Perdendo e Encontrando escrita por Sandra


Capítulo 2
Capítulo 2




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Os dias passavam de maneira surreal. Era estranho ter uma rotina, depois que todo o seu mundo explodiu em sua cara. Era estranho ter horários para trabalhar e dormir. Mas aos poucos, tanto eu quanto Jamie, fomos nos ambientando com a nossa nova realidade.

 

Jeb... Jeb era... bem, ele era esquisito; mas era sempre carinhoso com Jamie. E isso era o que contava, pra mim. Ele também era maluco, ou pelo menos, estava a caminho de ser (a passos largos). Mas então, depois do fim do mundo, quem o poderia culpar? Certamente não eu que a propósito, não era nenhum modelo de sanidade mental. Afinal, quem era que ficava, até hoje, tendo conversas com uma mulher falecida em alto e bom som, no meio da noite? Por qual livro médico isso poderia ser considerado são? Nenhum! Assim sendo, eu aceitei Jeb; suas regras e a sua espigarda, que era quase uma extenção dele mesmo. Eu aceitaria tudo, apenas pra que Jamie pudesse ficar ali, e ter de volta um pouco de sua antiga família.

 

Mas eu me surpreendi com a força de Jamie. Eu ainda não conseguia sorrir, não de verdade. Mas ele corria pelas cavernas e voltou a brincar com as outras crianças. Às vezes, eu o invejava por isso: sua capacidade de se recuperar da perda de Mel. Às vezes, eu também tinha raiva dele por isso. Eu só não podia aceitar que ela fosse esquecida. Não por mim, e certamente, não por seu irmão. E então, tão logo estes sentimentos me vinham, eu me culpava. Jamie tinha direito a ser feliz. Ele tinha direito de ser criança, de brincar. Como eu podia sentir inveja ou raiva dele por isso? Eu o amava. Isto deveria me tranquilizar. E até tranquilizava, em partes. Mas por mais que eu quisesse, eu não conseguia apagar os outros sentimentos de dentro de mim, aqueles que se ressentiam pelo brilho nos olhos escuros dele. E quando ele tinha pesadelos com a perda de Mel, eu o abraçava e o consolava, e tentava (em vão) ignorar a alegria de saber que ele ainda sofria por ela.

 

Aos poucos, eu me engajei no grupo de Ian, Kyle e Brandt. Foi uma boa coisa; aparentemente, eu tinha um talento natural a manter os outros em segurança e roubar o que nós precisávamos. E isso não era irônico? Eu conseguia manter a todos seguros, menos àquela que eu mais teria quisto: Mel. Era estupidez me manter nesta página. Eu sabia disso. Não havia nada que eu pudesse fazer para mudar o passado. Mel estava morta. Eu teria que eventualmente aceitar isso e seguir em frente. Mas eu não queria. Ao menos, comigo no grupo de expedições os mantimentos se tornaram mais fartos. Jamie podia comer Cheetos de vez em quando. Era tão pouco... Entretanto, me fazia feliz poder dar esta alegria a ele.

 

E apenas quando eu achava que a nossa vida estava meio estabilizada, quando eu achei que estava começando a me acostumar com a ausência de Mel, a coisa apareceu.

 

Foi em um dia particularmente quente, mesmo para os padrões desérticos em que vivíamos. Ian me chamou, avisando que ele achava ter visto alguém rondando a área. Alerta ecoou por cada terminação do meu corpo e eu e Jeb fomos para a entrada das cavernas dar uma olhada. Estava longe, muito longe, mal dava pra ver mais do que uma pequena linha escura no horizonte que poderia ser uma pessoa. Um parasita, melhor dizendo; afinal, quase não existiam mais pessoas no mundo.

 

Quem quer que fosse, parecia andar meio trope, como se estivesse bêbado. Desidratado. Com certeza. Mas isso não era de se espantar, não com o calor medonho que fazia. O que me espantou foi o sentimento de apreensão e de... medo. Eu não era alguém habituado a este sentimento, eram poucas as coisas que me assustavam, pra ser franco. Se bem que, claro, eu temia que um rastreador estivesse rondando tão próximo a nós. Mas de fato, porque eles estariam por aqui? Fazia tempo que não íamos a uma expedição, os mantimentos estavam quase no fim. E mesmo assim, nos nunca agíamos sobre nenhuma das imediações do nosso esconderijo. Como um rastreador teria nos descoberto era um enigma pra mim. Mas não. Embora eu tivesse motivos de sobra pra temer que este fosse o caso, não era por isso que eu estava nervoso. Era por algo mais... sutil. Eu não sei... A forma como a coisa lá fora se movia, parecia vagamente... familiar.

 

Neste momento, Jeb anunciou que iria lá, ver o que era. Ainda muito imerso em meus próprios pensamentos, eu acenei em concordância. Em outra ocasião, eu teria me voluntariado a acompanhá-lo, mas algo dentro de mim queria manter distância do que quer que estivesse andando lá fora. Assim sendo, enquanto Jeb se aprontava pegando cantis d´água, eu fui ver Jamie. Vê-lo em segurança tinha o dom de me acalmar. E eu definitivamente, precisava me acalmar agora.

 


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