No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 2
Miguel




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Uma hora antes, assim como a irmã, Miguel também tinha acordado se sentindo estranho. A “sensação” havia voltado e isso o deixava preocupado. Heloísa e ele tinham essas espécies de pressentimentos desde pequenos, mas nunca souberam muito bem o que fazer com aquele “dom”, que parecia não servir absolutamente para nada.

A última vez que eles haviam sentido aquilo tinha sido há oito anos, no pior dia das suas vidas, o dia em que haviam perdido seus pais.

Os irmãos estavam prestes a completar dezoito anos, quando tiveram uma sensação ruim, diferente de qualquer outra que haviam tido antes. Eles não sabiam do que se tratava, embora tivessem certeza de que tinha algo a ver com os pais.

Os gêmeos contaram aos pais o que estava acontecendo, porque estavam preocupados, mas embora Ana Sofia e Heitor da Luz soubessem que os filhos não mentiam quando diziam que pressentiam algo, eles não levaram o aviso tão a sério, já que nunca tinha sido nada muito preocupante. Geralmente se tratava de alguém que se machucaria, um objeto que se quebraria, ou um bichinho de estimação que se perderia, mas nunca tinha sido algo tão grave quanto a morte de uma pessoa, ou naquele caso, de duas. No entanto, os pais não sabiam como a sensação daquele dia tinha sido diferente e mais intensa do que nunca, e por isso estava deixando os filhos mais apreensivos do que o normal. Se tivessem entendido essa diferença, certamente teriam repensado suas atitudes naquele dia.

O dia tinha transcorrido sem maiores surpresas até que a noite caiu e o casal Luz precisou sair de casa. Eles tinham um compromisso importante naquela noite, por isso, mesmo sabendo da inquietação dos filhos, eles foram.

O compromisso em questão era inadiável, porque se tratava justamente de um jantar oferecido a Heitor pelo dono da empresa em que trabalhava já há mais de dez anos. O jantar seria uma comemoração pela promoção de Heitor ao cargo que ele havia almejado por tanto tempo, o cargo de diretor da empresa. Aquele era um cargo importante e o considerável aumento de salário daria a ele e a família uma vida bem mais confortável. Mas infelizmente, parecia que aquele não era o destino traçado para ele e não havia nada que pudesse ser feito quanto a isso.

Embora os irmãos ainda estivessem preocupados, aquele dia angustiante finalmente estava chegando ao fim. Eles até já estavam começando a achar que pela primeira vez pudessem estar enganados, mas isso foi só até quando o relógio marcou quinze para a meia-noite e o telefone tocou. Miguel atendeu e recebeu a notícia que fez seu coração estremecer e suas pernas perderem as forças: seus pais haviam sofrido um grave acidente de carro quando voltavam para casa.

Heitor estava morto e Ana Sofia gravemente ferida no hospital. Desesperados, os dois saíram correndo de casa, se enfiaram num ônibus e chegaram no hospital o mais rápido que puderam. Eles conseguiram chegar em tempo de ao menos se despedirem da mãe, que fez um pedido aos dois, um pedido que eles jamais deixariam de atender. Ela pediu para que eles cuidassem sempre um do outro não importando o que acontecesse, porque no futuro, haveria momentos difíceis a serem enfrentados e um não poderia prosseguir sem o outro. A mãe deles parecia saber que os filhos estavam destinados a algo maior do que eles jamais poderiam imaginar, e ela estava certa. Na hora, eles não entenderam muito bem o que ela queria dizer, mas prometeram cuidar um do outro para sempre, e essa promessa jamais seria quebrada por nenhum dos dois.

E agora, oito anos depois, os laços que uniam os irmãos pareciam estar ainda mais fortes, o que certamente deixaria a mãe bastante orgulhosa e satisfeita.

Apesar da inquietação e das lembranças ruins trazidas pela sensação estranha, Miguel se levantou, porque também precisava trabalhar, e curiosamente, fez exatamente a mesma coisa que Heloísa ao se levantar. Abriu a janela e tocou a chuva, como se a estivesse saudando, e sua atenção também foi atraída para a casa do Velho Gaida, mas ele teve um bom motivo para isso: o avistamento do Velho Gaida em pessoa. Ele estava bem distante e usava um chapéu de aba larga que parecia ser de palha, que encobria seu rosto por completo, mas ele sabia que aquele era o vizinho misterioso em um de seus raros avistamentos. E o mais curioso de tudo, é que ele estava sentado na cadeira em sua varanda e parecia estar contemplando a chuva e isso era algo que ele nunca tinha visto antes. Nunca o tinha visto parado por mais de cinco minutos em seu quintal.

O engraçado era que desde pequeno, todos os seus amigos diziam que a casa estranha e cheia de mato estava abandonada e que devia ser até assombrada, já que era bem provável que o morador já tivesse morrido há muito tempo e seu cadáver se transformado em esqueleto lá dentro sem que ninguém se desse conta, mas Miguel negava isso veementemente, porque afirmava até mesmo já ter visto o vizinho sair de casa numa madrugada.

Ele obviamente havia se tornado motivo de chacota dos colegas por causa daquela alegação na qual ninguém acreditava, mas ele não ligava para isso. Miguel tinha certeza de que tinha visto ele sair numa noite, quando não havia ninguém para vê-lo, o que até fazia sentido para o garoto, afinal, apesar de ser extremamente antissocial, seria praticamente impossível que o Velho Gaida conseguisse se sustentar à base apenas dos alimentos fornecidos por sua horta. Hoje em dia tudo pode ser comprado pela internet e entregue no conforto do seu lar, mas antigamente, as coisas não eram tão cômodas assim, então era lógico que ele também precisasse comprar coisas e fazer isso durante a madrugada era perfeito, já que não teria que dar de cara com nenhum vizinho enxerido, nem com quase ninguém mais. Apenas o necessário.

Ele sabia que o Velho Gaida continuava lá, firme e forte, e o avistamento inesperado daquela manhã era a prova de que ele tinha razão. Aquele dia mal tinha começado e duas coisas incomuns já haviam acontecido e Miguel se perguntava o que mais estaria por vir, mas seus questionamentos tinham que ficar para mais tarde, porque ele precisava se levantar e fazer o café e, certamente, chamar pela irmã dorminhoca que ficaria enrolando para se levantar como sempre fazia nos dias frios e chuvosos.


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