Alguns dias se passaram depois daquele beijo e nossa convivência ficou estranha desde então. Nenhum de nós dois parecia ter compreendido o que acontecera naquele dia e isso nos deixava constrangidos quando na presença um do outro. Tentamos fingir que nada acontecera e continuar agindo naturalmente, mas não dava muito certo no início. E, para meu completo desespero, peguei-me desejando beijá-la novamente.

Todas as noites a lembrança daquele beijo não me deixava dormir direito. Pode parecer exagero meu, mas é verdade, não pensava em mais nada que não fosse a sensação de tê-la contra mim e beijá-la. Não conversamos sobre aquele assunto, percebi que Susana ficava nervosa em relação a isso, assim como eu, quer dizer, não só com relação a isso, mas ficávamos nervosos na presença um do outro, com qualquer proximidade. Mas para meu completo alívio, depois de mais alguns dias, isso foi passando, e agora nos comportávamos como antes. Eu tentava não pensar muito naquele assunto e estava feliz por estar conseguindo.

–Podíamos ligar para Lúcia, sabe, marcar alguma coisa para o fim de semana. - sugeri para Susana, quando a mesma estava de pé.

–O aniversário de Edmundo está chegando, ela contou que está pensando em fazer uma festa surpresa. - o celular de Susana tocou. - Falando nela... - sorriu antes de atender. - Lúcia? Estávamos falando de você agora mesmo! Tudo bem, ele está aqui, sim, espere só um minuto. - disse ela, colocando o celular no viva-voz. - Pronto, estamos ouvindo você.

–Oi, Lú! - falei.

–Olá, Caspian! - cumprimentou ela. - Bem, liguei para conversar sobre o aniversário de Edmundo.

–Estávamos agora mesmo falando sobre isso. - riu Susana.

–O que você está planejando? - questionei.

–Uma festa surpresa. - confidenciou ela. - Está tudo quase pronto, mas vou precisar da ajuda de vocês para fazer a decoração, por que, vocês sabem como meu irmão é prestativo...

–Claro, nós vamos sim. - afirmou Susana. Lancei-lhe um olhar.

–Mas e se eu não for? - provoquei.

–Você vai. - ela estreitou os olhos para mim.

–Ok, então, é só isso que falta mesmo. Vai ser sábado, espero você lá, não furem comigo! Pedro vai sair com Edmundo no meio da tarde, então nós entramos em ação para decorar tudo, pelo menos ele vai fazer alguma coisa... Enfim, eu tenho que desligar agora, Edmundo vem vindo aí. Não furem comigo!

–Ok. - dissemos. Ela disse “beijos” e desligou. Olhei para Susana.

–E se eu não pudesse ir?

–Pra onde mais você iria? Além disso, Edmundo é um dos seus melhores amigos e você gosta demais de Lúcia para desapontá-la. - falou.

–É... Talvez...

–Talvez? - ela ergueu as sobrancelhas.

–Ok, você tem razão. - rolei os olhos.

–Sempre tenho. - deu de ombros. - Ah, eu terminei de ler aquele livro, e estava querendo comprar outro, sabe onde tem um livraria por perto?

–Sei, sim, te levo lá.

[…]

Era um dos meus lugares preferidos na cidade, embora eu não tenha lido muito ultimamente, pelo menos, não como costumava fazer. A livraria tinha cheiro de livro novo, era pequena, mas aconchegante com o cheirinho de chocolate quente no ar.

Permaneci com Susana o tempo todo, divertindo-nos ao tentar escolher apenas um livro. Quando finalmente escolhemos, ela fomos para o caixa.

–É uma boa escolha. - sorriu a moça atrás do balcão.

–Obrigada. - disse Susana. - Realmente parece ser. - sorriu.

Ela passou o código de barras no laser, logo dizendo o preço.

–Só este? Seu namorado não vai levar nada? - perguntou a moça, inocente. Meu coração acelerou instantaneamente e aposto como o de Susana também, por que por um tempo, nós não dissemos nada.

–Er... - começou ela.

–Er... Bem... Er... Eu não sou namorado dela... - dei um sorriso nervoso.

–É... - concordou Susana. - Não é...

–Oh, perdoem-me. - pediu a moça, constrangida. - É que os vi escolhendo o livro e vocês me pareceram tão... Tão...Carinhosos um com outro, sabe, com uma sintonia notável... Mas bem, me desculpem.

Não dissemos nada.

[…]

Depois, fomos a um café que servia um dos melhores capuchinos da cidade e Susana o adorou , não ficando irritada quando eu ri do bigode que o capuchino lhe deixou.

–Temos que comprar o presente de Edmundo. - lembrou ela, depois que paramos de rir.

–Achei que a festa surpresa seria um presente e tanto. - comentei, mas ela fez questão de ignorar rolando os olhos.

–Ele gosta de livro? - perguntou.

–Lúcia gosta.

–Então me diga do que ele gosta. Você o conhece há mais tempo.

–Carros. Edmundo adora carros.

–Carros.... Interessante.

Estávamos sentado ao balcão, em duas daquelas cadeiras altas. Quando a garçonete passou, chamei por ela e refizemos os pedidos. Pouco depois de ela trazê-los, o sininho na porta balançou e uma moça adentrou o lugar, devia ter uns 15 anos e vestia uma fantasia florida. Na mão, vinha com um pequena cesta cheia de cartões de visita. Entregou alguns aos clientes que lhe pareciam mais aptos a receber e vi-me curioso quando a menina saltitou até mim, estendendo-me um dos cartões.

–Ela parece gostar de rosas. - disse ela, indicando Susana com o queixo. - Temos uma promoção especial, caso queira presentear sua namorada.

E foi embora. Susana e eu nos entreolhamos. Já era a segunda vez hoje. Tem alguma coisa estranha acontecendo e espero não ser o que estou pensando.