Cisne Negro escrita por Atena


Capítulo 4
Um dia interminável


Notas iniciais do capítulo

Um muito obrigada à Zezinha que tem sido assídua aos comentários na fanfic, e à Juliana Amin Assaid que também me deu o prazer de saber sua opinião. Maravilhosas! Isso incentiva bastante. Este capítulo é dedicado a vocês duas ♥



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Edward

 5 de setembro

 

Apertei a gravata em meu pescoço e fitei meu reflexo no espelho de corpo inteiro. Apesar de estar vestido com o meu melhor terno, os sapatos bem engraxados e o cabelo cuidadosamente arrumado, minha aparência era péssima.

Minha pele estava pálida, meus olhos pareciam cansados e abaixo deles haviam sombras decorrentes de uma noite muito mal dormida. Eu tinha tido um sono extremamente leve, recheado de pesadelos: pesadelos horríveis, perturbadores.

Suspirei, fechando os olhos por um segundo. Meu dia havia começado cedo, e mesmo as duas horas bem gastas na academia não foram o suficiente para apagar aquela imagem da minha mente: uma sala coberta por dezenas de corpos, sangue escorrendo das paredes e empoçando no chão e, no centro de tudo aquilo, ela.

Me encarei uma última vez no espelho decidido a apagar aquilo da minha mente e saí do quarto rumo a cozinha.

— Bom dia – cumprimentei Carlisle.

— Bom dia, Edward – ele respondeu animado enquanto mexia em algo numa frigideira no fogão. Então levantou os olhos para mim: – Nossa, o jetlag te pegou mesmo de jeito.

Ele deu uma risadinha antes de me oferecer uma xícara de café. O cheiro preencheu meu olfato e senti o sabor cítrico inundar minhas papilas gustativas quando dei o primeiro gole.

— É, acho que sim. Quais os planos para hoje?

— Você vai com Alice conhecer alguns sócios pela manhã e, pela tarde, você vai me acompanhar para entender um pouco melhor a rotina da empresa.

— Certo. A que horas saímos?

— Em 40 minutos – ele respondeu. – Tempo suficiente para você me contar o que está achando da experiência.

Tomei mais um gole do café e sorri. Carlisle era legalmente meu tutor desde que eu havia catorze anos, embora ele morasse conosco desde... bom, minha vida inteira. Ele me conhecia como ninguém, provavelmente tinha acompanhado meus primeiros passos e, definitivamente, era mais que um pai para mim. Era o melhor conselheiro, treinador, professor e companheiro que eu poderia algum dia imaginar ter.

Eu morava em Mumbai, na Índia, e estávamos nos Estados Unidos há apenas três dias. Eu tinha completado 20 anos na semana anterior e, agora, tinha um ano para me preparar para tornar diretor das Industrias Masen, a empresa que meu pai havia fundado tantos anos atrás – seu maior legado.

A empresa trabalhava, em sua maior parte, com criação e vendas de aeronaves tanto comerciais, quanto de carga e até mesmo alguns modelos militares. Carlisle e Alice, sua filha, deram o seu melhor para me ensinar o máximo a respeito, mas eu ainda estava longe de me sentir preparado. Era uma responsabilidade muito além, e meu irmão mais novo, Emmett, ainda era novo demais para poder assumir.

— Eu sei que faz só um dia que estou de fato mergulhado nisso – eu comecei -, mas não me sinto preparado, Carlisle. Meu pai fez essa empresa crescer muito nos últimos 18 anos, e se eu assumir e estragar tudo?

Ele ficou em silêncio por um momento enquanto servia as omeletes em dois pratos ao lado de mangas e pêssegos cortados em fatias. Então se sentou ao meu lado e sorriu em compreensão, olhando fundo nos meus olhos.

— Edward, relaxe. Você é ótimo em tudo o que faz e, além disso, temos um ano pela frente e. É bastante tempo para se preparar. E Alice tem feito um excelente trabalho como diretora-interina. Tenho certeza de que em metade desse tempo ela vai te transformar em um ótimo empresário.

Ponderei suas palavras, pensativo. Eu sabia que esse momento chegaria em algum dia, mas não esperava que fosse ser tão cedo – até o assassinato dos meus pais após uma tentativa de assalto, quando saíam do seu jantar de aniversário de casamento.

Eu sequer tinha percebido que estava segurando meu amuleto, esfregando a superfície irregular, até Carlisle colocar a mão em meu ombro.

— Não é só isso que está te preocupando, não é?

Tentei disfarçar cravando um pedaço de manga com o garfo, mas flashes do rosto dela manchado por respingos de sangue e lágrimas, os olhos em geral de um dourado brilhante agora opacos, sem vida, encheram minha mente.

— Eu sigo tendo aqueles sonhos – respondi, evitando seu olhar. Eu sabia o que ele ia dizer: que eu tinha uma imaginação um tanto quanto fértil.

Meus sonhos com ela começaram cerca de 3 anos atrás, e em geral eram relativamente tranquilos. Algumas vezes estávamos juntos, indo a cachoeiras ou à praia; outras, eu a via lutando com um homem que parecia ser seu pai, treinando com facas e armas; e às vezes eram cenas comuns, como ela assistindo aula, indo em festas ou coisas do tipo.

Na verdade, a rotina dela era muito parecida com a minha, razão pelo qual Carlisle acreditava ser tudo parte da minha imaginação. Mas as coisas que eu sentia quando a via durante os sonhos e, pincipalmente, quando acordava, eram reais demais. Tão reais que muitas vezes me peguei desejando encontra-la em meu subconsciente quando deitava a cabeça no travesseiro.

— Com a mesma garota? – ele perguntou.

— Sim, mas foi diferente dessa vez. Mais... perturbador.

Ele arqueou a sobrancelha.

— Como assim?

Mais flashes vieram à minha mente: os sons de tiros, a sua expressão quase feroz enquanto lutava com um homem com o dobro do seu tamanho, seu desespero enquanto embalava os pais mortos. Seus gritos pareciam gravados em ferro quente em minha memória.

Pensei por um segundo como explicar aquilo sem parecer completamente maluco.

— Era de noite, eu acho. Ou de madrugada. A casa parecia ter sido invadida, porque tinha dezenas de homens lá dentro, Carlisle. E então ela e o pai estavam lutando contra todos eles, mas...

— Mas... – ele incentivou. Parecia estar honestamente curioso, talvez até preocupado.

Ele com certeza me considera um maluco, pensei. Mas agora que eu tinha começado, não conseguia mais parar.

— Os pais dela morreram no embate. E foi tão real. Parecia que eu estava lá dentro, assistindo tudo. Foi horrível – dei de ombros.

Eu o vi franzir os lábios, e seus olhos desceram para o amuleto que em geral ficava escondido por baixo da minha camisa.

— E ela? Ficou bem?

Franzi as sobrancelhas diante da sua pergunta, mas assenti. Ele deu mais algumas garfadas em silêncio, provavelmente pensando se me colocava na terapia.

— Olhe... – ele limpou os lábios com um guardanapo. - Talvez seja a hora de conversarmos realmente sobre esses seus sonhos. Edward, eu...

— Bom dia! – ouvi a voz de Alice ressoar enquanto ela entrava, elegantemente desfilando pela cozinha em seu vestido tubinho cor de carmim que ia até abaixo dos joelhos.

Pela primeira vez naquela manhã eu soltei um sorriso genuíno. Alice era quase uma irmã para mim. Sua presença sempre animada iluminava a nossa família.

— Como sempre o seu humor contagiando a casa, Allie – eu cumprimentei.

Carlisle riu junto comigo e deu um beijo na testa da filha.

— Bom dia, querida. Espero que tenha dormido bem. Gostaria muito de ficar e apreciar o café junto com vocês, mas tenho algumas ligações a fazer antes de iniciarmos nosso dia.

Ela sorriu, feliz, então encheu o prato com panquecas e algumas frutas picadas por cima e sentou ao meu lado enquanto Carlisle saía do cômodo.

Olhei seu prato praticamente intocado, mas não pude pensar muito a respeito, pois logo Alice começou a tagarelar sobre tudo o que ela pretendia me ensinar naquele dia até que a preocupação sumisse da minha mente.

 

A manhã foi tão longa que fez parecer o longo trajeto da Índia até os Estados Unidos um mero piscar de olhos. O relógio em meu pulso apontava 12:44 – além do que o planejado para aquela reunião.

Eu estava sentado em um dos vários lugares da enorme mesa oval da sala de conferências da empresa fazendo anotações com Alice ao meu lado. Ao meu redor, diversos assistentes munidos com notebooks acompanhavam homens com idades que com certeza variavam entre os 35 aos 50 que me olhavam com desconfiança e descontentamento.

Não podia julgá-los. Não devia ser fácil aceitar o fato de que, muito em breve, um garoto na casa dos 20 seria o sócio majoritário daquela empresa.

— ...na nossa filial houve um aumento de cerca de 32% da produção em relação ao mesmo período do ano anterior, apesar de termos mantido o número do quadro de funcionários – um senhor asiático comentava. Era o responsável pela filial no Japão. – Acredito que as melhorias e acréscimos tecnológicos são o principal fator responsável por isso, nos rendendo um resultado exponencial muito positivo nos lucros.

Eu assenti, anotando as informações em silêncio. Ainda me sentia tímido demais para fazer qualquer comentário a respeito.

— Isso é muito bom, sr. Toyosaki. E a captação de novos clientes? – Alice perguntou.

— Aumentou cerca de... – ele olhou as anotações do assistente – 13%.

— E em relação ao nível de satisfação dos seus colaboradores? – Alice perguntou.

— Acredito que esteja satisfatório. O grau de trabalho diminuiu consideravelmente, principalmente para as hierarquias mais baixas, onde o trabalho era mais braçal. Inclusive estamos considerando fazer alguns cortes, tendo em vista que o número de pessoas está um pouco acima do necessário.

Franzi as sobrancelhas diante daquilo. Meu pai talvez não gostasse muito daquilo.

— Certo... – Alice respondeu. – No entanto, gostaria que antes de qualquer decisão o senhor me enviasse a relação de funcionários atualizada juntamente com os seus respectivos salários, grau de hierarquia, atribuições e, se possível, uma tabela com o nível de produção de todos.

Apertei os lábios na tentativa de esconder um sorriso. Alice era o cão.

O sr. Toyosaki assentiu, embora estivesse insatisfeito, e falou em japonês com o seu assistente:

— Peça para que Emiko providencie isso o mais rápido possível. – E então voltou para o inglês, apesar de Alice (e eu) ser fluente em seu idioma. – Enviarei para o seu e-mail na segunda que vem.

— Agradeço muito, sr Toyosaki – ela sorriu. – Bom, acredito que nossa reunião tenha sido extremamente produtiva. Estamos muito satisfeitos com os resultados apresentados por todos vocês. Teremos isso em mente quando a divisão lucrativa de dezembro por feita. Muito obrigada. Espero que todos possam estar presentes no sábado.

A “divisão” a qual ela se referia era uma espécie de bônus de Natal – não muito usual para sócios de grande escalão, mas era algo que meu pai fazia desde a fundação como um meio de agradecer os esforços de todos.

— Eu agradeço muito a confiança que todos estão depositando em mim – finalmente falei, apesar de saber que nenhum deles confiava em mim coisa nenhuma. – Darei o meu melhor para estar à altura de todos. Dhanyavaad. Muito obrigado.

Todos assentiram e, conforme levantávamos, recebi alguns tapinhas no ombro de alguns poucos homens que estavam ali. Bom, espero que isso seja algo positivo.

Desliguei o notebook e, assim que a sala ficou vazia, Alice deu alguns pulinhos de felicidade ao meu lado.

— Isso foi ótimo! – exclamou. – Tenho certeza de que eles devem ter te adorado.

Eu ri baixinho.

— Eu duvido muito. Nenhum deles parecia muito satisfeito com a ideia.

— Ah, relaxe. Isso vai passar! Aproveite a festa no sábado para socializar um pouco. Tenho certeza de que, assim que te conhecerem um pouco melhor, isso tudo vai passar.

Eu bufei. Um baile beneficente criado para me apresentar oficialmente aos sócios, clientes e potenciais futuros clientes com certeza não me agradava muito. Quer dizer, a parte filantrópica era ótima, mas estar rodeado de pessoas que eu não conhecia e que não nutriam um sentimento positivo por mim me deixava inquieto.

Saímos da sala de conferências rumo ao escritório de Alice para deixarmos nossas coisas antes de irmos almoçar, os saltos que ela usava ecoando pelo ambiente.

— Olhe, tivemos uma mudança de planos – falou. – Meu pai precisou se ausentar para resolver algumas questões pessoais, então você irá me acompanhar em uma apresentação dos engenheiros para novos projetos de aeronaves de luxo. Isso significa que temos tempo suficiente para irmos tirar as medidas do seu novo smoking.

Eu gemi.

— Não posso só usar algum que eu já tenha?

A risada e seu olhar de descrença foram a resposta suficiente, e eu gemi mais uma vez. Aquele dia não terminaria nunca.


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