No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 5
Mudança de planos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809477/chapter/5

Heloísa parecia estar conseguindo lidar melhor com aquele dia do que o irmão.

Conversar com Vanessa, tinha feito com que ela se sentisse um pouco mais tranquila e também a ajudou a colocar, temporariamente, as preocupações de lado, para poder focar no que realmente importava: o trabalho. Ela concluiu que de nada adiantaria ficar remoendo coisas que estavam fora do seu alcance, e tratou de colocar seu sorriso habitual no rosto e foi ver se conseguia dar uma melhorada nas vendas daquele mês, que ainda estavam um pouco abaixo do esperado.

Ela adorava conversar com os clientes sobre as grandes obras literárias e quase sempre encontrava entre eles alguém disposto a bater um bom papo, o que fazia com que as horas passassem mais rápida e agradavelmente. Naquele dia não foi diferente, e quando ela se deu conta, já estava na hora de seu almoço.

A vendedora não havia recebido nenhuma ligação do irmão até aquele momento, o que era um sinal de que tudo estava bem, mas antes de sair para almoçar, ela deu mais uma olhada no celular. Ainda sem nenhuma mensagem ou ligação de Miguel. Sentiu-se tentada a mandar uma mensagem perguntando como ele estava, mas resolveu não o incomodar e seguiu, em companhia de Vanessa, para praça de alimentação do shopping.

As duas comeram, riram e conversaram bastante, mas não se deram conta de uma coisa: um homem sentado duas mesas atrás delas, vestindo um blusão de moletom preto com um capuz que encobria quase todo o seu rosto. Aquele era um comportamento bastante incomum dentro de um shopping, porque por mais que o dia estivesse frio, o lugar possuía aquecimento e nada justificava toda aquela vestimenta. Ele tinha um copo de refrigerante e sorvia a bebida pelo canudo enquanto as observava. Como não estava tão distante, nem havia muitas pessoas conversando por perto, também as escutava.

As duas vendedoras papeavam animadamente, até que Vanessa perguntou algo que alertou a amiga de uma coisa que ela havia se esquecido completamente e que alterava seus planos de ir direto do serviço para casa e só sair de lá na manhã seguinte.

— Você vai na festa da Aline, não vai? – perguntou Vanessa.

— Putz! Eu esqueci! – disse Heloísa, num estalo. – Eu nem me lembrava mais disso! Também, só a doida da Aline pra dar uma festa de aniversário em plena segunda-feira!

— E nem adianta reclamar, porque se não for no dia certo, ela diz que dá azar. Não pode ser antes nem depois e ai de quem ousar recusar o convite. – disse Vanessa, dando risada ao se lembrar do gênio forte da amiga em comum.

Aline era uma outra amiga dos tempos de escola, mas elas só se conheceram quando estavam no ensino médio. Apesar de a moça ter mesmo uma personalidade marcante, não havia como não gostar dela. Ainda muito jovem, ela já tinha enfrentado uma grande provação na vida, que foi ter vencido um câncer. Ela era grata a nova vida que havia conseguido e considerava cada aniversário um renascimento, por isso nunca deixava a data passar em branco.

— Se eu não for, ela não vai falar comigo por uns três meses, né? – perguntou Heloísa, já sabendo da resposta.

— Talvez até mais. Então eu sugiro você não inventar nenhuma desculpa para fugir da festa. Vem comigo. A gente fica lá umas duas horinhas, só para marcar presença, depois dá no pé.

Heloísa sorriu. Lembrar da festa, fez despertar nela um desejo incontrolável de comer o bolo de aniversário delicioso que a tia da Aline fazia todos os anos. Aquela senhora tinha mãos de fada e tudo o que ela fazia era uma delícia, o bolo, os doces, os salgados. Ela não podia perder, e além do mais, seja lá o que fosse acontecer naquele dia, ela tinha quase certeza de que não seria capaz de tirar sua vida, então ela se decidiu.

— Está bem. Nós vamos, mas eu só vou ficar um pouquinho.

— Combinado então! – animou-se Vanessa. – Passa lá na minha casa lá pelas oito e a gente vai junto.

— Beleza.

Com o compromisso devidamente acertado, as duas voltaram ao trabalho, ainda sem se darem conta de que o homem de capuz as havia seguido de volta e sentando-se no banco em frente à entrada da livraria, que era toda revestida de vidro. Ele as observou por mais alguns minutos e só então se levantou e foi embora. A vendedora seguiu seu dia, agora mais preocupada em como falaria com o irmão a respeito da festa do que com qualquer outra coisa, e sem ter ideia de que algo estranho já estava acontecendo aos dois.

Heloísa sabia que Miguel não iria gostar nada da ideia de que ela saísse naquela noite. Não porque ele fosse um irmão possessivo que a impedisse de fazer qualquer coisa, mas sim por causa de toda a situação incomum daquele dia. Mas ela estava decidida e por mais que ele pudesse tentar, não conseguiria dissuadi-la.

No meio da tarde ela recebeu uma ligação dele perguntando se estava tudo bem. Ela disse que nada de anormal havia acontecido até aquele momento, nem falou nada sobre a festa, e ele achou melhor também não falar sobre o homem de capuz, para que ela não se preocupasse com algo que poderia nem ser nada. Era melhor falar depois, quando ambos estivessem em casa.

O expediente do professor às vezes era mais curto que o da irmã, outras mais longo, então não era tão comum ele ir buscá-la no trabalho. Naquele dia, ele saiu mais tarde e seguiu direto para casa e, foi somente depois de confirmar com seus próprios olhos que a irmã estava inteira e sem nenhum arranhão, que ele finalmente conseguiu se sentir mais aliviado. No entanto seu alívio durou pouco. Durou apenas até ela contar sobre o convite irrecusável para uma certa festa de aniversário naquela noite, da qual ela havia se esquecido completamente.

— Nem pensar. – disse ele, irritado pela notícia inesperada dada pela irmã. – De jeito nenhum que você vai sair esta noite.

— Deixa de ser bobo, Miguel. – retrucou a moça. – Você sabe muito bem que se algo for acontecer, vai acontecer comigo aqui ou em qualquer outro lugar. Que diferença vai fazer se eu for na festa?

Ele sabia que a irmã tinha razão. Não iria fazer diferença alguma ela ir ou deixar de ir, mas naquela hora era seu instinto protetor que estava falando mais alto, não sua racionalidade. Se bem que o que aqueles dois viviam não tinha nada de racional.

O problema verdadeiro, foi que durante a tarde, pouco antes de ele finalmente decidir ligar para Heloísa e ver como ela estava, Miguel tinha tido uma forte sensação de que algo aconteceria com a irmã, não com ele ou algum conhecido qualquer. Tinha quase certeza que seria com Heloísa, mas não quis lhe contar.

— Mas custa você ficar em casa só hoje? – tentou convencê-la sem muitos argumentos, sem querer preocupá-la mais do que o necessário.

— Eu sei que você está preocupado, mas eu não posso fazer essa desfeita para a Aline. Você a conhece e sabe como ela é, e eu também não queria deixar de cumprimentar ela nesse dia tão especial. Eu vou com a Vanessa, mas prometo que vou ficar só umas duas ou três horinhas e ela vai estar comigo o tempo todo.

Miguel sabia que aquela era uma batalha perdida e não havia como obrigar a irmã ficar em casa, até mesmo porque ela já era maior de idade e ele não tinha autoridade nenhuma para impedi-la. Mesmo diante de todas as circunstâncias, ela era dona do próprio nariz.

— Tudo bem. – disse ele, se dando por vencido. – Que horas começa a festa?

— Às nove.

— Essa Aline também, não tem juízo. Onde já se viu fazer uma festa em plena segunda-feira às nove horas da noite? Ela não sabe que a maioria das pessoas normais têm que trabalhar na manhã seguinte?

— Pois é, essa é a nossa Aline. Mas como eu já disse, umas onze, no mais tardar onze e meia, eu estarei de volta.

— Bom, então a gente faz assim: eu levo vocês e quando quiserem voltar, me liga que eu vou buscar vocês.

— Não precisa.

— Precisa sim. Eu prefiro. Assim eu fico mais tranquilo.

— Tudo bem. Já que você quer assim, vamos fazer do seu jeito. Eu vou avisar para a Vanessa vir pra cá então, e dizer que você vai levar a gente. Ela vai é gostar...

— Pode avisar.

— Então me dá licença, que eu vou tirar um cochilinho da beleza, só pra não ficar caindo de sono na festa.

Após ter entrado num acordo com o irmão, Heloísa subiu as escadas e foi para o quarto. Como ainda estava um pouco frio, ela pegou o edredom e deitou na cama. Somente quando já estava confortável é que pegou o telefone e mandou uma mensagem para Vanessa avisando da ligeira mudança de planos. Como imaginado, a amiga adorou, porque ela gostava de aproveitar todas as oportunidades possíveis para ver seu “muso”.

Depois de tudo devidamente acertado, Heloísa ajustou o alarme do despertador, para poder tirar seu cochilo sem medo de dormir demais, e em questão de minutos já estava desfrutando do sono de beleza.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "No Limiar dos Mundos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.