As Loucas Confissões de Jessica Summer escrita por Miss D


Capítulo 15
Serviço de babá – em caso de emergência disque 190


Notas iniciais do capítulo

*Jessica Falando*: HEY! Sentiram minha falta? Não, né, seus insuportáveis. Nem ligo (olha que mentirosa, ela está aqui quase tendo um ataque de depressão... Sinceramente, viu.Gente louca é um problema!). Shiu, sua chata. (Igualmente).
Meu Deus. Não dá para ter diálogo com essa criatura.
Enfim. Podem sentir dó de mim, porque olha só o que me acontece agora:



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Devo confessar uma coisa: ninguém deve ter a mínima idéia de como eu sou realmente louca. E lerda. E burra. E desorganizada. Sabe por quê? Porque alguém pediu para eu bancar a babá por um dia. Minha mãe que chegou dizendo isso – algo que as mães sempre fazem:

– A Leda pediu para você ir lá à casa dela cuidar das crianças, porque ela tem uma consulta médica e elas vão ficar sozinhas...

E você disse não, não é mesmo? Diz que você disse não, diz...

– E eu disse que tudo bem, você não tinha nada para fazer à tarde. Leda disse que vai pagar para você ficar lá.

E eu apenas a olhava com aquela minha cara Você-Pirou-No-Chocolate que só eu sei fazer. Era de se esperar que pelo menos a minha MÃE soubesse ALGUMA COISA sobre mim. Tipo que eu não cuido de crianças, não cuido nem de mim mesma, não cuido nem do meu QUARTO – que não grita, não precisa comer nem ir ao banheiro, fica paradinho lá esperando que alguém o arrume.

Quando eu era menor queria muito ter um bichinho de estimação, sabe. Mas acontece que eu sou alérgica a gatos, e minha mãe ODEIA cachorros. E tem pavor de qualquer coisa que tenha asas. Então ela me comprou um peixinho. Ele era lindinho no aquário redondo dele, em cima do criado-mudo ao lado da minha cama. Dourado.

Ele sobreviveu uma semana naquela casa – que é? Eu era pequena. Quer dizer, mais pequena. Como ia saber quantas vezes se tem que dar comida para um peixe? No mar ninguém dá comida para eles, dá?

Já estava até imaginando.

– Está na hora de você ter responsabilidade e aprender a trabalhar – disse a minha mãe, como se fosse a idéia mais brilhante do universo colocar uma menina louca sozinha em uma casa com TRÊS crianças. Totalmente brilhante.

Se alguém vier falar alguma coisa, é tudo culpa dela. É culpa DELA.

Eu cheguei naquela casa esperando o pior. Mentira, pior do que o pior, se isso faz algum sentido.

Como eu sou idiota.

– Olha, eu deixei comida pronta na geladeira. Se eles ficarem com fome, esquente no microondas. Eles não podem comer doce em hipótese alguma. Daniela tem intolerância a lactose, então nem pense em dar nada que possa ter leite para ela. E Lucas está resfriado.

– Tudo bem – eu respondi, sabendo que não estava NADA bem ali.

– Ah, e um pouco mais a tarde, você pode fazer um bolo para eles comer. Os ingredientes estão na geladeira.

Eu e cozinha não combinamos exatamente. Mas eu não ia dizer isso à ela.

Então Leda saiu. Só que ela se esqueceu de dizer uma coisa: a minha MAIOR preocupação não seria dar comida para os filhos dela. E sim impedir que eles DEMOLISSEM a casa. E me levassem para a ala psiquiátrica de algum hospital por aí.

Sério, eles são do mal.

Na sala, o garotinho estava jogando vídeo-game. Só que ele estava jogando o vídeo-game mesmo. Na cabeça das duas menininhas que gritavam que nem loucas. Em cima do sofá claro. Com os pés imundos.

Sabe, eu acho que isso não estava no contrato.

Vou correndo até o garoto e tomo o vídeo-game da mão dele.

– Er... Lucas, não pode tacar o vídeo-game nas suas irmãs, elas...

– Me dá agora. Você não é minha mãe.

– Mas ela pediu...

– EU QUERO O MEU VIDEO-GAME! ME DÁ! – gritou ele. Com certeza é uma criança hiperativa.

– Não vou dar se você não prometer que vai brincar direito.

Ele me mostrou a língua e puxou o meu cabelo.

Os dez mandamentos das babás:

I. Não terás filhos encapetados assim.

II. Não farás para ti instrumento de tortura.

III. Não dirás nomes de palavrões.

IV. Lembra-te do dia do terapeuta para se consultar.

V. Desonre os pais dos moleques para que não te prolongues os dias nessa casa que tu estás.

VI. Não os matarás.

VII. Não arrancarás os olhos

VIII. Não os fuzilarás.

IX. Não os deixarás dar falso testemunho.

X. Não enforcarás na casa das crianças que te atormentam. Não enforcarás a mulher que os deu a luz, nem o seu marido, nem a eles próprios, nem o seu cachorro, nem coisa nenhuma deles. Não se enforcarás.

Se eu sobreviver, lembre-me de dar queixa por agressão mental.

Corro atrás do garoto – e, vou ser sincera, estou procurando alguma corda para matar o infeliz – mas ele se escondeu muito bem.

– Vem aqui, Lucas – eu digo, com uma voz de maluca. – Você não quer o seu brinquedo?

Então ele aparece carregando um monte de papéis, que parecem muito familiares. Incrivelmente familiares, para dizer a verdade. Parecem com...

Não. Não, não pode ser o meu trabalho de ciências, não pode, eu tinha deixado em cima da... mesa.

– Tudo bem, tudo bem – levanto as mãos, com as palmas para cima, em sinal de rendição – você venceu. Eu te dou o vídeo-game. Mas, por favor, me dê o meu trabalho – eu estou quase implorando. Porque já estou com uma nota péssima em ciências, e o trabalho é a minha única chance de ficar com o meu 6 perpétuo.

– Não quero.

Ele tem que me dar. Porque, senão... Eu vou ficar louca. E ele sabe disso. Por isso dá o meu trabalho para o cachorro comer. E eu quero saber que professor iria acreditar se eu dissesse que o cachorro da mãe das crianças que eu estava cuidando tinha comido o meu trabalho. E olha que eu sou muito boa em dar desculpas por não ter feito as coisas.

Eu simplesmente fico parada lá, como uma estátua idiota, vendo aquele cachorro ridículo – sabe, aquela raça de cachorro pequenininha que sempre acha que é um Pit Bull? Então, essa mesma – mastiga o trabalho que eu tinha ficado um tempo ENORME pesquisando, e que só faltava fazer a conclusão para terminar – único motivo para eu ter levado um TRABALHO DE ESCOLA a uma casa com TRÊS crianças pequenas.

Porque o grande problema dos professores é que quando eles pedem um trabalho acham que a gente tem que trazer um livro. Agora me diga, para que colocar introdução? Quando a pessoa for ler a primeira parte do trabalho já ela vai estar introduzindo tudo. E sumário, quer coisa mais sem utilidade do que isso? Na minha opinião, essa parte só serve para gastar folha A4. Será que ninguém além de mim se importa com as árvores que estão sendo desmatadas para a fabricação desse papel que eles insistem em nos fazer desperdiçar? Acho que não.

Então depois de todo o tempo que eu levei para fazer todo esse negócio de capa – que tinha que ser do jeito que o professor mandou –, sumário, introdução, desenvolvimento – que são as poucas páginas falando sobre o assunto proposto. Esse é mais um problema. O trabalho tem que ser curto e objetivo. Só que quando a gente o faz curto eles dizem que está incompleto. Vai entender –, conclusão a terminar e bibliografia, um cachorro ridículo está mastigando tudo. Perfeito. Você acha que é fácil abrir a janela do Google, pesquisar “introdução para trabalho sobre células” e depois escolher qual colocar no trabalho? Até encontrar uma que preste já tem umas quinhentas páginas abertas.

E o cachorro comeu tudinho. Não sobrou nem a data. Só posso dizer uma coisa: eu vou matar aquele garoto.

Por que eu não o matei, por quê? Eu te digo por que: eu não tive tempo. Quando eu cheguei à cozinha novamente Daniela estava se entupindo de leite. E eu sabia vagamente que havia algo sobre a menina que eu tinha de lembrar, mas não conseguia saber o que era naquele momento, cega de raiva como estava.

E a outra garota estava berrando de um jeito que nem os cantores de ópera conseguem, os vidros da casa estavam prestes a se partir todos, tenho certeza. E eu estava ficando louca.

É isso, eu tinha que fazer alguma coisa e rápido. Só que eu não tinha a MENOR idéia do que eu poderia fazer para acalmar aquelas crianças malignas. Sinceramente? Meu desejo era correr para o mais longe possível daquele lugar antes que eu enlouquecesse de vez.

Entretanto, imaginei se minha mãe acharia isso responsável da minha parte. Por isso, fiz a coisa mais sensata no momento: fui logo tentar calar a boca da menina que estava se esgoelando.

Shh, amiguinha – disse a ela. – Olha só, você quer assistir televisão?

A garotinha me olhou com olhos enormes enquanto parava lentamente de gritar. Piscou-os e balançou a cabeça como um cachorrinho fofinho.

Como se ela pudesse me enganar.

Peguei-a no colo e levei-a até a sala (a criança que chegava à obesidade, por favor. Como a mãe não percebia isso?). Concordo, querida.

Liguei a TV para colocar algo para a menina ver.

Coisas que eu não aconselho a fazer sobre crianças:

1.    Tê-las.

2.    Cuidar delas.

3.    Deixá-las abrir a boca e começar a gritar.

4.    Torná-las insuportáveis como essas.

5.    Deixar o resto na cozinha enquanto cuida de uma delas.

A menina da TV recomeçou a gritar enquanto eu voltava para me certificar de que as outras estavam vivas. Isso porque eu tinha posto um dos DVDs infantis que a mãe deixara para elas.

Olha só, eu sou uma pessoa legal. Paciente. Mas quando se tem três pirralhos insuportáveis acabado com a sua sanidade, é outra coisa. Os gritos da menina já estavam ferindo os meus ouvidos quando eu simplesmente CANSEI dela.

Fui até a estante de DVDs e peguei Jogos Mortais. Só Deus sabe o que aquele DVD estava fazendo ali (e também deve saber o que OUTROS um pouco mais preocupantes também estavam fazendo, porque deu MEDO).

Coloquei o DVD para ela assistir e fiquei observando – a criança pois, está bem, eu admito que tenho problemas com filme de terror. (problemas? Da última vez em que ela assistiu, a irmã teve de chutá-la para fora do quarto porque a menina não queria sair! Sério, patético). Se você ficasse quieta, eu agradeceria. (Fica na sua).

Nunca vi uma menina tão quieta em toda a minha vida. E, tudo bem, a cara de pavor absoluto dela me deu satisfação por alguns minutos – antes de eu sentir o cheiro incrivelmente conhecido de fumaça. E lembrar que eu cuidara de uma. Faltavam dois ainda.

Corri para a cozinha o mais rápido que pude e lá estava Lucas, o capetinha, colocando fogo na toalha de mesa. Que, a propósito, era de MADEIRA e TAMBÉM estava pegando fogo. E eu já estava sufocando exatamente como daquela vez que decidi virar cozinheira.

Empurrei o menino para longe, fazendo com que caísse no chão e abrisse a boca e começasse a chorar gritantemente também.

Não tinha tempo para lidar com ele naquele momento.

Peguei a toalha, lancei-a na pia e liguei a torneira. O fogo foi diminuindo até apagar.

O menino continuava a berrar.

Usando uma caneca de água, apaguei o fogo da mesa.

O menino continuava. E eu já tinha perdido a inexistente paciência com todos eles havia muito tempo.

Fui até ele e agarrei um de seus braços gordinho.

– Escuta aqui, garoto. É melhor você fechar essa boca agora, porque, você sabe, eu ADORARIA te fatiar em pedacinhos e deixar de jantar para a sua mãe.

O menino, coitadinho, engoliu o choro na hora e me olhou com os olhinhos esbugalhados de medo.

– Agora vamos assistir o filme lá com a sua irmã.

Levei-o até a sala, onde a outra estava completamente recostada no assento do sofá, quase entrando nele, como se sua vida dependesse disso. Não mexia um músculo. Não piscava.

Eu quase ri enquanto deixava seu irmão sentado ao seu lado.

A outra menina parecia ter tomado tanto leite que ficara inchada. Mas pelo menos estava quieta.

A Daniela. Ela era a menina de quem eu mais tinha gostado, tão quietinha.

Muito quieta. Quieta demais.

Agachei para dar uma olhada mais de perto. A menina mal estava respirando.

O que sua mãe dissera mesmo?

  “– Daniela tem intolerância a lactose, então nem pense em dar nada que possa ter leite para ela.”

Claro que eu não dei nada a ela. A garotinha só estava se entupindo de leite.

Ai, meu santo chocolate ao leite. Eu sou uma assassina. Matei uma criança indefesa!  (Relaxa, amor. Você livrou o mundo dessa petinha).

Nem brinque com isso! Você pirou?! O que vão fazer? O que minha mãe vai fazer? Ela vai me matar! Agora eu vou morrer mesmo!

Desesperada, eu disquei o – já conhecido meu – número: 190.

  E esperei a ambulância chegar.

Deus. Eu não tenho MESMO sorte nessa vida.

A mãe de Daniela chega correndo no hospital. Na verdade ela parece uma louca. Eu sei que na verdade ela É louca, só por ter criado uns filhos insuportáveis daquele jeito, só que ela vem para cima de mim como uma leoa.

A louca começa a gritar comigo, e dizer que eu quase matei a sua filha – o que não é verdade, convenhamos, já que a menina bebeu o leite por conta própria –, e que vai me matar.

Sério. Ela tinha que me parabenizar por ter sobrevivido algumas horas em sua casa.

Os enfermeiros parecem ter finalmente visto o que eu já sabia e sedam Leda antes que ela venha realmente para cima de mim. Não que eu tenha medo dela.

Na verdade, estou com medo do que acaba de entrar na ala de urgência do hospital, onde nós estamos.

A dona Carmen. Ela está com uma cara de pessoa calma que me dá ainda mais medo. Ela se aproxima.

Ai, meu Deus. Eu sabia. Ela vai me matar! Ou pior, me mandar para um presídio de crianças onde elas trabalham e carregam pedras e...

– O que aconteceu, Jessica? – pergunta naquele tom. Aquele que só é usado quando ela está prestes a explodir, mas tentando se manter calma.

Engulo em seco.

– E-então, m-m-mãe... E-eu...

– Pare de gaguejar, Jessica, e conte logo.

E então eu perco de vez a calma e despejo tudo.

– Você me mandou cuidar dos filhos da Leda, eu não cuido nem de mim, como você queria que eu cuidasse deles? Eu fui lá e eles tentaram me matar, me enlouquecer, o menininho deu o cachorro para o meu trabalho comer, quero dizer, o meu trabalho para o cachorro comer, e aquela menina encapetada não parava de gritar, meu ouvido está doendo, e ele tentou colocar fogo na casa, a Daniela abriu a geladeira e bebeu vinte litro de leite, e inchou – tomo fôlego, pois disse tudo tão rápido que foi preciso apenas um – e daí... e daí... – vou parando, e minha voz já vai falhando, meus olhos enchendo de lágrimas... E sei que vou começar a chorar.

Sabe, esse é aquele momento comum nos filmes em que você sabe que tudo vai desabar sobre sua cabeça. É quando a mamãe solta:

– Tudo bem, filha. Eu sei que não foi sua culpa. Vou conversar com a Leda e explicar tudo a ela, e nós vamos para casa.

E eu abro a boca, porque estou tão feliz, e isso é tão incomum que eu...

– Jessica! – mamãe me chacoalha. – Jessica, para de viajar e preste atenção! Você estava ficando louca? Como é que você deixa uma menina intolerante a lactose tomar leite? O que você estava pensando quan...

E é isso o que ela está realmente dizendo, ao mesmo tempo em que me estapeia. Esse discurso, eu sei, vai durar pelo menos mais uma semana. E não haverá um dia na vida de Jessica Summer em que sua mãe não irá lembrar-se daquela vez em que ela deixou uma criança pequena e indefesa quase morrer.

Eu devia saber.


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Notas finais do capítulo

*Jessica Falando*: Riam mesmo da desgraça dos outros. ¬¬'N/A: *chorando litros* Gente, esse foi mesmo o último capítulo. Agora só falta o epílogo, e em breve vocês darão tchau definitivamente para a nossa amiga Jess. Eu só queria pedir um favor a quem curte a história: espalhe-a. Se você gosta, fale sobre ela para outras pessoas. Divulgue-a. Acredite, nós duas (eu e a Jessica) seremos eternamente gratas! ^^
Aguardem notícias nossas, ein?
BeijoSMiss Doll ;*