Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 3
II - Estranho


Notas iniciais do capítulo

2º capítulo...
Boa leitura!!



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Capítulo II – Estranho

 

 

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Era estranho caminhar por entre aquela multidão, aquele amontoado de jovens, tínhamos quase a mesma faixa etária, estávamos na mesma fase complicada da adolescência, porém, eu nem mesmo me identificava com um deles. Parecia que eu estava no planeta errado, o alienígena que caiu por acidente nesse local inóspito e tão fútil.

 

Todos conversavam animadamente entre si, comentando sobre o pequeno recesso, animados pelo próximo semestre que teria seu inicio. E ainda mais estranho para mim era o fato de que eu não me encaixava em nenhuma daquelas rodas de conversa. Eu não fazia parte de nenhuma delas.

 

Os dois motivos eram principalmente a minha não-aceitação por parte deles, sob seus olhos eu era a estranha, a sombria, aquela que devia permanecer isolada do restante da sociedade. O outro era que eu não fazia questão de adentrar em uma delas, ter a solidão como única companheira já havia se tornado um hábito meu, e para ser franca também a única roda que me aceitaria de braços abertos seriam os góticos, e eu não era exatamente um modelo padrão para eles.

 

Eu tinha certeza de que se aparecesse em casa, usando um lápis e sombra preta nos olhos, um batom escuro nos lábios e vestindo roupas negras minha mãe teria um ataque cardíaco. Pelo menos por fora eu sabia que poderia manter a minha fachada “comum e normal” embora por dentro eu estivesse em cacos, aos pedaços e chorando desesperadamente.

 

Pelo menos ninguém poderia olhar para dentro de mim e ver a minha alma sombria e solitária. Ou pelo menos não que eu soubesse.

 

Caminhei sobre a pequena passarela de pedra polida da escola, pisar na grama era expressamente proibido, "escola cheia de normas", pensei comigo mesma.

 

Adentrei pela porta grande de vidro, andando pelo longo corredor, minha primeira aula seria na sala dois, inglês com o Sr. Johnson. Virei a esquerda, entrando na sala comprida de paredes brancas e carteiras enfileiradas. Como sempre fazia, rumei para os fundos, a fim de me isolar dos demais alunos.

 

Sentei-me na penúltima carteira, jogando minha mochila no chão e suspirando. Eu realmente não via a hora de me mandar dali. Foi então que uma voz estridente e escandalosa sobressaltou-me, aquela voz que eu conhecia muito bem.

 

-Oi, A.G.!

 

Virei-me com um movimento para trás, dando um forte tapa na cabeça daquele sujeito atrevido. Aquele era Maximilian Philip Davis, para muitos o “Max”. Ele era o único garoto a falar comigo, ele pertencia ao grupo dos góticos e vivia dando muito trabalho para os seus pais, sempre desrespeitando as regras e normas do colégio. Ele estava sentado em cima da carteira atrás de mim, se o professor entrasse na sala naquele momento Max teria um grande problema.

 

O que mais me irritava nele era aquele apelido estúpido que ele me dera, A.G., mas eu tinha de admitir que não ser totalmente ignorada naquele maldito lugar era bom. Olhei para Max e sua expressão era engraçada, a maquiagem pesada nos olhos, os cabelos negros repicados e espalhados para todos os lados, o tênis de cano longo por cima de seu jeans surrado, a camiseta preta com o colete por cima dela, o piercing no canto de seu lábio inferior. Ele mascava um chiclete, como sempre, enquanto sorria para mim.

 

-Pensei que você ainda estivesse no reformatório. – comentei, expressando minha surpresa por vê-lo, e de fato eu não esperava vê-lo tão cedo.

 

-Eu cansei daquele lugar e suas regras idiotas, então convenci meus pais a me deixarem voltar para o colégio normal.

 

Revirei os olhos, esse era o Max que eu conhecia.

 

-Hei, ficou sabendo da novidade? – perguntou-me ele.

 

-Que novidade?

 

-Você vive em que mundo?

 

Fiz uma careta para ele, mas ele ignorou e prosseguiu em contar a tal “novidade”, não que fosse fazer diferença para mim, nada de extraordinário acontecia aqui.

 

-Soube que um aluno veio fazer intercâmbio aqui durante esse semestre.

 

Arquei uma sobrancelha.

 

-E? – eu o incitei.

 

-Parece que ele veio da Itália, sabe aquele país na Europa e...

 

-Max, eu não sou uma idiota!

 

-Ah, desculpe!

 

-Não me confunda com aquelas patricinhas nojentas, por favor.

 

Max sorriu meio desconcertado e passou as mãos pelos cabelos desgrenhados.

 

-Mas, então, vai querer saber ou não?

 

-Pode falar.

 

-Então, estão dizendo que esse aluno veio de uma cidade italiana chamada... Na... Nap...

 

-Nápoles. – eu disse, interrompendo-o, enquanto ele se atrapalhava todo para tentar lembra o nome da cidade de onde o tal aluno novo vinha.

 

Max abriu-me um largo sorriso, claramente estava dando os créditos a mim.

 

-Isso! Ele veio de Nápoles!

 

Encarei-o um tanto chocada, diante de uma situação como aquela era de se imaginar que meu sarcasmo falaria mais alto do que minha curiosidade.

 

-Puxa, que evolução! Vir parar logo em uma cidadezinha como essa! Será que as outras não tinham vagas?

 

Max lançou-me um olhar de desculpas, levantando as palmas de suas mãos para cima. Depois ele inclinou-se na minha direção, ele claramente queria segredar-me algo.

 

Aproximei-me dele, não que eu estivesse muito interessada sobre o que essa cidadezinha fofocava.

 

-Soube da Becki?

 

-Não. O que tem a Becki?

 

-Ela e o Roy terminaram durante o recesso. Estão até mesmo espalhando boatos de que alguém “chifrou” alguém.

 

Isso não era nada surpreendente, casais como Becki Sunders e Roy Lindson ficavam juntos apenas por conveniência. A líder das líderes de torcida, popular, bonita, esbelta, loura, olhos cor de mel, bem vestida, mas nada inteligente e o capitão do time de football, alto, forte, loiro, olhos claros, o sonho de consumo de todas as meninas, o casal perfeito para muitos, para mim dois completos otários. Todos sabiam das “puladas de cerca” do Roy, todos menos, é claro, a própria Becki.

 

-Eu já esperava por isso mesmo. – murmurei de forma fria e meio prepotente.

 

Max riu de mim, mas então viu o professor de inglês entrar pela porta e num pulo desceu da carteira indo sentar-se do outro lado da sala. Peguei minha bolsa que estava no chão, abri o zíper e puxei de dentro o caderno e o livro, jogando-os de qualquer jeito em cima da mesa, eu não a tinha a menor vocação para aquilo, definitivamente.

 

Enquanto o professor ajeitava seus materiais em cima de sua mesa, observando até onde a matéria havia sido dada, limpando a lente de seus óculos, aguardando impacientemente até que o sinal tocasse, pus-me a observar o fluxo de alunos que entrava pela sala, eu poderia facilmente reconhecer cada rosto sorridente ali, embora jamais tenha conversado com nenhum deles, todos se dirigiam rindo e tagarelando alto para seus lugares, todos possuíam muitos amigos para compartilhar suas aventuras durante o recesso escolar.

 

Meus olhos vagavam por seus rostos sorridentes e animados, sabendo que no fundo eu os invejava, eu daria tudo para estar em seus lugares, sorrir daquela forma tão espontânea, poder rir de uma boa piada ou de uma situação engraçada, não ter mais esse vazio em mim, essa sombra que me persegue a cada dia miserável de minha existência.

 

Mas, o que há de errado comigo? Por que eu simplesmente não posso ser como eles? Eu tenho mesmo de ser tão diferente deles? Tenho de me isolar?

 

Meus olhos fecharam-se por reflexo, não eram as lágrimas que vinham a seguir, aliás, as lágrimas nunca vinham, nunca vieram. Eu estava tão acostumada a sofrer daquela maneira que nem doía mais tanto assim, pelo menos não agora.

 

Se estava cansada de agir dessa maneira? O cansaço era algo que eu nem mesmo sentia mais, talvez minhas feridas abertas depois de tanto sangrar simplesmente tivessem sido absorvidas pelo meu vazio, talvez elas ainda estivessem ali, mas eu estava tão acostumada a elas que nem as sentia mais.

 

Depois de anos convivendo com a solidão você acostuma-se a ela, faz dela a sua maior e única companheira, como eu fiz.

 

Isso era o que mais me incomodava, o fato de que eu nunca lutei contra aquilo, nunca tentei superar aquilo, eu simplesmente me entreguei a ela sem ao menos tentar resistir.

 

Eu simplesmente cedi...

 

O sinal tocou, despertando-me de meus devaneios, a aula começaria e eu tinha de me recompor. Quando abri meus olhos, parecia que eu estivera em transe por apenas alguns segundos, os alunos ainda entravam pela porta estreita, dessa vez com mais velocidade.

 

Todos corriam para sentar-se em suas carteiras, e foi ali olhando para aquela porta abarrotada que ele apareceu para mim pela primeira vez.

 

O aluno novo de que Max falara-me, devia ser ele, pois seu rosto era uma novidade para meus olhos tristonhos e sombrios.

 

Ele caminhava olhando para seus pés, a alça da mochila estava pendurada no ombro direito, mas assim que o vi, meus olhos detiveram-se em seu rosto, ignorando todo o resto. Ele tinha traços belos, isso eu tinha de admitir, únicos, essa seria a palavra que eu usaria para descrevê-lo.

 

A pele era de um tom alvo, levemente bronzeada, o que dava a ela uma coloração perfeita. O rosto possuía traços rebeldes, que combinavam entre si com equilíbrio e perfeição, como as peças de um quebra-cabeça, uma encaixando-se na outra. O nariz fino e reto. Os lábios carnudos, sérios, traçando uma linha rígida. O queixo másculo, um tanto triangular. E os olhos, profundos, de um castanho intenso, brilhando maravilhosamente. Os cabelos negros como o ébano, negros como os meus, lisos, caindo perfeitamente até a linha de seu queixo, cuidadosamente divididos ao meio, enquanto alguns fios mais curtos, teimavam em escapar de trás de sua orelha, caindo naturalmente em sua testa e têmporas.

 

Ele não sorria, permanecia sério enquanto entrava pela porta, caminhando em passos elegantes e rápidos, enquanto virava seu corpo para sentar-se na carteira na fileira ao lado da minha. Ele estava tão próximo a mim, e ao mesmo tempo parecia tão distante, absorto em seus próprios pensamentos.

 

Quando ele finalmente se sentou, jogou a mochila no chão sem o menor cuidado, exatamente como eu, e apoiando seus cotovelos sobre a carteira, cruzou as mãos e apoiou seu queixo nelas, ainda fitando fixamente o chão.

 

Desviei meus olhos dele, se ele me pegasse observando-o tão intensamente julgar-me-ia uma louca, ou uma obcecada.

 

Deixei que meus olhos vagassem para a negridão da capa de meu caderno, observando-o de vez em quando pelo rabo do olho, sempre disfarçando quando tinha a chance, mas ele continuava imóvel, como se fosse uma estátua, mal respirava até. Seus olhos ainda estavam vidrados no chão da sala, e isso me deixou completamente fascinada. Como algo tão insignificante como a pedra lisa do chão de uma sala de aula podia receber tanta atenção de seus olhos?

 

Nem mesmo eu conseguia permanecer tanto tempo fitando algo com tamanha intensidade, estaria ele tentando ser discreto, não chamar atenção por parte dos outros alunos?

 

Por isso ele mantinha a cabeça abaixada daquela maneira, por isso ele não sustentava o olhar, não encarava os outros ao seu redor. Ele queria discrição quanto a sua chegada e sua estada ali.

 

Só fui arrancada de meus pensamentos pelo pigarro do professor, ordenando a sala que fizesse silêncio para que ele começasse a aula. Desviei meus olhos do estranho e abri meu caderno por instinto, pelo rabo do olho vi que pela primeira vez desde que sentara ali ele havia se mexido, aberto sua bolsa para pegar seu material.

 

E durante toda a aula eu dividia-me entre a explicação do professor, prestando atenção a sua voz enquanto ele recitava falas de Romeu e Julieta, e também prestava atenção no estranho, sempre o espionando da forma mais discreta possível.

 

Mas, ele mostrava-se impassível durante a aula, sempre olhando para a frente, ora ou outra desviava seus olhos do professor para fazer uma ou duas anotações, mas ele jamais olhava para os lados, jamais olhava o rosto de alguém, mesmo com alguns sussurros voando pela sala. E seus lábios permaneceram comprimidos naquela linha reta por toda a aula, enquanto meus olhos curiosos o observavam apenas de relance.

 

Quando enfim a aula teve o seu término, o sinal tocando para alívios de muitos, vi-me observando-o furtivamente ainda, e então percebera que durante toda a aula eu não havia desgrudado meus olhos e minha atenção do estranho.

 

Eu o vi guardando seu material na mochila, levantando-se rapidamente e saindo da sala sem dizer uma única palavra. Repeti seus movimentos, jogando de forma desleixada meu material dentro da bolsa e praticamente corri para a porta, o amontoado de pessoas no longo corredor impossibilitou-me de ver para onde ele ia a seguir.

 

Então, simplesmente lancei-me na direção da porta onde seria minha próxima aula, história, com a Sra. Kim.

 

E assim como os ponteiros do relógio voavam, vi-me com os pensamentos distantes daquela sala de aula, para ser mais sincera, naquele garoto estranho. Havia algo nele, algo misterioso que me impelia a me aproximar dele, quase como se atraísse em sua direção. Eu só não sabia o que era. Mas, toda a sua figura parecia estar envolta em uma nuvem de mistério e segredos, algo que me deixava extremamente curiosa.

 

E embora aquilo parecesse loucura, eu não conseguia repreender-me, não conseguia censurar-me por portar-me daquela maneira. Eu simplesmente sentia aquela força misteriosa empurrar-me na direção dele. E havia algo estranho dentro de mim, quase como se eu não fosse mais eu mesma, como se fosse outra parte de mim a estar me regendo nesse momento.

 

Eu não me sentia eu mesma.

 

Quando a última aula acabou, vi-me correndo na direção do refeitório, que já estava abarrotado por sinal.

 

Então, simplesmente joguei minha bolsa em cima da mesa redonda e branca, a mesa a qual eu sempre me sentava, sozinha.

 

Meus olhos varriam aquele local repleto de gente, procurando pelo aluno novo, mas eu não o encontrava de forma alguma. Depois de várias tentativas frustradas, acabei por desistir, e só então vi Max correr na minha direção, jogando-se para cima de minha mesa, sentando nela.

 

Fiz uma careta para ele, porém ele riu. Bufei e deixei que minhas mãos caíssem derrotadas sobre a mesa, eu estava muitíssimo decepcionada. Max apanhou a maçã intacta de minha bandeja – com tanta coisa ocupando minha cabeça eu nem mesmo estava com fome – e começou a brincar com ela pouco antes de dar-lhe uma dentada.

 

-E aí, procurando o garoto novo?

 

Fitei-o, chocada, mas deixei que minha ironia falasse por mim, aquela atração pelo aluno novo era tão estranha até mesmo para alguém completamente estranho como eu.

 

-Não está me confundindo com outra pessoa?

 

Max fez uma cara de gozação, enquanto lançava a maçã com uma dentada para cima.

 

-Ah, pare com esse discurso de negação! Eu vi você paquerando ele durante toda a aula de inglês.

 

-Eu não estava paquerando ele.

 

-Claro. – assentiu Max, rindo baixinho.

 

-Eu só estava curiosa pelo fato de que ele não fala com ninguém. – tratei logo de arrumar uma boa desculpa para meu estranho comportamento naquela manhã.

 

Max levantou as mãos para cima, claramente se rendendo, pelo menos eu sabia que o assunto sobre “meus olhares intensos para o aluno novo italiano” estavam encerrados.

 

-Bom, para o caso de você querer saber mais sobre ele, dizem que ele alugou o antigo chalé dos Robert, sabe aquele perto da floresta, que estava abandonado há anos. E que o nome dele é... – Max lançou-me um olhar engraçado, somente para atiçar a minha curiosidade e então finalmente soltou a preciosa informação. – Aidan Satoya.

 

-Ele alugou mesmo um chalé? – repeti, incrédula, pela distância daquele chalé em relação ao centro da cidade. Para quê alguém ia querer ficar tão longe de tudo assim? A não ser que seja algo proposital, que ele realmente queira se isolar de tudo e de todos, isso explicaria seu silêncio durante a aula e seu sumiço durante a hora do almoço.

 

Max riu novamente e deu outra dentada no que teria sido meu almoço.

 

-Sabe se eu fosse você, corria.

 

-Por quê? – perguntei um pouco confusa.

 

-As garotas não falam de outra coisa por aqui a não ser nele. A fila já está se formando, melhor se apressar.

 

-Engraçadinho. – debochei dele.

 

Logo o sinal do almoço havia tocado e todos se apressavam para voltar às salas de aula. Eu não o vi mais depois disso, o aluno estranho. E o restante do período pareceu-me uma eternidade.

 

Quando enfim o sinal tocou novamente, vi-me apressada para ir embora, ciente de que teria de estar na loja de minha mãe. Peguei minha bolsa e atravessei o extenso corredor, esbarrando em alguns, sendo ignorada pelo restante, somente Max acenou para mim na saída, mas eu decidi ignorá-lo, ainda não o havia desculpado por seu comportamento no refeitório, ou talvez pelo fato de que ele estivesse coberto de razão. Decidi ignorar esses pensamentos também e apressei-me em seguir para o centro da cidade, onde se situava a floricultura de minha mãe.

 

E durante todo o percurso eu tentei não pensar ao máximo no aluno novo e na estranha atração que ele exercia sobre mim. Não que eu nunca tivesse me sentido atraída por um garoto antes, para falar a verdade eu sempre tive uma queda pelo Ed Sloan, mas era algo totalmente superficial.

 

Devo ter alimentado uma paixonite por meia dúzia de cantores de bandas de rock diferentes, mas eu só as alimentava porque sabia que era algo impossível. Eles eram os meus ídolos, e eu era a sua maior devota.

 

Mas, somente isso, tudo o que fugia de simples atração carnal eu esquivava, desviava. Sempre fugindo do universo paralelo ao meu que os meninos representavam. Eles também não se sentiam muito atraídos por mim com meu comportamento sombrio e tristonho, então estávamos quites.

 

Apressei meus passos a fim de chegar logo a loja, eu não gostava muito de pensar nos garotos. Suspirei na entrada dela, não era muito fácil ter de trabalhar em um lugar que está abarrotado de coisas das quais você não tem afinidade e não gosta. Assim como uma loja de flores, não que eu fosse alérgica a pólen, e realmente eu não era. Mas só de pensar em tantas cores e perfumes diferentes juntos em um mesmo ambiente, dava-me ânsia, por sorte eu não havia comido nada no almoço, talvez por estar distraída demais com o garoto novo. Assim que entrei na loja, atirei minha bolsa em um canto qualquer, fui até os fundos e encontrei minha mãe. Ela sorriu assim que me viu.

 

Apanhei o avental verde-escuro e o vesti, vi que minha mãe ajeitava um imenso vaso de rosas vermelhas. Puxei meu cabelo em um rabo de cavalo na nuca, colocando os fios teimosos atrás de minha orelha. Franzi meu nariz e aproximei-me dela.

 

-Quer ajuda? – perguntei a ela.

 

-Não. – disse-me ela, enfiando mais uma rosa no meio daquele amontoado. – Pode ficar lá na frente se quiser.

 

-Tudo bem. – assenti e retirei-me dali em passos curtos.

 

Debrucei-me sobre o balcão, esperando que algum cliente aparecesse, comprar flores em uma cidade tão pequena era muito comum. Os casais apaixonados viviam trocando buquês, fosse qualquer o motivo para se comemorar, lá iam eles comprar os tão “populares” presentes a fim de presentear as suas almas gêmeas perfeitas.

 

Apoiei meu queixo em minha mão, fazendo leves círculos no vidro do balcão. De fato era constrangedor ficar em um ambiente que tivesse tanta beleza e transmitisse tanta paz de espírito, para mim na verdade, era a minha condenação.

 

 Era perturbador estar em um ambiente como aquele. De repente a porta de vidro fora aberta e entrando com mais flores todas encaixotadas estava Bill Packson, ele prestava muitos serviços para a minha mãe, eu sempre disse a ela que tanta devoção escondia um sentimento muito maior, mas ela sempre ria de mim, dizendo que eles eram apenas amigos. Não que Bill fosse o exemplo de padrasto, projetado na mente de qualquer adolescente cuja mãe é solitária, ele era vários anos mais velho que ela, tinha o rosto inchado com as bochechas saltando de seu rosto, os olhinhos pequeninos, o nariz levemente arredondado, os lábios fininhos e rosados comprimidos por suas bochechas. O cabelo castanho-claro penteado cuidadosamente com gel.

 

E é claro, a enorme protuberância alojada em seu ventre, funcionando como o equilíbrio talvez para suas vantajosas maçãs do rosto. A barriga gigante e os bracinhos curtinhos e roliços lutavam para segurar com firmeza a caixa de papelão. Movi-me de detrás do balcão indo acudi-lo com a encomenda. Assim que me viu, Bill abriu um largo sorriso.

 

-Oi, Agatha.

 

Peguei a caixa de suas mãos, apoiando-me para não cair com seu peso, coloquei-a em cima do balcão e virei-me para cumprimentá-lo.

 

-Oi, Bill.

 

Seus lábios estreitaram-se ainda mais no meio das bochechas enormes.

 

-Puxa, você está mesmo uma mocinha. – disse-me ele e eu assenti rapidamente, eu odiava quando o assunto de meu amadurecimento era iniciado, isso implicava lembrar de épocas remotas, épocas que eu ainda tento apagar de minha mente, como a minha melancólica infância. – Onde está sua mãe?

 

Bill olhou para os lados, claramente procurando pela silhueta dela, apontei para os fundos da loja.

 

-Ela está lá no fundo, ajeitando um vaso “gigante”.

 

-Ah, deve ser para o dia dos namorados. – ele encontrou uma explicação para o monumento que minha mãe estava tentando construir lá atrás.

 

-Claro, deve ser para isso.

 

-Eu vou ver como ela está. – disse-me ele e depois se retirou, caminhando na direção da porta estreita localizada nos fundos da floricultura.

 

Voltei ao meu posto, atrás do balcão, fiquei tentada em espiar a encomenda de minha mãe que tinha chegado, mas eram flores, como todas as outras, todas irritantes demais para mim.

 

Voltei a fazer desenhos abstratos com a ponta dos dedos no vidro do balcão, e foi ali que meus pensamentos voaram para o aluno novo, Aidan Satoya, o garoto italiano que trocou uma cidade agitada e badalada por outra que não tem nada de significante.

 

Revirei meus olhos, ele devia ser mesmo um maluco por cometer tal insanidade, quem em sã consciência escolheria uma cidadezinha nesse fim de mundo para fazer intercâmbio?

 

O que quer fosse que o tenha trazido até aqui, havia me deixado curiosa. E eu sabia que no dia seguinte o veria outra vez, e quem sabe eu mesma não tivesse a oportunidade de perguntá-lo, claro, como se eu pudesse simplesmente chegar até ele e perguntar. As outras meninas com certeza iam querer-me morta e enterrada a sete palmos de terra antes que eu o fizesse. Mas, era estranho aquilo, sentir-se tão atraída por alguém que nem ao menos você conhece, isso era mesmo uma sandice.

 

Mas, quem sabe eu não acabasse por desvendar os mistérios que o rondavam? Os mistérios que rondavam o aluno novo que passaria o próximo semestre naquela cidadezinha infernal, o garoto que compartilharia de nossa medíocre vida pelos próximos seis meses, “Aidan Satoya”, esse nome ecoou por minha mente mais uma vez, antes que um cliente pudesse interromper-me, mas eu estava certa de uma coisa, de uma forma ou de outra eu saberia quais os reais motivos que o trouxeram até South Hooksett, até a cidade onde eu nasci.

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

ufaa!! mais um postado!! arghhh q nervo amanhã eu fico até as oito na escola!! *morre de tédio*
mas enfim, Agatha conhece aquele que... (opa!! interrompendo spoiler!!)
próximo capítulo a primeira interação entre eles!!
Rá, Rá!! e logo o terror irá inundar essa cidadezinha!!
*risada maléfica* mortes a caminho!!
até a próxima meus queridos!!
Beijoss!!