No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 3
Quem sabe dessa vez seja diferente...




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Miguel olhava para o relógio em seu pulso quando Heloísa finalmente apareceu na cozinha.

— Já sei, já sei, estou atrasada. – disse ela com um sorriso, já sabendo o que o irmão queria dizer com aquele olhar. – Só vou tomar um cafezinho para esquentar e passar uma manteiguinha nesse pão e nós já vamos. Eu vou comendo no caminho.

— Então vai logo, enquanto eu tiro o carro da garagem. – apressou ele, pegando a chave do carro e colocando a alça da bolsa de lona marrom ao redor do pescoço, sem realmente estar bravo com a demora da irmã. Por mais que ele quisesse, jamais conseguia ficar bravo com ela. Talvez o fato de ser o irmão mais velho, mesmo que por apenas dois minutos, fizesse com ele sempre quisesse protegê-la.

Heloísa havia se servido de uma xícara de café e já começava a se sentir mais animada, mas quando deu a primeira mordida no pão, escutou a buzina que a chamava do lado de fora e teve que se apressar. Aquele era o sinal, era hora de sair. Ela agarrou o pão entre os dentes, enquanto suas mãos se ocupavam em pegar a bolsa e trancar as portas.

Mal entrou no carro e já levou outra chamada de atenção do irmão, que não queria cascas de pão espalhadas pelo automóvel que ele tinha passado boa parte do domingo limpando.

— Pode deixar, chefe. Eu vou tomar cuidado para não sujar o “possante”. – respondeu ela com ironia, já que o carro estava longe de ser um modelo de última geração. Era um Gol 2008 vermelho, já bem surrado, mas que atendia às necessidades dos dois e também era o que eles conseguiam manter com os seus salários. Heloísa era vendedora em uma livraria e Miguel, professor de História em uma escola pública. Resumindo, dois falidos.

O shopping, onde ficava a loja que Heloísa trabalhava, era no caminho para a escola de Miguel, por isso, ele sempre dava carona para a irmã. Geralmente eles passavam o trajeto todo conversando, mas naquela manhã estavam mais calados do que o normal. Nenhum dos dois queria admitir que “a sensação” havia voltado, mas aquele era um assunto inevitável e foi Miguel quem primeiro decidiu tocar nele.

— Você também sentiu, né? – perguntou o rapaz, sem tirar os olhos da rua e já sabendo qual seria a resposta.

— Senti. – respondeu ela com um suspiro. – Você acha que vai acontecer alguma coisa ruim hoje?

— Não sei se vai ser algo ruim, mas que vai acontecer, vai acontecer... – respondeu ele meio desanimado.

— Será que vai ser com um de nós?

— Não tenho certeza...

— Mas daquela vez foi bem diferente, né? Quando aconteceu aquilo com o pai e a mãe... foi uma coisa que eu nunca tinha sentido. – disse a moça, buscando minimizar a importância do acontecimento atual, ao mesmo tempo em que tentava convencer a si mesma, de que o que quer que fosse acontecer, seria algo de proporções bem inferiores e sem consequências tão devastadoras quanto da última vez.

— É. Daquela vez foi bem mais forte, por isso eu não estou tão preocupado, mas mesmo assim, tome cuidado. – concordou o irmão, tentando se agarrar a um tênue fio de esperança de que eles pudessem estar enganados dessa vez. – Não quero receber uma ligação de alguém, avisando que a minha irmã atrapalhada tropeçou em algum lugar e quebrou o pé.

— Pode deixar que eu vou tomar cuidado. – prometeu ela, sorrindo ao ver a cara séria que Miguel fazia enquanto dirigia. – Mas o senhor, também trate de ficar esperto... mesmo sabendo que não vai adiantar muito, já que nunca conseguimos impedir nada...

— Quem sabe dessa vez seja diferente... – disse ele, tentando convencer a irmã de algo que nem ele mesmo acreditava muito. – Vamos combinar então, que hoje sairemos do trabalho direto para casa. Será melhor se estivermos juntos o máximo que pudermos. Pode ser?

— Combinado. – concordou a moça.

Poucos minutos depois, Heloísa já estava descendo em frente ao shopping e se despedindo do irmão com um aceno. Ela já estava em cima da hora e saiu correndo para conseguir chegar em tempo. Não se atrasou apenas por alguns segundos, o que a fez sorrir novamente naquela manhã fria.

Quando finalmente chegou ao seu posto de trabalho, as portas da livraria já haviam sido abertas, mas não havia nenhum cliente, apenas os funcionários, dentre eles, sua melhor amiga, Vanessa.

Vanessa também era vendedora e conhecia Heloísa desde a quinta série. Aquela era uma amizade que já durava quase quinze anos, então assim que bateu os olhos na amiga, Vanessa percebeu que algo não estava certo.

— Bom dia, Helô! – cumprimentou a moça.

— Bom dia, Van. – respondeu, com um sorriso um pouco forçado.

— Agora pode ir abrindo o bico. – ordenou Vanessa, sem nenhum rodeio, assim que a amiga se aproximou. – O que que aconteceu? Eu sei que hoje é segunda, mas não é por isso que você está com essa carinha.

Heloísa sabia que não conseguiria esconder nada de Vanessa, e não tentou negar o que estava evidente.

— Aquilo aconteceu de novo.

— Aquilo, o quê? – perguntou Vanessa, confusa, mas logo se dando conta do que a amiga estava querendo dizer.

— Ah, “aquilo”?

— Sim.

— Nossa, mas depois de tanto tempo?

— Pois é. A última vez foi há oito anos...

— No dia em que os seus pais morreram, né? Que Deus os tenha. – rogou a moça, fazendo um rápido sinal da cruz. – Mas me diz, o gatíssimo do seu irmão também sentiu?

— Sentiu.

— Então é sério mesmo. Eu acho o máximo esse lance paranormal que vocês têm! – exclamou Vanessa, assustada e animada ao mesmo tempo.

— Não é paranormal... é só uma... coisa. – retrucou Heloísa, mas também sem uma explicação concreta para sua habilidade incomum. – Mas nós não sabemos com quem exatamente “a coisa” vai acontecer. Pode ser com ele, comigo... com você.

— Credo e cruz, mulher! Nem me fala uma coisa dessas! Bate na madeira! Vem aqui que eu protejo você e você me protege. Se bem que quem eu queria proteger mesmo era o seu irmão. – disse Vanessa, enquanto puxava a amiga para perto e lhe dava um forte abraço de urso que quase a sufocou com tanto carinho.

— Tá bom, mas já chega, porque daqui a pouco a gente vai levar é uma bronca. – agradeceu Heloísa, enquanto tentava se afastar dos braços da amiga exagerada.

— Mas eu fico preocupada, ainda mais depois de tudo o que já aconteceu...

— Eu sei, e eu te agradeço, mas não se preocupa. Porque por mais que nós não saibamos o que vai acontecer, ainda não vai ser hoje que você vai perder a sua Heloísa. O Miguel acha que eu posso só quebrar um pé, nada grave.

— Nada grave? E você diz isso nessa tranquilidade? A senhorita está proibida de chegar perto de escadas ou escadas rolantes hoje. É bom tomar cuidado também com a guia da calçada, estamos entendidas?

— Sim, senhora. Agora, vamos trabalhar antes que comece o falatório.

Apesar da saber que não ficaria em paz até o relógio marcar meia-noite e um, Heloísa quis se fazer de despreocupada na frente da amiga, que era a única pessoa que sabia do “dom” dos irmãos e sempre estivera ao lado deles, principalmente nos momentos mais difíceis da sua vida. Mesmo apreensiva, a moça fez o possível para colocar tudo de lado ao menos por algum tempo, afinal os clientes começavam a aparecer e o longo dia de trabalho só estava começando.


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