No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 9
O estranho




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Ao ouvir aquele sujeito que ele nunca tinha visto na vida chamá-lo pelo nome, Miguel parou. Por mais que quisesse se afastar, o professor parou e se voltou para ele. O rapaz desconhecido trazia consigo a bolsa de Heloísa. Ele havia recolhido os pertences da moça e também pegado seus sapatos. Ele lhe entregou suas coisas e ela, com alguma dificuldade, finalmente agradeceu.

— O-obrigada. – foi só o que conseguiu falar naquele momento.

— Não foi nada, Heloísa. – respondeu o homem, com um breve sorriso cansado.

Ele também sabia o nome dela e aquela situação tinha acabado de oficialmente se tornar a mais estranha que eles já haviam enfrentado na vida. E olha que a vida deles já era bem estranha.

Curiosamente, mesmo apesar de todo medo e inquietação, foi impossível para Heloísa não notar como o rapaz era bonito. Ele estava suado, cansado, descabelado e com um pequeno corte no lábio inferior, mas quando passou a mão pelos cabelos, deixou seu rosto mais visível, e Heloísa nunca tinha visto olhos tão incrivelmente azuis.

Os dois olharam para o rapaz, entendendo cada vez menos o que acontecia, e se perguntavam como um completo desconhecido poderia saber o nome deles. Eles estavam em choque, isso era bastante obvio, e o rapaz misterioso sentiu que precisava acalmá-los de alguma maneira.

— Eu sei que vocês estão assustados e que não estão entendendo o que acabaram de presenciar, mas eu peço para que não tenham medo de mim. Eu não vim aqui para fazer mal a vocês, muito pelo contrário. Eu estou aqui para protegê-los e é isso o que eu venho fazendo desde o momento em que vocês nasceram.

Ao ouvirem aquela declaração tão estranha, os irmãos se entreolharam e pensaram que o homem só poderia ser um maluco, afinal como seria possível que alguém que tinha aparentemente a mesma idade deles, estar protegendo-os desde seu nascimento?

— Olha amigo, já deu. Eu agradeço mesmo pelo que você fez pela minha irmã, mas essa sua história está cada vez mais sem pé e nem cabeça e a gente não vai mais ficar aqui escutando esse monte de besteira. – disse Miguel, irritado e também assustado.

— Eu entendo. Se eu estivesse no lugar de vocês, eu pensaria o mesmo. Eu sei que pareço um lunático, mas vocês não podem negar o que acabaram de ver. Vocês são capazes de explicar de alguma forma racional o desaparecimento daquele homem bem na frente de vocês em apenas um segundo?

— Bem... não, mas nem por isso somos obrigados a acreditar em você. – replicou Miguel, mesmo incapaz de fornecer algum argumento.

— Ok. Tudo bem, acho que você ainda está em choque, Miguel.

— Pare de falar comigo como se me conhecesse, cara! – pediu o professor e o homem se calou.

Mil perguntas fervilhavam na cabeça de Heloísa, mas ela permanecia em silêncio, enquanto o irmão via toda a sua lógica descer ralo abaixo. Ela não conseguia desviar o olhar de seu salvador. Ela não era daquele jeito, mas estava assustada e encantada ao mesmo tempo e a única coisa que conseguia fazer era olhar para ele, até que finalmente conseguiu expulsar as perguntas que estavam entaladas em sua garganta.

— Quem é você? Ou melhor, o que é você? Você é humano? – desatou ela a perguntar.

— Hum... Não exatamente. – respondeu ele de forma nada esclarecedora e bem assustadora.

— Você é algum tipo de deus? Anjo? Alienígena? – continuou a moça, dizendo todas as loucuras que vinham na sua cabeça naquele momento.

Ele achou graça da sequência de perguntas.

— Bem, eu com certeza não sou nenhum deus ou anjo. Acho que estou mais para uma espécie de alienígena, mas eu não vim em nenhuma nave espacial, se é isso o que você está imaginando. Eu meio que fui jogado aqui.

Os irmãos não sabiam ao certo como reagir àquela explicação. Ele poderia estar brincando com os dois, mas eles precisavam admitir que nada do que eles conheciam poderia explicar logicamente tudo o que tinham acabado de presenciar.

— Então, Sr. Alienígena, dá licença, porque nós precisamos ir para casa. – disse Miguel, ainda cético e com toda a intenção de ir embora dali, mas algo o fez parar novamente. Uma lembrança.

Ele se voltou outra vez para o homem misterioso e o analisou de cima a baixo até que teve certeza.

— Era você hoje de manhã em frente à escola, não era? – perguntou sem rodeios.

— Sim, mas... – o estranho não pôde concluir a frase, porque foi interrompido por Miguel.

— Vamos embora agora, Heloísa! – praticamente ordenou o professor para a irmã, bem mais sério e decidido do que antes, deixando-a sem entender direito o porquê daquela reação tão repentina. Ela não fazia ideia do que Miguel estava falando, já que ela sequer tinha se dado conta de que também havia sido observada por alguém naquele dia.

— Mas do que você está falando, Miguel? Que homem em frente à escola?

— Vamos embora! – chamou mais uma vez, puxando a irmã pela mão.

— Está certo, não vou insistir. – disse o estranho, percebendo que aquela não era a melhor hora para eles conversarem. – Quando vocês estiverem prontos para conversar, podem vir até a minha casa, mas eu aviso que o portão só ficará aberto entre a meia-noite e às 5 da manhã. Se vocês não vierem hoje, só amanhã então.

— Muito obrigado, mas não sei onde você mora e nem quero saber. Nós não temos mais nada a conversar, com licença. – disse Miguel, praticamente já arrastando Heloísa de volta para casa, mais preocupado em sair de lá do que com as dores que ela sentia.

Eles andaram por alguns metros e já estavam quase em casa, quando pararam novamente ao ouvirem passos atrás deles. Eles se viraram e viram que o rapaz continuava vindo atrás deles, o que deixou Miguel irritado de verdade.

— Pare de nos seguir, por favor! – pediu o professor, tentando não se alterar demais e perder a paciência de vez.

— Mas eu não estou seguindo vocês. Estou indo para casa. – respondeu ele calmamente.

Ao dizer isso, o rapaz os ultrapassou, e seguiu em frente, até parar diante do portão vizinho ao deles. Na casa do Velho Gaida.

Os gêmeos ficaram completamente perplexos ao verem o portão sendo aberto pela primeira vez, e mais perplexos ainda ao vê-lo entrar tranquilamente.

— Ei! O que você pensa que está fazendo, entrando na casa do Sr. Gaida? – dessa vez foi Heloísa quem gritou à distância.

— Eu moro aqui. – respondeu ele, já dentro da propriedade e encostando o portão. – E lembrem-se, o portão só fica aberto até às 5. Boa noite!

Atônitos e sem saber o que pensar, os irmãos seguiram em frente e apenas entraram em casa, enquanto viam o rapaz misterioso desbravando o matagal da casa do vizinho e desaparecendo por entre a folhagem.

Já na segurança de seu lar, Miguel trancou a porta e conferiu se todas as janelas da casa estavam bem fechadas, porque só assim ele conseguiria sentir um pouco de paz.

Enquanto o irmão fazia uma inspeção completa pela casa, Heloísa se sentou no sofá e só naquele momento percebeu todos os machucados que tinha pelo corpo. Além do tornozelo torcido, ela tinha os cotovelos e joelhos ralados e algumas manchas roxas pelos braços. Estava doendo, mas não era nada que não estivesse curado dentro de alguns dias.

As mãos de Miguel tremiam quando ele voltou para a sala, mas ele fez o máximo que pôde para não demonstrar todo o seu nervosismo na frente da irmã. O rapaz tentou se controlar e se acalmar, afinal sua irmã caçula tinha sido a principal vítima de toda aquela loucura e precisava de sua ajuda e ele não podia deixar de cumprir a promessa que havia feito à mãe anos antes.

— Tá tudo bem mesmo, Helô? Você quer que eu te leve no pronto socorro?

— Não precisa. Eu estou bem. Eu só preciso de uns curativos e de tempo pra pensar e tentar entender o que foi que acabou de acontecer.

— Eu... eu também não sei o que foi aquilo. – admitiu Miguel, tão perdido quanto ela. – E por que aquele cara disse que morava aí do lado? Será que está tudo bem com o Velho Gaida?

— Nós temos que ir lá, Miguel! – disse a moça, ainda mais preocupada agora que tinha voltado a pensar no que poderia estar acontecendo na casa ao lado. – E se ele fez alguma coisa com o Velho Gaida pra poder se esconder na casa dele? Ninguém nunca iria saber.

— Pode ser, mas o estranho foi que eu vi o velho Gaida hoje cedo... mas e se não era ele? E se era esse cara?

— Ai meu Deus, Miguel! Nós temos que chamar a polícia!

— E falar o quê? “Oi, um cara esquisito que desintegra pessoas com as mãos, salvou a minha irmã de um maníaco, mas matou meu vizinho idoso pra usar a casa dele como esconderijo?”

— Não... vão pensar que é um trote e que você está drogado. – concordou ela, vendo que não era uma ideia tão boa assim.

— Pois é. O que nós temos que fazer é nos acalmarmos e pensarmos com a cabeça fria. – concluiu Miguel, tentando colocar os pensamentos no lugar. – A primeira coisa que você precisa fazer é ir tomar um banho e cuidar desses machucados, e depois descansar. Nem pense em ir até lá.

Heloísa estava curiosa, mas também tinha medo. Ela queria ir até a casa do vizinho, mas não teria coragem de ir sozinha. Não no meio da noite, pelo menos, nem com aquele tornozelo que não a deixaria correr, caso fosse preciso fugir de lá as pressas. Então ela decidiu sossegar e seguir os conselhos do irmão.

Miguel fez uma segunda checagem nas trancas das portas e janelas e só depois foi para o quarto. Assim que entrou, correu para a janela e foi olhar escondido por ela. Ele não acendeu a luz, se agachou e abriu apenas uma pequena fresta da cortina para poder observar a casa do vizinho sem ser visto.

A luz de um dos cômodos estava acesa, comprovando que realmente tinha alguém lá, mas a preocupação de Miguel era com o Velho Gaida. Contudo, naquele instante lhe ocorreu que o homem pudesse ser algum parente do vizinho. Eles não sabiam nada da vida do idoso recluso, e se os dois fossem mesmo parentes, as coisas até que fariam um pouco de sentido. O Velho Gaida sempre fora um homem estranho, então, nada mais normal, que ele tivesse parentes igualmente estranhos... Mas aquela estranheza já era um pouco demais.

Ele queria deixar aquilo tudo de lado, deitar a cabeça no travesseiro e dormir, mas foi impossível. As horas foram passando e Miguel rolava de um lado para o outro na cama, com a cabeça rodando, sem conseguir se desligar e especulando mil teorias loucas que só faziam aumentar o número de perguntas como: ele deveria ir até a casa do vizinho ou não? O estranho era um amigo ou inimigo? E a mais importante de todas: Mas por que diabos eles teriam um inimigo?


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