As Loucas Confissões de Jessica Summer escrita por Miss D


Capítulo 13
Marta


Notas iniciais do capítulo

É isso aí, gente! Feliz Ano Novo! Muitas felicidades pra vocês! Aqui estou eu postando um capítulo em pleno 1° de janeiro. Esse é um dos capítulos mais esperados (pra mim, pelo menos), e eu adorei escrevê-lo. Na minha opinião, ficou simplesmente uma COMÉDIA! Aproveitem a leitura!



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  Será que algum dia na minha vida será normal como o das outras pessoas? Acho que não. Penso seriamente que não.

  Eu achei que hoje seria um dia normal. Sabe, do tipo em que os pássaros cantam, o vento sopra fresco, e o céu é azul. Bem… normal.

  Mas é claro que não poderia ser. Não poderia de jeito nenhum.

  E é exatamente por esse motivo que estou indo para o lugar que estou indo. Por que se o dia fosse normal, não seria a minha vida.

  Estou indo a pé. Dá para acreditar? Sete quarteirões a pé. Só porque a mamãe quer fazer exercício comigo – eu sei, minha vida é triste. Até os meus PAIS ficam jogando na minha cara como eu sou gorda e preciso emagrecer. E como estou sedentária. Eu acho que a culpa nem é minha mesmo. Não existem muitas pessoas nesse mundo moderno que não sejam sedentárias. Eu apenas faço parte da sociedade. Em muitos aspectos, inclusive na obesidade.

  Mas eu não me considero obesa de verdade. As pessoas obesas MESMO têm quilos e quilos de banha por todos os cantos do corpo, caindo por todos os lados. Eu não sou assim. Só estou um pouco… acima do peso (Ah, é. Um pouco, só isso. Sei). Apenas isso.

  E se a minha mãe acha que eu fazer o que ela quer e ficar morrendo no caminho até a casa, ela está COMPLETAMENTE enganada. Eu agüento. Pode acreditar.

  Acho que talvez você não saiba o que seja a casa. Eu sei. Muito bem, até.  Mas, pode ficar tranquilinho, você vai saber. Quer dizer, pensando bem, não fique tão tranqüilo assim. 

  Minha mãe tem uma amiga (louca) de nome Marta – que eu tenho certeza de que já devo ter mencionado algumas vezes. Ela é REALMENTE uma louca. Total. Desta vez pode ter certeza, eu NÃO estou exagerando. Nem um pouco.

  Marta algum dia pode ter sido normal, mas é difícil saber. Do jeito que ela é hoje em dia, NINGUÉM acreditaria que algum dia essa cidadã foi normal.

  5 motivos por que você deve ter muito MEDO da Marta:

Ø  Ela NÃO É normal. Não MESMO. Perto dela, eu pareço o perfeito padrão da adolescente comum.

Ø  Ela é solteira. Ou seja: ficou para titia. E mora com um GATO. PRETO. Ela diz que os gatos têm uma aura espiritual mais forte que o resto dos animais – menos os tigres, leopardos e todos esses. O que me faz temer imensamente o dia em que ela vai aparecer com um desses na porta da minha casa dizendo ser seu novo bichinho de estimação. Eu interno. Estou falando sério.

Ø  O gato dela te olha como se você fosse o almoço. É verdade. Ele tem aqueles olhos verdes brilhantes que parecem esmeraldas incrustadas no pêlo preto, com aquelas fendas de gatos neles. Vou falar uma coisa: aquele gato é do mal. (E se ele for mesmo um leopardo? Sei lá, vai ver a Marta fez algum tipo de magia negra e transformou-o em gato. Não duvido nada.)

Ø  O que me leva ao outro motivo para ter medo da Marta: ela tem umas crenças sinistras. Do tipo “coloque essa erva nos batentes das portas para afastar os maus espíritos” ou “você tem que fazer uma mandala para pedir sorte”, etc. Ah, e mandala é tipo um circulo cheio de desenhos em padrões estranhos. Tipo os que eles desenham para fazer macumba. Eu, particularmente, tenho um medo IMENSO dessas coisas.

Ø  Se você ficar doente ou algo do tipo e for para o hospital, ela vai pegar uma foto sua (Muito obrigada, mãe, por sair distribuindo fotos minhas para tudo quanto é lunático que você conhece na rua), pegar uma vela negra e pôr do lado, e pedir ao espírito da boa saúde que ‘preencha seu corpo de vida’. Eu, hein, sai fora!

  Eu disse que não ia ficar morrendo pelo caminho? Isso é difícil. Vou te contar, como isso é difícil! Talvez eu seja mesmo sedentária. E obesa. Ai, meu Deus, eu sou uma gorda! Eu sabia, eu sabia!

   Quero dizer, uma pessoa como eu espera uma coisa assim. Não é que eu ignore totalmente a minha condição de obesa mórbida. Claro que não. Eu tento manter o controle, entende? Não entrar em pânico por causa disso. Não deixar que minha auto-estima acabe totalmente. Porque eu tenho a auto-estima bem alta, sabe(Altamente mínima, quer dizer)? Mesmo.

  E, sabe de uma coisa? Não vou pensar sobre isso. É besteira. Uma completa bobagem ficar me preocupando com isso. Eu já estou de dieta (É, e apesar disso, continua comendo como uma vaca grávida). Quer saber, adoro como você tem o prazer de me deixar para cima? Muito gentil da sua parte.

  Finalmente – depois de MUITO esforço, principalmente da minha parte, já que não é nada fácil para uma gorda andar por aí, pelo simples fato dela ser GORDA e ter de carregar uma quantidade realmente grande de SI MESMA – nós chegamos à casa da Marta.

  Olhando do lado de fora desse jeito, até parece uma casa normal, com possíveis pessoas normais morando lá dentro. Porém, eu não me deixo enganar. Espero que ninguém se deixe enganar por essa fachada barata.

  Antes de conhecer a Marta, imaginei que a casa de uma bruxa – porque, apesar de ela dizer que NÃO É UMA BRUXA (Sim, se você está se perguntando isso, ela realmente perguntou para a mulher se ela era uma bruxa. Não é bem coisa que pessoas civilizadas fariam, mas alguma vez eu já disse que essa alienígena disfarçada de menina era civilizada?) é isso       que ela é – seria totalmente diferente, entende? Do tipo que tem uma árvore, seca e sem folhas plantada na frente, um murinho baixo separando o terreno da calçada, um portão de madeira apodrecida, e uma casa em estado precário, velha e cheia de mofo. Sempre foi assim que eu imaginei.

  Como eu estava errada – sério mesmo, acho que ela tem a casa bonita assim para atrair pobres coitados para dentro dela.

  A casa é uma construção muito bonita, pintada de verde-azulado bem claro, e com um portão branquíssimo na frente. E as janelas também são brancas. E a fumaça sai pela chaminé como nas casinhas dos filmes…

  Espere um momento, tem alguma coisa errada. A casa da Marta não tem chaminé. Então, de onde toda essa fumaça esta vindo? – minha nossa, é isso! Agora ela invocou aquela fumaçinha maléfica da ilha do Lost, ah, não! (Céus, quando a gente acha que a loucura já está demais… O que você está pensando, garota?!). Tem razão, é loucura. Bem no estilo da Marta.

  Antes mesmo que minha mãe e eu alcancemos o portão, aquela voz rouca, trêmula e profunda chega até nós:

  – Podem entrar.

  E eu estanquei no lugar, apavorada. Tudo bem, tenho que confessar que não sou exatamente a pessoa mais corajosa do mundo. Assim como não sou a mais inteligente, ou bonita. É um simples fato.

  Que me deixa bastante deprimida, mas fazer o que…

  Tipo, quando você chega na casa de alguém a última coisa que espera ver é fumaça saindo por todos os cantos ­– especialmente porque eu já estou bem traumatizada com essa coisa de fumaça e tudo. No entanto, pior ainda é quando chega na casa de alguém como a Marta (É, essa mulher é um tanto excêntrica, posso dizer), nem mesmo bate na porta, ou anuncia sua presença, e ela te manda entrar. O que estava esperando? Que eu fosse entrando saltitando como se estivesse chegando ao reino de Oz? Por favor!

  Mamãe – ela não bate muito bem da cabeça, não. Primeiro, arruma uma amiga assim. Depois se recusa a admitir os sérios problemas mentais que ela tem; e, ainda por cima, vai entrando na casa num estado daqueles, mesmo eu avisando que de jeito nenhum isso é uma boa idéia. – me empurra com força para dentro, como se eu fosse um carrinho de supermercado.

  E você já pode imaginar que eu entrei tossindo um monte por causa de toda aquela fumaça – minha última experiência com fumaça não foi nada boa. Eu tive que ser “resgatada” por um bombeiro idiota que achou que eu estava colocando fogo em casa. Totalmente humilhante.

  Será que a Marta também foi fazer o almoço para nós e deixou a comida queimar?

  Ah, é. Eu ainda não falei isso. A gente veio aqui almoçar. E isso me assusta. Você não tem IDÉIA do que ela preparou para a gente comer da última vez que viemos aqui. Um ensopado MUITO SUSPEITO – eu acho sinceramente que tinha minhocas ali.

  No entanto, a minha mãe é muito legal para dizer ‘não’. Muito idiota, quero dizer. Bem, ela queria MESMO vir almoçar aqui. Eu não sei, não tenho a mínima idéia, do porquê minha mãe queria tanto vir para a casa dessa mulher louca. Da outra vez que eu a vi, lembro muito bem que quase me MATOU. É. Quem você acha que receitou o chazinho milagroso de emagrecimento para eu tomar? Foi ela. Agora, por que dei ouvidos é uma ótima pergunta. A pergunta que faço todos os dias para mim mesma.

  E, outra coisa, quem você acha que inventou aquela vitamina maravilhosa com OVO e açúcar mascado para a minha mãe? É, adivinhou.

  Então pensar em vir aqui deveria estar na minha lista de Coisas que eu não pretendo fazer tão cedo. E está. Só que é claro que minha mãe queria vir e por isso me arrastou junto – talvez seja o instinto dela gritando “perigo!” então ela ignora a parte de que não deve chegar perto e leva alguém junto.

  Nós entramos na casa – eu, agarrada à minha mãe e pisando como se caminhasse por uma corda bamba. Sabe como é, essas coisas me assustam de verdade.

  Não é a comida queimando que está fazendo essa fumaça toda. Se tem alguma coisa que já me assustou tão profundamente quanto assistir Todo Mundo Em Pânico 3 é isso – ah, tenha dó, o filme dá mesmo medo! Não é NADA engraçado ter uma garota amaldiçoada correndo atrás de você para te matar –. Acho que me assustou até mais.

  Preste muita atenção à cena: eu e mamãe abrimos a porta. Já estamos tossindo – e, pelo menos para mim, dói bastante, porque acho que a minha garganta já estava irritada de tanto que eu já havia tossido.

Encontramos Marta sentada no meio da sala, em cima de um tapete redondo, com um monte de ervas, ou sei lá o que é aquilo queimando em jarros grandes, que chegam até o meu joelho. E ela tem um negócio com ela, com uma mangueirinha que, como os outros jarros, também está saindo fumaça de dentro dele. É tipo aquele negócio que a lagarta usa no desenho Alice no País das Maravilhas, da Disney.

  É chocante. Tão chocante que eu quase dou um berro, e me agarro ainda mais forte na minha mãe. Quer dizer, minha vida não é nada fácil, visto que eu tenho uma irmã aspirante a top-model que nem sequer liga para mim e não menciona para ninguém que somos irmãs, sou uma pessoa propensa à obesidade, não sei cozinhar e não vou assim tão bem na escola.  Além de que eu tenho uma única amiga – não que eu esteja reclamando da Cynthia, apesar de todo aquele negócio com o Gustavo. Mas é extremamente ruim quando a gente tem só uma amiga e ela por acaso arranja um namorado com quem quer passar todo o tempo e aí não sobra mais ninguém. Só que eu não estou reclamando (Tudo bem, Jessica. Nós já entendemos que você está reclamando). Eu NÃO ESTOU.

  Continuando, a minha vida é uma irritante bola bizarra. Eu sei. Porém isso aqui já é DEMAIS! Qual é o problema comigo, afinal? Eu fui REALMENTE Hitler na outra vida? Não existe outra explicação para isso. Não mesmo.

  Tudo o que você precisa saber é que, assim que eu coloquei os meus lindos olhos de cor-indefinida na pessoa da Marte, quis morrer.

  Eu sei, eu sei. Você acha que estou sempre dizendo isso, não é mesmo? Talvez eu tenha mesmo inclinações para o suicídio (Humpf, não tem nada! Você não é capaz nem de se furar com uma agulha, quanto mais de tentar se matar). Silêncio.

  – Xori má, ô-dá. Xori quê, ynguá. Piromasanelequá – ela está dizendo, mas assim que nos vê, sorri – ai, minha nossa! – e diz: – Olá! Até que enfim vocês chegaram.

  Agora, será que dá para alguém me responder O QUE EXATAMENTE ESSA MULHER ESTAVA FALANDO? Sério, vou mesmo me matar. Não é possível que de todas as pessoas que eu conheço – e, ok, não são tantas assim – não haja nem mesmo uma que seja saudável. Mentalmente falando.

  – O q-que v-você est-tá fa-az-zendo, M-Marta? – gaguejo. Você não esperava que eu estivesse completamente calma, não é?

  – Esta casa está irradiando energia negativa. Então eu…

  – O que é isso que você está fumando? – minha voz sai esganiçada.

  – Jessica, eu não fumo, querida.

  Certo, ela não fuma. Então o que é aquele monte de fumaça no ar? Porque eu estou vendo direito. Acho. E é fumaça, sim. E aquilo que ela está segurando parece mesmo algo que as pessoas usam para fumar. Não as pessoas comuns, claro, porque pessoas comuns vão até a banca de jornal e compram cigarro. Só que quem aqui disse que a Marta pode ser encaixada na categoria “pessoas comuns”? Pode ter certeza de que, se alguém disse, não fui eu. Aquilo parece mais com algo que caciques de aldeias indígenas fumam dentro da tenda deles, como no Pica-pau.

  – E o que é isso, então?

  – Ah, isso? Não tenho a mínima idéia. É só algo que a irmã das reuniões da igreja me deu dizendo que ajuda a afastar espíritos malignos – e depois, sorrindo, olhou para a coisa e disse: – Legal, não é?

  Legal? Legal? Essa seria a última palavra que eu usaria para descrever isso. E eu não estou ficando histérica, está bem? Só sendo muito louca mesmo para aceitar um troço desses de uma mulher da igreja – quero dizer, da seita religiosa a qual ela pertence – que diz coisas como espíritos malignos.

  Estou mesmo vendo um espírito maligno, e ele está bem à minha frente. Só que ao invés de espantá-lo, eu quero é me espantar daqui. E rápido.

  A mulher levanta-se rapidamente, com sua saia até as canelas toda colorida. Ela parece uma daquelas ciganas que a gente encontra no centro da cidade. Ainda está sorrindo para nós.

  Outra coisa que também é totalmente diferente do que eu ou qualquer um poderia ter imaginado sobre pessoas assim é que os dentes dela são incrivelmente retos e brancos. Tipo os dentes perfeitos dos vampiros, nos filmes.

  Ah, não! Será que a Marta é um vampiro? Pensando nisso agora, eu não a vejo sair muito de dia. E a comida dela é BEM estranha. Mas ela não parece ter nenhuma jóia azul ou olhos que mudam de tom. Ou marcas na testa. Em qual versão de vampiros eu devo acreditar: Vampire Diares, Crepúsculo ou House of Night? Ai, meu Deus, não me diga que é no Drácula?!

  Certo, acho que eu perdi o controle. Estou pensando coisas que não tem nada a ver. Acho que é toda essa febre recente com relação a vampiros (Ou sua violenta falta de sanidade mental). A gente começa realmente a pensar sobre essas coisas. Mas, vou te dizer uma coisa, eu não penso nem um pouco em ter um namorado doentio e sedento por sangue. Não mesmo.

  Bem, isso não é nada. Ela só tem dentes perfeitos demais. Será que a Marta já usou aparelho? Coitada. Deve ter sido difícil para ela na escola. Agora dá até para entender porque ela pirou de vez desse jeito. Ou porque não tem marido. Ou porque mora sozinha em uma casa com um gato preto irritadiço. Só um aparelho poderia deixar os dentes dela bonitos como os de uma dentadura.

  Espere aí, SERÁ QUE A MARTA USA DENTADURA?

  – Olá, Carmen, como vai?

  – Muito bem, obrigada. E você?

  – Estou ótima, radiante. Alinhei meus chakras hoje, isso não é maravilhoso?

  Então eu olho para ela tipo “Você é demente ou o quê?” porque não posso agüentar uma coisa dessas. O que é chakra, afinal? Ela fala essas coisas para a gente com se fosse a coisa mais normal do mundo e como se a gente realmente SOUBESSE do que está falando. Mas é claro que eu pelo menos não sei. E prefiro continuar sem saber. Sou a pessoa mais indicada para dizer que, se ela começa a falar coisas estranhas que você não faz idéia do que são, não pergunte. Não queira saber NADINHA sobre isso. Sério.

  – Mas vocês devem estar famintas, não é? Vamos, vamos logo almoçar. Onde estão seu marido e Julia, Carmen?

  – Julia foi ontem à noite dormir na casa de uma amiga dela. E Fábio está na oficina vendo um problema no carro.

  Este é o problema de ser pobre. TUDO na sua casa vive dando defeito. Como a máquina de lavar, por exemplo, que parece mais uma britadeira, de tanto barulho que faz. Ou o fogão, que toda vez que mamãe vai fazer um bolo e coisas assim, fica tudo parecendo a Torre de Pisa. Ah, e tem também o chuveiro, que no verão até queima nossa pele, de tanto que esquenta, e no inverno parece que sai gelo dele.

  – Sim? Que pena, porque eu fiz algo muito especial para vocês.

  E, subitamente, eu me encontro ainda mais temerosa que antes. Essa não é exatamente a frase que as bruxas dizem antes de matar as criancinhas inocentes? (Céus, delirando mais uma vez…)

  Entramos em uma sala de jantar pequena, com uma mesa de seis cadeiras. Bem, para que é que uma pessoa que mora sozinha com um gato precisa de uma mesa de seis lugares eu não sei bem. Vai ver que a mesa tem outras utilidades – nas quais eu não quero nem pensar, já que não deve ser NADA DE BOM.

  – Sentem. Eu já venho colocar a mesa – e então desaparece pela porta que dá acesso à cozinha.

  Talvez seja só eu que esteja meio nervosa aqui. É que essa sala parece um pouco escura. De verdade. Porém me sento normalmente, para não deixar aparentar, sabe, o meu desconforto com toda a situação.

  E então aparece o gato dela.

  Não, ele não se chama Lúcifer nem Belzebu como qualquer um imaginaria (Correção, como JESSICA imaginaria) – eu realmente não consigo ACREDITAR que ALGUÉM vá pôr um nome desses em alguma coisa –, apesar de eu concordar que combina. O nome da gata dela é Lucia, o que não faz nenhum sentido para mim, já que quer dizer “iluminada”. E de iluminada essa gata não tem nada.

  Sabe, Lucia me dá mais medo que a própria Marta, principalmente agora, quando ela está me olhando desse jeito. A gata se esfrega nas pernas da cadeira onde estou sentada como se gostasse de mim. Eu é que sei.   

  – Que bonitinha! – exclama mamãe. – Pega ela, Jessica.

  É óbvio que eu olho bem para ela, vendo se está tirando uma com a minha cara. Aquela gata me odeia. Ela fica o tempo todo me torturando. Por isso eu a apelidei de Belatriz Lestrange. Sabe como é. Lucia se acha a rainha da casa.

  Mas minha mãe nem percebe o olhar você-está-ficando-maluca que eu lanço para ela. Tudo o que faz é dizer:

  – Pega logo, olha só como ela ama você.

  Sei. Ama. Arrã.

  Eu a pego, só que pelo tronco, sabe, e bem afastada, como se fosse um animal raivoso. E não duvido nada que seja.

  O que eu estou pensando é algo como: Por favor, por favor, não permita que ela faça xixi em mim, não desta vez, por favor... Porque ela é cheia dessas coisas. Essa gata do mal quer me destruir. Tudo bem, eu sei que não deve ser nada fácil ser o animal de estimação da Marta, mas espere um pouco, eu não tenho nada a ver com o que ela faz com os seus animais. Eu sou da paz, ok? Não maltrato nem mesmo uma mosquinha – a menos que ela venha me picar. Aí já é outra história.

No entanto, naquele mesmo instante, percebo que fiz uma coisa muito, muito idiota. Caí direitinho no jogo da malandra. Pois ela me olha com aqueles brilhantes olhos verdes, famintos e assustadores, como se estivesse dizendo: “Eu não acredito que você caiu nessa, sua mané. Agora eu vou acabar com você”. E Belatriz começa a se debater nas minhas mãos, e a rosnar para mim como se eu a estivesse machucando.

  – O que você está fazendo, Jessica?! Pare! Não está vendo que machuca a pobrezinha?

  Só que a pobrezinha dá o maior arranhão no meu braço e sai saltitando até o quarto. E minha mãe me diz, muito solidariamente:

  – Bem feito. Fica maltratando o animalzinho.

  E isso prova totalmente o que eu disse: Belatriz é REALMENTE do mal. Só uma gata tão do mal quanto ela faria uma coisa assim. Essa lavagem cerebral que fez na cabeça da minha mãe para que SEMPRE fique do lado DELA, apesar de eu ser a FILHA. Porque TEM que ser lavagem cerebral. Não é possível que minha mãe fosse ficar do lado de uma gata, e não da sua filha assim, porque quer. Não mesmo.

  E também prova mais uma coisa: gatos são realmente criaturas malignas. Acho todo esse tempo, com aquela fumaça toda e aquele negócio esquisito, era ESSE espírito que a Marta estava procurando. O da gata dela. É por isso que eu não vou ter gatos.

  Sabe, chego à conclusão de que a cada dia me torno uma pessoa mais traumatizada. Tipo, tem o meu trauma com loiras – tirando a Cynthia. Bem, não tira tanto assim não, já que ela está com aquele comportamento estranho e quase se esqueceu de mim. Depois tem o meu trauma com aquela estradinha em que uma vez fui perseguida por um cavalo descontrolado (Você também estava, querida). Tem o meu trauma de salas de cinema no escuro do lado da minha irmã – sem comentários. E aquele com fogões e receitas para bolo... Enfim, sou uma pessoa totalmente, completamente, traumatizada. Vou acabar minha vida numa sala de terapia em grupo, escutando a vida boa dos outros e pensando o que é que eles estão fazendo ali. É bem provável. Hmm, eu também posso ser internada de vez em um sanatório.

  Deus que me livre de mais gente louca – mas talvez lá tenha mis gente normal do que tem normalmente nessa minha vida. Sei lá, quem sabe?

  Logo em seguida, ouço os passos ligeiros de Marta, voltando da cozinha com uma toalha de mesa meio dourada com um desenho muito esquisito nela. Uma coisa indiana, eu acho. Não tenho certeza. É meio que uma criatura com uns lençóis enrolados nela, sentada com… bem, uns vinte braços. Não é uma pessoa, pode ter certeza.

  Mamãe insiste com ela para ver se a deixa ajudar, mas Marta não quer.

  – Quando eu vou na sua casa, Carmen, você fica toda cheia de frescura se eu for fazer qualquer coisa. Então agora você vai ficar aí quietinha enquanto eu arrumo as coisas.

  E isso é totalmente hilário, porque Marta é uma completa folgada. Ela vai lá em  casa e fica me atormentando todo o tempo, falando que estou gorda, que preciso me ligar em não-sei-o-quê para obter a paz interior, que o meu quarto é uma bagunça, que minha mãe me mandou fazer isso ou aquilo, etc. Um saco.

  E é por causa disso que estou com mais medo ainda. Porque ela deve ter feito uma coisa realmente especial. E especial significa que não vai prestar nem um pouco. Já estou bem acostumada com coisas especiais.

  É por isso que acho que tenho trauma delas, também.

  Marta volta novamente, trazendo os pratos e talheres, e depois, mais uma vez, dirige-se à cozinha para pegar os copos. Em seguida, volta de novo, desta vez trazendo uma panela fumegando. Eu estico o meu pescoço para poder ver melhor e o que tem lá é…

  CÉUS, O QUE É AQUILO?

  Ali dentro tem coisas boiando – eca! Que nojo, só posso dizer isso – que parecem muito com…

  – São raízes – responde Marta. – Raízes são a parte vital das árvores, por isso carregam mais força espiritual do que as outras partes.

  Não. Não posso acreditar nisso. Ela vai dar RAÍZES DE ÁRVORE para a gente comer? E ela ACHA MESMO que EU vou comer isso? E aquele caldo verde esquisito? Nem morta!

  Mamãe sorri amarelo para mim. Ela que vai sonhando que eu vou comer isso. Força espiritual uma pinóia!

  Sabe, de repente eu não estou com nem um pouquinho de fome, sabia? Acho que já estou incorporando o espírito da coisa… Quer dizer, não estou incorporando espírito nenhum, não!

Marta põe tudo na mesa, aponta nossos lugares – eu não vou colocar nada disso na boca, pode esperar deitada se vou (Chega de histeria, não é mesmo, Jessica? Já foi suficiente por um dia). Isso porque EU é que estou presenciando essa loucura toda – e fica de pé, diante da mesa, onde começa a dizer:

– Repitam comigo: Eu sou uma coluna de Fogo Violeta, um Foco de Luz de energia cósmica que consome tudo o que é negativo!

   Só que eu não vou repetir é nada. Ai, minha nossa. Não vou repetir NADA.

   Depois, como se não tivesse agido como uma completa lunática bizarra, ela se senta, pede para fazermos o mesmo, e começa a mastigar aquela coisa que ela – e só ela – chama de comida.

  É isso o que estou falando quando digo que ela é uma louca.

  E às vezes eu ainda acho que o meu maior problema é ser feia e gorda…


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Notas finais do capítulo

Então? A Marta é tão louca quanto vocês acharam que seria? Não? É, acho que é MAIS. Críticas? Conselhos? Recomendações? Estou aberta à opinião de vocês!
Espero que tenham se divertido! Até o prox.
BeijoS
Miss DOll ;*