No Limiar dos Mundos escrita por Claen


Capítulo 12
O "Velho" Gaida




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O homem misterioso, que agora se identificava como Gaida, tinha conseguido baixar um pouco a guarda dos gêmeos, e percebeu, com pesar, que a hora de eles terem uma conversa muito importante finalmente tinha chegado.

Por mais que ele desejasse do fundo de seu coração estar enganado, para não ter que envolvê-los em sua vida perigosa e deixar tudo esquecido para sempre apenas em seu passado, os acontecimentos da noite anterior o obrigavam a agir. Ele contaria sua história mais uma vez, pois infelizmente, Heloísa e Miguel precisavam saber de tudo, já que disso poderia depender suas próprias vidas.

— Eu agradeço a vocês pelo voto de confiança. – começou o homem, de maneira bastante polida. Tinha o semblante estranhamente triste, mas notava-se certo alívio nele. – Eu sei que é difícil de acreditar, mas eu sou aquele que todos pela vizinhança chamam de “Velho Gaida”.

— Difícil? Não. Impossível! – constatou Heloísa, incrédula. – Você não parece ter nem 30 anos. Como é que você pode ser ele?

— Bem... Eu não tenho... e tenho. E com certeza sou ele.

A explicação não estava ajudando muito, assim como todas as outras que ele já havia dado, mas continuou.

— Vocês haviam me perguntado ontem o que eu era, e eu disse que era um tipo de alienígena, mas também podemos dizer que sou uma espécie de turista acidental. Um viajante de outro mundo.

Os irmãos ficaram em silêncio, observando-o com curiosidade, apenas para conferir até onde toda aquela loucura iria chegar. Mesmo ainda sem saber se aquilo era verdade ou não, eles decidiram entrar no jogo e demonstrar interesse por sua história.

— De outro mundo? Não de outro planeta? – inquiriu a moça.

— Para falar a verdade, isso nem eu mesmo sei direito. De onde eu vim, sabíamos muito pouco sobre vocês e pelo que pude ver durante o tempo em que estou aqui, vocês não sabem nada sobre nós. Nem desconfiam de nossa existência.

— E como é que você veio parar aqui? – dessa vez a pergunta veio do rapaz.

—  Bom, como eu havia dito, eu meio que fui jogado aqui. Uma explosão durante uma batalha... Tudo aconteceu tão rápido, que eu só sei que em um segundo eu estava no meu mundo, e no outro, tinha sido arremessado para cá e perdido a consciência. Quando acordei, eu estava sozinho e... preso aqui. Isso já foi há mais de 50 anos, mas como vocês podem ver, minha aparência não condiz exatamente com a realidade, não é mesmo? Eu não envelheci muito nesse meio tempo. Na verdade, acho que não envelheci nem um dia sequer.

— Mas como isso é possível? Por acaso as pessoas do seu mundo não envelhecem? – voltou a perguntar Miguel, ainda sem conseguir acreditar, só o aguardando o momento em que ele se perderia em sua narrativa fantasiosa.

— Nós, de fato, envelhecemos um pouco mais lentamente do que vocês, mas algo, que nem eu mesmo sei explicar, aconteceu comigo quando cheguei aqui e parece que o tempo parou completamente para mim. Depois de alguns anos no seu mundo, eu me dei conta de que continuava exatamente o mesmo e vi que se eu permanecesse por muito tempo em um só lugar, as pessoas começariam a estranhar. Eu não sabia como voltar para casa, então para não levantar suspeitas e tentar levar uma vida relativamente normal por aqui até entender o que havia acontecido, eu precisei me mudar várias vezes, até que um dia, fui obrigado a parar e me estabelecer. Isso aconteceu justamente quando cheguei aqui e conheci a sua família, ou melhor dizendo, quando eu conheci a Ana Sofia.

— A nossa mãe? – perguntaram os gêmeos quase que ao mesmo tempo e com a mesma entonação de surpresa. Ana Sofia já havia morrido há vários anos e era praticamente impossível que aquele homem tivesse tido a oportunidade de conhecê-la, a não ser que ele estivesse realmente falando a verdade. Os dois estavam cada vez mais confusos e se perguntavam o que a mãe poderia ter a ver com toda aquela história maluca.

— Ela mesma. – confirmou Gaida, com um sorriso. – Apesar de ela ser apenas uma garotinha na época, eu vi que ela era especial e poderia ser a pessoa a quem eu vinha procurando já há muito tempo. Por isso não pude mais me afastar daqui. Tive que ficar, porque se ela fosse mesmo quem eu buscava, sabia que um dia ela precisaria da minha ajuda, mas aí começaram os meus problemas. Não demorou muito para que eu fosse obrigado a me esconder de uma forma mais definitiva. Foi complicado no início, mas com o passar dos anos, os próprios vizinhos acabaram criando esse personagem misterioso, quase folclórico, que se tornou o Velho Gaida. E eu até que gostei da solução e abracei a ideia de me tornar o vizinho estranho, solitário e recluso.

— Ok, Sr. Gaida, mas afinal, de onde é que o senhor veio e o que quer com a gente? – perguntou Miguel novamente, vendo sua impaciência começar a retornar.

— Primeiro, pode esquecer o “senhor” e me chamar só de Gaida, e segundo, vamos com calma, porque, como eu disse, a história é longa e para que vocês consigam entender, preciso começar pelo início. – disse o viajante, finalmente parecendo que de fato explicaria alguma coisa para eles.

— Bom, eu venho de um lugar chamado Vartaris e o meu mundo é incrivelmente semelhante ao de vocês. Já os vartarianos e os terráqueos, esses sim, possuem algumas diferenças.

— Isso deu pra perceber ontem à noite... – observou Heloísa.

— De fato. – concordou Gaida. – Nós realmente possuímos algumas habilidades especiais e somos capazes de fazer coisas que para vocês seriam consideradas como “magia”.

— Bom, pra mim não tem outra explicação. É magia pura. – concluiu Heloísa, sem entender como aquilo que ela havia presenciado não se encaixaria na definição exata da palavra magia. – Foi essa tal “habilidade especial” que você usou ontem para desintegrar aquele cara em um segundo?

— Sim, mas na verdade, eu não o desintegrei, eu apenas o enviei para outro lugar, bem longe. A esta hora ele deve estar confuso, tentando entender como ele foi parar na Ilha de Marajó. Mas lá é muito bonito, acho que ele até vai gostar do passeio. Só não sei como ele vai fazer para voltar. – disse o rapaz, achando graça e exibindo pela primeira vez um belo e largo sorriso. – Eu possuo algumas habilidades especiais, mas elas não são para machucar as pessoas e sim para ajudá-las.

Ao dizer isso, ele olhou para o pé enfaixado de Heloísa, em seguida se levantou e foi ao seu encontro. Ele se ajoelhou e colocou a mão direita delicadamente sobre seu tornozelo. Por reflexo, a moça se retraiu e se esquivou levemente, mas logo relaxou e o deixou prosseguir. Assim que ele a tocou, uma luz, agora esverdeada, não tão intensa como a da noite anterior, surgiu, e Heloísa sentiu um calor agradável no lugar. Em questão de segundos, a dor cessou por completo, deixando-a realmente surpresa. Ela começou a movimentar o pé, e nada. Nenhuma dor. Era como se nada tivesse acontecido.

Ela se voltou para Miguel com os olhos arregalados e ele não entendeu o que estava acontecendo, até ela falar.

— Parou. – disse ela, atônita. – Parou de doer! Não sinto nada.

Ela se levantou e deu alguns passos para provar que estava completamente curada da entorse. Nem ela acreditava, então deu também alguns pulinhos para comprovar que não era apenas sua imaginação lhe pregando uma peça.

Não havia mais como negar, aquilo era real, seja lá o que aquilo fosse. Heloísa era a prova viva de que, por mais impossível que toda aquela história pudesse parecer, pelo menos parte do que Gaida dizia era verdade, e agora a moça estava realmente interessada nela. Miguel estava boquiaberto ao ver que a irmã, que um minuto atrás, mal conseguia encostar o pé no chão, agora caminhava como se nada tivesse acontecido.

— Não está mais doendo, mesmo? – perguntou o rapaz, ainda incrédulo.

— Não. Nadinha.

— Bom, Gaida, acho que você conseguiu mesmo ganhar nossa atenção. – aceitou Miguel, tentando abrir um pouco mais a mente para absorver toda aquela informação fantástica.

— Sem dúvida! – confirmou Heloísa, voltando correndo para ocupar seu lugar no sofá.

— Fico feliz que não me achem mais um maluco! – disse Gaida, achando graça do novo comportamento da dupla.

— Então conta mais sobre você, sobre Vartaris e como foi que você veio parar aqui. – pediu Heloísa, ávida como uma criança curiosa.

— Então se vocês querem mesmo saber, vamos lá...


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