No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 15
Temporariamente a salvo




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Os olhos dos gêmeos ainda estavam ofuscados por causa da luz, mas eles tentavam olhar ao redor para ver se conseguiam ter ao menos uma ideia de onde estavam. Não conseguiram. A única certeza que tinham era a de que não estavam mais na casa de Gaida.

O sol começava a surgir timidamente e tudo o que eles viram foram árvores e mais árvores, permeadas por alguns feixes de luz que, mesmo em pouca quantidade, conseguia dar ao lugar cores muito bonitas. O canto dos grilos, cigarras e dos mais variados pássaros, assim como outros sons que os irmãos não sabiam ao certo como identificar (afinal tinham passado a vida toda na cidade e pouco sabiam sobre as coisas da natureza), vinham de todos os lados e aumentavam conforme o dia ia amanhecendo, quase como que saudando-os.

Contudo, mesmo não sendo especialistas no assunto, estava bastante obvio que agora eles se encontravam em meio a uma floresta. Gaida tinha usado sua técnica de teletransporte e levado a todos para um lugar seguro num piscar de olhos. Não havia outra explicação para o que tinha acabado de acontecer e, se ainda restava alguma dúvida de que tudo aquilo era real, ela tinha acabado de desaparecer.

O viajante do outro mundo estava parado um pouco mais à frente e parecia exausto, mas os irmãos precisavam de respostas para algumas perguntas sumamente importantes, como por exemplo, onde diabos eles tinham ido parar e quem era aquele sujeito bizarro; e o único capaz de responder essas questões era Gaida.

— Onde nós estamos, Gaida? – resolveu perguntar Miguel, colocando um fim ao silêncio de todos.

— Em algum lugar da mata atlântica. – respondeu ele, olhando para a frente, sem se voltar para o professor. – O lugar onde eu apareci pela primeira vez.

Após a resposta curta, o homem se calou outra vez e começou a caminhar lentamente. Os irmãos apenas o seguiram. Só pararam cerca de dez minutos depois, diante de uma estrutura de pedra semidestruída, quase que engolida pela vegetação, que de certa forma até lembrava o quintal onde haviam acabado de estar.

A estrutura emitia uma energia incomum, algo que até os irmãos puderam sentir. Foi algo bem diferente da “sensação”, algo mais parecido com saudosismo. O estranho era sentir saudade de um lugar em que nunca tinham estado antes na vida.

Miguel percebeu que Gaida, além de cansado, permanecia com a expressão séria e preocupada. A mesma expressão que havia transformado seu rosto no exato momento em que ele sentiu a presença do tal Kyrios. Seu olhar estava distante e ele parecia ter se desconectado da realidade.

Heloísa também não estava no seu melhor dia. Era óbvio que estava assustada, assim como o irmão. Era compreensível, afinal todos precisavam de um tempo para se recuperarem de tudo o que haviam vivenciado. Aqueles últimos dois dias tinham sido cheios de estranhezas e emoções, e não é nada fácil se dar conta de que você está metido numa situação realmente perigosa, sem nem saber exatamente ao certo o porquê.

Ainda era quase impossível para Heloísa e Miguel acreditarem que um completo desconhecido pensava seriamente em matar um deles e, de alguma maneira bizarra, se apossar do corpo do outro. E o mais assustador de tudo nem era isso, era perceber que isso só não tinha se concretizado ainda graças à intervenção de Gaida, um outro completo desconhecido.

Esses eram motivos mais do que suficientes para o medo e a preocupação dos dois, mas por mais que estivessem apavorados, eles precisavam entender o que de fato estava se passando. Eles precisavam entender porque de uma hora para outra suas vidas pacatas tinham virado de cabeça para baixo e agora eles pareciam estar vivendo dentro de um conto de fantasia de terror. Aquela informação, naquele momento, talvez fosse a única forma de mantê-los vivos, então o professor tratou de respirar fundo e tentar se acalmar, porque eles precisavam terminar aquela conversa que tinham apenas começado pouco antes de serem interrompidos. Se eles seriam obrigados a confiar em alguém para saírem daquela situação em que haviam entrado sem nem saber como, então que essa pessoa fosse Gaida. Eles ainda não tinham certeza se ele era realmente uma boa pessoa, mas pelo menos, era menos assustador do que o tal Kyrios.

— Bom, acho que eu não vou mesmo ir trabalhar hoje. – disse o rapaz com um suspiro e um sorriso meio forçado, tentando aliviar um pouco o clima tenso que havia se instaurado. – Você está bem, Gaida? Parece esgotado...

A pergunta de Miguel despertou Gaida de seu torpor e o trouxe de volta de onde quer que seus pensamentos haviam ido, fazendo com que ele se forçasse a dar um sorriso também.

— Eu estou bem, obrigado. Não é muito fácil transportar outras pessoas comigo. Quanto mais pessoas, mais cansado eu fico, mas é normal. Eu só preciso de um tempo para me recuperar.

— E será que você poderia contar para a gente mais algumas coisas enquanto descansa? – pediu Heloísa, compreensiva, mas ainda curiosa. – E afinal de contas, quem era aquele cara no seu quintal?

Gaida, mais do que ninguém, sabia que precisava terminar o que havia começado e era provável que eles estariam seguros ali por algum tempo. Seria quase impossível que Kyrios os encontrassem novamente tão rápido.

— Desculpe por não ter explicado antes. Parece que eu não deveria ter esperado tanto. Se eu já tivesse contado tudo para vocês, talvez o desfecho desse nosso encontro com Kyrios tivesse sido bem diferente.

Antes de prosseguir com seu relato, Gaida sentou-se numa grande rocha cinzenta que havia por ali. Heloísa e Miguel seguiram seu exemplo e também usaram as pedras que se espalhavam pelo lugar como assento. Curiosamente, as pedras não pareciam ser rochas naturais da floresta, e sim parte da estrutura antiga semidestruída.

Havia outras pedras menores, com as mesmas características de escombros, mas elas eram diferentes e possuíam uma coloração mais amarronzada. Parecia que algum tipo de explosão tinha sido a responsável por destruí-las parcialmente e espalhá-las por lá.

Assim que todos se acomodaram da melhor maneira que conseguiram nos assentos improvisados e não muito confortáveis, a conversa finalmente continuou.

— Ninguém nunca soube exatamente de onde ele veio, – recomeçou Gaida, já com uma expressão mais serena. – mas com o tempo, começamos a ouvir rumores de que, em um vilarejo afastado, havia um homem que possuía poderes muito parecidos com os da Rainha Árya. Até aquele momento, sua majestade era a única pessoa em todo o mundo capaz de reunir tantas habilidades especiais, então podemos dizer que essa foi uma notícia incrível, mas ao mesmo tempo assustadora.

“O passado ancestral de Vartaris é algo muito nebuloso. Não há registros de praticamente nada de antes do aparecimento da Rainha Árya, mas sabemos que uma civilização muito avançada viveu em nosso mundo muito antes de nós existirmos, porque partes de algumas de suas estruturas ainda sobrevivem.”

“Ninguém sabia também ao certo de onde tinha vindo a Rainha Árya e por mais que ela tivesse as feições de uma bela jovem, era tão antiga quanto o nosso mundo, e só podemos supor que algo realmente sério deve ter acontecido há muitas eras, porque ela própria não se lembrava de como tudo tinha começado, apenas se lembrava de um dia estar vagando sem rumo por Vartaris. Ela nos contou que viveu muito tempo sozinha, até encontrar alguma civilização.”

“No início, nem ela mesma tinha consciência de suas habilidades extraordinárias, mas aos poucos foi descobrindo-as, dominando-as, e com o tempo passou a usá-las para ajudar as pessoas. Ela era uma pessoa muito humilde e muito boa, por isso, e em agradecimento, o próprio povo a alçou ao trono de rainha. Aprendermos a confiar nela e com seu poder e benevolência, ela provou que não havia ninguém melhor para ocupar o cargo, mas a notícia inesperada do tal homem do vilarejo fez com que ficássemos, no mínimo, curiosos, para conhecer essa outra pessoa tão extraordinária quanto ela.”

“Embora eu possua as habilidades que já mencionei e seja considerado uma pessoa rara em Vartaris, a Rainha Árya era realmente excepcional, porque não possuía apenas três, mas várias habilidades. Além de conseguir absorver a energia da natureza para retardar o envelhecimento de um modo quase inimaginável, porque era bastante obvio que ela tinha centenas, talvez até milhares de anos, ela também era capaz de curar ferimentos e doenças bem mais graves do que eu sou capaz. Ela conseguia usar energias para se proteger ou atacar e também abrir portais, embora não fosse capaz de atravessá-los como eu sou.”

— Bom, então quer dizer que em pelo menos em uma coisa, você é superior a ela. – comentou Heloísa com um sorriso.

— Sim. No que se relaciona a portais, acho que sou realmente único. – concordou Gaida, meio encabulado. – Mas apesar de ela ser uma pessoa realmente dotada, a única habilidade que a Rainha Árya costumava utilizar com frequência era a de cura, para ajudar o povo. Ela era extremamente poderosa e talvez conseguisse até fazer coisas de que não sabemos, mas nós nunca a questionamos, afinal ela era a nossa líder e nunca nos deu motivos para dúvidas ou temores.

“Quando este homem, Kyrios, surgiu do nada, exibindo habilidades muito parecidas as dela, ficamos felizes em saber que existia alguém com quem ela poderia dividir o fardo de governar no futuro. Já era quase que um consenso de que ele seria treinado para tornar-se seu sucessor, mas logo percebemos que apesar de ter quase as mesmas habilidades que ela, ele não tinha o mesmo caráter.”


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