trancasse ali dentro.

Não quis dar meu palpite. Deixei que ela fosse embora sem me deixar opinar.

Ao menos eu iria matar o tédio.

A tal da moça chegou. Devia ter lá seus 20 anos. Não guardei detalhes, só me lembro do cabelo preto e liso.

Ela sorriu, e queria me abraçar. Eu evitei.

– Meu nome é Renata. Serei sua babá enquanto sua mãe estiver fora. E então, o que quer fazer pra passar o tempo? Hmm... Vamos brincar?

Brincar? Brincar? Sério? Ela sabia mesmo o que estava fazendo?

Não, não que eu fosse muito avançada e coisa do tipo. Mas por acaso alguém da minha idade ia ter interesse nisso? Corrija-me se estiver errada.

– Não, eu não quero brincar - respondi, o mais rude que eu podia, depois hesitei e forcei um sorriso - Pensando bem, tem uma brincadeira que eu adoro.

Ela empolgou.

– Sério? E qual seria?

– Bandido e mocinho.

– Eu serei a mocinha! - ela respondeu, fingindo uma gargalhada.

Eu sorri.

– Ótimo. Eu serei a bandida.

Das duas, com certeza eu estava mais empolgada.

– Eu irei procurar por uma fita adesiva. Poderia pegar uma cadeira e colocar no meio da sala? - pedi.

– Claro, querida.

Fui até o escritório, Encontrei uma fita das grossas, perfeita para o que eu queria fazer. Me dirigi à cozinha, sem que ela visse, peguei uma sacola plástica e coloquei da fita dentro.

– Encontrei! - exclamei ao chegar na sala - Agora vou te amarrar na cadeira.

Ela torceu o nariz.

– Hmm... Isso não pode dar muito certo.

Forcei minha cara de choro.

– Você não confia em mim?

Ela pareceu entrar em um estado de desespero.

– Não, não, querida. Eu confio sim. Vai, pode me amarrar.

Então passei a fita enrolada desde o ombro até os pés, impedindo-a completamente de se mover.

– Agora só mais uma coisa - falei.

Peguei a sacola e coloquei na cabeça dela. Depois foi só pegar a fita e colocar no pescoço.

Sentei-me no divã e fiquei observando cada estágio.

Primeiro ela tentou gritar, mas o som saía abafado demais.

Em segundo, tentou se retirar dali, mas estava devidamente presa.

Em terceiro, começou a agonizar, procurando pelo ar que não tinha.

Por último parou de respirar.

Prático.

Desamarrei o corpo. Sem saber onde colocar, arrastei pra baixo da minha cama. Depois eu pensava em um lugar pra jogar aquilo. Não podia sair do apartamento direito sem que alguém visse o corpo ou quisesse contatar minha mãe.

Guardei a cadeira no lugar, joguei a fita que tinha sobrado fora.

Poucos minutos depois ouvi o som do elevador. Rebeca tinha chegado mais cedo. Tinha feito bem em por o corpo embaixo da cama.

– Da próxima vez examine bem. O desgraçado cometeu uma gafe tão ridícula... - percebi que estava falando ao telefone - ... que nem tive paciência de manter o jantar. Antes a reputação dele do que a minha - ela chegou à sala e me viu sentada, sozinha, olhando para a TV ligada - ... Faça o que quiser. Amanhã discutiremos isso.

Desligou. Sentou-se do meu lado com toda a postura que sempre tinha. Olhou mais um pouco para o redor da sala, como se procurasse por algo, depois falou com a voz mansa que usava em quase todo o tempo:

– Miranda, onde está Renata?

Tentei ignorar. Mudei de canal, era uma aula de ginástica. Todos pareciam estúpidos dançando com roupas coladas. Talvez em outra situação eu até riria da cena.

– Miranda, me responda: Onde ela está?

Ela viu que não ia adiantar em nada e parou para pensar. Olhando de soslaio, sua reação parecia um pouco mais com desapontamento, como se já soubesse exatamente o que estava acontecendo e já esperasse por aquilo.

– Onde a colocou? Embaixo da cama? - perguntou, com uma calma surpreendente.

Eu a encarei, com a expressão mais indiferente que tinha. Se o jogo dela era fazer com que parecesse algo normal, então eu me divertiria muito brincando.

– Desculpe, estava entediada - retruquei, dando de ombros.

Ela suspirou, demonstrando preocupação.

– Não pode matar alguém toda vez que se sentir entediada. Por acaso quer voltar para aquele sanatório? Estou tentando te dar uma vida melhor, Miranda. Sei que nunca fui uma mãe para você, mas se eu feri meu orgulho pra tentar, acho que também pode fazer o mesmo. Já se mostrou madura o suficiente para lidar com essas situações e deveria agir como tal. Vamos arrumar um jeito de acabar com esse tédio, mas tem que me prometer que vai parar de matar pessoas.

A sensatez de Rebeca diante a situação era surpreendente. Como alguém conseguiria reagir daquela forma a um assassinato?

– Me desculpe - respondi, por um impulso.

– Está desculpada. Agora temos que limpar essa sujeira.

– Tudo bem.

– Pegue o telefone e ligue para o coveiro.


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