A Face Oculta Da Lua escrita por Lady Salieri, Nami Otohime


Capítulo 19
Capítulo 12: Castelos de cartas (parte I)


Notas iniciais do capítulo

Rei estava quase subida nos ombros de Serena, sobrancelhas levantadas:
- É melhor você parar com isso, Serena. Você está nos atrasando e parece que o Darien não está a fim de falar com você.
Serena se virou espalhafatosamente para ela:
- Como assim!? O que você está sabendo que eu não estou sabendo?
Rei corou, fazendo com que Serena se espantasse:
- Vocês dois, por acaso... - Serena disse pausadamente balançando o dedo indicador, alternando entre ela e a figura imaginária do namorado.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/173600/chapter/19

(FLASHBACK)


As espadas se chocaram fazendo o rastro prateado esconder os olhos. Sangue respingado no rosto. Um corpo monstruoso caindo ao chão.

Lyene ajoelhou-se, cansada. Era o último de uma roda de 5 demônios que atacavam-na ao mesmo tempo.

Levantou-se apoiando na espada e limpou aquele sangue asqueroso do rosto. Ouviu um remexer de qualquer coisa atrás de uma pedra. Parecia um vulto que ameaçava sair. Ela olhou para Takeo fazendo um aceno com a cabeça e avançou para o ser no escuro.

– Lyene, não! – Takeo gritou, ao alcancá-la.

Ela tentou desviar o golpe no meio do caminho, ferindo de leve o ombro daquele ser e caindo ao chão, em desequilíbrio.

Olhou na direção de Takeo e viu que ele tinha o olho fixo na vítima. A menina de cabelos vermelhos estava completamente nua, a alvura da pele lastimada em manchas de vários tempos. Aparentava mais velha que Lyene, o corpo maduro evidenciando os contornos invejáveis. Estava encolhida apoiando-se na pedra, encarando Takeo, mais assustada que envergonhada. As lágrimas tímidas refletiam uma dignidade que Lyene não pôde deixar de admirar.

Ele, instintivamente, curvou-se sobre ela, envolvendo-a com sua capa e consolando-a. Ela olhou-o de volta, relaxando, por fim, o semblante. Ele, então, levantou-a no colo.

Lyene aproximou-se de ambos, inclinando-se em desculpas. Ao retomar a postura, a garota colocou a mão em seu ombro e lhe sorriu entre lágrimas.

Desde então, os três nunca se separaram.


(FIM DO FLASHBACK)


– ...e então eu resolvi jogar uma bomba na Scotland Yard...

No meio do café da manhã, Takeo falava encarando-a com as sobrancelhas ironicamente erguidas.

– Perdão? – Ela levantou os ombros, finalmente enxergando-o.

– Deixa pra lá. Em que você estava pensando?

– Estava me lembrando de quando entregamos a pedra da Mihara. Não te pareceu que naquele momento estávamos ligados pra sempre? E quando eu digo “pra sempre” é com toda força que essa expressão conota, para o bem e para o mal...

– Da pedra, é?

Takeo assentiu, apesar de ter uma memória deste acontecimento bem diferente da dela. A única coisa de que se lembrava era de guardar a porta daquele quarto feito um cão de guarda, irredutível, mal se deslocando para comer. O estarrecimento pela atitude de Lyene ia sendo envolvido pouco a pouco por uma resignação costumeira, mas nunca desesperançada, não, isso nunca.

Ele mastigou devagar sua última porção de arroz antes de dizer:

– Não sei. Sempre vi a gente ligado “pra sempre” como você diz. E aquele nem foi o primeiro segredo sórdido que compartilhamos.

Ela levantou-se, pegando as vasilhas usadas para o café de manhã e levando-as para a pia. Takeo levantou-se em seguida, fazendo o mesmo, aproximando-se excessivamente dela e prensando-a na pia assim que ela se virou pra ele:

– Então, vamos?

Lyene respirou de uma só vez todo o ar do ambiente. Pigarreou, dando-lhe a volta:

– Não... Fiquei de encontrar com o Andrew, lembra-se?

Takeo girou o corpo na direção dela, apoiando-se na pia, encarando-a por certo momento antes de falar:

– Eu não posso acreditar... Mihara vai receber alta e você nem pra dar as boas vindas...

Ela cruzou os braços e abaixou a cabeça:

– Mas você vai estar lá, e isso é o importante. Além do mais vocês dois precisam ter um tempo pra colocar os assuntos em dia... – Levantou os olhos o suficiente para dar-se conta da sombra que descera sobre o semblante dele. Assustou-se.

– Bom, você é quem sabe. Eu vou indo, então. Vou averiguar onde ela está morando pra ficar de olho. Acho que até o final da tarde estou de volta, a gente bem poderia aproveitar pra dar uma volta...

Ela sentiu a garganta se inchar. Os olhos automaticamente se contornaram em um aspecto melancólico. Tentou sorrir, sem saber o desenho que fazia seus lábios:

– Ok. Agora vai lá, senão ela vai ficar esperando.

Takeo deu dois passos em sua direção. Por um momento ela pareceu-lhe diminuta, quase fora de sua perspectiva. Mas respirou fundo engolindo a qualquer coisa que estava sentindo. Usando a mesma força que o atraía a ela, virou-se e saiu sem se despedir.



Serena suspirava pela décima quinta vez, exatamente o mesmo número de tentativas feito para se contactar com Darien, de maneira a chamá-lo ao templo Hikawa. Ami havia chamado as meninas para contar-lhes sobre o aparecimento de Mihara. Parecia um dado importante.

Rei estava quase subida nos ombros de Serena, sobrancelhas levantadas:

– É melhor você parar com isso, Serena. Você está nos atrasando e parece que o Darien não está a fim de falar com você.

Serena se virou espalhafatosamente para ela:

– Como assim!? O que você está sabendo que eu não estou sabendo?

Rei corou, fazendo com que Serena se espantasse:

– Vocês dois, por acaso... - Serena disse pausadamente balançando o dedo indicador, alternando entre ela e a figura imaginária do namorado.

Rei corou mais ainda:

– O que você está insinuando, sua louca?!

– Vocês já tiveram uma história sórdida no passado!

Rei não conseguia esfriar o vermelho aquecido do rosto:

– Isso não tem nada a ver, sua idiota! Eu falei que ele não estava a fim de falar contigo porque você suga o sangue dele o dia inteiro!

– E quando não era eu, era você!

– Chata!

– Bobona!

As duas mostraram as respectivas línguas e trocaram raios pelo olhar. As demais meninas estavam com uma gota na cabeça:

– Meninas, esse não é foco da conversa... - Ami tentou acalmar os ânimos - Eu chamei todas aqui simplesmente para falar da menina que salvamos ontem.

– A namorada do Takeo - disse Mina, colocando-se séria.

Ami assentiu. Serena subiu em cima dos ombros de Mina, fazendo-a desequilibrar-se e quase cair escadaria abaixo:

– Como assim?????????? Então a namorada dele era verdadeira????????

Todas ficaram novamente com uma gota na cabeça.

– Do que você está falando, Serena? - Luna perguntou, com uma patinha apoiando a cabeça decepcionada - E a senhorita não estava lá, com eles?

– Estava, mas não achei que era a namorada dele, eu pensei que o Takeo tinha inventado uma namorada pra tirar a Lyene do pé, aquela chata.

– Você nunca entende nada, sua estúpida - Rei comentou.

– Cala a boca, Rei - Serena retrucou.

– Cala você...

– Gente, calma! - Ami tirou todos do transe pela briga das duas amigas - E, não, Serena , não é invenção, ela é aquela moça mesmo. Pois, ontem a levamos para o hospital da minha mãe. Pelo que sei, ela deve estar recebendo alta hoje.

– E não seria bom irmos lá acompanhar isso de perto? - Perguntou Artemis.

– Não será necessário,Takeo vai estar lá e o pessoal do hospital vai fazê-la preencher uma ficha com seus dados pessoais. Dessa maneira poderemos localizá-la. Por isso eu achei interessante levá-la ao hospital da minha mãe, para que pudéssemos fazer esse “tracking”.

– É importante que fiquemos de olho nessa menina, até descobrirmos o real plano do Negaverso - disse Luna.

Um calafrio percorreu a espinha de Serena, ao ouvir esse nome. Encolheu-se, encostando em uma das pilastras de sustentação. Sentiu-se muito sozinha naquele momento, sem o braço de Darien para ampará-la. Falar do Negaverso era falar da morte no sentido palpável da palavra, frio e úmido como o passado que ela tocara em notas negras.

– Importante ficar de olho naqueles três, na verdade. São muito, muito estranhos - continuou a gata.

Artemis assentiu:

– Familiarmente estranhos, até onde o sentido da expressão permite.

– Eu penso que o Darien pode nos dar mais informações sobre eles, sobre Lyene especificamente. Além de os dois serem amigos, eu tenho a impressão muito forte de que ele sabe quem eles são, quem ela é - Ami confessou, finalmente, uma impressão de muito tempo.

Todos imediatamente olharam em sua direção, chocadas. Serena cresceu de novo, avançando em cima de Ami e fazendo-a encolher-se:

– Como é que é????

– A impressão de que ele saiba é só uma impressão, Serena, pode não ser real... - Disse corada.

– Eu não estava perguntando isso! Falava de eles serem amigos!

Todas caíram para trás diante do comentário. Serena esfregou as mãos, olhos fechados, aspecto arrogante:

– Darien é tudo só meu. Não é mais nada de mais ninguém.



Por um momento a casa de Lyene ficou menor ainda e ela se viu apertada naquela roupa de concreto mal colocada. Coçou a cabeça e varreu a pia com o braço, jogando todos os copos ao chão, sendo acordada de si própria com o som do estilhaçar dos vidros. Definitivamente não era possível que existissem tantos sentimentos desgovernados dentro de si chocando-se cegamente. Respirou fundo abaixando-se imediatamente para limpar toda aquela sujeira. Só tinha que dar mais tempo a Takeo e a Mihara para que tudo se resolvesse, disso tinha certeza. Mas por que, de repente, isso passou a custar tanto? Ela não podia deixar-se levar por um capricho idiota que a estava atrapalhando em todos os seus planos... Ademais, brevemente os dois se acertariam e ela poderia voltar a ser o que sempre foi... Assustou-se com o repuxar de um corte no dedo para dar-se conta de que aquilo não a enchia com nenhum tipo de esperança...

Ao terminar de arrumar tudo, tinha quase todos os dedos das mãos cortados. A dor desviada era um estúpido conforto.

Lavou as mãos na pia, pegou suas coisas e foi para o fliperama. Realmente tinha que se encontrar com o Andrew e ja estava atrasada.

Mal deu dois passos na rua e viu a figura de Darien surgir na esquina, acenando-lhe em cumprimento. Respirou fundo, desconfiava do quão oportuno era aquele encontro entre ambos, se sentindo igualmente confortada por isso.

Quando ele a alcançou, Lyene meneou a cabeça e começou a andar na mesma direção em que ele estava, de maneira a chegar ao fliperama:

– Alteza.

– Alteza - ele respondeu de volta.

Ela terminou por rir:

– Só você me chama de alteza, Endymion.

– E só você me chama de alteza, Lyene.

– Os nossos contextos são totalmente diferentes... - Ela chutou uma pderinha no chão -

Você vai ao fliperama?

Ela assentiu:

– Vou, sim... Mas, diga-me, o que te traz por esses lados?

Darien se pôs envergonhado, desconjuntando-se para tentar explicar-lhe:

– Eu ia à casa da Serena.

– Casa da Serena? - Ela disse algo sarcástica, identificando que se tratava de uma mentira.

– Não, ela... Ela não estava em casa, por isso eu estava... Indo ao fliperama.

Lyene encarou-o com as sobrancelhas erguidas:

– Aqui não é caminho para o fliperama partindo da casa da Serena.

– Então, é que antes eu ia a casa e...

– Tampouco aqui é caminho para sua casa.

Darien projetou a cabeça para baixo, esboçou um sorriso:

– Não sei por que estou fazendo isso, você tem toda razão... Eu realmente ia me encontrar com Serena, não na casa dela...

– Eu imaginei...

Darien sorriu, levemente corado:

– É, eu ainda não frequento a casa dela. Os pais não sabem sobre a gente...

– E...? - Lyene mais se divertia com a situação do que realmente buscava uma resposta.

– E como ela não estava eu pensei que tinha muito tempo que não nos falávamos...

– E...? - Era muito curioso vê-lo desajeitado, saindo completamente do que sempre fora.

– Eu estava angustiado com relação a você.... Não peça para explicar... Acho que... Não sei, devo estar ligado a vocês por algum tipo de sentimento...

– Culpa? - A indagação saiu naturalmente dos lábios dela, fazendo Darien assustar-se.

Ele sorriu nuances de melancolia e supresa:

– Muito obrigado, princesa, me sinto bem mais confortável agora.

Lyene levou a mão à testa, ao perceber o que tinha falado:

– Ai... Desculpa! Não foi minha intenção ofender, falei sem pensar.

Ele voltou a sorrir olhando-a com as sobrancelhas erguidas enquanto lhe adiantava para abrir a porta de entrada do Crown:

– Agora me deixaste deveras surpreso, alteza. Creio ser tal atitude demasiadamente rara de tua parte.

– Pois que não reveles semelhante regalo à corte - ela disse sorridente ao vê-lo recompor-se da maneira como o fez, um verdadeiro nobre.

Darien gargalhou, finalmente descansado.



Takeo caminhava a passos largos, começando a correr logo em seguida. Era guiado pela força das próprias pernas e não sabia exatamente se se comportava assim por ansiedade em ver Mihara ou se para se distanciar ao máximo da sua casa e de Lyene... Parou, finalmente, ofegante. Acariciou os lábios tentando agarrar com os dedos o momento daquele beijo... Ah, era impossível, ele não se descolava da sua cabeça. Será que algum dia ela se daria conta de que tudo não se amontoava sobre si sufocando-a, assim como pensava? Essa luta por vir e a oportunidade de revanche não resconstruiria seu reino...

No mesmo ritmo com que arfava o peito buscava em mente os lábios dela e a densidade do toque, ambos apertando-se um contra o outro como se quisessem misturar-se. O uniforme usado naquele dia esvoaçou-se, então, na seda do vestido usado no milênio, seda tão macia quanto a pele do corpo que ele invadia em desespero... E eram imagens sobrepostas tal e qual eram sobrepostos os sentimentos asfixiados e as vontades livres. Que estranho....E mesmo consciente de Mihara, de que ela estava a poucos metros de distância, sua figura não mais lhe saltava sobre os instantes construídos tingindo-o de vermelho e de culpa.

– Que hora para ficar confuso, Takeo - pensou em voz alta, apoiado em um tronco de árvore, esperando o peito acalmar-se de si mesmo.

E, sim, era uma hora demasiado inapropriada para toda essas distâncias.Havia, por fim, encontrado Mihara, e a promessa de completude estava mais próxima do que sempre esteve. Esperava com todas as forças que os três pudessem estar ligados “para sempre” como Lyene dissera no café da manhã. Não havia deixado de amar Mihara, isso era impossível e nunca aconteceria, mas a perspectiva sobre esse sentimento, essa era completamente outra.

Ajeitou a gola da camisa, passou em uma floricultura pelo caminho e, chegando ao hospital, adentrou confiante de que estava para se iniciar um outro episódio na vida dos três.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!